Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12598/15
Secção: CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/12/2015
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR – PROVISORIEDADE E SUMARIEDADE DA TUTELA CAUTELAR – “FUMUS NON MALUS IURIS”
Sumário: I – A tutela cautelar tem uma finalidade própria, consistente em assegurar a utilidade duma lide que normalmente tende a demorar muito mais tempo, na justa medida em que implica uma cognição plena.
II – Na exacta medida em que têm uma função preventiva contra a demora inerente aos processos principais, as providências cautelares assumem características típicas: elas são instrumentais da acção principal cuja utilidade visam assegurar, ou seja, dependem funcionalmente e não apenas estruturalmente desta; são provisórias, na medida em que não se destinam a regular definitivamente o litígio; e são sumárias, porquanto esse é o grau de cognição do tribunal, quer no plano de facto quer no plano do direito.
III – O carácter provisório e sumário da tutela cautelar não se coadunam com uma apreciação exaustiva dos vícios assacados ao acto suspendendo, nomeadamente para concluir sem margem para dúvidas pela ilegalidade da actuação administrativa, actividade que deve ser deixada para o juiz que vier a apreciar a acção principal.
IV – A alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA [e, de igual modo, também a alínea c) do mesmo preceito] faz depender a atribuição de providências cautelares da formulação de um juízo sobre as perspectivas de êxito do requerente no processo principal.
V – Neste particular, a alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA satisfaz-se com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” pelo requerente no processo principal, “ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”, para que uma providência conservatória possa ser concedida.
VI – Perante a factualidade indiciariamente provada – o estabelecimento permanece sem licença de funcionamento, isto é, não reúne todas as condições para a sua concessão –, e estando em causa uma providência conservatória, aqueles factos são suficientes para concluir pela evidência da improcedência da pretensão de fundo, pelo que se mostra justificada a decisão recorrida que considerou não verificado o “fumus non malus iuris”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
……………………………….., Ldª”, com sede no Sítio da Fornalha, Olhão, intentou no TAF de Loulé uma providência cautelar contra o Instituto da Segurança Social, IP, pedindo a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, IP, datada de 10 de Fevereiro de 2015, que “ordenou o encerramento de estabelecimento administrativo do estabelecimento de apoio social – Estrutura Residencial para Idosos (…) fixando (…) o prazo máximo de 30 dias, para cessar a actividade e assegurar alternativas que permitam salvaguardar o bem estar dos utentes (…)”.
O TAF de Loulé, por sentença datada de 8 de Julho de 2015, julgou o pedido improcedente e negou a providência requerida [cfr. fls. 203/243 dos autos].
Inconformada, a requerente recorre para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
A) Ao presente recurso deverá ser atribuído efeito suspensivo, de acordo com o regime geral previsto no nº 1 do artigo 143º do CPTA, uma vez que o efeito meramente devolutivo que se reporta o nº 2 do citado artigo é excepcionalmente atribuído apenas ao recurso das decisões proferidas em sede cautelar que tenham adaptado ou concedido a providência requerida, conforme expressamente referido pelo legislador, e não nos casos em que, como o presente, a providência tenha sido indeferida.
B) A interpretação acima proposta é a que mais se coaduna com a letra e espírito do nº 2 do artigo 143º do CPTA e com a regra de interpretação ínsita no artigo 9º, nº 3 do CC, segundo a qual deverá presumir-se que o legislador sobre expressar o seu pensamento da forma mais adequada, pelo que, se fosse intenção do legislador atribuir efeito devolutivo ao recurso de todas as decisões proferidas em sede cautelar, tê-lo-ia dito expressamente, ao invés de referir apenas os recursos relativos "à adopção de providências cautelares".
C) A aplicação do regime regra de atribuição do efeito suspensivo aos recursos da decisão que indeferia a providência cautelar é igualmente mais consentânea com o regime de recursos previsto no código de processo civil, atenta a remissão operada pelo artigo 140º do CPTA, posto que o artigo 647º, nº 3, alínea d) do CPC, atribui expressamente efeito suspensivo ao recurso das decisões que indeferiam as providências cautelares, por contraponto às decisões de provimento, a que é atribuído efeito meramente devolutivo.

