Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01872/07
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/20/2009
Relator:Eugénio Sequeira
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL. IRC. TRANSMISSÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS. DEFERIMENTO TÁCITO. ACTO EXPRESSO.
Sumário:1.A Administração tem o dever de decisão face às petições que lhe forem apresentadas pelos particulares e para as quais disponha de competência para o efeito;
2. Na falta de cumprimento desse dever, tem o particular o direito de considerar indeferida para efeitos de recorrer aos meios impugnatórios, a pretensão que lhe tenha solicitado;
3. E nos casos expressamente previstos na lei, o silêncio da Administração confere ao particular, o direito de considerar deferida a pretensão formulada sobre matéria da competência dessa entidade decidente;
4. Só pode ocorrer o deferimento tácito se o requerente preencher todos os requisitos formais para que pudesse obter um deferimento expresso;
5. A norma do art.º 69.º da CIRC, na redacção do Dec-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto, impõe como requisito para o deferimento da transmissão dos prejuízos fiscais, no caso de fusão por incorporação, que a operação seja realizada por razões económicas válidas;
6. O preenchimento deste estalão legal constitui matéria de discricionariedade técnica por banda AT, com uma ampla margem de livre apreciação, o qual não pode ser fiscalizado pelos tribunais, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. C. ..., S.A., identificada nos autos, veio deduzir a presente acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças, tendo em vista obter a anulação do despacho n.º 131/2007, do Exmo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 6.2.2007 que lhe indeferiu o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais por si apresentado, e a entidade demandada condenada no reconhecimento do deferimento tácito que para tal se havia formado.


Citada a entidade demandada veio a mesma contestar e juntar o respectivo processo administrativo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, não emitiu qualquer parecer, apesar de para tanto ter sido notificado (fls 649 dos autos).


Pelo relator foi proferido o despacho saneador de fls 650 dos autos, onde se pronunciou pela inexistência de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo e pela desnecessidade da produção de quaisquer provas, tendo as partes sido notificadas para alegarem por escrito, cujas conclusões na íntegra se reproduzem:


Da autora:
1. O regime previsto no art. 69.º do CIRC não configura um benefício fiscal, mas sim um desagravamento fiscal de carácter estrutural e o artigo 11.º-A do EBF não lhe é aplicável.
2. Por isso, tendo a Autora requerido ao Ex.mo Senhor Ministro das Finanças, em 30 de Novembro de 2004, autorização para dedução de prejuízos fiscais, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 69.º do Código do IRC (CIRC), o respectivo deferimento tácito ocorreu em 30 de Maio de 2005.
3. A virtualidade de em 23 de Junho de 2006, ou seja, mais de um ano e meio após a data em que a Autora apresentou o referido requerimento, a Direcção de Serviços do IRC ter solicitado à Autora o envio de comprovativos da inexistência de dívidas à Segurança Social não é susceptível de suspender a contagem do prazo de deferimento tácito, até porque, nem a Autora nem qualquer das sociedades incorporadas tinham, de facto, quaisquer dívidas perante a Segurança Social, o que poderia ser fácil e directamente conhecido pela Direcção de Serviços do IRC, nos termos do DL nº 92/2004, de 20 de Abril.
4. Os escassos fundamentos trazidos aos autos pelo Réu para fundamentar a sua decisão de indeferimento, designadamente, o património líquido negativo das sociedades incorporadas e os limites do Despacho n° 79/2005 - XVII do SEAF,
i) decorrem de uma incorrecta aplicação da lei,
ii) Incorrem em erro crasso,
iii) constituem manifesta desadequação ao fim legal subjacente à existência do art. 69.º do CIRC,
iv) e violam o dever de boa administração.
5. A Autora teve e demonstrou as razões económicas válidas que suportaram a operação de fusão, não Implicando sobretudo o pedido de dedução de prejuízos qualquer distorção do princípio da neutralidade fiscal, facto esse totalmente desconsiderado pela Administração Fiscal.
6. Em suma, das vantagens económicas da operação de fusão - plenamente enunciadas no requerimento de dedução de prejuízos ­destacam-se,
i) a criação de uma estrutura mais eficaz que contribuiu para a consolidação e expansão da Autora,
ii) o aumento de produtividade, de clientela,
iii) a redução de custos operacionais,
iii) a optimização da gestão comercial e dos serviços pós-venda, com aproveitamento total das sinergias das incorporadas e
v) o aumento da satisfação dos clientes, bem como, da principal fornecedora a Mercedes - Benz, tornando a Autora mais competitiva e forte num mercado com novas exigências comunitárias ao nível do sector automóvel.
7. Por outro lado, não colhe, igualmente, o argumento de que aqueles prejuízos não podiam ser deduzidos, uma vez que o plano específico de dedução dos prejuízos fiscais, concretizado no n.º 7 do Despacho n.º 79/2005 – ­XVII, do SEAF, impõe determinados limites que inviabilizam estas deduções.
8. Tal despacho, que apenas vincula a Administração Fiscal, mas não os contribuintes, para além de violador do princípio da legalidade viola, igualmente, o princípio da não retroactividade da lei fiscal.
9. Ainda, e sem prescindir, para além de ser manifestamente ilegal, a parca fundamentação aduzida pela Direcção de Serviços de IRC, verifica-se também que o despacho em crise não foi devidamente fundamentado, sendo, simultaneamente, obscuro, contraditório e insuficiente, o que determina a sua anulação do acto por vício de forma.

Nestes termos, em tudo se conclui como na petição oportunamente deduzida nos presentes autos.


