Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2064/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:LIQUIDAÇÕES CORRETIVAS,
INIMPUGNABILIDADE DO ATO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:Um ato de liquidação de imposto na parte em que é emitido para dar execução a uma decisão judicial que anulou parcialmente uma liquidação, não tem conteúdo inovatório, por conseguinte, a liquidação, nessa parte, é inimpugnável nos termos do disposto no art. 89.º, n.º 4, alínea i) do CPTA, verificando-se uma exceção dilatória que conduz à absolvição da Fazenda Pública da instância, que sendo insuprível não conduz à renovação da instância.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 2.ª SUBSECÇÃO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

"P..., SGPS, S.A.”, atualmente, “P..., SGPS, LDA”, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada em 15/02/2011, veio deduzir Impugnação Judicial contra o acto de liquidação vertido na demonstração de liquidação de IRC n.º 201083100..., relativo ao exercício de 1999, e contra a respetiva demonstração de acerto de contas com o n.º 2010000024..., à qual atribuiu o valor de € 3.385.167,29.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou i) extinta a instância por impossibilidade originária da lide, no que respeita à apreciação da legalidade das correções referentes à não aceitação como custo das despesas suportadas com a aquisição de bilhetes, a amortizações excessivas, à não aceitação como custo do valor do IVA relativo a serviço de telecomunicações, à não aceitação da utilização da taxa de IRC reduzida e à tributação autónoma relativamente a despesas com cheques auto e senhas de gasolina e ii) no mais, parcialmente procedente a impugnação judicial.

Inconformadas, a P..., SGPS, S.A e a FAZENDA PÚBLICA, vieram recorrer contra a referida decisão.

A FAZENDA PÚBLICA, apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«I - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela P... SGPS, SA, contra a liquidação de IRC n.° 2010 83100..., do exercício de 1999, e contra a respetiva demonstração de acerto de contas n.° 2010000024..., no segmento que anula o ato de liquidação de juros compensatórios quanto ao valor de € 155.934,47 e condena a Fazenda Nacional a indemnizar a impugnante pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia bancária indevida na parte proporcionalmente respeitante ao valor objeto de anulação.

II - Concluiu a douta sentença recorrida que "(...)carecendo os presentes autos de objeto, na parte já consumida pelas anteriores liquidações adicionais, apenas aqui será de conhecer da concretização, quanto à liquidação de juros compensatórios, do decidido peio Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo de impugnação n.° 3022/04." (...) e ainda que "(...) tendo em consideração os montantes liquidados a título de juros compensatórios na 4ª e na 5ª liquidações (um valor inferior em € 202.030,54, desta relativamente àquela), verifica-se que aqui o valor excede em € 155.934,47 o que deveria ter sido liquidado em concretização do acórdão do STA.
Como tal, na liquidação ora objeto de impugnação, haverá que anular o montante de € 155.934,47, na parte respeitante aos juros compensatórios."

III - Todavia, e com a devida vénia, entendemos que não veio a impugnante na Petição Inicial colocar em causa a execução do Acórdão proferido no processo de impugnação n.° 3022/04.9BELSB (sendo que para isso dispunha da execução de julgados, que consubstancia o meio processual acessório adequado a obter a execução efetiva de decisões judiciais), tendo, antes, colocado em crise a liquidação de juros compensatórios com os mesmo argumentos que já havia utilizado para as impugnações que antecederam a presente lide, considerando que tal liquidação padece de falta de fundamentação, e que existiu preterição de formalidade legal essencial em violação do art. 267° da CRP e art. 60° da LGT; e

IV - fê-lo, a impugnante, do mesmo modo em que o fez para todas as correções decorrentes do procedimento de inspeção tributária conforme art.336° da petição inicial;

V - por outro lado, e ao contrário do que entende a douta sentença recorrida, da argumentação utilizada na petição inicial em relação à legalidade da liquidação de juros compensatórios não se pode de todo retirar que "a impugnante disputa a parte inovatória da 5ª liquidação";

VI - Sendo que toda a argumentação expendida pela impugnante se alicerça, exatamente, na tese contrária, ou seja, de que esta 5ª liquidação configura um novo ato de liquidação que revogou integralmente os anteriores; 

VII - Acresce ainda, o facto do montante de € 155.841,32 não corresponder a verdadeiros juros compensatórios mas sim a juros indemnizatórios a favor do Estado calculados de acordo com decisão proferida pela Comissão das Comunidades Europeias.

VIII - Nos termos de tal decisão, foi o Estado Português intimado a adotar as medidas necessárias para recuperar, junto das empresas que exercessem as atividades em questão, os montantes correspondentes à redução das taxas nacionais (considerados como auxílios do Estado concedidos indevidamente), acrescidos de juros indemnizatórios, calculados com base na taxa de referência utilizada para o cálculo da equivalente subvenção no âmbito dos auxílios com finalidade regional, contados a partir da data em que foram colocados à disposição dos beneficiários até ao momento da sua recuperação;

IX - Em consequência, e com vista à concretização da decisão da Comissão das Comunidades Europeias (concretização/execução a que o Estado Português estava obrigado nos termos do art.288° do Tratado de Funcionamento da União Europeia), foram revistas as liquidações de IRC abrangidas por tai decisão, aplicando-se as taxas gerais previstas no art. 80° do CIRC, e, liquidando-se juros indemnizatórios a favor do Estado, calculados com referência à primeira liquidação, e desde a data limite para pagamento do imposto apurado ou da data do reembolso consoante o caso, até à data da notificação da reliquidação, mediante a aplicação da taxa em vigor no período em causa segundo a tabela de taxas de referência aprovada pela Comissão das Comunidades Europeias;

X - Nessa senda, foi apurado o montante de imposto de € 849.944,13 (correspondente à soma de € 778.052,11 de acréscimo ao valor da coleta e de € 71.892,02 da derrama adicional motivada pela reposição do IRC), e de € 155.841,32 de juros indemnizatórios (conforme cálculo evidenciado em documento junto à notificação remetida ao sujeito passivo);

XI - Contudo, no Documento de Correção (DC-22) emitido pela então DSPIT (repondo o auxílio e respetivos juros indemnizatórios a favor do Estado), o montante de juros indemnizatórios (€ 155.841,32), foi, por constrangimentos do próprio documento que não contempla a situação de juros indemnizatórios a favor do Estado, inscrito no campo 123 do Quadro 13 tendo na liquidação sido tratados como se de juros compensatórios se tratasse.

XII - O montante de € 155.841,32 respeita pois a juros indemnizatórios a favor do Estado calculados de acordo com a decisão supra referida da Comissão das Comunidades Europeias.

XIII - Pelo que, o montante de € 357.965,01 referidos na liquidação n.° 2003 831001... no valor de € 1.207.909,14, emitida em 4/11/2003 respeita à soma de : € 202.123,69 de juros compensatórios efetivos, e calculados ao abrigo da legislação nacional em vigor e € 155.841,32 de juros indemnizatórios a favor do Estado decididos pela Comissão e subjacentes à penalização referente à recuperação dos auxílios de Estado.

XIV - Contra tal liquidação veio a ora impugnante deduzir reclamação graciosa, da qual presumido o indeferimento tácito, veio a impugnante, em 13 de Dezembro de 2004, deduzir impugnação judicial (processo que correu termos em primeira instância no ex Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa sob o n.° 3022/04.9BELSB) tendo vindo esta a merecer sentença de improcedência em 11 de Março de 2008;

XV - De tal decisão foi interposto, pela impugnante, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual, por Acórdão datado de 19 de Novembro de 2008, veio a confirmar a decisão anterior exceto no respeitante aos juros compensatórios, em que foi dado provimento à pretensão da então recorrente de que a decisão da Comissão de 11/12/2002 apenas acarretava a liquidação de juros indemnizatórios calculados de acordo com o regulamento (CE) n.° 659/1999;

XVI - No seguimento e em execução/concretização de tal Acórdão, a Administração Tributária procedeu à anulação dos juros compensatórios no montante de € 202.123,69.

XVII - Da leitura de tal douto aresto resulta que esse tribunal superior decidiu pela ilegalidade da exigência dos juros compensatórios, com fundamento na não verificação do pressuposto de que a lei interna faz depender a sua aplicação, isto é, que o retardamento da liquidação do imposto devido seja imputável a uma situação culposa do contribuinte; não decidindo pela anulação dos juros indemnizatórios, mas sim, e apenas dos juros compensatórios, considerando que a liquidação desses juros compensatórios "não foi imposta peia decisão da Comissão Europeia" (ao contrário, como já ficou dito, dos juros indemnizatórios);

XVIII - Como tal, não nos merece qualquer reparo a atuação dos serviços da Administração Tributária que procederam à anulação da importância correspondente aos juros compensatórios liquidados de acordo com a legislação nacional - no montante de € 202.123,69, mantendo a liquidação dos juros indemnizatórios calculados de acordo com o disposto no Regulamento (CE) n.° 659/1999, devendo, por esse motivo ser a douta sentença recorrida revogada na parte em que ordena a anulação da "diferença" no montante de € 155.841,32, em virtude de não respeitarem a "verdadeiros" juros compensatórios, mas sim, a juros indemnizatórios;

XIX - Acresce que, das alegações/conclusões de recurso realizadas no processo sobre o qual incidiu o supra referido Acórdão, resulta que o então recorrente "aceita implicitamente" a liquidação de juros indemnizatórios, afirmando que "a decisão de recuperação impunha, somente, a liquidação de juros indemnizatórios" apenas atacando a liquidação de juros compensatórios, em virtude de a considerar ilegal por violação do disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 35.° da LGT; 

XX - Até porque, da execução do acórdão por parte da AT, em que se procedeu à anulação do montante dos juros compensatórios liquidados na liquidação posta em crise no montante de € 202.123,69, não veio o sujeito passivo reagir (dispondo, para efeito do meio processual de execução de julgados), tendo antes optado por deduzir reclamação graciosa, e, posteriormente, formado o indeferimento tácito da mesma, apresentar a presente impugnação judicial, tendo utilizado os mesmos fundamentos/ argumentos esgrimidos em reclamações e impugnações anteriores, não atacando ou reagindo contra o "segmento inovatório" da liquidação posta em crise em relação às que a antecederam para o mesmo exercício (ao invés, considerando que a liquidação anterior consubstancia um ato "novo" que revogou integralmente as anteriores).