D) Não existe qualquer justificação para fazer uma diferenciação entre o regime previsto no CPTA e no CPC, no que concerne aos efeitos dos recursos em sede cautelar, uma vez que a ratio subjacente ao artigo 143º, nº 2 CPTA e ao artigo 647º, nº 3, alínea d) do CPC, é exactamente a mesma, ou seja, com a atribuição de efeito suspensivo ao recurso da decisão de indeferimento, pretende-se assegurar o efeito útil do próprio recurso, no caso do tribunal "ad quem" vir a decretar a providência cautelar indeferida em primeira instância, já não se justificando tal efeito quando a decisão seja de provimento, porquanto, neste caso [e apenas neste] a atribuição de efeito suspensivo ao recurso poderia prejudicar a finalidade tida em vista com o decretamento da providência, impedindo o seu efeito útil.
E) A requerente viu-se impedida de produzir a prova testemunhal por si requerida, uma vez que foi confrontada com douta sentença de indeferimento, sem que previamente àquele momento tivesse sido proferido pela Mmº Juiz "a quo", despacho interlocutório que fundamentasse a decisão de não proceder às requeridas diligências de prova.
F) A amplitude de acção conferida ao julgador pelo artigo 118º, nº 3 do CPTA, no que concerne às diligências de prova, não o legitima a ignorar ou indeferir sem qualquer fundamento ou sem fundamento atendível, as diligências de prova requeridas pelas partes, as quais apenas podem ser preteridas quando se mostrem irrelevantes, dilatórias ou desnecessárias à boa decisão da causa, pressupondo-se neste caso, a prolação de despacho devidamente fundamentado, conforme resulta do artigo 90º, nº 2 do CPTA.
G) O despacho constante em acto anterior à douta sentença e apenas com aquela notificada à recorrente, que se limita a referir a dispensa da indicada prova testemunhal, "tomando em consideração o pedido e a causa de pedir e ainda por se entender que a justa composição do litígio não resulta prejudicada – vide nº 3 do artigo 118º do CPTA e artigo 6º do CPC", limita-se a formular um juízo meramente conclusivo, não cumprindo minimamente as exigências de fundamentação legal impostas pelo artigo 90º, nº 2 do CPTA, e artigos 153º e 154º do CPC.
H) No caso "sub judice", a audição das indicadas testemunhas era essencial à requerente, para prova dos factos alegados nos artigos 96º, 97º, 98º, 99º, 100º, 102º, 103º, 105º, 106º, 107º, 108º, 109º, 110º, 111º, 112º, 113º, 114º, 115º, 116º, 117º e 118º do requerimento inicial, relativos à gravidade e irreparabilidade dos prejuízos que a execução do acto de encerramento cuja suspensão foi requerida, acarreta para a requerente, para os idosos alojados no seu estabelecimento e respectivas famílias.
I) Ao não ter ordenado a inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente, nem proferido despacho devidamente fundamentado rejeitando tais diligências de prova, com base em qualquer dos fundamentos previstos no artigo 90º, nº 2 do CPTA, cometeu a Mmª Juiz "a quo" nulidade processual, consubstanciada na omissão de acto legalmente prescrito, susceptível de influir na boa decisão da causa, com manifesto prejuízo para a recorrente, que assim se viu impedida de fazer melhor prova dos factos atinentes ao preenchimento do requisito do "periculum in mora" previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, tendo o Tribunal "a quo" utilizado a suposta ausência de prova, para indeferir a providência cautelar requerida.
J) Afigurando-se a requerida produção de prova testemunhal indispensável à apreciação dos requisitos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, a sua recusa pelo tribunal "a quo" não poderá deixar de violar o disposto no artigo 118º, nº 3 do CPTA, dando por conseguinte lugar à anulação da sentença recorrida, devendo ser determinada a baixa dos autos à 1ª instância, para inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente, nos termos do artigo 662º do CPC, aplicável "ex vi" do artigo 140º do CPTA, ou caso melhor se entenda, ser desde logo ordenada a produção da requerida prova testemunhal nos termos do artigo 149º, nº 2 do CPTA.
K) Tendo a recorrente, no seu requerimento inicial, assacado ao acto suspendendo os vícios de falta de fundamentação [artigos 3º a 27º do req. inicial], erro nos pressupostos de facto e de direito [artigos 28º a 73º do req. Inicial] e violação do princípio da proporcionalidade [artigos 74º a 91º do req. inicial], é nula por omissão de pronúncia, a sentença que se limitou a conhecer perfunctoriamente apenas o primeiro dos vícios invocados, omitindo qualquer apreciação sobre as demais ilegalidades suscitadas pela requerente.