Da entidade demandada:
I - A entidade demandada mantém tudo quanto afirmou em sede de Contestação, que aqui dá como integralmente reproduzida.
II - Nas suas doutas Alegações a A. limita-se a reafirmar o já expendido na petição inicial e já contraditado em sede de Contestação.
III - No entanto e quanto à matéria da acção, sempre se reitera que o acto impugnado não padece da invalidez de fundamentação que lhe é assacada pela A., sendo certo que também se concretiza numa correcta aplicação da lei.
Entende-se ainda que a decisão impugnada não configura uma violação da lei.
IV - A dedução dos prejuízos fiscais de uma sociedade nos lucros tributáveis de outra sociedade, ao abrigo do disposto no artigo 69° do CIRC só pode ocorrer quando, por um lado elas estiverem envolvidas num processo de fusão e, por outro, quando essa dedução for autorizada pelo Ministro das Finanças.
Com efeito, estipula-se no n.º 1 do artigo 69° do CIRC que os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no n.º 1 do artigo 47°, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo predial.
V - No que se refere ao pretenso vício de violação de lei da decisão impugnada "por se tratar de uma revogação ilegal de um acto de deferimento tácito da administração tributária ocorrido em Maio de 2005 e cujos fundamentos violam claramente o espírito do legislador plasmado nos artigos 67° e seguintes do Código do IRC, relativamente ao regime fiscal aplicável às fusões, cisões e entradas de activos" e por os requisitos necessários para a aplicação do regime de neutralidade fiscal previstos nos artigos 67° e seguintes do Código do IRC terem sido integralmente cumpridos sempre se dirá que não tem a A. qualquer razão, como aliás, resulta das bem elaboradas Informações que fundamentaram o despacho impugnado e que aqui se dão como inteiramente reproduzidas para efeitos de contraditar o alegado pela A.
A formação do acto tácito sub judice reporta-se ao preenchimento dos requisitos de deferimento tácito da pretensão.
Com efeito, o deferimento tácito ou acto tácito positivo é uma ficção legal que surge vocacionada para obstar a situações de inércia/silêncio da Administração conferindo ao administrado o direito de considerar deferida a pretensão formulada sobre matéria da competência da entidade decidente, verificados que sejam determinados pressupostos.
Ou seja, o deferimento tácito reporta-se apenas ao preenchimento dos pressupostos legais da sua formação e não à pretensa legalidade do seu conteúdo, aliás, necessariamente ficcionado.
Sobre a controvertida formação do acto de deferimento tácito dispõe o artigo 69° do CIRC, na redacção à data aplicável (DL 221/2001, de 7 de Agosto e, no que respeita ao seu n.º 7, da introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro), que:
n.º 1 – “Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no n.º 1 do artigo 47º, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.".
n° 2 – “A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos".
n° 7 - "O requerimento referido no n.º1, quando acompanhado dos elementos previstos no n.º2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de seis meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis".
N° 8 - "Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente".
Assim, para se produzir o deferimento tácito o pedido deve ser instruído "com todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos" e, designadamente com os elementos constantes da Circular n.º 6/2002, de 2 de Abril, sem prejuízo de os serviços poderem solicitar, quando necessário, informações adicionais (cfr. o entendimento sufragado no Despacho N.º 677/2002, de 25 de Março, do SEAF).
Por outro lado, sendo a transmissibilidade dos prejuízos fiscais prevista no aludido artigo 69° do CIRC um benefício fiscal que necessita de reconhecimento, encontra-se, por essa via, sujeito ao disposto no artigo 11º-A, n.º1, do EBF.
Consequentemente, nos elementos previstos no n.º 2 do artigo 69º do CIRC - e que são "todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos" - também se integra o ónus constante do artigo 11°-A, n.º 1, do EBF, na redacção em vigor à data do facto.
Contrariamente ao defendido pela A. e tal como resulta provado no processo administrativo e é afirmado na decisão recorrida "... só se tomou conhecimento dos últimos elementos necessários para a apreciação e autorização do pedido após 19 de Julho de 2006 - note-se que a documentação comprovativa da inexistência de dívidas à Segurança Social das sociedades C. Santos - Veículos e Peças, SA, e Sociedade Portuguesa de Automóveis, SA, apenas foi enviada á DGCI em 19 de Julho de 2006 e nessa data ainda não tinha sido disponibilizada a certidão relativa à sociedade Spauto - Venda e reparação de Automóveis, Lda - pelo que a partir dessa data é que se pode considerar que se começa a contar o prazo de deferimento tácito".
Na verdade, o requerimento apresentado pela A. em 30 de Novembro de 2004 carecia de vários elementos, nomeadamente do comprovativo da inexistência de dívidas à Segurança Social.
Refira-se, aliás, que a jurisprudência desse TCA Sul tem vindo a considerar que o prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 69° do CIRC para entrega do requerimento dos interessados na Direcção-Geral dos Impostos - até ao fim do mis seguinte ao "do registo da fusão na conservatória do registo predial – só começa a contar-se a partir da data do efectivo registo da fusão, e não a partir da data da apresentação do requerimento de registo da mesma fusão (cfr. o Ac. do TCA Sul de 15-02-05, Recurso 1321/03, in CTF Janeiro/Junho/2005, anotado pelo jurista especialista do CEF João Correia Leitão).
