Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1101/19.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO FISCAL
NOTIFICAÇÕES ELETRÓNICAS
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
REJEIÇÃO LIMINAR
FALTA DE CONCLUSÕES
Sumário:I O regime regra de aplicação subsidiária imposta pela al. b) do artigo. 3.º do RGIT, às contraordenações tributárias e respetivo processamento é o do ilícito de mera ordenação social, porém, a questão das notificações em processo de contraordenações tributárias encontra regime de exceção no artigo 70.º do mesmo diploma legal (RGIT), remetendo o seu n.º 2, expressamente para as disposições correspondentes do CPPT.

II O conceito de domicilio fiscal alargado pela Lei n.º 64-B/2011 (OE 2012) e que alterou o n.º 2 do artigo 19.º da LGT no sentido de, nele passar a incluir a caixa postal eletrónica, sendo reforçado em 2017, pelo Dec. Lei n.º 93/2017 de 01/08, com alteração ao mesmo n.º 2 do 19.º da LGT no sentido de nele se integrar o domicilio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado também à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.

III A norma legal que institui a presunção de notificação eletrónica e a que refere os termos em que esta pode ser ilidida pelo notificado são claras quanto à exigência da demonstração cabal de que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, por facto que não lhe seja imputável e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º (artigo 39.º nº 10 e 11 do CPPT).

IV Não tendo o Arguido formulado conclusões na petição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, nem o tendo feito após o convite ao aperfeiçoamento, haverá que rejeitar o recurso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 63.º nº 1 e 59.º nº 3 do RGCO.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

G... - I..., SA, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da decisão do Chefe do Serviço de Finanças De Sintra 1, que, lhe fixou a coima no montante de € 7.221,53, acrescido de custas do processo, nos autos de contraordenação fiscal nº 1562201906000....

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 30 de junho de 2020, rejeitou o liminarmente o recurso, nos termos do disposto no artigo 63.°, n.° 1, do RGCO, aplicável ex vi do artigo 3.°, al. b), do RGIT, por no mesmo não constar a formulação de conclusões.

Inconformada, a G... - I..., SA, , veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. O presente Recurso é interposto da Douta Sentença de 06 de Julho de 2020, a qual julgou o presente recurso de contraordenação rejeitado liminarmente, declarando, que a Recorrente não respondeu a uma notificação para apresentar novo recurso para formulação de conclusões, pelo respeito das exigências de forma.

B. Sucede que, salvo o devido respeito, a ora Recorrente não se pode conformar com o teor da douta sentença proferido pelo Tribunal a quo, conforme se constatará pelos motivos e fundamentos adiante deduzidos.

C. No âmbito do recurso de contraordenação, o Tribunal a quo alega ter notificado a Recorrente por via notificação electrónica, através da sua mandatária, em 05-03-2020, do Despacho para a Recorrente no prazo de 10 dias, vir aos autos sanar as deficiências formais do requerimento de recurso.

D. Mais alega o Tribunal a quo ter notificado a Recorrente a 06-07-2020 por via electrónica, através da sua mandatária, da Sentença que indeferiria liminarmente o recurso de contraordenação.

E. Nesta sequência, a 09-07-2020, a Recorrente é notificada, por via postal, da Sentença que rejeita liminarmente o recurso de contraordenação.

F. Sucede que, tendo a Recorrente dado conhecimento da respectiva notificação via postal de Sentença à sua mandatária, depressa se concluiu que a mesma nunca teria sido notificada via electronicamente no âmbito deste processo.

G. Na verdade, a ora mandatária da Recorrente nunca foi notificada de qualquer processo via SITAF, uma vez que o mesmo não se encontrava configurado, dado o longo período de tempo desde a atribuição da password via Citius.

H. Neste sentido, a ora mandatária da Recorrente remeteu, desde logo, um correio electrónico a solicitar esclarecimentos ao tribunal a quo sobre a notificação referida em Sentença.

I. Bem como, a ora mandatária da Recorrente remeteu, desde logo, um correio electrónico ao Helpdesk do SITAF para solucionar o respectivo acesso, considerando a menção de erro “Certificado inválido”.