L) Tratando-se de questões jurídicas distintas, autonomizáveis entre si, qualquer uma delas com relevância para aquilatar da verificação, "in casu", do requisito do "non fumus malus", pressuposto pela alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA para a concessão de providencias conservatórias, a resposta dada pelo Tribunal "a quo" sobre a invocada falta de fundamentação do acto suspendendo, jamais poderá prejudicar a apreciação e o dever de pronúncia do Tribunal relativamente às demais questões suscitadas pela recorrente, pelo que, ao não conhecer das aludidas questões, a douta sentença violou o disposto no artigo 95º, nº 1 do CPTA [artigo 608º, nº 2 do CPC], gerando o vício de omissão de pronúncia previsto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC, 1ª parte, e consequente nulidade da decisão.
M) A douta sentença revidenda é igualmente nula por falta de fundamentação no que concerne à matéria de facto, já que contrariamente ao dever legal imposto pelo artigo 607º, nº 4 do CPC, aplicável aos procedimentos cautelares por força da remissão operada pelos artigos 295º do CPC e artigo 1º do CPTA, é completamente omissa no que concerne aos factos não provados, não especificando as razões pelas quais não foram considerados pelo Tribunal os factos alegados pela recorrente nos artigos 96º, 97º, 99º, 103º, 105º, 106º, 107º, 108º, 109º, 111º, 112º, 113º, 114º, 115º, 116º e 117º do requerimento inicial, nem as razões pelas quais não foi tida em conta a demais prova documental junta pela recorrente, designadamente, os docs. 18, 20, 23, 24, 25, 26.
N) A falta absoluta de discriminação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC, e importará a nulidade da sentença se, tal como sucede no presente caso, tiverem sido alegados pela requerente factos que não tenha sido dados como provados, nem como não provados e que sejam relevantes para a decisão da causa.
O) Também relativamente aos factos dados por provados, a douta sentença não cumpre as exigências mínimas de fundamentação legal, porquanto não resulta que a Mmª Juiz "a quo" tenha procedido a qualquer exame crítico da prova, na medida em que, quanto aos factos provados se limita a fazer uma remissão indistinta e genérica para a prova documental, tornando impossível aquilatar as razões pelas quais o Tribunal se decidiu num sentido e não noutro, bem como as razões pelas quais valorou certa prova documental em detrimento de outra, nomeadamente, da demais prova documental oferecida pela requerente.
P) No que concerne à decisão de mérito proferida, a douta sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação do direito, designadamente, do artigo 120º do CPTA, já que contrariamente ao entendimento sufragado pela Mmº Juiz "a quo", os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 120º CPTA não são cumulativos, nem o critério previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA constitui elemento essencial da atribuição, em circunstâncias normais, da providência cautelar.
Q) A alínea a) do nº 1 do artigo 120º CPTA, apesar da sua inserção sistemática, é aplicável apenas a situações excepcionais em que a procedência da pretensão do requerente na acção principal se afigura de tal forma evidente, face à ostensiva ilegalidade do acto, que se admite que a providência seja atribuída, sem necessidade de verificação dos demais requisitos [v.g. "periculum in mora" ou da ponderação de interesses].
R) Fora de tais situações excepcionais e estando em causa providências de natureza conservatória, os únicos requisitos de que a lei faz verdadeiramente depender a concessão da providência cautelar, encontram-se enunciados na alínea b) do nº 1 do artigo 120º e no nº 2 do mesmo artigo.
S) É igualmente desconforme à lei, o entendimento sufragado na douta sentença no sentido de que "[...] nas situações em que é evidente a improcedência da pretensão material a formular no processo principal, a concessão da providência cautelar, depende da verificação do periculum in mora e do critério do fumus boni iuris", porquanto, nenhuma providência cautelar poderá ser decretada quando seja patente a improcedência da pretensão do requerente a formular na acção principal, precisamente porque, perante tal evidência, não se pode ter por verificado o "fumus boni iuris" que constitui pressuposto da sua concessão.
