Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12737/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/16/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:SINDICATO; LEGITIMIDADE; DIREITOS E INTERESSES COLECTIVOS; DEFESA COLECTIVA DOS DIREITOS E INTERESSES INDIVIDUAIS DOS TRABALHADORES
Sumário:i) O artigo 338.º, n.º 2, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho (à semelhança do que já acontecia com o art. 310.º, n.º 2, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, e com art. 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março), ao reconhecer às associações sindicais legitimidade processual para “defesa dos direitos e interesses colectivos e para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem”, consagra a legitimidade processual activa dessas mesmas associações para a defesa dos direitos e interesses individuais de um só trabalhador.

ii) Assim, o Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa tem legitimidade para impugnar e concomitantemente requerer providência cautelar de suspensão da eficácia de acto que aplicou pena disciplinar a um dos seus associados.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Ministério público (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que deferiu a providência cautelar intentada pelo Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa (Recorrido) em representação do seu associado Sérgio. ……………………………., contra o Município de Lisboa e, em consequência, determinou a suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Lisboa, de 23.04.2014, que, na sequência do processo disciplinar n.º 27/2013 PDI, aplicou ao associado do Requerente, representado nos presentes autos, a pena de suspensão de 180 dias.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

12.1.

As associações sindicais são organizações de pessoas dotadas de personalidade jurídica, e a quem estão confiadas pela Constituição e pela Lei, a defesa de direitos fundamentais, nomeadamente a promoção e defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores;

12.2.

Enquanto parte processual, a legitimidade das associações sindicais em sede de relação laboral pública está actualmente definida no artigo 338.°, n.° 2 da Lei 35/2014, de 20 de Junho (LGTFP);

12.3.

Concretamente quanto à possibilidade de litigar em nome próprio, é reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses colectivos e para defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam;

12.4

A expressão "defesa colectiva de direitos e interesses individuais" é usada pelo legislador, pelo menos desde a Lei 84/99, de 19 de Março (Lei da liberdade sindical na Administração Pública);

12.5.

Esta expressão não significa uma defesa levada a cabo por uma pessoa colectiva ou por uma agremiação de pessoas, mas antes a defesa de um número indeterminado de pessoas Afectadas nos seus direitos individuais, de forma homogénea;

12.6.

Apenas esta leitura permite conferir algum sentido à expressão em causa, ao mesmo tempo que coloca a defesa dos interesses das associações sindicais na sede própria, evitando que estas sejam partes em litígios onde não dispõem da relação controvertida;

12.7.

Esta leitura é a única que permite evitar que as associações sindicais possam litigar como autoras, em sede de direitos individuais concretos de um trabalhador, eventualmente em contrário dos interesses dos demais, ou mesmo dos interesses que lhe incumbe superiormente defender, i. e, os que se reportam ao grupo profissional que lhes dá legitimidade existencial;

12.8.

Nos casos em que esteja em causa um interesse concreto de um trabalhador, a legitimidade para vir a juízo é apenas e somente do próprio, cumprindo eventualmente à associação sindical o apoio jurídico, nomeadamente através de advogado, e litigando o trabalhador nos termos da isenção de custas prevista no artigo 4.°, n.° l, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais;

12.9

Sendo que, nos casos de reconhecida legitimidade das associações sindicais para litigar como autora, nos moldes preconizados, a isenção de custas é a prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea f) do RCP, o que se justifica plenamente, na medida em que litiga por um interesse "maior do que a soma das partes";

12.10

A leitura feita é igualmente aquela que melhor se integra com as regras do Direito e do Processo do Trabalho, ou seja, com a unidade do sistema jurídico;

12.11

Esta leitura é a única que permite adequar os conceitos de legitimidade à acção administrativa de impugnação, nomeadamente ao exigir que a verificação da legitimidade se avalie no litígio trazido ajuízo e a posição das partes no mesmo, assim garantindo um efeito útil da lide;

12.12

Esta leitura é finalmente a única que se pode compaginar com a natureza do direito disciplinar laboral público, que é um direito punitivo, em que a aplicação de uma sanção exige um juízo de culpa do arguido, ou seja, uma responsabilidade pessoal, que em caso algum uma terceira entidade (no caso, um sindicato) pode assumir, muito menos dela dispor.