J. O Helpdesk do SITAF acabou por responder remetendo o tema para os serviços informáticos da Ordem dos Advogados, não tendo sido prestado qualquer auxílio informático.

K. Na sequência de a ora mandatária da Recorrente ter sanado as dificuldades informáticas de acesso ao SITAF junto dos serviços informáticos, foi possível visualizar toda a tramitação do processo, tendo a ora Recorrente sido então notificada pelo Tribunal a quo sobre o seu pedido de esclarecimentos.

L. Sucede que, não obstante o disposto no n.° 1 do artigo 111.° do Código do Processo Administrativo (CPA), em que “as notificações são efetuadas na pessoa do interessado, salvo quando este tenha constituído mandatário no procedimento, caso em que devem ser efetuadas a este”.

M. A verdade é que, ao abrigo da al. a) do n.° 1 do artigo 112.° do CPA, refere que as notificações podem ser “por carta registada, dirigida para o domicílio do notificando”.

N. Sendo esta uma opção do tribunal a quo, o mesmo não procedeu à respectiva notificação do Despacho, sabendo o Tribunal a quo que tal notificação iria culminar numa decisão sobre a pretensão formulada, bem como, a falta da mesma iria causar prejuízo à Recorrente, nos termos e para os efeitos do n.° 1 do artigo 114° do CPA.A este respeito entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que, "por imposição do disposto no art.° 259, do CPC, a notificação dos despachos, sentenças ou acórdãos terá de fazer-se através do envio ao notificado de cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos. Está em causa uma regra que visa assegurar o conhecimento integral da decisão pela parte, de modo a subtrair qualquer erro ou infidelidade de transcrição. No recebimento de notificações destinadas a dar conhecimento às partes de actos judiciais devem estas agir, não de forma passiva, mas com o normal esforço de compreensão integral do que lhes é levado ao conhecimento.” - in www.dgsi.pt, processo n.° 2164/2007-2, de 26-04-2007.

O. Acresce ainda o Supremo Tribunal de Justiça que, "o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz, que envolve o direito, pelo lado das partes, de conhecerem efectivamente as decisões que lhes dizem respeito. Havendo advogado constituído, esse conhecimento deve ser dado por notificação que a este seja dirigida. A omissão da notificação do despacho que admite um recurso, porque pode influir decisivamente no exame ou decisão da causa, é geradora de nulidade processual. O posterior recebimento, pelo advogado, de notificação para pagar custas não torna exigível ao mesmo que se desloque ao tribunal para consultar o processo e verificar se alguma omissão indevida teve lugar. Por isso, não faz presumir que com ela o advogado tomou conhecimento da falta de notificação do despacho que recebeu o recurso.” - in www.dgsi.pt, processo n.° 98A1095, de 02-06-1998.

P. Pelo que, neste contexto, a mandatária da ora Recorrente não foi notificada do Despacho que viria a precludir o direito de sanar as deficiências formais do requerimento de recurso, colmatando assim no indeferimento liminar de recurso, ferindo desde logo, o direito de acesso aos tribunais que garanta uma protecção jurisdicional eficaz, envolvendo o direito de a Recorrente conhecer efectivamente as decisões que lhes dizem respeito.

Q. Por outro lado, a Douta decisão, desde logo, e salvo o devido respeito, padece de um vício de forma e estrutura, mormente quanto à falta de verificação e respeito pelo princípio do contraditório, nos termos e para os efeitos do artigo 3° do CPC, revelando-se, assim, a sentença de indeferimento liminar numa "decisão-surpresa”.

R. Com efeito, o princípio do contraditório é estruturante do nosso direito processual, tanto assim que surge consagrado no artigo 3° do Código de Processo Civil como forma de evitar a chamada "decisão-surpresa”, constituindo inclusivamente uma manifestação do direito fundamental de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.° 20° da Constituição da República Portuguesa.

S. Ora, no presente caso, a falta de certeza jurídica de cognoscibilidade do acto não pôde sequer ser suprida por qualquer comportamento da Recorrente, que revelasse que a mesma teve o efectivo conhecimento da preclusão do direito in casu.

