Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3042/04.3BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:CONVOLAÇÃO.
Sumário:Não é admissível a convolação da oposição para apreciação de um pedido subsidiário próprio da impugnação judicial, depois de proferida sentença que apreciou o mérito dos pedidos principais formulados nessa oposição.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório
a) - As partes e o objecto do recurso
H.........., Ld.ª, inconformada com o despacho do relator que, em decisão sumária, negou provimento ao recurso que havia interposto da sentença do TT de Lisboa que julgou improcedente a oposição à execução fiscal que deduziu contra a Fazenda Pública, veio reclamar para a conferência, argumentando que:
1. A ora Recorrente invocou no recurso um conjunto de fundamentos que, salvo o devido respeito, não foram tidos em conta pelo Senhor Desembargador Relator, os quais são de molde a considerar que o recurso interposto merece provimento, ao contrário do que foi decidido. Senão, vejamos.
2. A Recorrente apresentou, em 9 de Setembro de 2004, Oposição à Execução Fiscal no âmbito do processo de execução fiscal n.° .......... e apensos.
3. A Oposição foi apresentada com base em diversos fundamentos, a saber (i) falta de notificação de liquidação dos impostos/caducidade do direito à liquidação, (ii) inexistência do facto tributário relativamente ao Imposto Municipal de Sisa, (iii) ilegitimidade da executada relativamente à Contribuição Autárquica e (iv) processo de contra-ordenação.
4. Embora, em sede de Contestação, a Fazenda Pública não se tenha pronunciado sobre todos os factos alegados pela ora Recorrente (melhor dizendo, sobre todos os fundamentos acima identificados), os mesmos foram apreciados pela douta Sentença proferida em primeira instância.
5. A douta Sentença, proferida pelo Tribunal Tributário de Almada, concluiu no sentido de a Oposição à Execução Fiscal não ser o meio adequado para discutir a legalidade das liquidações, pelo que, conforme pode ler-se na página 7 da douta sentença que "Assim, na medida em que assenta sobre a discussão da legalidade concreta das liquidações de tributos e da decisão condenatória, a oposição é legalmente inadmissível, ao abrigo daquele art. 204.° n.° 1 corpo e alíneas, a contrario] do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que constitui causa de absolvição da Fazenda Publica da presente instancia, nos termos do art. 288.° n.° 1 corpo e aliena e) do Código de Processo Civil, ex vi do art. 2.° corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que se decide:.
6. Adicionalmente, a douta Sentença:
a. Concluiu pela impossibilidade superveniente da instância, relativamente as dívidas de Contribuição Autárquica, que foram entretanto anuladas;
b. Julgou parcialmente improcedente, por parcialmente não provada, a execução da divide de Sisa e juros compensatórios, por não verificação da caducidade do direito de liquidação;
c. Julgou parcialmente procedente, por provada, no que concerne a execução dos juros de mora conexos com a execução;
d. Julgou procedente, por provada, no que respeita a execução coerciva da coima e custas, por prescrição.
7. Considerou ainda o Tribunal não estar verificada a caducidade do direito a liquidação da Sisa, na medida em que os gerentes da Recorrente foram notificados da mesma (que estava anexa a nota de citação do presente processo executivo) até 17 de Agosto de 2004, pelo que poderiam ter reagido contra as mesmas.
8. 8. A Recorrente apresentou o presente recurso, contra a parte da decisão que determina a absolvição da instância da Fazenda Publica.
9. Com efeito, considera a Decisão proferida pelo Senhor Desembargador que "Posto isto e revertendo ao caso sub judice constata-se que a recorrente pretende que se convole parcialmente o processo para impugnação judicial; numa primeira fase (ate sentença),o processo seguiria (como seguiu) a forma de oposição; ultrapassada essa fase, prosseguiria como impugnação judicial.".
10. Com o devido respeito, não a isso que a Recorrente pretende.
11. Efectivamente, considera a Recorrente que os fundamentos aduzidos permitiriam a convolação de todo o processo em impugnação judicial, permitindo que se sindicasse a legalidade da liquidação adicional de Sisa e a caducidade do direito a liquidacao.