Assim sendo, nunca o prazo referido no artigo anterior poderia iniciar-se à data da entrega do requerimento da A.
Foram, de novo, solicitados pela AF, outros elementos cuja morosidade de cumprimento apenas pode ser imputável à A.: por exemplo, dos elementos peticionados pela AF através do ofício n.º 16.710 apenas parcialmente foi dada resposta.
Como tal, quando a A., em 30 de Novembro de 2004, peticionou que lhe fosse concedida autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas iniciou um procedimento administrativo que apenas se poderia considerar tacitamente deferido seis meses depois se tivesse fornecido os elementos legalmente exigidos.
O que, como se demonstrou, não sucedeu.
Faltando um dos pressupostos de que a lei faz depender o início da contagem do prazo para a formação do deferimento tácito - falta de entrega de todos elementos previstos no n.º 2 do artigo 69° do CIRC - não se formou, á data pretendida pela A., o deferimento tácito.
Tal deferimento tácito apenas ocorreu seis meses depois da data em que a AF tomou conhecimento dos últimos elementos necessários para a apreciação e autorização do pedido.
Ora tendo esses elementos sido remetidos à AF em 20 de Julho de 2006 ­informação sobre a possível existência de dívidas à Segurança Social - o pretendido deferimento tácito poderia ocorrer em 20 de Julho de 2007 (e não ocorreu).
Improcede assim o argumentado pela A. de que o requerimento para utilização (dedução) dos prejuízos fiscais apurados pela sociedade incorporante, apresentado em 30 de Novembro de 2004, foi tacitamente deferido em 30 de Maio de 2005, devendo, por isso, considerar-se ilegal o acto que pretenda a sua revogação se posterior a essa data.
VI. Não sendo invocado pela A. qualquer ilegalidade específica relativa à revogação do acto de deferimento - que não a de ser posterior a Maio de 2005 - face à prolação do acto expresso de indeferimento deixa de carecer de objecto o seu pedido de reconhecimento do respectivo deferimento tácito sem ser através do reconhecimento de que se encontram reunidas todas as condições previstas no artigo 69° do CIRC.
O que, também, se não verifica.
Na óptica da A. os argumentos apresentados pela Administração Tributária na sua fundamentação não colocam em risco quaisquer dos factores que constituem os pressupostos para a concessão da autorização de transmissibilidade dos prejuízos fiscais das sociedades incorporadas pela C. Santos - Veículos e Peças, SA, tal como previsto no artigo 69° do CIRC e a decisão impugnada encontra-se eivada de ilegalidade já que os requisitos necessários para a aplicação do regime de neutralidade fiscal previstos nos artigos 67° e seguintes do Código do IRC foram integralmente cumpridos.
Incorre a A., na sua leitura, na violação do princípio da tipicidade fiscal, ou seja, na violação do princípio, aplicável na vertente dos benefícios fiscais, de que a ausência de tributação num determinado caso concreto só pode ocorrer se existir norma legal que especificamente autorize essa excepção à regra.
Nessa senda, cfr. o disposto no AC. do STA, 2ª Secção, de 02-11-2006, Processo n.º 0312/06, de que se extracta:
"Deste modo, se se considerar que o disposto no artigo 69° do CIRC institui uma isenção fiscal ter-se-á de concluir que a sua aplicação poderá ser feita aos casos nele especificamente previstos não sendo de permitir a sua aplicação a casos que possam ter semelhanças com a situação nele prevista ou que com ela se possa estabelecer alguma espécie de analogia".
Nos termos do artigo 69.º, n.º 2, do CIRC, "a concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos".
Ora, o R. após fazer a sua interpretação, concluiu que os requisitos não estavam verificados.
Esses requisitos - que a fusão tenha ocorrido por razões económicas válidas e se insira numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva - visam garantir que este regime excepcional de transmissibilidade de prejuízos fiscais só seja possível quando os interesses sacrificados sejam proporcionais aos salvaguardados, isto é, que a perda de receita fiscal, resultante da subtracção dos prejuízos da empresa fundida ao lucro tributável da sociedade incorporante, seja equivalente aos ganhos obtidos com a fusão e que se aferem pelas razões económicas e pela estratégia de redimensionamento e de desenvolvimento empresarial.
Tanto a questão de saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie: uma fusão pode fundar-se numa razão económica válida para um interesse público de vitalidade da economia nacional, mas tal pode já não ocorrer em face dum interesse público de vitalidade de uma economia sectorial.
Como escreve Freitas do Amaral: "Porque não se lhe pede um trabalho de subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado, mas se exige uma tensão criadora do direito no caso concreto, deve naturalmente entender-se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo autónomo da vontade do agente administrativo, deve escapar ao controlo do juiz, embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica".
O acto do ora R. fundamentou-se na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pela sociedade fundida e o seu juízo discricionário não pode ser fiscalizado pelos tribunais, salvo, por erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal - que não vêm alegados nem se vislumbram.
Não sendo subsumível a situação sub judice à prevista no artigo 69º do CIRC é legal o acto de indeferimento expresso praticado.