T. A este respeito, entendeu o Tribunal da Relação do Porto: "Suscitada a título oficioso a apreciação de uma questão de direito, o exercício do contraditório, nos termos do art. 3°/3 CPC dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão perante o objeto do litígio, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida. A omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar "decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615°/1 d) CPC.” - in www.dgsi.pt, processo n.° 721/12.5TVPRT.P1, de 10-08-2018.

U. Mais acresce o Supremo Tribunal de Justiça: "o incumprimento pelo tribunal da relação do disposto no art.° 655.° n.° 1 do CPC é suscetível de integrar a prática da nulidade processual prevista no art.° 195.° n.° 1 do mesmo diploma legal, pois foi omitido um ato que a lei prescreve, que consistia em dar a possibilidade às partes de exercer o contraditório. A intensidade desta violação é tal, uma vez que se trata de um princípio estruturante do direito processual civil, que a decisão final ao dar cobertura a esse desvio processual acaba por assumi-lo, ficando ela própria contaminada. Esta nulidade processual coberta pelo acórdão, ainda que não se configure como uma das nulidades previstas no art.° 615.° n.° 1 do CPC, acaba por inquinar o mesmo, ferindo-o de nulidade. Em processo laboral as nulidades do acórdão devem ser arguidas no requerimento de interposição do recurso de revista, como é imposto pelo art.° 77.° do CPT.” - in www.dgsi.pt, de 22-02-2017.

V. Efectivamente, as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no n°1, do art. 615°, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito.

W. Configurando assim, a presente sentença uma "decisão-surpresa”, esta será nula, por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 615° n.° 1 al. d) do CPC.

X. Mesmo que se venha a entender que a Recorrente praticou qualquer infracção, o que só se admite por mera cautela e dever de patrocínio.

Y. Renovamos o recurso de contraordenação apresentado em sede do exercício do direito de defesa.

Z. Salientado o facto de, face aos argumentos aduzidos em sede de defesa, considerar afastada a responsabilidade contraordenacional, que lhe é imputada. 

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento de V. Ex.as, deve a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ser alterada e substituída por outra que proceda o pedido do autor, e em consequência, declarar-se:

(I) A anulação da sentença ora recorrida e a consequente devolução do processo ao Tribunal a quo;

(II) Nova notificação à Recorrente do Despacho para apresentar novo recurso para formulação de conclusões;

(III) O deferimento liminar do Recurso de contraordenação pelo Tribunal a quo;

(IV) Posterior decisão por despacho judicial do Tribunal a quo, absolvendo a ora Recorrente, alterando neste sentido, a condenação no pagamento de multa;

com o qual se fará a tão costumada Justiça!»


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

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Neste TCA Sul, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido da improcedência do pedido.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº. 412, nº.1, do CPP, “ex vi” do artº.3, alba), do RGIT., e do artº.74, nº.4, do RGCO).

No caso sub Júdice, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa apreciar dois tipos de questões:

Primeiro se a sentença incorreu em erro de julgamento, ao ter considerado a arguida notificada, do despacho que convida ao aperfeiçoamento com a apresentação de conclusões de recurso;

Segundo se a sentença recorrida, errou ao rejeitar liminarmente o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa com fundamento em falta de respeito pelas exigências de forma legalmente exigidas e se essa situação colide com o princípio do contraditório.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

Ainda que não venham destacados factos provados e não provados na decisão recorrida, da mesma se extrai a seguinte factualidade provada, a qual, estruturada por este tribunal, se subordinará às alíneas infra:

1. Em 05/03/2020, foi remetido, mediante notificação eletrónica para o domicílio fiscal eletrónico da Reclamante, o despacho proferido no âmbito do processo de contraordenação n.º 1101/19.7BESNT com a Ref. Doc: 006167648 concedendo à recorrente o prazo de 10 dias para vir aos autos sanar as deficiências formais do requerimento do recurso, formulando conclusões, sob pena de rejeição;

2. A notificação a que se refere o ponto anterior foi lida, no destino, em 05/08/2020:

3. Em 30/06/2020 foi proferido nos presentes autos (identificados em 1., deste probatório) despacho de rejeição liminar.


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Dos autos não resultam provados os factos enunciados nas alíneas: G, a K., das conclusões recursivas.