T) Quanto à verificação, "in casu", do requisito do "periculum in mora", contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, através da matéria de facto vertida nos artigos 96º, 97º, 98º, 99º, 100º, 102º, 103º, 105º, 106º, 107º, 108º, 109º, 110º, 111º, 112º, 113º, 114º, 115º, 116º, 117º e 118º do requerimento inicial e dos documentos juntos sob os nºs 18, 20, 23, 24, 25, 26, a recorrente deu adequado e integral cumprimento ao ónus que sobre si recaía de alegar factos concretos que permitissem ao tribunal perspectivar a existência de prejuízos de difícil reparação ou de situação de facto consumado que, para si e para os idosos alojados no estabelecimento, resultarão da execução do acto suspendendo.
U) Apenas não tendo podido produzir melhor prova sobre os factos por si alegados, porque o tribunal "a quo" não permitiu a inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente, utilizando contra a requerente a suposta ausência de prova [a que o próprio tribunal deu azo], ao concluir não ter a requerente apresentado qualquer prova relativamente àqueles factos.
V) No que concerne ao preenchimento deste requisito, a requerente alegou e demonstrou por via documental que o encerramento do lar de idosos e a correspondente demora inerente à tramitação normal da acção principal, implicará inexoravelmente a sua insolvência, na medida em que os únicos rendimentos por si auferidos, decorrem das mensalidades pagas pelos idosos que se encontram alojados no lar, sendo tais rendimentos essenciais ao pagamento das amortizações mensais do crédito bancário de Euros 375.000,00 que contraiu para adquirir o imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento, importando o encerramento do lar e consequente perda dos rendimentos, igual impossibilidade da requerente proceder ao pagamento dos prestadores de serviços que desempenham funções no estabelecimento e à conclusão do processo de licenciamento do estabelecimento em curso. Igualmente demonstrou que a remoção abrupta dos utentes, para outros estabelecimentos ou para a casa dos seus familiares, sem que estes tenham condições para os acolher ou prestar a assistência necessária, colocará em risco a estabilidade emocional e psicológica dos utentes, com agravamento do seu estado de saúde geral.
W) Afigura-se assim patente o erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida ao não considerar verificado, em concreto, o requisito do "periculum in mora", já que a matéria de facto invocada e documentalmente provada é mais que suficiente para considerar preenchido tal requisito.
X) Igualmente andou mal a douta sentença ao não considerar verificado o "fumus boni juris" ou a aparência de direito, pressuposto pela alínea b) do nº 1 do artigo 120º CPTA, porquanto, ao contrário do que acontece nas providências antecipatórias, nas providências conservatórias, a lei bastar­se-á com um juízo negativo ou de não improbabilidade da procedência da acção principal – também chamado "non fumus malus" – impondo-se a concessão da providência concedida, desde que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
AA) Destarte, também o requisito do "fumus boni juris" [na sua formulação negativa], se tem por verificado nos presentes autos, na medida em que face ao alegado nos artigos 3º a 91º do requerimento inicial, não se afigura ser manifesta a falta de fundamento dos vícios assacados pela requerente ao acto suspendendo – falta de fundamentação, erro sobre os pressupostos de facto e de direito e violação do princípio da proporcionalidade.
BB) Face aos factos alegados em 53º, 54º, 55º, 56º, 58º, 60º, 61º, 62º, 63º, 67º, 68º, 70º, 71º, 81º a 82º, 92º a 123º do requerimento inicial, deveria igualmente a douta sentença recorrida ter considerado verificado o requisito previsto no nº 2 do artigo 120º do CPTA, uma vez que, demonstrada ausência de perigo concreto, para a segurança, integridade, higiene e bem-estar dos utentes decorrente da manutenção do estabelecimento em causa em funcionamento, ponderados os interesses em causa, não resultarão da concessão da requerida providência, para o interesse público, danos superiores àqueles que se pretendem evitar caso a providência seja recusada.” [cfr. fls. 203/243 dos autos].
O Instituto da Segurança Social, IP, apresentou contra-alegações, nas quais se pronuncia pelo improvimento do recurso [cfr. fls. 308/313 dos autos].
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento [cfr. fls. 326/337 dos autos].
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Pese embora tenha dispensado a inquirição das testemunhas arroladas pela requerente/recorrente, a sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
A) A deliberação de 10-2-2015 é do seguinte teor:























[cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial];


B) Pelo ofício Refª DF/UFA/SFES 201400041961, os representantes legais da requerente foram notificados pela entidade requerida, nos seguintes termos:



[cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial];


C) A deliberação de 10-2-2015 assentou na Informação da Equipa Inspectiva da entidade requerida, de 28-1-2015, com o seguinte teor:
































[cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial];
D) Pelo ofício Refª DF/UFA/SFES 201400041961, a entidade requerida notificou a requerente para se pronunciar em sede de audiência dos interessados sobre a “intenção de encerrar estabelecimento de apoio social”, nestes termos:



[cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial]; E) A Informação da Equipa Inspectiva da Entidade requerida, de 16-10-2014, é do seguinte teor:























































[cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial];


F) Na “Declaração” da médica, Drª Ana …………………………, pode ler-se que a mesma, refere “na qualidade de directora técnica do Lar…………………, despende 3 horas diárias neste estabelecimento” [cfr. doc. nº 4 junto com a petição inicial].

G) Na “Declaração” de 23-4-2015, pode ler-se o seguinte:







[cfr. doc. nº 6 junto com a petição inicial].

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

As questões a apreciar no presente recurso são as seguintes:
a) O efeito a atribuir ao presente recurso jurisdicional, que a recorrente pretende que seja o efeito suspensivo [conclusões A) a D) da respectiva alegação];
b) Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ao não ter apreciado todos os vícios assacados ao acto suspendendo [conclusões K) e L) da respectiva alegação];
c) Nulidade da sentença por falta de fundamentação, na medida em que é totalmente omissa no tocante aos factos que considerou não provados, em violação do disposto no artigo 607º, nº 4 do CPCivil [conclusões M) a O) da respectiva alegação];
d) Violação do disposto no artigo 118º, nº 3 do CPTA, na medida em que a dispensa da inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente a impediu de provar os requisitos de que depende a concessão da providência [conclusões E) a J) da respectiva alegação];
e) Erro de julgamento, no tocante à apreciação do mérito da providência e dos requisitos de que a lei faz depender o respectivo decretamento [conclusões P) a BB) da respectiva alegação].
Comecemos por apreciar a questão do efeito atribuído ao recurso que, como decorre do despacho de fls. 303, foi o efeito meramente devolutivo.
No nº 2 do artigo 143º do CPTA o legislador previu situações a que atribuiu efeito diferente do regime-regra previsto no nº 1 – ou, dito de outro modo, fixou como regime-regra para as decisões que defiram pedidos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias ou de todas as que sejam tomadas no âmbito de providências cautelares, o efeito meramente devolutivo –, designadamente aos recursos interpostos de decisões proferidas no âmbito de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias e no âmbito de processos cautelares.
Com efeito, quando o legislador se refere no nº 2 do artigo 143º do CPTA a “decisões respeitantes à adopção de providências cautelares”, está a abranger todas as decisões proferidas no âmbito de tal forma de processo e, por isso, quer quando se adopte, quer quando se rejeite, a providência cautelar requerida. Estas decisões “são todos os tipos de decisões que podem ser adoptadas em providências cautelares, como sejam as que concedem ou deneguem providências cautelares” [neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, in “Comentário ao CPTA”, 3ª edição, revista, 2010, pág. 941. No mesmo sentido, vide, de entre outros, os Acórdãos deste TCA Sul, de 14-4-2005, processo nº 618/05, de 11-6-2007, processo nº 2167/06, e de 30-11-2011, processo nº 08023/11, e de 2-2-2012, processo nº 08311/11].
Por outro lado, a isso também conduz a relação de especialidade existente entre o CPTA e o CPCivil, que no caso do CPTA – e, nomeadamente por via dos conflitos de interesses que aos tribunais administrativos compete dirimir – justifica que o efeito regra nos recursos sobre todas as decisões tomadas no âmbito de providências cautelares seja o meramente devolutivo, deste modo se justificando também o desvio à solução contida no artigo 647º, nº 3, alínea d) do CPCivil.
Consequentemente, mantém-se o efeito devolutivo fixado ao recurso, assim improcedendo as conclusões A) a D) da alegação da recorrente.