12. Sendo que, o facto de se ter alegado a caducidade do direito a liquidação não obsta, considera a Recorrente, a esta convolação. Senão, vejamos.
13. A Recorrente apresentou oposição a execução com os fundamentos elencados supra.
14. E certo que, nos termos do disposto na alínea e) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT, a falta de liquidação do tributo no prazo de caducidade é (em regra) fundamento de oposição a execução fiscal.
15. Por outro lado, em sede de impugnação judicial, discute-se a legalidade de determinada divida, nomeadamente a preterição de outras formalidades legais (cfr. alínea d) do artigo 99.° do CPPT).
16. Mas a caducidade pode também ser discutida em sede de impugnação judicial.
17. Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) já se pronunciou sobre a alínea e) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT no sentido em que, ainda dentro do prazo de caducidade, foi instaurada uma execução sem prévia notificação da liquidação (in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Jorge Lopes de Sousa, vol. Ill, pag. 486, 6.a edição 2011).
18. Com efeito, atente-se, nomeadamente, no Acórdão do STA n.° 26722, de 27 de Fevereiro de 2002, no qual este entendimento é patente.
19. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão proferido pelo STA no recurso n.° 633/05, de 12 de Outubro de 2005, que também se pronuncia no sentido de a caducidade, por contender com a legalidade, que não com a exigibilidade da divida, ser fundamento típico da impugnação judicial, e não de oposição a execução fiscal.
20. Ou seja, é admitido pela jurisprudência que a caducidade de um acto tributário pode ser discutida em sede de impugnação judicial, tratando-se de uma questão que afecta a legalidade do referido acto.
21. Assim, considera a Recorrente que nada obstava a que o processo de oposição execução fosse convolado em impugnação judicial, analisando-se a questão da caducidade e da legalidade da liquidacao de Sisa.
22. E certo que, coexistindo na petição inicial fundamentos de impugnação e de oposição, o Tribunal ficava impedido de escolher qual das formas de processo deveria prevalecer, devendo, portanto, seguir a forma determinada pela Recorrente.
23. Todavia, na situação em análise, (i) devera considerar-se que a caducidade é fundamento de impugnação judicial e (ii) a Recorrente realizou pedidos subsidiários, pelo que terão prioridade os pedidos formulados primeiro.
24. Pelo que, sempre deveria o Tribunal atender ao pedido realizado em primeiro lugar — anulação da execução com fundamento na caducidade do direito a liquidação e com fundamento na inexistência do facto tributário que deu origem a liquidação — neste sentido, veja-se o Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pág. 88, 6.a edição 2011.
25. Sendo estes os dois primeiros pedidos deduzidos, nada obstava a que os autos de oposição a execução fossem convolados em impugnação judicial, sendo enta analisada a legalidade da liquidação.
26. O que permitiria o cumprimento dos princípios da economia processual (art. 137.° CPC), e da proporcionalidade, bem como do aproveitamento dos actos praticados.
27. Permitindo ainda o cumprimento do princípio da verdade material, previsto no artigo 99°. da LGT.
28. Ora, ao considerar que o recurso a improcedente, negando-lhe provimento, a douta Decisão Sumária de que se reclama, acabou por violar o disposto nos preceitos legais acima referidos, a saber, o n.° 4 do artigo 98.° do CPPT e no n.° 3 do artigo 97.° da LGT, 137.° do CPPT e 99.° da LGT.
*
Nas alegações de recurso jurisdicional a reclamante/recorrente concluiu como segue:
1.ª A sentença proferida nos presentes autos padece de ilegalidade, na medida em que não aplica o disposto no n.° 4 do artigo 98.° do CPPT e no n.° 3 do artigo 97.° da LGT.
2.ª Na situação em apreço, nada obsta a que o processo de oposição à execução fiscal seja convolado em processo de impugnação judicial, possibilitando assim a apreciação da legalidade da liquidação de Sisa e de juros compensatórios.
3.ª Pelo que, deve a sentença proferida nos presentes autos ser revogada e determinada a convolação do processo de oposição à execução fiscal em processo de impugnação judiciai, determinando-se a reanálise do processo (e dos meios de prova apresentados) desde a apresentação da petição inicial,
*
A FAZENDA PÚBLICA não contra-alegou.