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O Tribunal considera provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos e constantes do SITAF, não impugnados.

Os factos dados como não provados resultam da ausência de qualquer prova, de suporte às respetivas conclusões.


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Do direito

Na situação sub judice, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que rejeitou liminarmente o recurso, nos termos do disposto no artigo 63.°, n.° 1, do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO), aplicável ex vi do artigo 3.°, al. b), do Regime Geral das Infrações tributárias (RGIT).

Para assim decidir, aquele tribunal, considerou que o recurso foi apresentado sem respeito pelas exigências de forma já que da petição de recurso não consta a formulação de conclusões, acrescenta que, constatada essa falta, a Recorrente foi notificada para apresentar novo recurso com a formulação de conclusões, sob pena de rejeição, sem, contudo, ter logrado apresentar qualquer resposta a esta notificação.

Inconformada a recorrente, vem dizer, segundo percebemos, que não teve conhecimento do despacho a que se refere o ponto 1., da materialidade, por nós, apurada.

Invoca para o efeito problemas de configuração e de atribuição da password do Citius, pedidos de esclarecimento ao Helpdesk do SITAF e eventuais problemas dos serviços informáticos da Ordem dos Advogados.

Remete para o disposto no n.° 1 do artigo 111.° e al. a) do n.° 1 do artigo 112.°, ambos do Código do Processo Administrativo (CPA), para dizer que “as notificações são efetuadas na pessoa do interessado, salvo quando este tenha constituído mandatário no procedimento, caso em que devem ser efetuadas a este” sendo-o “por carta registada, dirigida para o domicílio do notificando”, para dizer que a notificação eletrónica que lhe foi dirigida foi uma opção do tribunal a quo.

Conclui no sentido de que “… não foi notificada do Despacho que viria a precludir o direito de sanar as deficiências formais do requerimento de recurso, colmatando assim no indeferimento liminar de recurso, ferindo desde logo, o direito de acesso aos tribunais que garanta uma protecção jurisdicional eficaz, envolvendo o direito de a Recorrente conhecer efectivamente as decisões que lhes dizem respeito. – conclusões A. a P. do salvatério

A questão que sobressai das conclusões recursivas que acabamos de enunciar remetem-nos para o tema da validade das notificações efetuadas para a caixa postal eletrónica da arguida.

Termos em que importa antes de mais atentar ao regime das notificações em sede de contraordenações tributárias, começando por relembrar, o que, aliás, já dissemos em arestos anteriores, que não obstante a regra de aplicação subsidiária imposta pela al. b) do artigo 3.º do RGIT, no sentido de ser aplicada às contraordenações e respetivo processamento o regime geral do ilícito de mera ordenação social (RGCO), a questão das notificações em processo de contraordenações tributárias encontra regime de exceção no artigo 70.º do RGIT, remetendo o seu n,º 2, expressamente para as disposições correspondentes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Importa ainda dispensar atenção ao conceito de domicilio fiscal alargado pela Lei n.º 64-B/2011 (OE 2012) e que alterou o n.º 2 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT) no sentido de, nele passar a incluir a caixa postal eletrónica, diz-se ali: “[O]o domicílio fiscal integra ainda a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica.”

Trata-se, conjuntamente com outras alterações introduzidas na lei processual fiscal, nomeadamente, o aditamento do artigo 60.º-A também da LGT, que, com epigrafe “Utilização das tecnologias da informação e da comunicação”, assume a possibilidade de utilização, por parte da AT, de tecnologias da informação e da comunicação no procedimento tributário (1) e bem assim das funcionalidades proporcionadas pelo sistema de internet, ali consideradas idênticas às dos serviços em instalações físicas (2).

No mesmo sentido o artigo 151.º da já citada Lei n.º 64.º-B/2011, vem estipular disposições transitórias conferindo, aos sujeitos passivos referidos no n.º 9 do artigo 19.º da LGT, nomeadamente, aos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português, prazos para completar os procedimentos de criação da caixa postal eletrónica e comunicá-la à administração tributária, por meio de transmissão eletrónica de dados disponibilizada no portal das finanças na Internet (www.portaldasfinancas.gov.pt,), mediante acesso restrito do sujeito passivo

O conceito de domicilio fiscal veio ainda a ser reforçado em 2017, pelo Dec. Lei n.º 93/2017 de 01/08, com alteração ao n.º 2 do 19.º da LGT no sentido de nele se integrar o domicilio fiscal eletrónico, também ali se especifica que este, inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.