Nestes termos, e nos mais de direito, que V. Exas. sabiamente suprirão, deve a acção ser julgada não provada, e consequentemente improcedente, e o R. absolvido da instância.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se chegou a formar-se deferimento tácito sobre o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais formulado pela ora autora; E se se encontram preenchidos os requisitos previstos na lei para a transmissão dos mesmos prejuízos.


3. A matéria de facto.
Com relevo para a apreciação do mérito da acção segundo as várias soluções plausíveis do ponto de vista do direito aplicável, pelos documentos, processo administrativo juntos e articulação das partes, encontra-se provada a seguinte factualidade, a qual se passa a subordinar às seguintes alíneas:
a) Por requerimento entrado em 30.11.2004 no Serviço de Finanças de Oeiras 3 e dirigido ao Exmo Ministro das Finanças a ora autora veio peticionar que lhe fosse concedida autorização para dedução aos eventuais lucros tributáveis que venha a registar nos exercícios após a fusão, dos prejuízos fiscais dedutíveis apurados nas esferas da SPA e da APAUTO (sociedades incorporadas) – cfr. processo instrutor, cujas folhas não se mostram numeradas;
b) No âmbito deste procedimento, a AT solicitou à ora autora, em 23.6.2006, o envio dos documentos comprovativos da inexistência de dívidas à Segurança Social das sociedades incorporada e das incorporantes, que esta remeteu, mas apenas em parte, em 21.7.2006, não tendo remetido a relativa à sociedade Spauto, por a mesma não ter ainda sido disponibilizada - cfr. mesmo processo instrutor;
c) Uma inspectora tributária principal emitiu parecer sobre tal pedido em 3.11.2006, tendo proposto o indeferimento do pedido de autorização de transmissibilidade dos prejuízos fiscais, da SPA e SPAUTO para a CSVP, nos termos do n.º2 do artigo 69.º do CIRC, uma vez que não se encontram cumpridos os requisitos exigidos para a sua concessão, concretamente o da realização da fusão por razões económicas válidas com reflexos positivos na estrutura produtiva, ...o facto de as empresas apresentarem no seu balanço um capital próprio negativo, indicia que, não possuem património seu. O passivo excede o activo, o seu valor é menor que zero. Isto quer dizer que o contributo patrimonial das incorporadas para a sociedade incorporante é negativo, a incorporação destas sociedades só vai prejudicar a sociedade incorporante, aqueles patrimónios em nada contribuem para os resultados futuros da sociedade.
Por estes motivos, entendemos que a sociedade incorporante em nada beneficia com a integração daquelas sociedades. Assim, no presente caso, o pressuposto legal do interesse económico da fusão, fixado no nº2 do artº 69º do CIRC não se verifica, e, por conseguinte, não será de autorizar a dedução dos seus prejuízos fiscais..., o que a chefe de divisão após o seu despacho de confirmo, em 9.11.2006, bem como o Exmo Subdirector-geral, por subdelegação, apôs o seu despacho de concordo, em 13.11.2006 – cfr. mesmo processo;
d) Após o exercício do direito de audição foi junto ao procedimento uma “adenda à informação n.º 1441/2006”, onde foram apreciados os fundamentos invocados pela ora autora em sede deste direito, e se propôe a convolação em definitivo do projecto de decisão no sentido de indeferir a requerida transmissão dos prejuízos fiscais, onde o substituto legal do director-geral, em 5.1.2007, apôs o seu despacho de concordo com o indeferimento, após o que foi lavrada a nota informativa onde se propõe o consequente indeferimento, que o Exmo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em 6.2.2007, apôs o seu despacho de Concordo – cfr. mesmo processo;
e) O despacho supra foi notificado à ora autora pelo ofício 4589, datado de 26.2.2007 – cfr. mesmo processo;
f) A petição inicial da presente acção administrativa especial deu entrada neste TCAS em 29.5.2007 – cfr. carimbo aposto a fls 3 dos presentes autos;
g) Por escritura pública de 22.10.2004, celebrada no 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada do Porto, a ora autora representada por procuradora, bem como as outras duas igualmente representadas, a Sociedade Portuguesa de Automóveis, SA, e a Spauto – Venda e Reparação de Automóveis, Lda, foi efectuada a fusão por incorporação, nos termos da qual estas duas últimas sociedades são incorporadas naquela primeira, em que os bens activos e passivos que integram os patrimónios daquelas são transmitidos para esta primeira, pelo seu respectivo valor líquido contabilístico, constantes das respectivas contabilidades – cfr. doc. de fls 92 e segs destes autos (doc. n.º 2).


4. O direito.
4.1. O deferimento tácito.
À hoje denominada acção administrativa especial correspondia o anterior recurso contencioso, que aquela veio substituir, tendo contudo o seu objecto sido ampliado, de molde a nela caber não só a declaração de invalidade ou anulação dos actos recorridos – cfr. art.ºs 6.º do anterior ETAF e 191.º do CPTA – como também, entre outros, no pedido de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido – art.º 46.º e segs do CPTA – e tendo o prazo geral para a sua dedução sido alargado para três meses – seu art.º 58.º - sendo esta, actualmente, a forma processual para fazer valer em juízo os direitos dos administrados que até então eram efectuados através do dito recurso contencioso.

A reforma sobre a tributação do rendimento e a adopção de medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais constituiu o fundamento avançado pelo legislador para proceder a vastas e profundas alterações, quer no CIRS, quer no CIRC, na chamada reforma da tributação aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Porém, volvidos que foram pouco mais de seis meses já, de novo, o legislador sentiu necessidade de rever, quer esses mesmos códigos, quer outros diplomas legais como o Estatuto dos Benefícios Fiscais, alteração agora erigida como instrumento de facilitação do conhecimento e interpretação do quadro legal por parte dos sujeitos passivos do imposto tendo procedido à sua republicação integral pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.
Só que também aqui os propósitos do legislador nesta matéria não foram duradouros. Com efeito, volvido menos de um mês, já se encontrava de novo, a alterar, entre outros diplomas, o CIRC, em oito dos seus artigos pelo Dec-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto.

Conforme consta do preâmbulo deste último Dec-Lei, as preocupações, agora, foram de introduzir no regime de neutralidade fiscal no tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, como forma decisiva para a competitividade do tecido empresarial, uma maior eficácia e celeridade. E como consta do mesmo preâmbulo, Dá-se a um dos aspectos fulcrais do regime – a transmissibilidade de prejuízos – maior desenvolvimento e prevê-se uma norma de deferimento tácito aplicável nas situações em que não seja proferida decisão no prazo de três meses contados a partir da data da apresentação do requerimento.

Por este último Dec-Lei, aplicável ao caso, tendo em conta a data em que o requerimento a pedir tais benefícios deu entrada na DGCI, a norma do art.º 69.º do CIRC, subordinada à epígrafe, Transmissibilidade dos prejuízos fiscais, tinha a seguinte redacção:
1 – Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no n.º1 do artigo 47.º, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.
2 – A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos.
3 – O disposto nos números anteriores pode igualmente aplicar-se com as necessárias adaptações, às seguintes operações:
a)...
b)Na entrada de activos, em que é transferido para uma sociedade residente em território português um estabelecimento estável nele situado de uma sociedade residente num estado membro da união Europeia, que preencha as condições estabelecidas no artigo 3.º da Directiva n.º 90/434/CEE, de 23 de Julho, verificando-se em consequência dessa operação, a extinção do estabelecimento estável;
c)...
...
7 – O requerimento referido no n.º1, quando acompanhado dos elementos previstos no n.º2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de três meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis.
8 – Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.
...
A norma daquele n.º7 veio ainda a ser objecto de nova alteração legislativa pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2003), tendo vindo alargar o prazo para se produzir o deferimento tácito para seis meses, como bem expende a entidade demandada na sua conclusão V, o qual, assim, é o aqui aplicável ao acaso.

E a do art.º 47.º, esta na redacção vigente introduzida pelo citado Dec-Lei n.º 198/2001:
1 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
...