XXI - Por tudo quando se expôs, deverá a douta sentença ser revogada, no segmento de que agora se recorre, respeitantes aos juros decididos anular no montante de € 155.934,47, bem como, no que concerne à condenação da Fazenda Nacional a indemnizar a impugnante pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária indevida na parte proporcionalmente respeitante ao valor objeto de anulação.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, na parte em é recorrida, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

****
A também recorrente P..., SGPS, S.A., apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«1. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não apreciar parte dos vícios que a Recorrente imputou ao ato de liquidação de IRC n.° 2010 83100... - que constitui o 5.° ato de liquidação praticado pela Administração tributária com referência ao IRC do exercício de 1999.
2. No que se refere à decisão de facto, o Tribunal a quo não podia ter considerado como provado no ponto W da matéria de facto assente que o ato de liquidação n.° 2004801002... (3.a ato) foi praticado com base no DC22-3120048960107, já que o Doc. 24 da p.i. não contém qualquer indicação quanto à proveniência desse ato de liquidação, nem identifica qualquer DC22-3120048960107;
3. O Tribunal a quo não podia ter considerado como provado no ponto X da matéria de facto assente que o "ato de liquidação n.° 2005831000... (4.ª liquidação), visou reformar a 3.a liquidação quanto ao lapso na coleta, derrama e respetivos juros compensatórios". É que a suposta intenção da Administração tributária não se encontra espelhada ou indicada no Doc. 29 da p.i., nem, tão-pouco, foi indicada no artigo 65.° da p.i.. Assim, não podia o Tribunal n cjuo devia ter-se limitado a dar como provado que aquele ato foi praticado e que tinha o conteúdo que do mesmo consta e não qualquer outro;
4. Não podia também o Tribunal a cujo dar, apenas, como provado no ponto Y da matéria de facto assente que "Efetuado o estorno do reembolso apurado na 3.ª liquidação e acrescendo o valor apurado na 4.ª, foi apurado um montante a pagar de € 3.587.197,83 (€ 2.725.940,30 + € 861.257,53), respeitando € 3.059.890,01 a imposto e € 527.307,82 a juros compensatórios". Na verdade, esse valor, só foi apurado nesses moldes porque a Administração tributária apurou, anteriormente, na demonstração de acerto de contas que foi emitida na sequência da prática do 3.° ato de liquidação um valor total a reembolsar de € 1.836.497, 74, como a Recorrente indicou nos artigos 57.° a 59.° da p.i. e constam do Doc. 26 junto à mesma;
5. Não podia ter sido dado como provado no ponto DD da matéria de facto assente que "No dia 04/10/2010, em concretização do acórdão do STA que concedeu provimento parcial à impugnação judicial n.° 3022/04.9BELSB, foi emitida a liquidação n.° 201083100... (5.ª liquidação), com o montante a pagar de € 2.523.909,76, mantendo o valor da matéria coletável, coleta, e derrama, e diminuindo a liquidação dos juros compensatórios, que eram no valor de € 832.054,42 (oitocentos e trinta e cinco mil e cinquenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), na 4,ª liquidação, e passaram para € 630.023,88 (seiscentos e trinta mil e vinte e três euros e oitenta e oito cêntimos), nesta 5.ª liquidação". Tal facto não decorre do Doc. 2 da p.i. - constituído por cópia do 5.° ato de liquidação - posto que este não contém qualquer referência quanto à motivação subjacente à sua emissão. Assim, no ponto DD dos factos provados, o Tribunal n quo deveria ter-se limitado a dar como provado que no dia 04-10-2010, foi emitida a liquidação n.° 201083100... (5ª liquidação), com o montante a pagar de € 2.523.909,76.
6. O Tribunal não podia ter dado como provado, no ponto II. dos factos provados, que as liquidações emitidas pela Administração tributária apresentavam os valores indicados no quadro constante daquele mesmo ponto, uma vez que os Docs. 2, 7,14, 20, 24 e 29 da p.i. não evidenciam os valores que o Tribunal a quo afirmou, mas, antes, os constantes do quadro integrado no ponto 44 das Alegações da Recorrente, que aqui se dão por reproduzidos.
7. Se o Tribunal a quo não tivesse considerado como provados aqueles factos nos termos em que o fez, não teria decidido, como decidiu, extinguir (parcialmente) a instância por inutilidade originária da lide. Assim, deverá ser alterada a decisão de facto nos termos acima preconizados pela Recorrente.
8. Acresce que o Tribunal a quo não selecionou, nem levou em conta, um conjunto de factos que foram alegados pela Recorrente e que se encontravam, igualmente, demonstrados por documentos. Estes factos eram essenciais para a correta aplicação judicial do Direito, pelo que deve a decisão sobre a matéria de facto ser modificada no sentido de os considerar provados, atento o disposto no artigo 712.° do Código de Processo Civil e bem assim no artigo 685.°-B, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.°, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário). Deverão, portanto, ser aditados à matéria de facto assente os factos indicados no ponto 49. das Alegações de Recurso, que aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos;
9. A conclusão a que chega o Tribunal a quo para decidir - como decidiu - pela extinção (parcial) da instância, por inutilidade originária da lide é errada, já que o que Tribunal a quo identificou na página 13 da sentença recorrida com as letras A, B, C, D e E foram as correções que a Recorrente contestou em cada uma das impugnações judiciais que apresentou, e não os fundamentos que a mesma invocou em cada um desses processos para sustentar a anulabilidade dos atos impugnados, ou, melhor dizendo, os vícios que a Recorrente apontou em cada uma das impugnações judiciais que apresentou.
10. O Tribunal a quo cometeu um erro na apreciação da matéria de facto ao dar como provados os factos indicados nos pontos W., X., Y., DD. e II. da matéria de facto, nos exatos termos em que o fez. É que os pressupostos de que partiu o Tribunal a quo não se verificam, como se verá.
11. Nem sempre os atos de liquidação sucessivamente praticados obedecem à mesma lógica. Como salientou já o Tribunal Cendal Administrativo Sul no Acórdão de 09-01-2007, proferido no processo n.° 00848/05, em geral, "decorre da natureza do acto de liquidação subsequente a uma anulação parcial operada pela AT [quando seja esta a modalidade existente]" que o mesmo se limita "a declarar subsistir parte do que fora liquidado em anterior acto, nada lhe acrescentado de novo que não tivesse já nele contido (no primitivo acto de liquidação adicional, no caso), pelo que a impugnação judicial deverá ser deduzida contra esse acto de liquidação adicional, nos prazos previstos na lei, sob pena de se consolidar na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido".
12. No entanto, como evidencia o mesmo Tribunal, nem sempre assim sucede. "Se depois da prática de um acto de liquidação adicional a AT, reconhecendo a razão do contribuinte, anula uma ou mais verbas nela contidas desta forma diminuindo o montante da prestação tributária, mas procede a uma anulação total (que não parcial) e substituição da anterior liquidação por essa nova liquidação, passamos a encontramo-nos perante um novo acto de liquidação tendo o anterior deixado de existir juridicamente, pelo que a impugnação judicial que o visava anular perdeu o seu objecto, verificando-se uma impossibilidade superveniente da lide". Neste caso, como deliberou o Tribunal Central Administrativo naquele aresto, "apenas será impugnável a última [das liquidações emitidas] que se mantenha erecta, por todas as outras anteriores terem sido anuladas e substituídas por esta" (cf. cit. Acórdão de 09-01-2007, proferido no processo n.° 00848/05) - o sublinhado é do Recorrente.
13. Ora, resulta da prova documental constante dos Autos que, no caso em apreço, o procedimento adotado pela Administração tributária foi idêntico ao que se verificou na situação analisada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, pelo que se impunha ao Tribunal a quo considerar que o ato de liquidação impugnado nos presentes Autos era o único impugnável por os anteriores terem sido sucessivamente anulados e substituídos, devendo, portanto, dele conhecer na totalidade.
14. Acresce que, mesmo de acordo com o entendimento preconizado pelo Tribunal a quo quanto os efeitos dos atos posteriores, a conclusão acima alcançada não se alteraria. Com efeito, mesmo que se entendesse que os 1.° ato de liquidação adicional (liquidação n.° 2002 831002...) e 2.° ato de liquidação (liquidação n.° 2003 831001...) se adicionavam aos atos de autoliquidação praticados pela própria Recorrente, concorrendo todos eles para a definição da prestação legalmente devida, a verdade é que os 3.° ato e 4.° ato assumem características próprias e diferenciadoras.
15. É que o 3.° ato (liquidação n.° 2004 801002...) - que o tribunal a quo entende que resulta de um erro informático - revogou e removeu da ordem jurídica os atos anteriores, como resulta dos documentos juntos aos Autos. De facto, apesar de o 3.° ato ter sido notificado à Recorrente no dia 04-07-2005 - na mesma data em que também lhe foi notificado o 4.° ato de liquidação (cf. indicado nos pontos W e Y dos factos provados) -, o certo é que a Recorrente também foi notificada, através do Ofício n.° 2893, de 28-06-2005, do Serviço de Finanças de Lisboa - 4, da extinção do processo de execução fiscal n.° 330120040100..., instaurado aquando da emissão do 2.° ato de liquidação (cf. Doc. 27 da p.i.). E como consta do ponto S dos factos provados, foi certificado pelo Serviço de Finanças, no dia 27 de Junho de 2008, "o processo de execução fiscal n° 330120040100... foi extinto por ANULAÇÃO em 2005/06/08, tendo sido feitos os averbamentos necessários e arquivado o respectivo processo executivo" (cf. DOC.S 12 e 21 da p.i.). Mas mais: em consequência da prática do 3.° ato, a Recorrente veio, posteriormente, a ser reembolsada do montante de € 1.836.497,74. (cf. consta do artigo 64.° da p.i, e se encontra provado por documento - cit. DOC. 28 da p.i.).