Em conclusão, a douta sentença ora em crise, ao admitir o STML como autora legítima na presente acção não fez uma adequada leitura das normas aplicadas e citadas, nomeadamente do artigo 338°, n.° 2 da Lei 35/2014, de 20 de Junho, e do artigo 55.°, n.° 1, alínea c) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, termos em que deve ser revogada e substituída por outra que recuse legitimidade à referida associação sindical para demandar a ré sobre a sua decisão disciplinar, assim absolvendo da instância.

O Recorrido não contra-alegou.



Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao ter considerado o Sindicato requerente nos autos, em representação de um seu associado, como parte legítima.


II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC ex vi dos art.s 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA.



II.2. De direito

A única questão trazida a juízo consiste em apurar se num caso em que foi aplicada uma pena disciplinar a um funcionário municipal, o sindicato de que este é associado tem (ou não) legitimidade processual para impugnar o acto sancionatório.

O Ministério Público, ora Recorrente, entende que não lhe assiste essa legitimidade processual e, consequentemente, deveria ter sido essa excepção julgada procedente e, consequentemente, a Entidade Requerida absolvida da instância. Mais conclui que nos casos em que esteja em causa um interesse concreto de um trabalhador, como alega ser o dos autos, a legitimidade para vir a juízo é apenas e somente do próprio, cumprindo eventualmente à associação sindical o apoio jurídico, nomeadamente através de advogado, e litigando o trabalhador nos termos da isenção de custas prevista no artigo 4.º, n.º l, al. h), do Regulamento das Custas Processuais.

Sobre esta questão, a qual, como já se disse, constitui objecto exclusivo do recurso, afirmou a Mma. Juiz a quo o seguinte:

Considerando que a ilegitimidade do autor obsta ao prosseguimento do processo (alínea d), do n.º 1, do artigo 89.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), importa, antes de mais, apreciar e decidir a ilegitimidade activa suscitada pelo Requerido.

O REQUERIDO suscitou a ilegitimidade activa, dizendo, em resumo, que o n.º 2, do artigo 310.º, da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, não reconhece às associações sindicais legitimidade para defesa individual de direitos e interesses individuais dos seus associados e que o Sindicato requerente sempre teria de fazer prova de que o trabalhador pretende ser representado por ele, prescindindo de o fazer individualmente e pelos seus próprios meios.

Vejamos.

A tutela cautelar constitui, por definição, uma regulação provisória de interesses, dependendo os processos cautelares da causa principal que tem por objecto a decisão sobre o mérito. A sua natureza provisória e instrumental revela-se em várias normas, desde logo nas normas processuais relativas aos processos cautelares, nomeadamente a norma que rege sobre a legitimidade para requerer a adopção de medidas cautelares: o artigo 112.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que reconhece legitimidade para solicitar a adopção de providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, a quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos, o que significa que os pedidos relativos à adopção de providências cautelares seguem as regras da legitimidade para intentar a respectiva acção principal.

A legitimidade activa para os processos em geral encontra-se regulada no artigo 9.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que, na parte que agora importa, estabelece: «1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte e do que no artigo 40.º e no âmbito da acção administrativa especial se estabelece neste Código, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida.».

O n.º 1, do artigo 9.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ao ressalvar o regime específico aplicável à acção administrativa especial – que é o meio processual adequado quando estejam em causa pretensões emergentes da prática ou omissão de actos administrativos ou normas regulamentares -, pretende remeter para o regime jurídico vertido nos artigos 55.º, 68.º, 73.º, do mesmo diploma legal, consoante esteja em causa, respectivamente, a impugnação de um acto administrativo, a condenação na prática de acto administrativo legalmente devido ou a impugnação de normas/declaração de ilegalidade por omissão de normas.