Por força de todas estas alterações o regime geral de notificações implícito nos artigos 38.º e 39.º do CPPT foi consequentemente alterado pela lei do OE para 2012 e depois sucessivamente reajustado.

Decorre do n.º 10 do artigo 39.º do CPPT, na redação que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 93/2017, de 01/08, em vigor à data dos factos, que: “[A]as notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar.” – o sublinhado e o negrito são nossos.

Resulta do assim estatuído que enviada que seja a notificação para o domicilio eletrónico do destinatário se presume que este dela tomou conhecimento, porém, trata-se de uma presunção ilidível, como decorre desde logo do n.º 11 (1) do mesma norma legal (art.º 39.º do CPPT) que expressamente nos diz os termos em que a mesma pode ser refutada, indicando que a presunção só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorra em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º - o negrito é nosso.

Assim, considerando que estamos perante uma presunção ilidível (iuris tantun) e ainda que o próprio texto legal nos encaminha para o modo como a mesma pode ser rebatida, não vemos como a interpretação levada a cabo pela Mma. juíza no despacho sob recurso pode ser contrária aos mais elementares direitos de defesa da arguida, nomeadamente ao direito de acesso aos tribunais e à garantia de uma proteção jurisdicional eficaz.

Pelo contrário, atentamos que o legislador foi cauteloso ao consagrar no texto legal, de forma expressa, o modo de contrariar a presunção assegurando assim aos notificados as garantias de defesa dos seus direitos, não se descortinando das alegações e conclusões apelatórias, de que forma, o regime em vigor à data dos factos e de que fez uso a sentença recorrida possa atentar contra o direito de defesa da arguida, sendo certo que a notificação feita por essa via, carece de adesão (2), por conseguinte a recorrente não a podia ignorar o dever de cuidado quanto à respetiva consulta.

Acresce ainda referir que na situação em apreço, decorre do SITAF que a notificação foi lida em 05/08/2020 (ponto 2., da materialidade), ou seja 5 meses depois da sua emissão, sendo certo que também não foram provadas qualquer das dificuldades invocadas para justificar a demora na consulta.

Ora, dito isto e atenta a que, repete-se, a norma legal que institui a presunção de notificação eletrónica refere os termos em que esta pode ser ilidida pelo notificado, não há, no caso em apreço como não considera a arguida notificada do despacho que convida ao aperfeiçoamento da petição inicial e à apresentação de conclusões recursivas com a respetiva consequência, em caso de falta de cumprimento da formalidade legal indicada.

Improcedem assim, nente ponto, as conclusões recursivas.

Prosseguindo

Alega ainda a recorrente que a decisão recorrida, padece de um vício de forma e estrutura, mormente quanto à falta de verificação e respeito pelo princípio do contraditório, nos termos e para os efeitos do artigo 3° do CPC, revelando-se, assim, a sentença de indeferimento liminar numa "decisão-surpresa”.

Alude ao princípio do contraditório como pilar estruturante do nosso direito processual, sendo manifestação do direito fundamental de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.° 20° da Constituição da República Portuguesa, o que em seu entender configura uma nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615°/1 d) CPC. – concl. Q. a Z., do salvatério

Porém, adiante-se desde já, também nesta parte a recorrente carece de razão, mas vejamos, sem olvidar que estamos perante uma decisão liminar de não admissão de recurso, ou seja uma decisão proferida antes da constituição da instância jurisdicional.

Com efeito resulta do n.º 3 do artigo 3.º do CPC que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

Assim e tal como tem vindo a ser entendido o princípio do contraditório, configura como um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegurando não só a igualdade das partes, como, no que para aqui releva, constitui um instrumento destinado a evitar as decisões-surpresa (3).