É discutida na doutrina a verdadeira natureza do acto tácito - ou acto silente na linguagem da escola Coimbrã - defendendo uns que tal acto é um verdadeiro acto administrativo, constituindo portanto uma conduta voluntária da Administração e outros, que se trata apenas de um mero pressuposto do recurso contencioso, logo não havendo qualquer conduta voluntária (1) e para outros ainda, que se trata de um mero pressuposto de impugnação ou uma mera ficção legal de efeitos exclusivamente processuais (2).
Segundo a jurisprudência dominante na 1.ª Secção do STA (reafirmada no acórdão de 28.9.1995, recurso n.º 35 289), a figura do indeferimento representa uma ficção criada pelo legislador com exclusivas finalidades adjectivas: ele não é nem um verdadeiro acto administrativo ficto, mas tão-só um expediente criado com a única finalidade de permitir aos particulares impugnar comportamentos omissivos da Administração (3) .

Tendo a lei vindo expressamente tratar tal acto tácito em algumas das suas manifestações, reconhecendo-lhe os efeitos de um verdadeiro acto administrativo expresso para alguns fins, a sua verdadeira natureza conceitual deixa aqui de ter interesse bem como a opção por uma ou outra das posições doutrinárias.

Na verdade, as normas dos art.ºs 3.º e 4.º do Dec-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho e 9.º, 108.º e 109.º do CPA, contém a disciplina (ainda que numa sua parte apenas), do acto tácito e a sua relação, quer com a sua impugnação judicial, quer com o acto expresso que vier a ser proferido, onde se poderá concluir que um acto tácito de indeferimento é ilegal, não por existir silêncio da Administração onde a lei lhe impunha acção, mas sim por dever ser deferida a pretensão do interessado quando ela lhe foi indeferida (tacitamente).

A norma do art.º 9.º n.º2 do CPA, no procedimento administrativo, impõe à Administração, face às petições de particulares, um dever de decisão; fora dele, apenas impõe um dever de resposta, tendo assim o legislador utilizado no n.º2 o conceito de decisão, e referindo-se o n.º1 ao dever de pronúncia.
O princípio da decisão aqui vigente carece de ser realçado no sentido de que a Administração profere decisões nos procedimentos que são submetidos à sua apreciação, não lhe sendo lícito agir sobre as situações em causa mediante medidas, operações ou acções materiais (ou técnicas), que não sejam suportadas em anterior acto jurídico.

A formação do acto tácito de deferimento que tem lugar essencialmente no âmbito dos licenciamentos e autorizações – cfr. art.º 108.º do CPA.º - consiste na autorização ou aprovação propostas ou requeridas pelo particular e forma-se mediante o silêncio do órgão competente para decidir, durante determinado prazo sem que nada diga.
Trata-se, para todos os efeitos, de um acto administrativo, correspondente àquele que resultaria de a Administração ter decidido expressamente “aprovo” ou “autorizo”. Ou seja, noutra perspectiva, o exercício do direito pelo requerente fica, a partir daí, administrativamente descondicionado (mesmo não havendo acto expresso descondicionante).
Não nos parecem muito significantes as diferenças entre as duas concepções ou perspectivas referidas, garantindo-se em ambos os casos uma tutela directa da posição ou pretensão substantiva do particular, que é, afinal, o que se pretende.
Ele pode, na verdade, exigir do órgão requerido – e de terceiros – o respeito pelo acto praticado ou produzido, isto é, a atribuição e o reconhecimento dos efeitos jurídicos consequentes dessa aprovação ou autorização: pode, nomeadamente, exigir que lhe sejam passadas certidões respeitantes à produção do acto tácito os as licenças de execução que ele implica. Por outro lado, se o órgão requerido quiser indeferir a pretensão formulada, depois de formulado o deferimento tácito, tal acto é uma revogação de um anterior acto constitutivo – tanto, nos casos de procedimentos particulares como nos procedimentos públicos -, só podendo, portanto, ocorrer com fundamento em ilegalidade e dentro do prazo previsto na lei, para o efeito.
E no caso de a Administração adoptar um comportamento que consubstancie uma denegação (ilegal) do acto de deferimento tácito, ao particular é permitido socorrer-se da acção para o reconhecimento de direito ou interesse legítimo (69.º da LPTA), que, nesta circunstância, se prefigura como meio processual idóneo e adequado para assegurar a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa, pondo fim a todas as dúvidas sobre a sua titularidade.
Assinala-se também que há domínios onde não é admissível tirar da configuração legal do acto de deferimento tácito como acto administrativo, todas as implicações que dogmaticamente ele comporta, mas só por se lhe oporem interesses juridicamente muito mais poderosos: assim, por exemplo, o deferimento expresso posterior à produção do acto de deferimento tácito, sendo embora acto confirmativo deste, é passível de recurso contencioso, se os contra-interessados não tomaram conhecimento da formação do acto tácito – como aliás acontece, embora provavelmente com nuances, em relação ao comum dos actos confirmativos (4).
...
Embora com esta figura não se pretenda tutelar ex lege uma situação ou posição jurídico-substantiva do particular, como acontecia no caso do deferimento tácito, ela visa, ainda assim, a protecção de interesses seus. A tutela do interesse do requerente projecta-se aqui, porém, apenas num plano instrumental (ou reactivo): a falta de decisão administrativa não corresponde a um “indefiro” que estivesse escrito no acto, ou seja, à denegação da pretensão formulada, não tem os mesmos efeitos desse “indefiro”, mas permite ao requerente presumi-lo, para assim poder obter, em sede de impugnação, uma decisão correctiva daquela que faltou.
Enquanto nos casos do art.º 108.º haveria sempre um acto administrativo com os seus efeitos normais e plenos, já no indeferimento tácito só se presume a existência de um acto para efeitos de exercício do respectivo meio de impugnação: é, pois, uma faculdade dada ao requerente de presumir a existência de um indeferimento para, ao menos assim, poder suscitar a tomada de decisões administrativas ou contenciosas, que supram a falta de decisão administrativa primária...
Se, pelo contrário, o interessado opta por não presumir indeferida (tacitamente) a sua pretensão, então deve entender-se que a Administração está (ainda) constituída no dever de decidir, não havendo, portanto, lugar à extinção do procedimento, ao contrário do que sugere a inserção do indeferimento tácito (com esta configuração) nesta Secção do Código (5)....