O presente processo cautelar depende da acção administrativa especial que corre termos na 3ª Unidade Orgânica deste Tribunal sob o n.º 1858/14.1BELSB, no âmbito da qual o Sindicato requerente pede a declaração de nulidade ou a anulação da Deliberação da Câmara Municipal de Lisboa suspendenda, que, sequência de processo disciplinar, aplicou ao seu associado Sérgio ………………………….. a pena de suspensão por 180 dias, e a condenação do ora Requerido a repor a situação anterior à instauração do processo disciplinar.

Nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 55.º, tem legitimidade para impugnar um acto administrativo as pessoas colectivas públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender.

Também a alínea c), do n.º 1, do artigo 68.º, reconhece legitimidade para pedir a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido às pessoas colectivas públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender.

Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos ”, Almedina, 2005, p. 282: «… a alusão às pessoas colectivas privadas permite a defesa de interesses individuais ligados ao fim estatutário (…) e também, noutros casos, a prossecução de interesses colectivos, como sucede com as associações de substracto corporacional (associações patronais, sindicatos…».

Nos termos do n.º 2, do artigo 12.º, da Constituição da República Portuguesa, “As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.”.

De acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 56.º, da Lei Fundamental, “Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem.”.

O n.º 2, do artigo 310.º, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, invocado pelo Requerido, estabelecia: “É reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses colectivos e para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem”. (cfr. em sentido idêntico o n.º 2, do artigo 338.º, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que revogou a Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro).

Como sublinha o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de Março de 2007 (Processo n.º 089/07), disponível em www.dgsi.pt, o n.º 1 do artigo 56.º, da Constituição, quando reconhece às associações sindicais competência para defenderem os trabalhadores que representem, não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores, antes supõe que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais – no mesmo sentido, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, vd. o Acórdão n.º 103/2001/T. (Processo n.º 421/00), que julgou inconstitucional, por violação do n.º 1, do artigo 56.º, da Constituição da República Portuguesa, a norma que se extrai do n.º 1 do artigo 46.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, conjugado com a do n.º 2 do artigo 821.º do Código Administrativo, segundo a qual os sindicatos não gozam de legitimidade activa para contenciosamente exercerem a tutela jurisdicional da defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores que representam sem outorga de poderes de representação e sem prova da filiação dos trabalhadores lesados.

Concluímos, assim, diversamente ao defendido pelo Requerido, que o legislador, ao reconhecer às associações sindicais legitimidade “para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem”, está a conferir-lhes legitimidade para assumirem em juízo, também, a defesa do interesse individual dos seus associados, pelo que o Requerente tem legitimidade para propor a acção principal e, assim, para requerer as providências cautelares necessárias à defesa dos interesses que o seu associado visa defender, sendo, assim, parte legítima nos presentes autos de processo cautelar - artigos 12.º, n.º 2, e 56.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 310.º, n.º 2, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, 55.º, n.º 1, alínea c), e 112.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos .

E o assim decidido é de manter.

Com efeito, sobre o tema em debate já existe Jurisprudência firmada, optando-se assim por remeter para os fundamentos do acórdão do STA de 30.06.2011, proc. n.º 458/10, que embora por referência ao Decreto-Lei n.º 84/89, de 19 de Março (entretanto revogado), mantém ao que aqui importa actualidade, considerando a idêntica redacção da norma em causa, atributiva de legitimidade processual aos sindicatos para a defesa dos interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que visam representar. Escreveu-se no citado aresto:

Está em causa a interpretação do referido art. 4, do DL 84/89, de 19.3, nos termos do qual «3. É reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses colectivos e para defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem, beneficiando da isenção do pagamento da taxa de justiça e das custas». [este último segmento relativo à questão da isenção de custas, não constitui objecto do presente recurso].