* * * * * *
Nas conclusões K) e L) e M) a O) da sua alegação, vem a requerente sustentar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ao não ter apreciado todos os vícios assacados ao acto suspendendo [conclusões K) e L) da respectiva alegação] e também por falta de fundamentação, na medida em que é totalmente omissa no tocante aos factos que considerou não provados, em violação do disposto no artigo 607º, nº 4 do CPCivil [conclusões M) a O) da respectiva alegação].
Vejamos se as apontadas críticas procedem.
A necessidade da existência duma tutela cautelar surgiu da constatação de que muitas vezes – ou a maior parte das vezes – a morosidade dos processos judiciais pode comprometer uma tutela efectiva, plena e adequada das posições jurídicas dos particulares afectados com uma concreta actuação da Administração.
Essa constatação é tanto mais evidente quando nos movemos no quadro das relações jurídicas que se estabelecem entre os particulares e a Administração, na medida em que estes, não estando no mesmo plano daquela, podem vir a sofrer prejuízos dificilmente reparáveis mesmo que mais tarde venham a obter ganho de causa em acção destinada a escrutinar a legalidade da conduta da Administração. Basta pensar nos exemplos enunciados nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 112º do CPTA para perceber o alcance dos prejuízos que um particular pode sofrer se, paralelamente com a possibilidade de impugnar actos administrativos ou materiais e normas ou pedir a condenação da Administração no dever de prestar ou de reparar um dano, não lhe forem disponibilizados mecanismos processuais tendentes a evitá-los na pendência dessas acções.
A tutela cautelar tem, assim, uma finalidade própria, consistente em assegurar a utilidade duma lide que normalmente tende a demorar muito mais tempo, na justa medida em que implica uma cognição plena [cfr., neste sentido, J. C. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições)]”, Almedina, 7ª edição, a págs. 327].
Porém, na exacta medida em que têm uma função preventiva contra a demora inerente aos processos principais, as providências cautelares assumem características típicas: elas são instrumentais da acção principal cuja utilidade visam assegurar, ou seja, dependem funcionalmente e não apenas estruturalmente desta; são provisórias, na medida em que não se destinam a regular definitivamente o litígio; e são sumárias, porquanto esse é o grau de cognição do tribunal, quer no plano de facto quer no plano do direito.
Ora, carácter provisório e sumário da tutela cautelar não se coadunam com uma apreciação exaustiva dos vícios assacados ao acto suspendendo, nomeadamente para concluir sem margem para dúvidas pela ilegalidade da actuação administrativa, actividade que deve ser deixada para o juiz que vier a apreciar a acção principal.
Deste modo, o facto da Senhora Juíza “a quo” não ter apreciado todos os vícios assacados ao acto suspendendo não acarreta a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, tal como sustentado pela recorrente nas conclusões K) e L) da respectiva alegação.
E o que dizer da nulidade da sentença, por falta de fundamentação, por ser totalmente omissa no tocante aos factos que considerou não provados, em violação do disposto no artigo 607º, nº 4 do CPCivil [conclusões M) a O) da respectiva alegação]?
Nos artigos 96º, 97º, 98º, 99º, 100º, 102º, 103º, 105º, 106º, 107º, 108º, 109º, 110º, 111º, 112º, 113º, 114º, 115º, 116º, 117º e 118º do requerimento inicial a recorrente invocou determinados factos, tendentes a demonstrar a gravidade e irreparabilidade dos prejuízos que a execução do acto de encerramento cuja suspensão foi requerida lhe acarreta, propondo-se fazer a prova dos mesmos por intermédio de testemunhas, que arrolou, e de documentos, que juntou – nomeadamente cópia da escritura de mútuo com hipoteca, de fls. 132/150, nota de lançamento dos encargos com a dita hipoteca, de fls. 151, e cópia da declaração modelo 22 do IRC, de fls. 152/156.