*
Neste TCAS o EMMP emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso
*
2 - Fundamentação
a) De facto
A sentença consignou o seguinte probatório:
1. No dia 15 de junho de 1999 a Opoente, H.........., Lda., comprou livre de ónus e encargos, pelo preço de 425.000.000$00, a I.........., S. A., um terreno para construção, com a área de 1901m2, situado no gaveto da Avenida .......... com a Travessa .........., em Lisboa, prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia dos Prazeres sob o art......°, descrito sob o n°..... na …a Conservatória do Registo Predial de Lisboa (freguesia de Santos-o-Velho), sendo que a adquirente declarou na celebração do negócio destinar o bem a revenda.
2. Perante aquele fim, o negócio foi celebrado sob isenção da Opoente da tributação em sede de Imposto Municipal de Sisa.
3. No dia 23 de Julho imediato, a Opoente por sua vez alienou aquele terreno nos mesmos termos, mas pelo preço de 530.000.000$00, a favor de A.........., S. A., tendo esta declarado também, na celebração deste negócio, destiná-lo a revenda.
4. Novamente perante tal fim, o novo negócio foi celebrado com isenção, da nova adquirente, de tributação em sede de Imposto Municipal de Sisa.
5. Não tendo conhecimento de que a Opoente vendera o terreno, conforme referido no ponto 3., nem esta ou a nova dona lhe tendo tanto comunicado, por via postal registada, com aviso de receção, a Administração Tributária — Serviço de Finanças de Lisboa … — enviou-lhe, em 18 de Junho de 2002, a notificação de eventual liquidação de Imposto Municipal de Sisa, pela aquisição referida no ponto 1., endereçando-a à sede da Opoente de que tinha conhecimento, sita na Rua .......... 83-85, em [1…] Lisboa, quer para pedir a liquidação e proceder ao pagamento do imposto até 15 de Julho seguinte, sem acréscimos [indicando-lhe ser o valor o de €211.989,11], quer da coima correspondente, ou bem para lhe demonstrar a revenda do prédio no período dos três anos subsequentes à aquisição, sem que fosse novamente para revenda.
6. Todavia, esta correspondência foi devolvida à Administração Tributária com a menção postal, de 24 de Junho de 2002, de «desconhecido na morada».
7. Nessa sequência, a Administração Tributária reenviou à Opoente correspondência análoga, pelo seguro do correio e com aviso de receção, a 30 de setembro de 2002, mas desta feita para o endereço «C.......... 48-3" esq., Edifício .........., em [1…-…] Lisboa» e agora também com indicação para que solicitasse a liquidação do imposto em 15 dias, com a advertência de que se o não fizesse procederia à cobrança coerciva do tributo, bem como ao levantamento do auto de notícia correspondente àquela omissão.
8. Mas também esta correspondência seria devolvida à Administração Tributária com a menção postal, de 7 de Outubro de 2002, de «desconhecido na morada».
9. E de novo a Administração Tributária reenviou correspondência com o teor do dessa segunda carta, mas para o primeiro endereço, que continuava a figurar como o domicílio fiscal da Opoente, uma vez mais pelo seguro do correio e com aviso de receção, em 10 de Outubro de 2002.
10. E também esta correspondência foi uma vez mais devolvida à Administração Tributária com a menção postal, de 18 de Outubro de 2002, de «informaram-me ser desconhecida na morada indicada».
11. Não tendo assim obtido correspondência às suas instâncias e comunicações, a Administração Tributária procedeu então, em 15 de Novembro de 2002, à liquidação de Imposto Municipal de Sisa sobre a aquisição referida no ponto 1., incidindo sobre a Opoente, invocando os arts.11°n°3 e 16°§1 do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, nos seguintes termos:
imposto: €2.119.891,06 x 10% = €211.989,11
juros compensatórios: 122 dias à taxa de 7% = €4.959,96,
liquidação esta a que coube o n°3801/2002, Serviços de Finanças de Lisboa ….