Em sentido contrário ao da decisão afirmada na sentença recorrida, o recorrente defende o entendimento segundo o qual a «defesa colectiva de direitos e interesses individuais … dos trabalhadores», a que se reporta a citada norma legal, deverá corresponder à defesa de interesses comuns a mais do que um trabalhador, e não já à de interesse individual específico de um só trabalhador.

A questão não é nova na jurisprudência, designadamente deste Supremo Tribunal, que, inicialmente dividida, acabou por se uniformizar, no sentido que foi adoptado na decisão recorrida.

Assim, e como se lê no acórdão do Pleno desta 1ª Secção, de 25.6.07 (Rº 1771/03), que conheceu de recurso por oposição de julgados e cujos fundamentos são inteiramente de acolher:

A expressão «defesa colectiva», usada no referenciado nº 3, qualifica a própria defesa, significando que é assumida por um órgão representativo de toda uma classe profissional, como é o sindicato. Ao qual assiste, pois, legitimidade para assumir em juízo a defesa tanto dos direitos e interesses colectivos como a dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores seus associados.

Neste sentido já decidiu também este Pleno, no respectivo acórdão de 6.5.04, proferido no Rº 1888/03, em cujo sumário se afirma que «os sindicatos têm legitimidade para a interposição de recursos contenciosos em defesa de todos os direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem, em matéria sócio-profissional, independentemente de, no caso concreto, estar ou não em causa o interesse de todos os seus associados».

Esta interpretação é a que confere sentido útil ao preceito do nº 4 do referenciado art. 4 do DL 84/99, onde se estabelece a ressalva de que «a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos prevista no número anterior não pode implicar limitação da autonomia individual dos trabalhadores».

Com efeito, esta ressalva não teria efectivo alcance prático, se, como entende a orientação interpretativa em que se enquadra o acórdão recorrido, a legitimidade dos sindicatos existisse, apenas, para a defesa de interesses colectivos ou de interesses comuns a vários associados. Pois que, se assim fosse, a intervenção do sindicato na defesa do interesse comum, desde que solicitada por qualquer dos interessados, não poderia ser impedida pela eventual oposição de um ou mais dos restantes trabalhadores participantes desse mesmo interesse.

Isto para além de que a interpretação que ora se propugna, no sentido da mais ampla legitimidade activa das associações sindicais, é a que se mostra mais conforme com o texto constitucional, ao afirmar, no art. 56, nº 1, que «compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem».[sublinhado nosso]

Ante esta formulação, e no sentido da superação do entendimento da jurisprudência tradicional, que apontava para uma limitação da legitimidade das organizações sindicais restrita à defesa dos interesses colectivos sócio-profissionais dos seus associados, o Tribunal Constitucional tem vindo também a firmar jurisprudência no sentido de que às associações sindicais cabe a defesa dos direitos e interesses dos respectivos associados, sem estabelecer qualquer distinção entre interesses colectivos e meramente individuais.

Já no acórdão nº 75/85, publicado no DR, I Série, nº 118, de 23.5.85, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral de norma constante do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, que estabelecia que a apresentação e defesa dos interesses individuais seriam «feitas, directamente, pelos próprios, perante os respectivos chefes», o Tribunal Constitucional considerou:

(…)

Ora, nesta última parte, já não se está obviamente, a regular as formas de participação do pessoal civil na vida dos respectivos organismos, mas a forma que obrigatoriamente deve revestir a apresentação e defesa dos interesses individuais de cada trabalhador.

E, mais concretamente, ao determinar-se que a apresentação e defesa de tais interesses terá de ser feita directamente pelos próprios, exclui-se necessariamente a defesa colectiva de interesses individuais, designadamente através da intervenção das associações sindicais.