Porém, importa referir que a exigência do cumprimento do princípio do contraditório, prevista no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição (CRP) e 327 do Código do Processo Penal (CPP), remete-nos para as questões suscitadas durante a audiência de discussão e julgamento em processo penal, fase de processo que não existiu no caso dos autos, em que a decisão do Tribunal a quo foi proferida em sede de despacho liminar, como já sabemos.

Na verdade, na sequência dos atos processuais o despacho liminar tem como antecedente direto, único e imediato uma petição inicial, um requerimento executivo ou um recurso e, sempre que uma parte articula um pedido ao tribunal, está ciente da possibilidade da sua imediata rejeição, o que afasta ou pelo menos desvirtua o conceito de decisão-surpresa (4).

Acolhemos aqui por similitude e facilidade o que a este respeito se deixou dito no acórdão deste tribunal proferido em 08/04/2008 no processo n.º 02255/08, de que se transcreve parte do sumário, diz-se ali assim:

“(…)

III) - O princípio do contraditório, que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões- surpresa.

IV) -Em princípio o caso de indeferimento liminar por intempestividade de propositura de acção é um daqueles casos em que parece ser manifestamente desnecessário ouvir as partes já que o autor tem perfeito conhecimento do que alegou e quando e o réu não chega a sofrer qualquer prejuízo com a absolvição da instância daí decorrente e no processado se não devem praticar actos desnecessários.

V) –(…)

VI) - Acrescente-se que a audição das partes será dispensada nos termos do artigo 3º nº. 3 em casos de manifesta desnecessidade e naqueles em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências.

(…)”

Dito isto e regressando à questão dos autos damos conta de que o requerimento de interposição de recurso não continha à data da sua apresentação em juízo a forma que lhe é imposta por lei.

Na verdade, decorre do artigo 59.º, nº 3, do do RGCO que “[O]o recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões».

Por seu turno, o artigo 63.º do mesmo diploma legal, enuncia as, duas únicas causas legais, para a não aceitação liminar do recurso: a saber: a intempestividade e a inobservância das exigências de forma, nestes termos:

“1 - O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
2 – (…).”

Como sabemos, na situação em apreço, o recurso foi apresentado em juízo sem “conclusões”, ou seja, sem respeito pelas exigências de forma, o TAF de Sintra entendeu notificar a mandatário da recorrente para suprir a deficiência em causa, sob pena de rejeição do mesmo.

A notificação foi feita para o domicílio eletrónico da mandatária da recorrente, nos termos aludidos primeira parte do presente aresto e conforme decorre da materialidade apurada nos autos.

Decorre do nº 9, do artigo 113.º, do Código de processo Penal, aqui, subsidiariamente aplicável, ex vi do artigo 41.º, nº 1 do RGCO que “[A]as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem ser igualmente notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.»

Assim sendo, como vimos que é, forçoso se torna concluir que, face à falta de reação da recorrente ao convite ao aperfeiçoamento, que lhe foi dirigido pelo tribunal, é de rejeitar liminarmente o recurso por não respeitar as exigências de forma legalmente impostas.

A sentença, que assim decidiu, não nos merece qualquer reparo sendo de manter na ordem jurídica, ao que se provirá na parte final do aresto.


III - DECISÃO
Face ao que, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela recorrente

Registe. Notifique.

Lisboa, 30 de setembro de 2020


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Lurdes Toscano]



Hélia Gameiro Silva
(Com assinatura eletronica)

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(1) Também na redação do Dec. Lei n.º 93/2017, de 01/08, em vigor à data dos factos.
(2) A adesão às notificações e citações eletrónicas exercida por opção é efetuada no Portal das Finanças mediante autenticação na área reservada, após identificação do sujeito passivo com o respetivo NIF e da respetiva senha pessoal de acesso (password).
(3) Vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e do Processo Administrativo (CPPT Anotado e Comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.368 e bem assim, entre outros o acórdão proferido pelo STA em 29/1/2014, 24/05/2015 e 29/6/2017, nos processos n.º 663/13, 3514/09 e proc. n.º 2035/09.9BELRA, respetivamente
(4) Vide Acórdão do tribunal da relação de Lisboa proferido em 10/05/2018 no processo n.º 16173/17.0T8LSB.L1