12. A Administração Tributária tomaria conhecimento da transmissão referida no ponto 3. pelo menos quando a nova dona do terreno lhe requereu fosse liquidado o Imposto Municipal de Sisa em 12 de agosto de 2004, pelo facto de não ter procedido à tal revenda do terreno, no prazo de três anos - pedido que foi satisfeito, tendo-lhe sido liquidado o imposto na importância de €290.704,03 (imposto e juros compensatórios), que satisfez nessa mesma data - para além da coima pela omissão de oportuna formulação de tal requerimento.
13. Não tendo a Opoente satisfeito a dívida emergente da liquidação referida no ponto 11., em 14 de marco de 2003 foi instaurado, no Serviço de Finanças de Lisboa …, para sua cobrança coerciva (bem como dos juros de mora desde 15 de Novembro de 2002, e demais acrescido), a execução fiscal n°...........
14. A certidão de relaxe que serviu de base a esta execução [n.º …/02 do mencionado Serviço de Finanças] contém os elementos referidos no ponto 11., especificando o período de vencimento de juros compensatórios como iniciado a 16 de Julho de 2002 e que a Opoente havia sido notificada a 23 de Outubro de 2002 para em 15 dias pagar aquela importância e o não fizera, indicando como fundamentos da liquidação oficiosa os arts.116°n°1 e 115°n°5 do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, identificando ainda o prédio, a data da sua aquisição pela Opoente e como motivo da liquidação a sua não revenda em três anos, bem como que havia vencimento de juros de mora sobre aquela quantia desde 15 de Novembro de 2002.
15. Nesta execução, a citação da Opoente foi tentada por via postal registada, em 14 de Abril de 2003, para a morada mencionada no ponto 5., sendo a correspondência devolvida ao Órgão de Execução Fiscal.
16. Com base nos factos referidos nos pontos 1., 5. e 11., na base da liquidação referida neste último ponto, a Administração Tributária instaurou, outrossim, um processo de contra-ordenação, por omissão daquela declaração, ao qual coube o n°........../03, naqueles Serviços.
17. Nesse processo viria a ser proferida decisão condenatória, que aplicou à Opoente uma coima no valor de €30.000, para além dos encargos processuais no montante de €39,91.
18. Também essa decisão não foi cumprida pela Opoente, tendo assim a 29 de Janeiro de 2004 sido instaurado, no Serviço de Finanças de Lisboa …, para a sua execução coerciva, a execução fiscal n° .........., apensada ao processo referido no ponto 13..
19. A certidão de dívida que assiste a esta execução, além do mais, indica corresponder a coima a infração ao disposto no Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, o montante da coima e das custas, e que estas vencem juros de mora desde 21 de Outubro de 2003.
20. Nesta segunda execução, a citação da Opoente foi tentada por via postal registada, em 12 de Fevereiro de 2004, para a morada mencionada no ponto 5., sendo a correspondência devolvida ao Órgão de Execução Fiscal.
21. Paralelamente, igualmente em virtude do desconhecimento, pela Administração Tributária, do referido no ponto 3., vinha sendo sucessivamente liquidada à Opoente a Contribuição Autárquica sobre o prédio, compreendendo a do ano 1999, bem como dos anos de 2000, 2001 e 2003, sempre no valor de €1.692,57.
22. E, como não procedesse a Opoente à satisfação de tais liquidações, as dívidas delas emergentes, bem como do seu acrescido, deram por sua vez origem, sempre no mesmo Serviço de Finanças, à execução n° ...........
23. A esta terceira execução foram inicialmente apensadas as outras duas e foi no âmbito das três que o Órgão de Execução Fiscal procedeu, a 28 de Julho de 2004, à penhora do bem referido no ponto 1., ainda como «terreno para construção», designando como fiel depositária uma leiloeira.
24. Tentada a citação da Opoente por via postal, na morada referida no ponto do ponto 5., em 30 de Julho de 2004, sob registo e com aviso de receção, essa correspondência foi devolvida ao Órgão de Execução Fiscal.
25. Depois, o Órgão de Execução Fiscal tentou a citação da Opoente, na pessoa dos seus gerentes — Henrique .........., José .......... e Manuel .......... —, pelo mesmo modo, a 5 de agosto seguinte, o que conseguiu, tendo as citações sido rececionadas, no caso do primeiro gerente, no dia 8 seguinte, no do segundo no dia 17 de agosto e, no do terceiro gerente, no dia 10 desse mês, fazendo a citação referência às dívidas de Contribuição Autárquica e de Imposto Municipal de Sisa, embora o valor indicado incluísse também o correspondente à coima e custas do processo de contra-ordenação, num total de €261.545,03.