Todavia, quando a Constituição, no nº 1 do seu artigo 57º (actual artigo 56), reconhece a estas associações competência para defenderem os trabalhadores que representem, não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores: antes supõe que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais.

(…)

Na sequência desta orientação, e reconhecendo também a «amplitude com que é constitucionalmente consagrada a finalidade da intervenção sindical», o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 118/97, publicado no DR I Série, nº 96, de 24.4.97, veio a considerar que «a defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que representem é uma competência própria dos sindicatos», cuja actividade, «não se confina à mera defesa dos interesses económicos dos trabalhadores, antes se prolonga na defesa dos respectivos interesses jurídicos … e esta defesa exige a possibilidade de os sindicatos intervirem em defesa dos direitos e interesses individuais dos trabalhadores que representem, principalmente quando se trata de direitos indisponíveis».

A validade desta jurisprudência foi, ainda, expressamente reafirmada no acórdão do mesmo Tribunal Constitucional nº 160/99, de 10 de Março de 1999 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 43º volume, p. 7, ss.), que julgou inconstitucional, por violação do art. 56, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a norma que, na interpretação da decisão ali recorrida, se extrai dos arts 77, nº 2 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, 46, nº 1 do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo e 821, nº 2 do Código Administrativo, segundo a qual os sindicatos carecem de legitimidade activa para fazer valer, contenciosamente, independentemente de expressos poderes de representação e de prova de filiação dos trabalhadores directamente lesados, o direito à tutela jurisdicional da defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representem.

Assim, afastando-se do regime inicialmente estabelecido no DL 215-B/75, de 30 de Abril, e no art. 53, nº 3 do Código do Procedimento Administrativo, que não conferiam aos sindicatos às associações sindicais legitimidade para defesa de direitos individuais dos trabalhadores, esta orientação consolidou-se antes da publicação do citado DL 84/99, pelo que as normas deste diploma reflectem necessariamente o seu subsídio, à luz do qual deverão, pois, ser interpretadas.

Em suma: a disposição do nº 3 do art. 4 do DL 84/99, de 19.3, ao reconhecer às associações sindicais legitimidade «para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem», consagra a legitimidade processual activa dessas mesmas associações para a defesa dos direitos e interesses individuais de um só trabalhador”.

Ou seja, como já se havia igualmente afirmado no acórdão deste TCAS de 20.06.2013, proc. n.º 9685/13: “Conforme é jurisprudência firme dos nossos tribunais superiores, os artigos 56º da CRP 4º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 84/99, de 19.03, 55º, n.º 1, alínea c), do CPTA, e agora o artigo 310º, n.º 2, do RRCTFP, que atribuem legitimidade activa aos sindicatos, devem ser lidos de forma a acolherem uma ampla legitimidade daqueles, quer para a defesa dos direitos e interesses colectivos, quer para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que visam representar – cf. neste sentido, entre muitos, os Acs. do TC n.º 75/85, de 06.05, n.º 118/97, de 19.02 e n.º 160/99, de 10.03 e os Acs. do STA já antes citados)”.

Razões pelas quais, correspondendo a decisão recorrida ao sentido firmado da Jurisprudência sobre a questão decidenda – jurisprudência dos tribunais administrativos e do Tribunal Constitucional –, terá necessariamente que negar-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.




III. Conclusões

Sumariando:

i) O artigo 338.º, n.º 2, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho (à semelhança do que já acontecia com o art. 310.º, n.º 2, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, e com art. 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março), ao reconhecer às associações sindicais legitimidade processual para “defesa dos direitos e interesses colectivos e para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem”, consagra a legitimidade processual activa dessas mesmas associações para a defesa dos direitos e interesses individuais de um só trabalhador.

ii) Assim, o Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa tem legitimidade para impugnar e concomitantemente requerer providência cautelar de suspensão da eficácia de acto que aplicou pena disciplinar a um dos seus associados.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Sem custas.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2015



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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António Vasconcelos