Além da revogação por inconveniência dos actos válidos, há, portanto, também, a revogação por ilegalidade ou invalidade, isto é (a revogação anulatória ou ) a anulação administrativa do acto ilegal: os actos feridos de invalidade são anuláveis pela Administração, mediante acto administrativo.
...
A redacção do preceito do n.º1 sugere que os actos inválidos só são revogáveis por invalidade – e os AA. do Projecto justificam a solução (ob. cit., pág. 217) por “não fazer sentido invocar a inconveniência (se) o acto constitui um modo ilícito de prosseguir o interesse público”.
Quando se conhece e tem a certeza sobre a invalidade do acto, claro, a solução legal é a única admissível. Mas pode suceder que a invalidade passe desapercebida ...e se revogue o acto inválido pela sua inconveniência para o interesse público, ignorando estar ele afectado de ilegalidade. Face ao art.º 141.º, n.º1, isso seria ilegal, o que pode não ser nada razoável, como esclarece Vieira de Andrade.
Estando a ilegalidade do acto revelada e acertada no procedimento da sua revogação anulatória, então, sim, a proibição de o revogar por inconveniência compreende-se, até para evitar que a Administração retirasse os seus efeitos ex nunc, apenas para o futuro.
...
A verdade, porém, é que as razões que levaram o legislador a considerar excepcionalmente (no n.º2 do art.º 140.º) a possibilidade de revogação por inconveniência de actos constitutivos de direitos válidos, levariam a que se adoptasse a mesma solução para os casos avançados por aquele administrativista, respeitantes aos actos inválidos desfavoráveis ou com a concordância dos interessados e ainda para a hipótese da má fé destes (pelo menos no encobrimento da ilegalidade) – hipótese que sai reforçada, agora, com o art.º 6.º-A do Código -, casos a demandar, todos, uma consideração especial em matéria da regra da revogabilidade dentro do prazo do recurso (6)..
...

No caso, tendo o procedimento sido iniciado já depois da entrada em vigor do art.º 11.º-A do EBF, introduzido pela norma do art.º 4.º do Dec-Lei n.º 229/2002, de 31.10, que dispõe que os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não poderão ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa, ou o património e das contribuições relativas ao sistema de segurança social, encontrava-se o pedido formulado pela ora autora para a transmissão de prejuízos fiscais, sujeito também a esta comprovação da segurança social, de que nada lhe devia, como bem tem vindo a entender a AT, quer no presente caso, quer em casos similares.

Na verdade, a AT, como se pode ver do respectivo processo instrutor apenso, quando notificou a ora autora para juntar os documentos que considera em falta para instruir o pedido de autorização para dedução dos prejuízos fiscais da sociedades incorporadas, fez juntar a Circular n.º 7/2005, de 16 de Maio, em que são enumerados os requisitos a que devem obedecer os pedidos de transmissibilidade de prejuízos fiscais em casos de fusão, cisão e entrada de activos, em cuja alínea h) consta, “Documento comprovativo da inexistência de dívidas à Segurança Social das sociedades fundidas e da incorporante”, no entendimento pois, que tal norma do art.º 11.º-A do EBF era também aqui aplicável, como também continua a entender na contestação e nas conclusões nos presentes autos.

Porém, ao contrário entende a ora autora ao pugnar que tal autorização para transmissão dos benefícios fiscais não configura um benefício fiscal mas sim um desagravamento fiscal de carácter estrutural, onde não havia lugar à prova de nada dever à segurança social – cfr. matéria das suas conclusões 1. a 3. – e, que, em todo o caso, se tal fosse necessário, bem poderia a AT de tal conhecer, directamente, ao abrigo do disposto no Dec-Lei n.º 92/2004, de 20 de Abril.

Nos termos do disposto no art.º 2.º do EBF, aprovado pelo art.º 1.º, n.º1 do Dec-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação (seu n.º1), e, são benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior (seu n.º2).

Consistindo a transmissão de prejuízos fiscais com a consequente dedução na matéria colectável apurada, não se vê como possa a mesma não ser considerada como um benefício fiscal (7) , no âmbito da abrangência de tal conceito, como a própria lei o define no citado n.º2, do art.º 2.º, do mesmo EBF.

Por outro lado, tal situação de transmissão de prejuízos fiscais também não se subsume na delimitação negativa contida na norma do art.º 3.º do mesmo EBF, que legalmente veio consagrar os casos de desagravamentos fiscais que não são benefícios fiscais, como a não sujeição tributária (seu n.º1), sendo que, genericamente, são não sujeições tributárias as medidas fiscais estruturais de carácter normativo que estabeleçam delimitações negativas expressas da incidência (seu n.º2), onde se não pode subsumir a transmissão de benefícios fiscais que, pelo contrário, pela sua própria natureza, se encontram dentro do campo de incidência do imposto, logo qualquer medida fiscal que contenha com a sua relevância negativa no apuramento da matéria tributável, à face da lei (EBF), só se pode assumir como um benefício fiscal.

Também os diplomas que alteraram a redacção do art.º 69.º do CIRC, ao tempo aplicáveis – Dec-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto e Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2003), vigentes até à redacção introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto – nada vieram dizer sobre tal desagravamento fiscal revestir um carácter estrutural, como pretende a autora, apontando aquele primeiro diploma, no seu preâmbulo que, ...operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, contribui de forma decisiva para a competitividade do tecido empresarial, tendo apenas este diploma vindo introduzir alterações orientadas pela preocupação de introduzir no regime já existente maior eficácia e simplicidade.