26. No dia 9 de setembro de 2004 a Opoente apresentou a petição com que se iniciam os presentes autos.
27. As liquidações aludidas no ponto 21 foram anuladas pela Administração Tributária, ou revertidas para a nova proprietária do bem pelo Órgão de Execução fiscal, uma vez actualizado o cadastro predial e na sequência de reclamação graciosa [pelo menos] por causa do descrito no ponto 3, tendo a do ano de 1999 sido substituída por uma liquidação de valor € 0.
28. A execução aludida no ponto 22. foi extinta na sequência do referido no ponto anterior, em 10 de Outubro de 2004, pelo menos quanto à Oponente.
29. Por fim, em 15 de Abril de 2005 a Opoente dignou-se comunicar à Administração Tributária ter mudado o seu domicílio fiscal do situado no endereço mencionado no ponto 5. para a Rua .......... 1, nos F.........., [2…-…] A.........., Seixal.
Não há outros provados, nomeadamente alegados, que relevantes sejam para apreciação da causa. E, com essa pertinência, não resultou provado:
1. Que ou quando haja a Oponente sido notificada das liquidações aludidas no ponto 21. da matéria de facto provada, sem prejuízo do que ficou provado quanto á sua citação.
2. Que ou quando haja a Oponente sido notificada da decisão referida nos pontos 17.-18. da matéria de facto provada, nomeadamente em data que determinasse que o respectivo prazo de recurso tivesse terminado a 20 de Outubro de 2003, sem prejuízo do que consignado ficou quanto à sua citação.
*
b) De Direito
O discurso fundamentador da decisão sumária foi o seguinte:
A recorrente insurge-se contra o segmento da sentença que lhe foi desfavorável, por não ter operado a convolação para a forma processual que lhe permitiria discutir a legalidade da liquidação exequenda relativa ao Imposto Municipal de Sisa. Efectivamente, a partir dos artigos 43.º e seguintes da p.i. a recorrente discorre no sentido de demonstrar a inexistência do facto tributário.
Como é sabido, o art.º 204.º do CPPT baliza de modo taxativo os fundamentos da oposição, apenas permitindo que nela seja discutida a legalidade da liquidação da dívida exequenda quando “a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação” [cfr. n.º 1, al. h)].
No caso em concreto nada impediria a recorrente de lançar mão, cumulativamente, da oposição e da impugnação, com o fito de conseguir a extinção da execução e a erradicação da liquidação da ordem jurídica, sendo que a obtenção do segundo propósito imediatamente retiraria utilidade ao meio processual em que se discutisse o outro.
Não foi no entanto essa a estratégia usada pela recorrente, que decidiu concentrar num só processo todos os meios de defesa (adjectivos e substantivos) de que poderia lançar mão.
E portanto a questão que se coloca é a de saber se é possível prosseguir um processo em que ocorreu uma decisão de mérito sobre as pretensões deduzidas, convolando-o para uma forma processual que não foi a visada.
Não se concordando, em toda a sua extensão, com a afirmação corrente de que “a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para o qual apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte” (acórdão deste TCAS de 20-12-2012, rec. n.º 05897/12), que corresponde, de resto, a uma visão jurisprudencial e doutrinal assente, pois a lei impõe que entre a causa de pedir e o pedido haja compatibilidade lógica, sob pena de nulidade (cfr. art.º 186.º, n.º 2, als. b) e c), do CPC), e a causa de pedir não deixa de ser relevante para se aferir da possibilidade de convolação reconhecida pelas leis processual civil e tributária, não deixará também de se reconhecer que o pedido é elemento fulcral para aferir do erro na forma de processo.