16. O mesmo é dizer que, independentemente da origem do 3.° ato, que para este efeito nada importa, a Administração tributária praticou um (novo) ato de liquidação que, dispondo em sentido diverso dos anteriormente praticados - e que constituíam o objeto dos processos de impugnação judicial n.°65/03 (ex 1J°, 2.ªS) e n.°3022/04.9BELSB -,revogou o(s) ato(s) anterior(es), substituindo-o(s) na ordem jurídica. Só neste contexto se compreende a extinção do processo de execução fiscal existente à data da prática daquele 3.° ato e, bem assim, a restituição do valor de € 1.836.497,74, que veio a ocorrer já em momento posterior ao da prática do 4.° ato de liquidação.
17. De resto, só a circunstância de se encontrarem totalmente anulados os 1.° e 2° atos de liquidação e de os mesmos terem sido substituídos pelo 3.° ato - emitido no dia 12-11-2004 - possibilitou, na prática, a emissão do 4.° ato de liquidação (adicional), pelos valores que no mesmo foram apurados pela Administração tributária. Efetivamente, na lógica seguida pela jurisprudência citada pelo Tribunal cujo, se os l.°, 2° e 4.° atos se limitassem a fixar um quantitativo adicional relativamente aos atos anteriormente praticados, ter-se-ia que concluir que o imposto devido resultaria da soma dos valores apurados (a final) nesses mesmos anos 1.°, 2.° e 4.° atos, deduzido, quanto muito, do reembolso apurado no 3.° ato.
18. Ora, não foi isso que a Administração tributária fez. Pelo contrário, a demonstração de acerto de contas n.° 2005 00000609..., emitida na sequência do 4.° ato de liquidação (n.° 2005 831000...) demonstra que a Administração tributária procedeu ao estorno do valor do reembolso anteriormente apurado no 3.° ato de liquidação (n.° 2004 801002...), que ascendia a € 861.257,53, e somou - unicamente - esta quantia ao valor adicionalmente liquidado naquele 4.° ato de liquidação (€ 2.725.940,30), tendo, deste modo, apurado um saldo a pagar pela Recorrente no valor de € 3.587.197,83 (cf. DOC. 30 da p.i.).
19. Assim, ao exigir, na sequência deste 4.° ato de liquidação, à Recorrente o pagamento do valor de € 3.587.197,83, a Administração tributária procedeu, efetivamente, a um novo apuramento do valor do imposto tido como devido por referência ao exercício de 1999, que deu origem a uma (nova) dívida e determinou, igualmente, a instauração, em 12-05- 2006, de um novo processo de execução fiscal com o n.° 330120060102..., pelo valor de € 3.587.197,83, mesmo antes de ter restituído à Recorrente a quantia de € 1.836.497,74, o que só veio a ocorrer em 07-09-2006 (cf. Doc. 28 da p.i.).
20. Por último, também o 5.° ato de liquidação (n.° 2010 83100...), revogou e substituiu na ordem jurídica o 4.° ato de liquidação, sendo, portanto, o único que atualmente define a situação jurídico tributária da Recorrente com referência ao IRC do exercício de 1999. Este 5.° ato não veio corporizar a alteração da situação tributária da recorrente na sequência do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido na impugnação judicial referente ao 2.° ato de liquidação e não consubstancia um ato meramente executório, como erradamente indica o Tribunal a quo. É que, no momento em que foi proferido aquele Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, o 2° ato de liquidação (n.° 2003 831001...) já se encontrava totalmente removido da ordem jurídica por efeito da prática do 3.° ato de liquidação em 12-11-2004 (cf. Doc. 27 da p.i. e ponto S dos factos provados). O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 19-11-2008, não determinou, portanto, a revogação parcial do 2.° ato de liquidação, posto que este ato já fora totalmente revogado pela própria Administração tributária, em momento anterior - concretamente, em 12-11-2004 (cf. DOC.S 21, 24, 25, 26,27 e 28 da p.i.).
21. Aliás, a notificação do 5.° ato de liquidação evidencia um novo apuramento do imposto, ou seja, a prática de um novo ato de liquidação que assenta em pressupostos diferentes e apura um valor diverso do valor constante do 4.° ato de liquidação, assim determinando uma obrigação tributária diversa da anterior (cf. cit. DOC. 2 e DOC. 3 da p.i.). Com efeito, na demonstração de acerto de contas correspondente, a Administração tributária procede ao estorno do valor total apurado através do 4.° ato de liquidação de IRC (n.° 2005 831000...), imputando-o/compensando-o no valor apurado no 5.Q ato de liquidação (n.° 2010 83100...).
22. E tanto se trata de um novo ato de liquidação de IRC que a notificação do mesmo inclui, expressamente, a menção de que o contribuinte "poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 128.° do CIRC e 70.° e 102 ° do CPPT" (cf. cit. Doc. 2 da p.i.). E nem se argumente que, "por força desta anulação parcial do ato de liquidação foi necessária a emissão de novos documentos de cobrança, uma vez que se reduziu o montante a pagar pela impugnante". É que a alegada necessidade de emissão de novos documentos de cobrança não pode servir de desculpa para o procedimento que foi adotado pela Administração tributária.
23. Ora, resulta expressamente da documentação junta aos Autos que a Administração tributária expurgou todo o valor apurado no 4.° ato de liquidação, voltou a calcular a totalidade do montante que considerou devido a título de IRC, de derrama e de Juros compensatórios, no exercício de 1999 - ou melhor dizendo, voltou a liquidar o tributo devido por referência àquele exercício e compensou o valor anteriormente apurado no valor que foi determinado aquando da emissão do 5.° ato de liquidação. Todas estas operações aritméticas têm consequências jurídicas a que o intérprete não pode ser alheio, posto que traduzem atos administrativos, não sendo, apenas, operações ariméticas internas, (cf., neste sentido, o cit. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09-01-2007, proferido no citado processo n.° 00848/05). A interpretação do Tribunal a quo contraria, assim, o disposto nos artigos 71.° e 77° do Código do IRC e o previsto nos artigos 70.° e 99.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, contrariando também o disposto no n,° 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa.
24. Acresce que a interpretação de tais preceitos no sentido de que (i) as regras que estabelecem a liquidação no Código do IRC poderiam ser interpretados no sentido de que seria permitida a revogação total do ato e a sua substituição por outro, e que, nesse caso, (ii) o novo ato só poderia ser sindicado quanto aos segmentos inovadores, constitui uma restrição intolerável do direito fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, violando o disposto nos artigos 18.° e 20.° e 268.°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa.
25. Por último, regista-se que, mesmo que o 5.° ato de liquidação tivesse sido praticado com o propósito de operar uma revogação parcial do 4.° ato - o que nem sequer podia ser dado como provado nos termos em que o foi, de acordo com o previsto no n.° 1 do artigo 64.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (ex vi, artigo 2.°, alínea c), do Código de Procedimento e de Processo Tributário) "o autor requerer que o processo prossiga contra o novo ato, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e do oferecimento de diferentes meios de prova", estabelecendo O n.° 3 que o "disposto no n.° 1 é aplicável a todos os casos em que o ato impugnado seja, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro com os mesmos efeitos".
26. Trata-se, todavia, de uma faculdade do Autor, que tem sempre a possibilidade de optar por uma impugnação autónoma, como reconhecem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA (cf. Código de Processo nos Tribunais Administrativos, anotado, Volume I, Almedina, p. 407) e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (cf. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.° edição revista, 2010, Almedina, p. 429 a 430).
27. É evidente, portanto, que o erro em que incorreu o Tribunal a quo ao considerar que a instância deveria ser extinta por impossibilidade originária da lide na parte correspondente aos vícios que a Recorrente apontou ao ato de liquidação por referência às diversas correções de IRC que o enformaram.
28. E o Tribunal a quo incorreu também em erro de julgamento ao considerar que ainda que o 5.° ato de liquidação tivesse substituído os anteriores, não podia ser parcialmente apreciado em virtude de os autos referentes aos atos de liquidação anteriores esgotarem o objeto destes. É que, contrariamente ao que sucede no contencioso administrativo, desde a reforma que entrou em vigor em 2004, o alcance do caso julgado material não se estende à totalidade da situação jurídica subjacente ao ato anulado. O objeto da ação no contencioso tributário continua a ser o ato de liquidação e não aquela situação jurídica subjacente nos moldes em que esta é defendida pelos Autores citados na sentença recorrida.
29. Ora, apesar de as partes serem as mesmas e de os fundamentos invocados nos Processos n.°s 65/03 (ex 2.° J, l;1 S) e 1829/06.1BELSB também terem sido, parcialmente, invocados na p.i. dos presentes Autos, a verdade é que, na situação em apreço, o ato impugnado é diferente dos anteriormente impugnados, como o próprio Tribunal a quo reconheceu. De facto, no que se refere aos atos objeto dos Processos de Impugnação Judicial, verifica-se que no processo de impugnação judicial n.° 65/03 (ex l.°J/2.a S), o objeto da Ação é constituído pelo 1° ato de liquidação (com o n.° 2002 831001...), no processo de impugnação judicial n.° 1829/06.1 BELSB, o objeto da Ação é constituído pelo 4.° ato de liquidação (com o n.° 2005 83100...); e nos presentes Autos, o objeto da Ação é constituído pelo 5.° ato de liquidação (com o n.° 2010 831000...).
30. Também não existe identidade da causa de pedir nos mesmos processos, posto que na presente Ação a Recorrente aponta diversos vícios ao ato de liquidação de IRC impugnado que não foram invocados no âmbito dos Processos de Impugnação Judicial n.°s 65/03 (ex l°J/2.a S) e 1829/06.1BELSB.