E na filosofia do legislador contida no preâmbulo do Dec-Lei n.º 215/89, citado, onde define três níveis de desagravamento fiscal, só os que foram originariamente introduzidos nos respectivos códigos (CIRS, CIRC e CCA), se poderiam caracterizar como de máxima permanência e estabilidade (estruturais?), sendo incluídos no Estatuto dos Benefícios Fiscais aqueles que se caracterizam por um carácter menos estrutural, mas que revestem, ainda assim, relativa estabilidade. Os benefícios com finalidade marcadamente conjunturais ou requerendo uma regulação relativamente frequente serão, por sua vez, incluídos nos futuros Orçamentos do Estado, o que constitui mais uma achega para que tal transmissão não possa ter uma natureza tão estrutural a que não fosse aplicável o EBF, já que a mesma não constava sequer na redacção inicial das normas do CIRC.

Também a invocação pela autora na matéria da sua conclusão 3.ª, do regime contido no Dec-Lei n.º 92/2004, de 20 de Abril, que regula a forma, extensão e limites da interconexão a efectivar entre os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social no domínio do acesso e tratamento da informação de natureza tributária e contributiva relevante para assegurar o controlo do cumprimento das obrigações fiscais e contributivas, em nada altera e nem afasta a obrigação que recai sobre a autora enquanto requerente do citado benefício fiscal, e dos pressupostos a seu cargo para o obter, designadamente da entrega de certidão que ateste o requisito contido na citada norma do art.º 11.º-A do EBF, de nada dever à segurança social, não podendo ocorrer o deferimento tácito quando o procedimento não se encontre instruído com todos esses elementos previstos nesta norma e na do art.º69.º, n.º7 do CIRC, como a AT se veio pronunciando ao longo do procedimento, designadamente aquando do envio à ora autora do projecto de decisão para esta exercer o seu direito de audição prévia, pelo que não tendo esta chegado a instruir o mesmo pedido com tais elementos, não ocorreu o invocado deferimento tácito, e muito menos na data pretendida pela mesma (30/5/2005).

A lei geral, como constitui o regime instituído pelo citado Dec-Lei n.º 92/2004, não revoga a lei especial, como constitui a norma que estabelece que a requerente instruirá o seu pedido como esses diversos documentos, designadamente do art.º 69.º, n.º7 do CIRC e 11.º-A do EBF, nos termos do disposto no art.º 7.º, n.º3, do Código Civil.


Improcede assim, o fundamento desta acção quanto à ocorrência de deferimento de acto tácito de concessão de dedução de prejuízos fiscais.


4.1. No caso, o despacho do Exmo SEAF em causa, indeferiu, de forma expressa, o pedido da ora autora para esta deduzir no lucro tributável apurado no exercício da sua actividade, os prejuízos fiscais das sociedades em si incorporadas, e teve lugar porque ... uma vez que não se encontram cumpridos os requisitos exigidos para a sua concessão, concretamente o da realização da fusão por razões económicas válidas com reflexos positivos na estrutura produtiva, ...o facto de as empresas apresentarem no seu balanço um capital próprio negativo, indicia que, não possuem património seu. O passivo excede o activo, o seu valor é menor que zero. Isto quer dizer que o contributo patrimonial das incorporadas para a sociedade incorporante é negativo, a incorporação destas sociedades só vai prejudicar a sociedade incorporante, aqueles patrimónios em nada contribuem para os resultados futuros da sociedade... Por estes motivos, entendemos que a sociedade incorporante em nada beneficia com a integração daquelas sociedades. Assim, no presente caso, o pressuposto legal do interesse económico da fusão, fixado no nº2 do artº 69º do CIRC não se verifica, e, por conseguinte, não será de autorizar a dedução dos seus prejuízos fiscais... ao que a ora autora contrapõe, que existem diversas vantagens económicas nessa operação, como articula na matéria da petição inicial da presente acção e nas respectivas conclusões 5. a 9., para além de também vir invocar a insuficiente fundamentação (formal) de tal despacho.

Na acção administrativa especial n.º25/04, de 1.2.2005, deste Tribunal (8), conheceu-se, sem limitações, se a aí requerente preenchia todos os requisitos par que lhe fosse deferida a requerida dedução dos prejuízos fiscais das referidas Sucursais a integrar nesta e a extinguir, que era o que estava em causa nessa mesma acção.

Porém, objecto de recurso para o STA, este mesmo Tribunal não veio a sufragar, nesta matéria, a posição aí seguida, antes veio a revogar o citado acórdão, pelo que será na senda do aí doutrinado e de outros acórdãos do mesmo Tribunal, entretanto prolatados, que iremos acompanhar, que a presente decisão terá lugar, tendo sobretudo presente, nos termos do disposto no art.º 8.º, n.º3, do Código Civil, que dispõe que o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, para o que, especialmente, devem contribuir os tribunais de grau hierárquico inferior relativamente às decisões proferidas pelos tribunais de grau hierárquico superior, e também que, posteriormente, o aqui relator subscreveu, como 1.º adjunto, o acórdão deste TCAS de 15.7.2008, recurso n.º 2087/07, onde se seguiu esta mesma doutrina.

Como antes se viu, a concessão da autorização para a transmissão dos prejuízos fiscais, encontra-se dependente do preenchimento dos vários requisitos enunciados na norma do art.º 69.º n.º2 do CIRC, como seja a de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos, iniciando a norma pelo pano de fundo pretendido atingir pela fusão – razões económicas válidas – seguindo depois com um quadro exemplificativo onde é suposto apreender tais razões económicas válidas, como sejam nos casos de reestruturação ou racionalização, com efeitos positivos na estrutura produtiva, etc.
Este conceito de razões económicas válidas, tem assim de ser preenchido pela Administração, com os concretos elementos que tendam para aquele fim, concedendo à Administração um vastíssimo campo de concretização e de pesquisa tendo em vista preencher o estalão legal previsto em tal norma, mas ainda assim, havendo uma vinculação do administrador a um comportamento demarcado na lei, não existindo aqui quaisquer poderes administrativos discricionários.

Diferente, seria se o legislador tivesse optado por atribuir à Administração, entre os vários interesses aptos para a satisfação do interesse público, aquele que, no momento, melhor o satisfazesse, em que já lhe deixava nas mãos a escolha entre os vários comportamentos possíveis a adoptar, onde existiria a discricionariedade administrativa (9) .