Porém, como se pode constatar da matéria de facto dada como assente pela decisão recorrida, esta fundamentou-se exclusivamente “nos documentos compulsados nos autos”, pois quanto à prova testemunhal arrolada, como acima já se referiu, foi a mesma dispensada.
Ora, do elenco dos factos que a decisão recorrida seleccionou para apreciar o pedido cautelar formulado, não consta qualquer um dos acima mencionados, que a recorrente alegou e se propôs provar por intermédio dos documentos que juntou. E, por outro lado, também não consta da decisão recorrida que os mesmos tenham resultado não provados, como exige o nº 4 do artigo 607º do CPCivil.
Contudo, esta situação não configura nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, antes devendo ser enquadrada no regime previsto no artigo 662º do CPCivil, que confere a este TCA Sul poderes para modificar a decisão de facto, nomeadamente para que se proceda à ampliação desta [cfr. alínea c) do nº 2 do artigo 662º do CPCivil].
Tal solução vai ainda de encontro ao sustentado nas conclusões E) a J) da alegação da recorrente, que aponta erro de julgamento à sentença, por violação do disposto no artigo 118º, nº 3 do CPTA, na medida em que a dispensa da inquirição das testemunhas que arrolou a impediu de provar os requisitos de que depende a concessão da providência, e também ao erro de julgamento invocado nas conclusões P) a BB) da alegação da recorrente, no tocante à apreciação do mérito da providência e dos requisitos de que a lei faz depender o respectivo decretamento.
Porém, há que analisar primeiro se o juízo emitido pelo tribunal “a quo” no tocante à não verificação do “fumus non malus iuris” é de confirmar, pois que se o for as apontadas críticas à sentença recorrida caem pela base, tornando desnecessária quer a anulação do julgamento levado a cabo no TAF de Loulé quer a ampliação da matéria de facto.
Vejamos então.
Como decorre do respectivo teor, a decisão recorrida – pese embora alguma confusão que transparece na análise dos requisitos de que a lei faz depender a concessão das providências conservatórias, como é a presente – considerou que não estava demonstrado o requisito do “fumus non malus iuris” e, nessa medida, absteve-se de apreciar se estava ou não demonstrado o “periculum in mora”.
Como é sabido, a alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA [e, de igual modo, também a alínea c) do mesmo preceito] faz depender a atribuição de providências cautelares da formulação de um juízo sobre as perspectivas de êxito do requerente no processo principal. Se este é, portanto, um critério comum à atribuição, tanto de providências conservatórias, como de providências antecipatórias, a verdade porém é que a formulação utilizada, quanto a este ponto, em cada uma das alíneas é diferenciada, de onde resulta que a atribuição de providências conservatórias, por um lado, e de providências antecipatórias, pelo outro, obedece, neste particular, a regimes distintos [cfr., neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, 2010, a págs. 807].
Neste particular, a alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA satisfaz-se com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” pelo requerente no processo principal, “ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”, para que uma providência conservatória possa ser concedida.
Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um “fumus non malus iuris”: não é necessário um juízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa – o que, tratando-se de factos negativos, não cabe ao requerente demonstrar e, na dúvida, parece ser, por regra, de admitir [cfr., neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, 2010, a págs. 808].
No caso presente, a sentença recorrida considerou que não estava demonstrado o “fumus non malus iuris”, na medida em que o lar em causa funcionava sem a necessária licença de funcionamento ou, sequer, sem autorização provisória de funcionamento [cfr. informação da equipa inspectiva da entidade requerida elaborada em 28-1-2015, alínea C) do probatório], facto aliás confessado pela recorrente [cfr. artigo 70º do requerimento inicial].
Ora, de acordo com o disposto no artigo 11º, nº 1 do DL nº 64/2007, republicado pelo DL nº 33/2014, de 14/3 [diploma que define o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social […] em que sejam exercidas actividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a […] pessoas idosas [...] estabelecendo ainda o respectivo regime sancionatório – cfr. artigo 1º], os estabelecimentos abrangidos pelo citado decreto-lei só podem iniciar a actividade após a concessão da respectiva licença de funcionamento, o que demonstra que a actividade que vem sendo desenvolvida pela recorrente é ilegal.
Por outro lado, como decorre também da supra mencionada informação dos serviços de inspecção da entidade recorrida, foram detectadas deficiências graves nas condições de instalação e segurança, nomeadamente nos acessos, na ausência de sinalização e meios de prevenção de incêndios, a inexistência de meios de combate a incêndios, bem como a insuficiência demonstrada no que se refere aos recursos humanos, em face do número de idosos em acolhimento, e do seu grau de dependência, circunstâncias que fundamentaram a decisão de encerramento administrativo do estabelecimento da recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 35º, nº 1 do citado diploma legal.
Ora, perante tal factualidade – o estabelecimento permanece sem licença de funcionamento, isto é, não reúne todas as condições para a sua concessão, o que constitui uma infracção muito grave de acordo com o regime sancionatório previsto no DL nº 64/2007 [cfr., nomeadamente os artigos 39º-A, 39º-B, alínea a), 39º-E, alínea a), 39º-F e 39º-H, este quanto às sanções acessórias] – é manifesto que o tribunal “a quo” não podia deixar de decidir como decidiu.
Com efeito, estando em causa uma providência conservatória, os factos provados são suficientes para concluir pela evidência da improcedência da pretensão de fundo, pelo que se mostra justificada a decisão recorrida que considerou não verificado o “fumus non malus iuris”.
Deste modo, torna-se desnecessária a inquirição das testemunhas indicadas pela recorrente para prova dos factos alegados nos artigos 96º, 97º, 98º, 99º, 100º, 102º, 103º, 105º, 106º, 107º, 108º, 109º, 110º, 111º, 112º, 113º, 114º, 115º, 116º, 117º e 118º do requerimento inicial, relativos à gravidade e irreparabilidade dos prejuízos que a execução do acto de encerramento cuja suspensão foi requerida, através dos quais a recorrente procura rebater os fundamentos jurídico-fácticos do despacho suspendendo, dado que sempre se manteria o juízo relativo à não verificação do “fumus non malus iuris”, igualmente exigido pela alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, razão pela qual improcede o invocado erro de julgamento, pela violação do disposto nos artigos 607º, nº 4 do CPCivil e 118º, nº 3 do CPTA.
Por conseguinte, a decisão do TAF de Loulé não padece das nulidades invocadas nem dos apontados erros de julgamento, merecendo ser confirmada.

IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 12 de Novembro de 2015

[Rui Belfo Pereira – Relator]


[Pedro Marchão Marques]


[Helena Canelas]