31. Quanto à exceção de caso julgado, importa salientar que, nem o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo produziu efeitos (como atrás se indicou), nem, ainda que assim fosse, podia o Tribunal a quo considerar que "os concretos fundamentos de facto e de direito das impugnações são idênticos, visando-se a anulação das mesmas correções". Com efeito, recorda-se que no momento em que foi proferido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (19-11-2008) o 2.° ato de liquidação (n.° 2003 831001...) já tinira sido totalmente removido da ordem jurídica pelo 3.° ato de liquidação (emitido em 12-11-2004), que anulou o 2.° ato e determinou a extinção do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida apurada no mesmo. Por consequência, não pode extrair-se qualquer efeito da decisão judicial que apreciou inutilmente um ato que já não existia na ordem jurídica, nomeadamente para efeitos de aferição da exceção de caso julgado.
32. Acresce que nesse Processo n.° 3022/04.9BELSB não foi proferida qualquer decisão judicial quanto aos vícios concretos que a Recorrente imputou ao ato objeto dos presentes Autos nos artigos 267.° a 304.° da sua p.i., tal como resulta expresso no próprio Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo a que o Tribunal n quo faz referência. A sentença recorrida é, assim, ilegal, por violação do disposto nos artigos 493, n.° 2, 494.°, alínea i), 497.° e 498.° do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.°, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo, por isso, o Tribunal ad quem revogar a mesma sentença e conhecer, em substituição, dos vícios que a Recorrente imputou às diversas correções realizadas pela Administração tributária.
33. O ato de liquidação de IRC impugnado é ilegal na parte em que traduz a correção ao lucro tributável no valor de € 34.307,32, correspondente ao encargo suportado pela Recorrente com a aquisição de bilhetes de acesso à Exposição EXPO 98 (exposição por si patrocinada) que ofereceu aos seus funcionários e que foi considerado como custo do exercício.
34. O que importa para efeitos de aceitação de tais encargos como custo é saber se tais "gastos (...) foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa" (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29-03-2006, proferido no processo n,° 01236/05).
35. Ora, tratando-se de ofertas a funcionários - como a própria Administração tributária indica no Relatório de Inspeção -, tais ofertas poderiam, no limite, ser consideradas como remunerações em espécie, o que apenas imporia, se fosse o caso, a sua tributação em sede de IRS na esfera dos funcionários contemplados e não, como foi feito pela Administração tributária, a desconsideração do custo. É que, tratando-se de ofertas comprovada mente feitas aos funcionários da empresa, não cabia - nem cabe - à Administração tributária questionar a opções da empresa para estimular ou premiar os seus funcionários.
36. Neste contexto, é evidente que a oferta de bilhetes a empregados com o objetivo de assistirem a um evento no qual a entidade empregadora era Patrocinadora Oficial deve ser considerada para efeitos fiscais como custo do exercício, na medida em que se encontra demonstrada, quer a sua relação com a atividade da Recorrente, quer a sua relevância para a manutenção da fonte produtora e para a realização dos proveitos. Assim sendo, o ato de liquidação objeto dos Autos é ilegal, na parte que traduz a correção realizada pela Administração tributária, por violação do disposto no artigo 23.° do Código do IRC, pelo que se impunha - e se impõe - a sua anulação.
37. O ato de liquidação de IRC impugnado é, também, ilegal na parte que traduz a correção das amortizações consideradas como excessivas.
38. Na verdade, aquando da ação de inspeção, a Administração tributária limitou-se a corrigir as amortizações praticadas pela Recorrente, partindo do princípio que todos os bens amortizados eram constituídos por telefones fixos, encontrando-se, por isso, limitada a sua amortização a uma taxa de 16,66%.
39. Porém, como resulta do quadro junto pela Recorrente aos Autos, independentemente do código utilizado, a Recorrente não realizou, amortizações excessivas, já que não excedeu relativamente às duas realidades em causa - telefones fixos e telemóveis - as respetivas e legais taxas de amortização, ou seja, respetivamente, de 16,66% e de 20%. Assim, deve ser anulada a correção em apreço e, bem assim, o ato de liquidação impugnado nesta parte por assentarem em erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito.
40. É ilegal o ato de liquidação objeto destes Autos por traduzir uma correção correspondente à não aceitação, como custo do exercício, do valor relativo ao IVA liquidado sobre o serviço telefónico prestado a empregados.
41. Na verdade, a correção realizada pela Administração tributária assenta também em erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito. É que, de acordo com o entendimento da própria Administração tributária, exarado no Despacho proferido em 10-03-1986 sobre a informação 410/86, relativamente aos telefones de serviço dos então CTT (empresa que está também na origem da Recorrente), a operação de prestação do serviço telefónico aos empregados (telefones de serviço), é qualificada como de autoconsumo interno (cf. Doc. 37 da p.i). Nessa medida, os encargos com tal prestação de serviços são aceites como custo para efeitos de IRC, por se enquadrarem na previsão do artigo 23.° do respetivo Código.
42. Também não poderá manter-se na ordem jurídica o ato de liquidação de IRC impugnado na parte que reflete tributação autónoma referente à despesa com a aquisição de cheques auto e de senhas de gasolina, por violação do disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 192/90, de 9 de Junho. Na verdade, as despesas encontram-se documentadas, já que a aquisição de cheques-auto e de senhas de combustível "G..." encontra- se suportada por "bordereaux" bancários e faturas da P..., pelo que as despesas em apreço não deviam ter sido tributadas como despesas confidenciais ou não documentadas.
43. E o mesmo se diga quanto à correção no valor global de € 849.944,13 (que inclui a correção da coleta de IRC em € 778.052,11 e da respetiva derrama em € 71.892,02) resultante da aplicação da taxa geral de IRC, em vigor em 1999, à matéria coletável da Recorrente respeitante à atividade desenvolvida na Região Autónoma dos Açores.
44. A obrigação de recuperação do auxílio constante da Decisão da Comissão das Comunidades Europeias (2003/442/CE) decorre, exclusivamente, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, enquanto a legitimidade da decisão de qualificação de um determinado regime como sendo de auxílio já é extraível do Tratado.
45. Acontece que, contrariamente ao que se infere do Relatório notificado à Recorrente em 28-10-2003, não foi atribuída competência à Administração tributária para a prática de ato com conteúdo equivalente ao do ato impugnado. Com efeito, a Decisão da Comissão cominou, expressamente, no seu artigo 2.°, que “a parte do regime de auxílios referida no artigo l.° é incompatível com o mercado comum desde que seja aplicável a empresas que exerçam as actividades financeiras previstas na secção 1 (códigos 65.66 e 67) da nomenclatura estatística das actividades económicas na Comunidade Europeia (NACE Rev. 1.1), bem como a empresas que exerçam as actividades previstas na secção K, código 74. da mesma nomenclatura, cujo fundamento económico é prestar serviços a outras empresas pertencentes ao mesmo grupo, como centros de coordenação, de tesouraria ou de distribuição" (o sublinhado é da Recorrente).
46. As atividades abrangidas pela declaração de incompatibilidade circunscrevem-se à globalidade da Secção J daquela nomenclatura, respeitante a atividades financeiras, e à verba 74 da Secção K, concernente a outras atividades de serviços prestados principalmente às empresas, dentro do universo das atividades imobiliárias, alugueres e serviços prestados às empresas. Acontece que, a atividade económica desenvolvida pela Recorrente à data dos factos não se enquadrava nas atividades proscritas pela Decisão da Comissão, posto que, até à reestruturação da atividade de todo o Grupo P… (autorizada pelo Decreto-Lei n.° 219/2000, de 9 de Setembro) a atividade da Recorrente traduzia-se na prestação de serviços na área das telecomunicações, como o Tribunal a quo deveria ter dado como provado, (cf. Doc. 4 da p.i.).
47. O mesmo é dizer que a Decisão da Comissão não era, afinal, aplicável à situação concreta da Recorrente, pelo que o ato de liquidação padece do vício de ilegalidade, por violação do disposto na mesma decisão e, bem assim, no indicado Decreto-Legislativo Regional n.° 2/99/A, de 20 de Janeiro, devendo, consequentemente, ser anulado o ato de liquidação de IRC n.° 2010 83100... na parte que traduz tal correção.
48. Mas ainda que tal decisão da Comissão fosse invocável no caso em apreço - o que, como vimos, não sucede - sempre seria ilegal o ato de correções praticado pela Administração tributária na parte correspondente à derrama por consubstanciar uma concretização não pressuposta na decisão executada.
49. De facto, de acordo com o disposto nos artigos 2.° e 3.° da Decisão da Comissão de 11-12-2002, apenas a redução de taxa prevista no artigo 5.° do Decreto Legislativo Regional n.° 2/99/A, de 20 de Janeiro, foi declarada como auxílio de estado ilegal e incompatível com o mercado comum e não, também, portanto, a derrama. O ato tributário em apreço é, portanto, ilegal nesta parte por não consequente dessa decisão de recuperação - ou, melhor dizendo, por erro sobre os respetivos pressupostos de direito e também de facto, impondo-se, também por esta razão, a sua anulação.
50. Também é ilegal a liquidação de juros compensatórios constante do mesmo ato de liquidação, por violação do disposto no artigo 35.° da Lei Geral Tributária, posto que nos Relatórios de Correções notificados à Recorrente (e que estão na origem dos atos de liquidação que foram sendo sucessivamente praticados pela Administração tributária com referência ao exercício de 1999), não é feita qualquer referência à liquidação de juros compensatórios (cf. DOCS. 11 e 18 da p.i.), nem demonstrada a culpa da Recorrente no atraso na liquidação do imposto.