Como refere, Mário Esteves de Oliveira (10), também não temos dúvidas de que na interpretação da lei, não goza o intérprete – seja ele um juiz, um órgão administrativo ou a doutrina – de qualquer margem de livre escolha, tendo antes que procurar conhecer a mens legis e actuar na sua conformidade: o sentido a adoptar na interpretação é algo de profundamente diferente – senão contrário – da discricionariedade.
No poder discricionário qualquer dos comportamentos por que o agente opte é legal, enquanto que a interpretação só pode conduzir a um sentido ou comportamento – o que for querido pelo legislador ou pela lei.
...
Quando a lei administrativa, nomeadamente para a definição dos pressupostos da actividade administrativa, remete para conceitos técnicos próprios de outros ramos da ciência (Medicina, Química, Física, Engenharia, Economia, Sociologia, etc.), tem o órgão administrativo que recorrer aos ensinamentos destes para determinação do conteúdo da lei.
De facto, as questões resultantes da utilização de conceitos técnicos pela lei, resolvem-se através de critérios exclusivamente técnicos, não tendo o órgão administrativo a liberdade de repudiar o conteúdo que lhes é imputado nos respectivos ramos de ciência e optar por qualquer outro.

Como consta na matéria da alínea c) do probatório, o fundamento por que foi indeferido o pedido de dedução de prejuízos fiscais, foi o de não preenchimento do pressuposto legal de razões económicas válidas, já que os prejuízos apresentados pelas duas empresas incorporadas só vão prejudicar a empresa incorporante (a ora autora), inexistindo preenchido, no caso, o pressuposto legal de interesse económico da fusão, não fazendo sentido aplicar-se-lhes o regime especial da neutralidade fiscal e a inerente transmissibilidade de prejuízos.

A sindicância de tal juízo de valor efectuado pela AT no citado despacho, de não se encontrar preenchido tal pressuposto legal de inexistência de razões económicas válidas para a incorporação, deve ser entendido nos termos da doutrina de, entre outros, do acórdão do STA de 12.7.2006, recurso 1003/05, no âmbito dos conceitos indeterminados em que nos encontramos, que a mesma AT cabe preencher.

"Sabendo nós que estamos perante conceitos indeterminados, como acima referimos, importa agora avançar no sentido de saber se, no caso, estamos perante um acto sindicável.

Escreve Freitas do Amaral que "o que importa é saber se a interpretação de conceitos indeterminados é uma actividade vinculada ou discricionária e, por conseguinte, sindicável, ou não, pelos tribunais - Curso de Direito Administrativo, vol. II, pág. 107.

Ora, saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie: uma fusão pode fundar-se numa razão económica válida para um interesse público de vitalidade da economia nacional, mas tal pode já não ocorrer em face dum interesse público de vitalidade de uma economia sectorial.

Citando Freitas do Amaral: "Porque não se lhe pede um trabalho de subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado, mas se exige uma tensão criadora do direito no caso concreto, deve naturalmente entender-se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo autónomo da vontade do agente-administrativo; deve escapar ao controlo do juiz, embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica".

"Assim sendo, e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais.
A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal. O que não se antolha (...).

Doutrina esta que também havia sido seguida no acórdão do mesmo STA de 5.7.2006, no recurso n.º 142/06, no sentido ora exposto, de que não cabe ao tribunal sobrepor à Administração o seu juízo na interpretação de tais conceitos técnicos e indeterminados, já que não nos encontramos no estrito campo da subsunção pelo intérprete do preenchimento dos conceitos jurídicos, a não ser perante a ocorrência de "erro grosseiro ou manifesto que é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de reflectir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de actuação não vinculadas", como se refere no acórdão do mesmo STA de 11/05/2005, rec. 330/05, que no caso dos autos, tal espécie de erro, não aconteceu.


Improcede assim a acção na totalidade, já que também se não divisa que tal acto possa padecer do invocado vício formal da sua insuficiente fundamentação, antes apresentando uma fundamentação clara, congruente e suficiente, atentas a sua exteriorização e a sua apreensão manifestada pela ora autora na presente acção administrativa especial.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em julgar improcedente a presente acção administrativa especial e em manter o acto expresso recorrido.


Custas pela autora, fixando-se a taxa de justiça em oito UCs e a procuradoria em 1/6 - art.ºs 73.º-D n.º3 e 41.º do CCJ.


Lisboa, 20 de Outubro de 2009

(1) Cfr. quanto a tal problemática Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, Lições aos alunos do Curso de Direito, em 1988/89, pág. 271 e segs, e Mário Esteves de Oliveira, Lições proferidas durante o ano lectivo de 1979/80, aos 3.º e 4.º anos da licenciatura em Direito, Universidade de Lisboa, 664 e segs.
(2) Cfr. neste sentido, Rui Machete, in Estudos de Direito Público em Honra do Prof. Marcello Caetano, pags. 165,472 e 474; Vasco Pereira da Silva, in A natureza jurídica do recurso directo de anulação, pág. 41 e Osvaldo Gomes in Revogação Implícita dos actos tácitos positivos, Separata do BMJ n.º 244..
(3) Cfr. neste sentido, o voto de vencido do Exmo Conselheiro Mário Torres, aposto no acórdão n.º 37 959, de 23.5.1996, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º1, Janeiro/Fevereiro de 1997, pág. 50 (1.ª coluna).
(4) In Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª Edição, de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Almedina, pág. 484.
(5) In mesmo Código Anotado, pág. 490.
(6) In mesmo Código Anotado, págs. 681 e 682.
(7) No mesmo sentido decidiram os acórdãos do STA de 5.7.2006 e de 6.11.2008, recursos n.ºs 142/06 e 40/08, respectivamente, tirado em casos paralelos ao do presente.
(8) Tendo como relator, igualmente, o da presente.
(9) Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Lições ..., pág. 339 e segs, onde claramente distingue entre poderes vinculados e poderes discricionários.
(10) Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Lições...,págs. 346 e segs.