Na verdade, o pedido é o efeito jurídico pretendido pelo autor, como resulta da noção que é fornecida pelos artigos 266.º, n.º 2, al. c) e 581.º, n.º 3, ambos do CPC, e que assenta em dois vectores: um expresso na pretensão processual que traduz esse efeito jurídico desejado, alicerçado no quadro jurídico substantivo invocado, e um outro, de índole eminentemente processual que diz respeito ao concreto meio processual utilizado para atingir esse propósito.
A escolha concreta do meio processual é desde logo norteada pelo princípio de que “a todo o direito, exceto quando a lei determine contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reco­nhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação” (art.º 2.º, n.º 2, do CPC; cfr. também art.º 97.º, n.º 2, da LGT).
Daí que a forma de processo seja aferida em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e por referência à pretensão que por ele devia ser deduzida. E assim, neste contexto podem ocorrer duas situações: ou a forma de processo utilizado é ou não apropriada ao tipo de pretensão deduzida. No primeiro caso, isto é quando a pretensão processual se ajusta à forma de processo mas os fundamentos (causa de pedir) não a suportam, não há erro na forma de processo mas eventual improcedência da acção. No segundo caso, quando a forma de processo não se adequa ao pedido formulado há erro na forma de processo, que em certos casos pode conduzir à convolação, isto é, ao prosseguimento do processo segundo a forma legalmente prescrita, com o aproveitamento dos actos já praticados, desde que não se traduzam em diminuição das garantias do réu, e a realização dos actos estritamente necessários ao normal prosseguimento da instância.
Nesta perspectiva e como resulta da interpretação conjugada dos artigos 193.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.º 2 e 577.º, al. b), todos do CPC, o erro na forma do processo só impõe [a] anulação de todo o processado quando a petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, situação que ocorre quando é insuprível a excepção dilatória que o erro no processo consubstancia, o que implica a absolvição da instância.
Posto isto e revertendo ao caso sub judice constata-se que a recorrente pretende que se convole parcialmente o processo para impugnação judicial; numa primeira fase (até à sentença), o processo seguiria (como seguiu) a forma de oposição; ultrapassada essa fase, prosseguiria como impugnação judicial.
Ora, tal pretensão é manifestamente inviável: o regime legal que se acabou de aflorar apenas permite que a convolação opere em relação a todo o processo ou então em relação a uma parte deste que possa ser aproveitada para a nova forma processual. Não autoriza que a convolação se faça em relação a uma parte mantendo a validade da parte não convolada, precisamente o que sucederia no caso em apreço, em que por efeito da pretendida convolação a uma oposição se seguiria uma impugnação, isto tudo no mesmo processo. Dito de outro modo, o regime do erro na forma do processo e da sua convolação é incompatível com a existência, no mesmo processo, de duas formas processuais distintas.
Em face do exposto a sentença não merece qualquer censura, não existindo qualquer infracção ao disposto nos artigos 97.º, n.º 3, da LGT e 98.º, n.º 4, do CPPT, pelo que deve ser confirmada”.
*
Como é sabido, os recursos jurisdicionais são objectivamente delimitados pelas conclusões do recorrente, as quais, constituindo a síntese da fundamentação contida nas alegações, correspondem à recapitulação dos argumentos jurídicos e de facto que estas encerram, consubstanciando o seu remate lógico (art.º 639.º, n.º 3, do CPC).
Sem embargo, claro está, das questões que o tribunal de recurso pode e deve conhecer ex officio, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, in fine, por força do artº. 663º, nº 2, ambos do CPC.
Contudo, o tribunal de recurso não está vinculado à discussão de todos os argumentos aduzidos nas alegações mas apenas adstrito ao conhecimento das questões suscitadas no recurso, e mesmo assim exceptuando as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 663, nº 2), sem prejuízo, obviamente, da mais ampla liberdade no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, embora só possa servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do uso de factos instrumentais e de factos essenciais que resultem da instrução e discussão da causa, nos termos do art.º 5 do CPC e da consideração oficiosa de factos que não carecem de alegação ou de prova (art.º 412.º do CPC) ou que evidenciem uso anormal do processo (art.º 612.º do CC).
Por último, não obstante as faculdades substitutivas que pode exercer (cfr. art.º 665, n.º 1 e 2, do CPC), o tribunal ad quem não pode apreciar questão nova que não tenha sido suscitada perante o tribunal a quo. De facto, os recursos de decisões judiciais visam somente reexaminar o decidido, não comportando uma definição ius novarum, que se verificaria se proferissem decisão não submetida ao escrutínio do tribunal a quo.