TERMOS EM QUE DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, COMO ANTERIORMENTE PETICIONADO, SER ANULADO O ATO DE LIQUIDAÇÃO IMPUGNADO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE O PAGAMENTO À RECORRENTE DA INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA NO ÂMBITO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL N.° 330120060102..., QUE CORRE TERMOS NO SERVIÇO DE FINANÇAS DE LISBOA - 4, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 53.° DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA.»

A P..., SGPS, S.A., veio aos autos oferecer as suas contra alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«A) No entender da ora Recorrida, a apreciação do Recurso interposto pela Fazenda Pública só poderá ser realizada depois de decidido o Recurso da Recorrida, uma vez que a procedência do Recurso por si apresentado implicará que fique prejudicada a apreciação da legalidade da liquidação da quantia de € 155.934,47, a título de juros compensatórios;
B) Ainda assim, deve ser negado provimento ao Recurso que a Fazenda Pública apresentou;
C) O argumento segundo o qual o Tribunal a quo não poderia decidir sobre um vício não alegado pela Recorrida na sua p.i. não pode ter acolhimento, posto que a decisão proferida pelo Tribunal a quo resultou da apreciação dos factos invocados pela Fazenda Pública na contestação e pela Recorrida na respetiva resposta àquela contestação;
D) Na verdade, foi por ter considerado que o ato de liquidação impugnado tinha sido emitido em concretização do indicado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (como invocado pela Fazenda Pública), que o Tribunal a quo decidiu que a liquidação de juros compensatórios era ilegal na parte correspondente ao valor de €155.934.47, já que foi também dado como provado que o Supremo Tribunal Administrativo tinha determinado a anulação de juros compensatórios no valor de € 357.965,01 e não no valor de € 202.123,69 (como indicou a Recorrida);
E) Não pode também acolher-se o argumento segundo qual não seria admissível à Recorrida questionar este 5.° ato de liquidação, na parte correspondente à liquidação de juros compensatórios, no valor de €155.934.47, por tal não ser o meio processual próprio para obter a execução efetiva de decisões judiciais, e, em concreto, do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 19/11/2008;
F) É que, a aceitar-se como válida a interpretação que a Fazenda Pública e o Tribunal a quo fizeram quanto aos efeitos que os atos subsequentes produziram, sempre teria que se admitir a possibilidade de discussão da legalidade do 5.° ato quanto ao segmento em surge como inovador, sob pena de violação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais previsto nos artigos 20.° e 268°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa;
G) De resto, em caso algum a Recorrida poderia contestar a alegada deficiente concretização daquela decisão judicial através da indicada execução de julgados, posto que, nesse momento, há muito que se encontrava esgotado o prazo previsto no artigo 164.°, n.° 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
H) Acresce que é incontornável que, no Acórdão de 19/11/2008, o Supremo Tribunal Administrativo anulou a liquidação de juros compensatórios no valor de € 357.965,01. Aliás, este facto não foi contestado pela Fazenda Pública (que nem sequer impugnou especificadamente a matéria de facto dada como provada);
I) Partindo do pressuposto que tal Acórdão terá produzido os efeitos que a Fazenda Pública pretendeu invocar na sua contestação e que o Tribunal n quo veio a acolher, não podia a Administração tributária limitar-se a anular o valor que considerava como certo, sendo-lhe imposto que procedesse à concretização do Acórdão nos exatos termos em que o mesmo foi proferido (vd., em sentido convergente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28/04/2010, proferido no processo n.° 0297/10);
J) A admitir-se o alegado pela Fazenda Pública nos pontos VII e XI das suas conclusões de Recurso, apenas duas hipóteses se colocam: ou a liquidação do valor de € 155.841,32 constante do ato agora impugnado é ilegal por incongruência entre a fundamentação constante do Relatório de Inspeção e o próprio ato impugnado, ou a liquidação deste montante é ilegal por ter sido emitida sem a fundamentação adequada acompanhasse o ato de liquidação, consubstanciando a explicação agora dada pela Fazenda Pública uma fundamentação a posteriori. Em qualquer das hipóteses sempre se impunha a anulação do ato em termos idênticos aos constantes da sentença recorrida;
K) Acresce que, o Relatório acima indicado também esteve na origem da emissão do ato de liquidação n.° 2003 831001..., no qual a Administração tributária indicou expressa mente que o valor apurado a título de juros compensatórios fora liquidado ao abrigo do disposto no artigo 94.° do Código do IRC (cf. Doc. 20 da p.i.);
L) Ao contrário do que agora invoca a Fazenda Pública, foi esta a justificação que a Administração tributária apresentou para liquidar o valor de €357.965,01;
M) E foi por este motivo que o Supremo Tribunal Administrativo não se limitou, nem poderia limitar-se, a anular o valor de € 202.030,54, tendo, inversamente, determinado a anulação da totalidade dos juros compensatórios liquidados naquele 2.° ato de liquidação, no valor de € 357.965,01;
N) De resto, o procedimento adotado pelos Serviços em situações similares às da Recorrida foi sempre idêntico e, em todos os casos, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu que se impunha a anulação dos juros liquidados nos diversos atos de liquidação, por violação do disposto no artigo 35.° da Lei Geral Tributária (cf., neste sentido, os Acórdãos de 02/03/2011, proferido no processo n.° 0911/10, de 22/03/2011, proferido no processo n.° 0791/10, e de 25/05/2011, proferido no processo n.° 079/11);
O) A discussão da natureza dos juros constantes do ato de liquidação impugnado implica também, necessariamente, que se discuta a natureza pretensamente executória do ato de liquidação na parte em que supostamente traduz a recuperação de um auxílio de Estado; 
P) Quanto a esta questão, a Recorrida já indicou - na sua p.i. e no Recurso que apresentou da sentença recorrida - que o ato de liquidação era ilegal por traduzir a execução de uma decisão da Comunidade Europeia que não era aplicável no caso particular da Recorrida, por a atividade à data exercida por esta não se enquadrar nas atividades abrangidas por aquela decisão. A Recorrida indicou, ainda, que o acréscimo de derrama liquidado no mesmo ato era ilegal em virtude de apenas ter sido considerado como auxílio de Estado a redução de taxa de IRC prevista no artigo 5.° do Decreto Legislativo Regional n.° 2/99/A, de 20 de Janeiro;
Q) A admitir-se a viabilidade do invocado nos pontos XI e XII das conclusões de Recurso da Fazenda Pública, teria que também permitir- se a discussão sobre se o auxílio de Estado acima indicado podia ser recuperado nos moldes ou, melhor dizendo, de acordo com os mecanismos utilizados pela Administração tributária;
R) E a circunstância dos documentos de correção e dos consequentes atos de liquidação não comportarem a situação de juros indemnizatórios a favor do Estado apenas revela que a recuperação daqueles auxílios de Estado não pode - nem podia - ser efetuada através da emissão de um ato de liquidação de IRC;
S) Isto porque o que a Comunidade Europeia impôs ao Estado Português foi que recuperasse os montantes correspondentes ao auxílio de Estado conferido através do estabelecimento de uma taxa de IRC inferior e não, como erradamente procedeu a Administração tributária, que procedesse à liquidação do imposto que deixou de ser arrecadado em função do auxílio concedido;
T) Ora, foi a utilização do mecanismo inapropriado que determinou, quer a liquidação de juros compensatórios, quer a liquidação de derrama, que, como imposto acessório, foi automática e adicionalmente liquidada, sem que a decisão da Comissão Europeia a ela se referisse;
U) Assim, deverá, em qualquer caso, ser negado provimento ao Recurso da Fazenda Pública e ser confirmada a sentença no segmento por aquela contestado.
TERMOS EM QUE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA E SER CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA NA PARTE POR ELA CONTESTADA, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto pela Fazenda Pública e no sentido da improcedência do recurso interposto pela P..., SGPS, S.A.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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As questões a conhecer no presente recurso são as seguintes:
Recurso da Impugnante: aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao não ter conhecido dos vícios imputados à liquidação de imposto e de juros compensatórios;
Recurso da Fazenda Pública: aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito na parte respeitante aos juros compensatórios, bem como na parte respeitante à indemnização por prestação de garantia indevida.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A. A impugnante está coletada pelo exercício de atividade de "gestão de participações sociais" - com o código cae 064202, sendo sociedade dominante de um grupo de sociedades (processo administrativo tributário apenso).
B. No dia 31/05/2000, a impugnante apresentou a declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 1999, apurando um resultado em IRC de € 13.923.418,72 - liquidação n.0 2910100402 de 20/09/2000 (Docs. 7 e 8 da petição inicial).
C. No dia 23/11/2000, procedeu à entrega de uma declaração modelo 22 de substituição referente ao mesmo exercício, refletindo na mesma uma alteração, para menos, do valor declarado a título de benefícios fiscais, não alterando a matéria coletável nem a coleta, dando origem à liquidação n.º 2910022271, apurando um resultado em IRC de € 13.937.565,32 (Docs. 9 e 10 da PI).
D. Na sequência da ordem de serviço n.º 128/2001, a impugnante foi sujeita a uma ação de inspeção externa, ao exercício de 1999, que decorreu entre 30/10/2001 e 25/03/2002 (Doc. 11 da PI).
E. Na sequência da referida ação de inspeção foram efetuadas correções ao lucro tributável no valor de € 9.681.497,35, tendo sido acrescido ao valor declarado em tributação autónoma o montante de € 855.473,87 (Doc. 11 da PI).
F. O valor global das correções ao lucro tributável foram as seguintes:
a) € 615.005,41 - despesas efetuadas com cartão de crédito;
b) € 16.474,98 - não aceitação como custo de 20% do valor das despesas de representação;
c) € 34.307,32 - não aceitação como custo das despesas suportadas com a aquisição dos bilhetes para a Expo 98 oferecidos aos trabalhadores;
e) € 8.554.338,91 - amortizações excessivas;
f) € 2.727,07 - mais valias não tributadas;
g) € 458.643,67 - não aceitação como custo do .valor do IVA relativo ao serviço de telecomunicações atribuído aos trabalhadores (Doc. 11 da PI).
G. No dia 26/04/2002, a impugnante recebeu notificação do relatório final da ação de inspeção (Doe. 11 da PI).
H. No dia 16/05/2002, a impugnante entregou, via internet, nova declaração de substituição modelo 22 (identificada com o n.° C0052-03) que traduzia a regularização de várias correções ao lucro tributável (referentes às alíneas a). b) e d) do ponto F), tendo procedido ao pagamento do imposto apurado na mesma (autoliquidação - guia de pagamento n.º 42204972436) no montante de € 3.369.540,37 (Docs. 12 e 13 da PI).
I. No dia 07/06/2002, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2002831001... (doravante 1.ª liquidação) que traduziu todas as correções constantes do relatório de inspeção tributária, e na qual foi apurado um valor de IRC a pagar adicionalmente de € 5.060.078,12 (cinco milhões, sessenta mil, setenta e oito euros e doze cêntimos), sendo € 598.574, 15 (quinhentos e noventa e oito mil, quinhentos e setenta e quatro euros e quinze cêntimos) de juros compensatórios, com data limite de pagamento no dia 31/07/2002 (Doc. 14 da PI).
J. No dia 31/07/2002, a impugnante procede ao pagamento de € 975.240,21 (€ 855.473,87 de tributação autónoma e € 119.766,34 de juros), mediante guia modelo 82 (Doe. 15 da PI).
K. No dia 25/10/2002, a impugnante deduziu reclamação graciosa contra a 1.ª liquidação, dando origem ao procedimento n.º 330120020400211.3 (Doc. 16 da PI).
L. No dia 25/0712003, apresentou impugnação judicial do indeferimento tácito desta reclamação, dando origem ao processo n.º 65/2003-1J-2S (atual 1130/07), do Tribunal Tributário de Lisboa (Doc. 17 da PI e fls. 539/555).
M. Na qual a Fazenda Pública recebeu notificação para contestar em data anterior ao dia 17/11/2005 (SITAF).
N. E que foi julgada improcedente por sentença datada de 08/06/2012, objeto de recurso (fls. 539/555 e SITAF).
O. No dia 12102/2004, o Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa revogou parcialmente a 1.ª liquidação, anulando o montante de € 2.770,87, correspondente à anulação parcial da correção atinente à quota de amortização anual relativa ao acréscimo patrimonial do "Ediffcio M...", por se entender que o valor sobre o qual incide a correspondente quota de amortização é de € 892.218,75 e não € 814.624,51 (Doc. 18 da PI).
P. No dia 28/10/2003, a impugnante recebeu notificação do relatório de conclusões elaborado na sequência de ação de inspeção interna, que continha as correções efetuadas pela Administração Tributária na sequência da decisão da Comissão das Comunidades Europeias de 11/02/2002 (Doc. 19 da PI).
Q. Estas correções, no montante de € 849.944,137 acrescido de juros, resultaram da aplicação da taxa geral de IRC à matéria coletável da impugnante respeitante à atividade desenvolvida na Região Autónoma dos Açores, em virtude de ter sido considerado, nos termos da referida decisão, que a redução de taxa consubstanciou auxílio do Estado concedido indevidamente, auxílio esse, incompatível com o mercado comum (Doc. 19 da PI).
R. No dia 04/11/2003, foi emitida a liquidação n.º 2003831001... (doravante 2.ª liquidação), na qual se apurou um montante a pagar de € 1.207.909, 14 (um milhão, duzentos e sete mil, novecentos e nove euros e catorze cêntimos), sendo € 956.539,16 (novecentos e cinquenta e seis mil, quinhentos e trinta e nove euros e dezasseis cêntimos) de juros compensatórios, com data limite de pagamento no dia 17/1212003 (Doc. 20 da PI).
S. O processo executivo n.º 330120040100..., instaurado no dia 04/02/2004, por dívida de IRC do ano de 1999 referente à 2.ª liquidação, foi extinto por anulação no dia 08/06/2005 (Doe. 21 da PI).
T. No dia 12/03/2004, a impugnante deduziu reclamação graciosa desta 2.ª liquidação, dando origem ao procedimento n.º 330120040400... (Doe. 22 da PI).
U. No dia 13/12/2004, apresentou impugnação judicial do indeferimento tácito desta reclamação, dando origem ao processo n.º 3022/04.9BELSB, do Tribunal Tributário de Lisboa (Doe. 23 da PI).
V. Julgada improcedente esta impugnação, por sentença datada de 11/03/2008, veio o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão datado de 19/1112008, já transitado em julgado, a considerá-la parcialmente procedente, anulando a liquidação adicional de IRC no referente aos juros compensatórios no montante de € 357.965,01 (fls. 591/600).
W. No dia 12/11/2004, foi emitido o ato de liquidação com o n.º 2004801002... (3.ª liquidação), recebido pela impugnante no dia 04/07/2005, tendo como documento base o DC22-3120048960107, mantendo a matéria coletável e reduzindo as quantias relativas à coleta e à derrama, e apurando quanto a IRC, após dedução dos pagamentos efetuados, um reembolso de € 861.257,53 (compensação n.º 2...0004094753), nos seguintes termos:

- Pagamento liquidação n.º 2910100402 .................................€ 13.923.418,72
- Pagamento liquidação n.º 2910022271 .................................. € 14.146,60
- Pagamento Autoliquidação (Decl.Subs.) .................................€ 3.369.540,37
- Total dos pagamentos efetuados.............................. .......... € 17.307.105,69
- Liquidação n.º 801002... .................................. ............... € 16.445.848,16
- Valor apurado a crédito....................................................... € 861.257,53 (Doc. 24 da PI e artigo 53.º da PI).

X. No dia 25/02/2005, foi emitido outro ato de liquidação com o n.º 2005831000... (4.ª liquidação), igualmente recebido pela impugnante no dia 04/07/2005, que visou reformar a 3.ª liquidação quanto ao lapso na coleta, derrama e respetivos juros compensatórios (derivando a respetiva redução de não ter sido calculada a coleta, derrama e juros compensatórios respeitantes à matéria coletável imputável à Região Autónoma da Madeira) e concretizar os efeitos da decisão de revogação parcial do processo de impugnação judicial n.0 65/2003, apurando imposto a pagar no montante de € 20.033.045,99, donde resultou imposto em falta no montante de € 2.725.940,30, sendo € 832.054,42 de juros compensatórios, nos seguintes termos :
- IRC a pagar na liquidação n.º 2005 831000.......................€ 20.033.045,99
- Total dos pagamentos efetuados ............................................€ 17.307.105,69
- IRC a pagar.. ....................................................... ....€ 2.725.940,30
(Doc. 29 da PI e artigo 65.º da PI).

Y. Efetuado o estorno do reembolso apurado na 3.ª liquidação e acrescendo o valor apurado na 4.ª, foi apurado um montante a pagar de € 3.587.197,83 (€ 2.725.940,30 + € 861.257,53), respeitando € 3.059 .890,01 a imposto e € 527.307,82 a juros compensatórios (Doc. 30 da PI).
Z. No dia 03/10/2005, a impugnante deduziu reclamação graciosa contra a 4.ª liquidação (Doc. 31 da PI).
AA. O processo executivo n.º 330120060102... foi instaurado no dia 12/05/2006, por dívida de IRC do ano de 1999 referente à 4.ª liquidação, e encontra-se suspenso por ter sido prestada garantia idónea (Doc. 32 da PI).
BB. No dia 03/07/2006. a impugnante apresentou impugnação judicial do indeferimento tácito da reclamação indicada no ponto Z, dando origem ao procedimento n.º 1829/06.1BELSB (Doc. 33 da PI).
CC. Na qual a Fazenda Pública recebeu notificação para contestar no dia 22/01/2007 (SITAF).
DD. No dia 04/10/2010, em concretização do acórdão do STA que concedeu provimento parcial à impugnação judicial n.º 3022/04.9BELSB, foi emitida a liquidação n.º 201083100... (5.ª liquidação), com o montante a pagar de € 2.523.909,76, mantendo o valor da matéria coletável, coleta, e derrama, e diminuindo a liquidação dos juros compensatórios, que eram no valor de € 832.054,42 (oitocentos e trinta e cinco mil e cinquenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), na 4.ª liquidação, e passaram para € 630.023,88 (seiscentos e trinta mil e vinte e três euros e oitenta e oito cêntimos), nesta 5.ª liquidação (Doc. 2 da PI).
EE. Efetuada compensação, não resultou qualquer pagamento ou reembolso (Doc. 3 da PI).
FF. No dia 15/02/2011, a impugnante deduziu reclamação graciosa contra a 5.ª liquidação, dando origem ao procedimento n.º 330120110400... (Doc. 1 da PI e reclamação graciosa apensa).
GG. No dia 25/10/2011, apresentou impugnação judicial do indeferimento tácito desta reclamação, dando origem à presente ação (fls. 2).
HH. No êmbito da qual, a Fazenda Pública recebeu notificação para contestar no dia 27/12/2011 (fls. 475).
II. As liquidações supra referenciadas apresentaram os valores seguintes:
«Imagem no original»

(Docs. 2, 7 a 14, 20, 24 e 29 da PI).

Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

*
Conforme resulta dos autos a Recorrente Impugnante deduziu impugnação judicial do ato de liquidação de IRC n.º 2010 83100..., referente ao exercício de 1999, ato que corresponde ao “5.º ato de liquidação praticado pela Administração tributária com referência ao IRC do exercício de 1999”. A Impugnante entende que esta liquidação revogou integralmente os atos anteriores.

O Meritíssimo do TT de Lisboa se pronunciou sobre o mérito da ação apenas relativamente à “parte inovatória da 5.ª liquidação”, e nessa medida, apenas conheceu dos vícios de caducidade do direito de liquidação (que julgou que não se verificava), e ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, e pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

Neste contexto, o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou extinta a instância por impossibilidade originária da lide, no que respeita à apreciação da legalidade das correções referentes à não aceitação como custo das despesas suportadas com a aquisição de bilhetes, a amortizações excessivas, à não aceitação como custo do valor do IVA relativo a serviço de telecomunicações, à não aceitação da utilização da taxa de IRC reduzida e à tributação autónoma relativamente a despesas com cheques auto e senhas de gasolina. Julgou ainda parcialmente procedente a impugnação judicial, nomeadamente anulando o ato de liquidação de juros compensatórios, e condenou a entidade demandada a indemnizar a impugnante pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária indevida, na parte proporcional respeitante ao valor objeto de anulação.

A Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida, na parte em que anulou os juros compensatórios e condenou a Fazenda Pública a indemnizar a Impugnante dos prejuízos resultantes da prestação da garantia bancária indevida, na parte proporcional respeitante ao valor objeto de anulação.

A Impugnante vem contra-alegar suscitando desde logo a questão de que deverá o seu recurso ser conhecido em 1.ª lugar, face à relação de prejudicialidade relativamente à legalidade dos juros compensatórios. E, na verdade, cumpre conhecer do Recurso da Impugnante.

Vem a Impugnante recorrer da sentença recorrida, invocando que esta enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao apenas ter conhecido da “parte inovatória da 5.ª liquidação”, na medida em que, e em síntese, o 5.º ato de liquidação objeto dos presentes autos (liquidação de IRC n.º 2010 83100...) revogou o 4.ª ato de liquidação, sendo, portanto, o único ato que atualmente define a situação jurídica tributária da Recorrente com referência ao IRC do exercício de 1999.

Importa, então, conhecer em primeiro lugar, do erro de julgamento de facto invocado, sendo certo que, no essencial, a Impugnante deu cumprimento ao art. 640.º do CPC.

Relativamente aos factos que a Recorrente Impugnante considera estarem indevidamente dados como provados, encontram-se impugnados os factos das alíneas W), X), Y), DD), II), conforme resulta dos artigos 25 a 47 das alegações de recurso que complementam as respetivas conclusões, nomeadamente as conclusões 2 a 7.

Ora, sucede que, com exceção do facto do ponto II), todos os demais indicados pela Recorrente Impugnante são de manter não se verificando o erro de julgamento de facto invocado.

Efetivamente, as alterações que a Recorrente pretende que se efetue nos factos das alíneas W), X) Y) e DD) radicam na circunstância de que o tribunal a quo não podia ter considerado os factos alegados pela Fazenda Pública na contestação porque não se encontram refletidos nos documentos que foram indicados pelo tribunal na matéria de facto. Sucede que tais factos não assentam na contestação da Fazenda Pública, mas antes na informação oficial constante de fls. 152 e ss do Processo Administrativo, elaborada pela Unidade dos Grandes Contribuintes.

Ora, “a força probatória das informações oficiais da AT encontra-se especialmente regulada pelo artigo 76.º, n.º 1 da LGT, em termos em tudo idênticos aos previstos para os documentos autênticos, pelo que as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei (cf. acórdão do TCAN, de 21/11/2019, proc. n.º 01625/16.8BEPRT).

In casu, os factos essenciais radicam nos documentos indicados em cada uma das alíneas, e foram complementados com base naquela informação oficial que se encontra devidamente fundamentada, pelo que, nesta parte, improcede a impugnação da matéria de facto.

No que diz respeito à impugnação do facto dado como provado na alínea II), resulta da análise dos documentos n.ºs 2, 24 e 29 que efetivamente alguns dos valores retirados das liquidações não se encontram corretos como impugnado pela Recorrente Impugnante, e nessa medida altera-se o quadro da alínea II) dos factos provados nos quadros seguintes, mantendo-se no demais o dado como provado:

Liquidações801002...831000...83100...
coleta126.978.103,15129.622.557,04129.622.557,04
IRC – Pag/rec616.689,715.112.894,41-
IRC exercícios anteriores0,000,00-

Prosseguindo.

Invoca ainda a Recorrente Impugnante erro de julgamento de facto porque o tribunal a quo deveria ter dado como provado os factos enunciados nas diversas alíneas do art. 49.º das alegações de recurso que complementam as respetivas conclusões, nomeadamente as diversas alíneas da conclusão 8. Contudo, com exceção dos factos que infra se dão como provados, todos os demais apenas relevariam, eventualmente, no caso da procedência do recurso e o presente tribunal viesse a conhecer em substituição da 1.ª instância dos vícios invocados pela Recorrente Impugnante na p.i. No entanto, como mais adiante verá, tal provimento e consequente conhecimento em substituição não se verifica. Pelo exposto, nesta parte, apenas se aditam os seguintes factos ao probatório:

JJ) A Impugnante foi notificada, através do ofício n.º 2893, de 28/06/2005, do serviço de finanças de Lisboa-4, da extinção do processo de execução fiscal n.º 330120040100... instaurado com base na certidão de dívida datada de 13/02/2004, para a cobrança coerciva do montante de 1.207.909,14€, referente à liquidação de IRC de 1999, n.º 831001... (cf. documento n.º 27 da p.i e certidão de dívida de fls. 316 dos autos)

KK) A Impugnante foi notificada da demonstração de acerto de contas n.º 2..., referente à compensação n.º 20…, datada de 8 de junho de 2005 (cf. documento n.º 26 da p.i.).