Do exposto resulta que o tribunal de recurso está limitado pelo objecto do mesmo, que é circunscrito pelo recorrente nas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso de que deva conhecer.
No caso presente o objecto do recurso ficou delimitado nas conclusões das alegações, referidas supra, as quais sintetizam o sentido da discordância da recorrente com a sentença recorrida.
Ora, analisando essas conclusões verifica-se que a única questão colocada ao tribunal de recurso é da infracção, pela sentença, dos artigos 98.º, n.º 4, do CPP e 97.º, n.º 3, da LGT (cfr. conclusão 1.ª).
Com efeito, as conclusões 2.ª e 3.ª apenas contêm um reforço argumentativo dessa questão, em que a recorrente alega que “nada obsta a que o processo de oposição à execução fiscal seja convolado em processo de impugnação judicial, possibilitando assim a apreciação da legalidade da liquidação de Sisa e de juros compensatórios”, donde “concluiu” que essa decisão “deve ser revogada e determinada a convolação do processo de oposição à execução fiscal em processo de impugnação judiciai, determinando-se a reanálise do processo (e dos meios de prova apresentados) desde a apresentação da petição inicial”.
Mas, se compaginarmos o âmbito do objecto do recurso com as alegações contidas no articulado de reclamação para a conferência, constata-se que a recorrente pretende um alargamento do objecto do recurso que, sublinhe-se, só pode ter como parâmetro a conclusão 1.ª das alegações de recurso.
Posto isto.
O artigo 98.º, n.º 4, do CPPT, estabelece que “Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei(sublinhado nosso).
Por sua vez o artigo 97.º, n.º 3, da LGT prescreve: “Ordenar-se-á a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei” (sublinhado nosso).
Em ambos as normas a lei determina a obrigatoriedade da conversão ou convolação do processo na forma adequada à pretensão do autor, mas sempre segundo o que a lei determina.
O erro na forma do processo era definido pelo Professor Castro Mendes como uma "inadequação formal absoluta da petição"(1), traduzindo-se numa contradição entre a natureza do processo e o fim que se pretende alcançar pela via processual escolhida.
E para determinar se existe ou não essa contradição, é fundamental lançar mão do pedido formulado, pois é este que delimita a pretensão que o demandante pretende ver reconhecida em juízo.
Ora, na petição inicial a recorrente formulou dois pedidos: um pedido principal e um pedido subsidiário.
O primeiro consistente na anulação das “presentes execuções com fundamento na caducidade do direito à liquidação dos tributos e coima que constituem a quantia exequenda”.
Subsidiariamente, anulação da “execução com fundamento em:
- Inexistência do facto tributário que deu origem a perda da isenção de sisa e consequente liquidação;
- Ilegitimidade da Executada relativamente a Contribuição Autárquica, por não ser sujeito passivo do imposto;
- Nulidade do processo de contra-ordenação, ou se assim não se entender, por inexistência da prática da infracção contra-ordenacional”.
O pedido diz-se subsidiário quando “é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente em caso de não proceder um pedido anterior” (cfr. artigo 554.º, n.º 1, do CPC).
Na sentença decidiu-se:
a) Extinguir a instância “por sua inutilidade superveniente, relativamente a matéria respeitante às dividas provenientes Contribuição Autárquica liquidadas à Opoente, por sua anulação/substituição por liquidações de valor nulo, pela Administração Tributária/Órgão de Execução Fiscal, no prazo de revogação a que alude o art. 208° n° 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) parcialmente improcedente por parcialmente não provada, no que contende com a execução da divida de Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, incluindo juros compensatórios, por não verificação da caducidade do direito de liquidação, mas já procedente por provada no que tange a todos os juros de mora conexos em execução, e até ao termo de prazo de pagamento/oposição subsequente à citação, por omissão de válida notificação anterior da respectiva liquidação do imposto, determinando em consequência o prosseguimento e extinção dos autos principais, na mesma medida.
c) procedente por provada no que se reporta a execução coerciva da coima e custas do respetivo processo, por prescrição do procedimento, que se declara, devida a omissão de oportuna notificação da decisão que a aplicou”.
Mais determinou o segmento decisório da sentença, quanto a custas, o seguinte:
Custas pela Fazenda Publica, relativamente ao segmento decisório consignado na alínea b), na medida do seu decaimento, bem como na alínea c), na Integra; custas pela Opoente, quanto ao seu decaimento no que se refere a alínea b).
Olhando para a fundamentação da sentença constata-se, por outro lado, que em relação à Contribuição Autárquica considerou que tendo as respectivas liquidações sido substituídas, em Outubro de 2004, por liquidações 0 (zero) não se justificava o prosseguimento da lide.
E considerou que os gerentes da recorrente foram integral e adequadamente citados das liquidações de IMI em 17 de Agosto de 2004 e que, por assim ser, não se verificava a caducidade do direito à liquidação mas que, também por assim ser, não eram devidos juros moratórios anteriores a essa data.
Para além disso considerou o procedimento contra-ordenacional prescrito.
E é com base nestes fundamentos que decidiu como decidiu, sem nunca ter suscitado ou aflorado sequer a questão do erro na forma de processo, que bem vistas as coisas não divisou, pois decidiu sem qualquer tibieza o pedido principal deduzido no processo.
Ora, pretendendo a recorrente, já depois de proferida a sentença, que o processo seja convolado, sempre se dirá que a admitir-se como plausível essa convolação, caso fosse concretizada, no processo convolado como impugnação judicial iria discutir-se o segmento em que a recorrente decaiu, ou seja, a inexistência do facto tributário quanto às liquidações de IMI, constante do pedido subsidiário, já que a questão da caducidade foi objecto de decisão expressa na sentença recorrida, só parcialmente favorável à recorrente.
Na hipótese do processo ser então convolado poderia suceder que, no mesmo processo, coexistissem duas decisões sobre o mesmo título executivo: um considerando-o válido (o da primeira sentença), e eventualmente, uma segunda decisão considerando que o mesmo era inválido, o que seria paradoxal.
O artigo 204.º, n.º 1, al. a), do CPPT, permite a discussão da inexistência da dívida, mas apenas em abstracto, com fundamento na inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação.
Assim, a parte da causa de pedir e o pedido subsidiário relativo à discussão da inexistência da dívida do IMI deve considerar-se ilegal, pelo que nessa parte haveria erro na forma de processo, como de resto o reconheceu a sentença.
Por conseguinte, havendo erro (parcial) na forma de processo, por se cumularem pedidos num processo de oposição que correspondem também ao processo de impugnação, a parte viciada (ou seja, os fundamentos e o pedido respeitante à impugnação), não pode prosseguir após a sentença, porque a tal se opõe o disposto no artigo 193.º, n.º 1, do CPC, e porque não existe uma forma processual que cumule, num único processo, a oposição e a impugnação, sendo que essa hipótese é claramente vedada pelo artigo 555.º, n.º 1, do CPC, que apenas permite a dedução de vários pedidos num único processo desde que sejam compatíveis.
Ora, como já se viu, o pedido relativo à discussão da inexistência em concreto da dívida exequenda é incompatível com o pedido de extinção da execução por qualquer das causas referidas no n.º 1 do artigo 204.º do CPC.
Por conseguinte, nenhuma censura merece a decisão sumária ao negar provimento ao recurso, por inadmissibilidade legal da convolação do processo de oposição em processo de impugnação, após a sentença proferida naquele, a qual considerou ilegal o pedido subsidiário formulado, de discussão da inexistência da dívida exequenda por inexistência de facto tributário, pedido esse que é adequado a processo de impugnação.
Resta dizer que neste sentido decidiu o TCA Norte através do acórdão de 14-09-2017, proc. n.º 01424/16.7BEBRG.
*
3 - Dispositivo
Em face de todo o exposto indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão sumária do relator.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 2019-09-30

(Benjamim Barbosa)

(Ana Pinhol)

(Isabel Fernandes)


_______________________________________
(1)Direito Processual Civil, Vol. III, Lisboa, AAFDL, 1980, p. 54