LL) A demonstração de acerto de contas espelha a compensação efetuada pela AT em resultado da emissão do ato de liquidação de IRC n.º 2004 801002... (3.º ato) e o estorno do valor apurado no ato de liquidação n.º 2003 831001... (2.º ato), apurando-se o valor de reembolso de 1.836.497, 74€ (cf. documento n.º 26 da p.i.).

MM) Em 18/09/2006 a Impugnante foi notificada da restituição do valor de 1.836.497, 74€ referido na alínea anterior (cf. documento n.º 28 da p.i.).

Estabilizada a matéria de facto, vejamos então do invocado erro de julgamento de direito.

Invoca a Impugnante, no essencial, que o 5.º ato de liquidação objeto dos presentes autos (liquidação de IRC n.º 2010 83100...) revogou o 4.ª ato de liquidação, sendo, portanto, o único ato que atualmente define a situação jurídica tributária da Recorrente com referência ao IRC do exercício de 1999, esgrime para tanto, diversos argumentos para fazer valer a sua posição sendo que nenhum merece acolhimento (cf. conclusões 9 a 32).

Na sentença recorrida, quanto a esta questão, entendeu-se, para além do mais, o seguinte:
“(…) Temos, assim, que a impugnante deduziu inicialmente impugnação judicial contra o 1.º ato de liquidação, visando a anulação de quatro das cinco correções aqui igualmente visadas, a saber, a não aceitação como custo das despesas suportadas com a aquisição de bilhetes, a referente a amortizações excessivas, a não aceitação como custo do valor do IVA relativo a serviço de telecomunicações e a tributação autónoma relativamente a despesas com cheques auto e senhas de gasolina - processo n.º 65/2003.
Para dar cumprimento a uma decisão da Comissão das Comunidades Europeias, datada de 11/02/2002, foi emitida uma 2.ª liquidação, contra a qual a impugnante igualmente deduziu impugnação judicial, estando em causa a anulação da correção referente à não aceitação da utilização da taxa de IRC reduzida - processo n.º 3022/04.
Após emissão de uma 3.ª liquidação, que enfermava de lapso informático, os serviços da administração tributária emitiram uma 4 .ª liquidação, que visou reformar os lapsos da 3.ª e concretizar os efeitos da decisão de revogação parcial do processo n.º 65/2003, contra a qual a impugnante também apresentou impugnação judicial - processo n.º 1829/06.
A presente impugnação vem então instaurada contra a 5.ª liquidação, que visou concretizar o acórdão do STA proferido naquele processo n.º 3022/04.
Da mesma resultou o montante a pagar de € 2.523.909,76, porquanto se manteve o valor da matéria coletável, da coleta, e da derrama , mas ocorreu uma diminuição do valor dos juros compensatórios, em função daquele provimento parcial.
Afigura-se, pois, isento de dúvidas que a diferença entre o 4.º e o 5.º atos de liquidação se circunscreve à questão que foi objeto daquele provimento parcial, relativamente aos juros compensatórios.
(…), com a impugnação da 5.ª liquidação, que visou concretizar o provimento parcial da impugnação n.º 3022/04, ficou prejudicada a apreciação nos demais autos das questões conexas com a liquidação de juros compensatórios, único ponto em que o Supremo Tribunal Administrativo entendeu assistir razão à impugnante, e concomitantemente, único ponto inovatório a constar daquela 5.ª liquidação.
E é esta a posição mais acertada.
Com efeito, é inelutável que a 5.ª liquidação teve como único fito corporizar a alteração da situação fiscal da impugnante em função do provimento parcial decretado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no que respeita à liquidação dos juros compensatórios. Tratou-se de uma liquidação corrigida, mantendo-se os efeitos produzidos pelas liquidações primitivas nas partes não afetadas (cf., v.g., acórdão do STA de 22/03/2006, proc. n.0 01284/05, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf ).
Assim, a reconhecer-se à impugnante a possibilidade de sindicar este 5.º ato, apenas o poderia ser quanto ao segmento em que o mesmo surge como inovador, pois quanto ao remanescente, tal como na situação apreciada em acórdão do TCAS de 03/05/2007 (proc. n.º 01507/06, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf ), "essa possibilidade já lhe foi conferida com a notificação da primeira liquidação e se um qualquer contribuinte não usar desse seu direito de sindicância, na altura devida , sibi imputat'. Foi isto que a impugnante fez, com as reclamações graciosas e posteriores impugnações judiciais quanto aos 1.º, 2.º e 4.º atos de liquidação.
Ou seja, a novidade deste 5.º ato de liquidação e a sua impugnabilidade, como já supra se definiu, não acarretam os efeitos pretendidos pela impugnante, porquanto obviamente se circunscrevem à parte dos atos de liquidação objeto de revogação.
E para aqui chegar, basta analisar as diferenças entre a 4.ª liquidação e a 5.ª liquidação:
- os valores da matéria coletável, da coleta, da dupla tributação internacional, da contribuição autárquica, dos benefícios fiscais (estes dois somados na 5.ª liquidação), do total das deduções, do IRC liquidado, das retenções na fonte, dos pagamentos por conta do IRC - pag/rec., do IRC de exercícios anteriores, da derrama e da tributação autónoma mantiveram-se idênticos nas duas liquidações ;
- só os valores dos juros compensatórios se alteraram, passando de € 832 .054,42, na 4.ª liquidação, para € 630.023,88, na 5.ª liquidação.
Ora, como facilmente se vê, a redução do montante dos juros compensatórios, única alteração parcelar de um ato tributário para o outro, resulta diretamente da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Administrativo quanto à anulação parcial do ato de liquidação.
Do que fica dito resulta claramente que esta 5.ª liquidação tem na sua origem, apenas e só, aquela anulação parcial, sendo uma nova liquidação mais favorável à impugnante, posto que lhe reconhece razão quanto a parte dos argumentos apresentados.
E por força desta anulação parcial do ato de liquidação foi necessária a emissão de novos documentos de cobrança, uma vez que se reduziu o montante a pagar pela impugnante. Deste modo, apesar de se conferir à impugnante a possibilidade de sindicar o novo ato decorrente da revogação parcial, esta já reconhecida impugnabilidade limita-se aos segmentos em que tais atos surgem como inovadores. De facto, novamente se realça, estes atos apenas surgem como lesivos nos respetivos segmentos inovadores e desfavoráveis ao sujeito passivo. Assim, como ali se ponderou, o que a administração tributária tinha a dizer sobre tal matéria já o fizera anteriormente, pelo que era no âmbito da sindicância dos atos anteriores que as questões atinentes ao mesmo tinham de ser suscitadas.
(…)
Por outro lado, compulsada a causa de pedir constante da petição inicial que deu início aos presentes autos, temos que, partindo do pressuposto da 5.ª liquidação ter substituído na ordem jurídica todos os atos tributários anteriormente praticados com referência ao mesmo exercício, a impugnante ataca as correções referentes à não aceitação como custo do exercício do valor referente a ofertas aos empregados, ao cálculo das reintegrações e amortizações praticadas em excesso, ao serviço telefónico atribuído aos empregados, e à tributação autónoma sobre as despesas contabilizadas pela impugnante com a aquisição de cheques auto e senhas de gasolina, sustentando ainda que, as correções efetuadas com fundamento na decisão da Comissão das Comunidades Europeias assentam em erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito.
(…)
Há, pois, que concluir com a Fazenda Pública e o Ministério Público, que os presentes autos carecem de objeto quanto ao ataque às supra mencionadas correções, porquanto as mesmas foram igualmente visadas nos processos de impugnação n.º 65/03, e n.º 3022/04, onde se pretende a anulação das anteriores liquidações, que, como já analisado, se mantêm na ordem jurídica na parte não objeto de revogação / anulação.
E o mesmo se diga quanto ao processo n.º 1829/06, o qual, a ter objeto, igualmente esgotaria o dos presentes atos.
Com efeito, apesar de vir aqui atacado um 'novo' ato de liquidação, o objeto do processo não se identifica com ele, pois, subjacente à pretensão anulatória existe uma relação material constituída pela definição introduzida pelo ato na ordem jurídica e pela lesão que ele causa à posição jurídica subjetiva do impugnante (cf. ac. do STA de 07/12/2011 , proc. n.º 0419/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf), que é a mesma objeto de disputa nas demais impugnações judiciais .
Como tal, os autos referentes aos anteriores atos de liquidação esgotam o objeto destes, verificando-se aqui uma impossibilidade originária da lide.”.

Ora, desde logo, sublinhe-se que a alteração da matéria de facto supra não importa decisão diversa da adotada em 1.ª instância, improcedendo as conclusões 2 a 10. Por outro lado, in casu, não é aplicável a jurisprudência invocada pela Impugnante Recorrente, improcedendo as conclusões 11 a 13.

Na verdade, o que verdadeiramente releva é que da análise dos valores da 4.ª liquidação para a 5.ª liquidação resulta que a única importância corrigida é o valor dos juros compensatórios que passam de 832.054,42€ para 630.023,88€ (saliente-se que não existe alteração nos montantes dos benefícios fiscais, pois o valor de 893.207,75€ da 5.ª liquidação corresponde na 4.ª liquidação à soma do valor dos benefícios fiscais (869.031,34€) com o valor da contribuição autárquica (24.176,41€)).

Ora, é irrelevante a questão dos fundamentos das correções versus fundamentos invocados em cada uma das impugnações judiciais (conclusões 28 a 30), porque a inimpugnabilidade da 5.ª liquidação não reside em “fundamentos invocados”, mas tão-somente no facto de estarmos perante uma liquidação de execução de decisão judicial que não tem carácter inovatório.

De igual modo, são irrelevantes os argumentos vertidos nas conclusões 14 a 27, não sendo aplicável ao caso dos autos, na medida que não estamos perante um “novo ato”, mas tão-somente, como já referimos, perante um ato de execução de decisão judicial. Também é irrelevante nos presentes autos a questão do caso julgado invocado na conclusão 31 porque, na verdade, estamos perante a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato, nos termos do disposto no art. 89.º, n.º 4, alínea i) do CPTA, o que conduz à prejudicialidade do conhecimento das demais exceções invocadas pela Fazenda Pública na contestação.

Portanto, por muitos argumentos que a Recorrente apresente nas suas conclusões de recurso, a verdade é que resulta evidenciado nas liquidações que, com exceção dos juros compensatórios, os montantes constantes da 5.ª declaração são exatamente os mesmos da 4.ª liquidação, e assim sendo, apenas a legalidade dos juros compensatórios (na parte inovatória) poderá ser conhecida no presente processo, porque apenas estes revestem um carácter inovatório, consubstanciando a liquidação um mero ato de execução, e portanto, ininpugnável. E como bem se refere na sentença recorrida “apesar de na notificação da liquidação se conferir à impugnante a possibilidade de sindicar o novo ato decorrente da revogação parcial, esta já reconhecida impugnabilidade limita-se aos segmentos em que tais atos surgem como inovadores.”.

Saliente-se que a essa conclusão não obsta o decidido no acórdão do TCAS de 14/04/2015, proc. n.º 06030/12, porque, nessa decisão se refere expressamente ao facto de a 5.ª liquidação ser uma “liquidação corretiva da 4.ª liquidação, tendo sido corrigidos os juros compensatórios”, ou seja, faz-se referência expressa ao facto de a correção ter sido ao nível dos juros compensatórios.

Efetivamente, o ato de liquidação ora em causa consubstancia um ato de execução de uma decisão judicial, e não “um novo apuramento de imposto” que determina uma obrigação tributária diversa da anterior como entende a Recorrente, portanto, na parte em que não tem conteúdo inovatório, não é inimpugnável, não podendo serem conhecidas as ilegalidades invocadas nas conclusões 33 a 49, não se verificando o erro de julgamento de facto e de direito invocado. De igual modo, não podem ser conhecidos os vícios que são imputados aos juros compensatórios, conforme pretende a Recorrente na conclusão 50 das alegações de recurso. Finalmente, refira-se ainda que face ao carácter meramente executório da liquidação, não se verifica a caducidade do direito de liquidação (cf. alegações 274 e ss), e, portanto, também nesta parte, não se verifica o erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida.

De igual modo, refira-se ainda que esta interpretação acolhida não viola qualquer princípio ou direito constitucional conforme parece entender a Recorrente nas suas alegações de recurso. Não viola o disposto no n.º 3, do art. 103.º da CRP, nem o princípio e o direito à tutela jurisdicional efetiva, na medida em que o direito de ação do contribuinte relativamente à liquidação de IRC de 1999 foi garantido, na medida em que teve oportunidade de impugnar em momento anterior as correções efetuadas pela AT, tendo inclusive apresentado reclamação graciosa e impugnação judicial anteriormente.

Importa sublinhar que ao contrário do que se decidiu em 1.ª instância, nesta parte, não estamos perante uma impossibilidade superveniente da lide, mas antes perante uma situação de inimpugnabilidade do ato de liquidação, uma vez que o ato de liquidação ora em causa consubstancia um ato de execução de uma decisão judicial, e portanto, na parte em que não tem conteúdo inovatório, não são inimpugnáveis nos termos do disposto no art. 89.º, n.º 4, alínea i) do CPTA, e nessa medida, estamos perante uma exceção dilatória que conduz à absolvição da Fazenda Pública da instância, que sendo insuprível não conduz à renovação da instância (cf. nesse sentido, acórdão do STA de 13/03/2019, proc. n.º 0215/17.2BEPRT 086/18: “A exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato prevista no artigo 89.º, n.º 4, al. i) do CPTA é insuprível, sendo certo que não admite a renovação da instância”).

Pelo exposto, e em suma, a sentença recorrida, nesta parte, não enferma de erro de julgamento de erro de facto e de direito, e nessa medida deve ser mantida, e, portanto, não é de conhecer dos fundamentos de ilegalidade da liquidação.

Passemos, então, à apreciação do recurso da Fazenda Pública.

Conforme já referimos, a Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida, na parte em que anulou os juros compensatórios e condenou a Fazenda Pública a indemnizar a Impugnante dos prejuízos resultantes da prestação da garantia bancária indevida, na parte proporcional respeitante ao valor objeto de anulação.

Contudo, sem razão, senão vejamos.

Na sentença recorrida, nesta parte entendeu, na parte com relevo para o presente recurso, o seguinte:

“(…) Decorre do já exposto, que a apreciação da legalidade da liquidação de juros compensatórios apenas se pode cingir à parte inovatória do 5.º ato de liquidação.
Dito por outras palavras, carecendo os presentes autos de objeto, na parte já consumida pelas anteriores liquidações adicionais, apenas aqui será de conhecer da concretização, quanto à liquidação de juros compensatórios, do decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo de impugnação n.º 3022/04.
Assim, temos que, conforme consta da matéria de facto dada como assente, na 1.ª liquidação foi apurado um valor de juros compensatórios de € 598.574,15, ao passo que na 2.ª liquidação foi apurado o valor de € 956.539,16, também a título de juros compensatórios.
E apresentada impugnação judicial relativa a esta 2.ª liquidação, processo n.0 3022/04.9BELSB, a mesma veio a ser julgada parcialmente procedente pelo Supremo Tribunal Administrativo, através de acórdão datado de 19/11/2008, que anulou a liquidação adicional de IRC no referente aos juros compensatórios no montante de € 357.965,01.
Na 4.ª liquidação, foi apurado o valor de € 832.054,42, a título de juros compensatórios.
Finalmente, no 5.º ato de liquidação, datado de 04/10/2010, que veio concretizar o sobredito acórdão do STA, foi apurado, a título de juros compensatórios, o valor de € 630.023,88.
Ora, ao contrário do que sustenta a Fazenda Pública, artigos 51.º e 52.º da contestação, o acórdão do STA, que decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pelo sujeito passivo, não determinou a anulação / revogação da liquidação de juros compensatórios no montante de € 202.123,69, mas sim no montante de € 357.965,01.
Donde, tendo em consideração os montantes liquidados a título de Juros compensatórios na 4.ª e na 5.ª liquidações (um valor inferior em € 202.030,54, desta relativamente àquela), verifica-se que aqui o valor excede em € 155.934,47 o que deveria ter sido liquidado em concretização do acórdão do STA.
Como tal, na liquidação ora objeto de impugnação, haverá que anular o montante de € 155.934,47, na parte respeitante aos juros compensatórios.”


Ora, a Fazenda Pública vem sindicar a sentença recorrida, desde logo, com o fundamento de que a Impugnante não sindicou na p.i. a execução do acórdão do STA, mas a legalidade dos juros compensatórios, não se podendo retirar que sindicou a parte inovatória da liquidação.

Sucede que, a liquidação na parte em que dá execução ao acórdão do STA é inovatória, e assim sendo, à Impugnante assiste o direito de sindicar a legalidade dos juros compensatórios, em conformidade com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (art. 268.º, n.º 4, da CRP), tanto mais foi notificada pela AT dos meios graciosos e contenciosos para sindicar a 5.ª liquidação.
Por outro lado, na p.i. a Impugnante, ainda que visando a totalidade do montante de juros compensatórios liquidados, e não apenas a parte inovatória, sindicou de forma autónoma a liquidação de juros compensatórios, invocando, para além do mais, a falta de fundamentação que justificasse ou demonstrasse os pressupostos de facto e de direito da sua exigibilidade, o que numa interpretação em conformidade com o referido princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, é suficiente para habilitar o tribunal a quo a aferir dos pressupostos de facto e de direito subjacente à liquidação de juros compensatórios, tal como se fez na sentença recorrida, e nessa medida, esta não merece reparo.

Pelo exposto, improcedem as conclusões III) a VI das alegações de recurso da Fazenda Pública.

Invoca ainda a Recorrente Fazenda Pública que o montante de 155.841,32€ anulado na sentença recorrida, não diz respeito a verdadeiros juros compensatórios, mas a juros indemnizatórios a favor do Estado, calculado de acordo com a decisão proferida pela Comissão das Comunidades Europeias, apenas não constando do documento DC-22 por “constrangimento” do mesmo.

Sucede que, independentemente dos argumentos da Recorrente Fazenda Pública, a verdade é que, por um lado, na 4.ª e 5.ª liquidação constam apenas valores qualificados de “juros compensatórios”, não constando qualquer referência a juros indemnizatórios, e por outro lado, a verdade é que no dispositivo do acórdão do STA de 19/11/2008, na sequência do qual surge a 5.ª liquidação ora em discussão, expressamente se determina a anulação da dos juros compensatórios no montante de 357.965,01€.

Ora, se aquele valor indicado no dispositivo do acórdão do STA não era o correto como parece entender a Recorrente Fazenda Pública, então, não se compreende a razão pela qual não requereu, junto daquele Tribunal, a retificação do dispositivo do acórdão invocando erro de cálculo nos termos do art. 614.º do CPC, ex vi, art. 666.º, n.º 1 do CPC.

Efetivamente, o que releva é que aquele acórdão terminou a anulação daquele montante, e assim sendo, na execução da decisão judicial transitada em julgado, a AT está obrigada a cumpri-la nos seus exatos termos, e assim sendo, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento.

Por conseguinte, improcedem, as conclusões VII a XXI, e nessa medida, improcedem todos os fundamentos do recurso da Fazenda Pública, sendo de negar provimento ao seu recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa, sendo que no caso dos autos, ambas as partes são responsáveis na proporção do decaimento.

Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Trata-se, pois, de uma dispensa excecional que depende de uma concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ter sido omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cf., neste sentido, o acórdão de 15/10/2014, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, no proc. n.º 01435/12.

Ora, considerando que a complexidade das questões, a conduta processual das partes que foi a normal e adequada, bem como ponderado o montante da taxa de justiça que será devida com base no valor da presente causa, face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP – cf. Ac. do STA de 18/03/2015, proc. n.º 01160/13: “Justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se o montante da taxa de justiça devida se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, tendo em conta, designadamente, que a questão sujeita a recurso já foi anteriormente objecto de diversas decisões deste Supremo Tribunal e que o acórdão, usando da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do CPC, remeteu para a fundamentação expendida por aresto anterior.” (sublinhado nosso).


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)


Um ato de liquidação de imposto na parte em que é emitido para dar execução a uma decisão judicial que anulou parcialmente uma liquidação, não tem conteúdo inovatório, por conseguinte, a liquidação, nessa parte, é inimpugnável nos termos do disposto no art. 89.º, n.º 4, alínea i) do CPTA, verificando-se uma exceção dilatória que conduz à absolvição da Fazenda Pública da instância, que sendo insuprível não conduz à renovação da instância.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento a ambos os recursos, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas na proporção do decaimento que se fixa em 95% para a Recorrente Impugnante, e 5% para a Recorrente Fazenda Pública, dispensando-se as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
D.n.
Lisboa, 16 de setembro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora

A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e Susana Barreto