Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04409/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/11/2011
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:ALMOEDA. SUSPENSÃO.
Sumário:1. Constitui impressiva linha de orientação a inadmissibilidade de suspensão da venda, quando o respectivo processo de execução fiscal não pode, no imediato, visar, atingir, outros bens do executado, porquanto a menção inscrita no art. 244.º n.º 2 CPPT, «podendo a execução prosseguir em outros bens», se tem de interpretar “não como uma mera faculdade subsequente à decisão da suspensão da venda, mas sim como um requisito dessa suspensão”.
2. A possibilidade de suspensão da venda, prevista no coligido normativo, exige a verificação cumulativa de dois requisitos: que o valor dos créditos não tributários reclamados seja manifestamente superior ao da dívida exequenda e acrescido e que a execução fiscal possa prosseguir com a venda de outros bens livres e desimpedidos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A..., S.A., contribuinte n.º ...e com os demais sinais dos autos, apresentou, nos termos do art. 276.º CPPT, reclamação de decisão do órgão da execução fiscal.
Não aceitando sentença que a julgou improcedente, emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, interpôs recurso jurisdicional, acompanhado de alegações, concluídas nos termos seguintes: «
A) O imóvel penhorado consubstancia um edifício em construção, para cuja conclusão falta uma percentagem mínima respeitante às cozinhas, encontrando-se já prometidas vender 70 das futuras fracções autónomas.
B) A faculdade concedida pelo n.° 2 do art. 244° do CPPT constitui um verdadeiro poder-dever do responsável pelo órgão de execução fiscal. Ademais, a Administração tem de exercer os poderes, quer vinculados quer discricionários, que a lei lhe confere, tendo em vista a realização dos fins especiais de interesse público que, com o seu exercício, lhe cumpre prosseguir.
C) O interesse público, a cobrança das dívidas fiscais e para-fiscais, no caso vertente não se encontra verificado, uma vez que o prosseguimento da venda não servirá para ressarcir quaisquer créditos fiscais, porquanto o crédito da Recorrente e da Reclamante sociedade “B..., S.A.” - de valor muito superior ao da execução e também ao valor afixado para a venda - ficarão graduados com preferência sobre os créditos da Fazenda Pública.
D) Prosseguindo a venda o órgão de execução fiscal estará a fazer não só um uso indevido do processo executivo fiscal, como também a praticar um acto inútil, proibido por lei, uma vez que tal venda não prossegue o interesse publico da Fazenda Pública representando apenas um dispêndio de dinheiro público na prossecução de interesses privados
E) Da venda imediata resulta também uma inútil e desnecessária imposição de prejuízos aos credores privados, que não verão ressarcidos os seus créditos.
F) Bem como representará a perda de receita fiscal decorrente da transacção e manutenção das futuras fracções (IMT, IMI, IRC, etc.) aos 70 promitentes-compradores que, no caso de venda do imóvel em execução fiscal, não verão transmitir-se a sua posição para o eventual adquirente, perdendo todo o seu investimento
G) Pelo que não existe qualquer interesse público na sua prossecução.
H) Tendo sido marcada a venda do imóvel penhorado nos autos de execução fiscal para o dia 08/09/2010 pelo valor base de € 5.360.474,00, sendo a quantia exequenda de € 299.866,62, de crédito de IVA, e tendo sido reclamados créditos no valor total de € 11.424.422,08, garantidos por hipoteca e por alegado direito de retenção,
I) Nos termos dos artigos 736° n.° 1, 749°, 686° e 759° n.° 2, todos do Código Civil, o crédito exequendo irá ficar graduado após os créditos reclamados pelos Credores Reclamantes, sendo que também para estes o produto que se obterá com a venda será insuficiente para o ressarcimento dos seus créditos.
J) O art.° 244° n.° 2 in fine não traduz um requisito ou proibição de suspensão da venda caso não existam outros bens penhoráveis,
K) Traduz sim uma indicação ao órgão executivo para prosseguir a execução e;
L) Uma permissão para penhorar bens que por outra forma lhes estariam vedados, nomeadamente, por excesso de penhora.
M) A venda em execução fiscal do imóvel no imediato retira-lhe valor, por ainda não estar concluído, parando a obra, e impedindo que o Banco e Construtora Reclamantes de a concluírem
N) A conclusão da obra permitirá a breve trecho a constituição da propriedade horizontal, “criando-se” dessa forma outros bens nos quais a execução poderá prosseguir,
O) Impõe-se assim claramente, em nome do interesse público, a determinação da suspensão da venda.
P) Não o fazendo a douta sentença recorrida violou o preceito contido no art. 244° n.° 2 do CPPT.
TERMOS EM QUE
se requer a V. Exa. se digne revogar a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que determine a suspensão da venda que foi inicialmente marcada para o dia 08/09/2010, pelas 10 horas, nos termos do n.° 2 do art. 244° do CPPT, porquanto os créditos reclamados com garantia real são manifestamente superiores aos da dívida exequenda e acrescido.
Assim se fará justiça »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido do não provimento do recurso.
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Dispensados, em função da natureza urgente do processo – cfr. art. 707.º n.º 4 CPC, os vistos legais, compete conhecer.
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II
Consta, da sentença recorrida: «
2 - Fundamentação:
2.1 - Com base nos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão julgo assente a seguinte factualidade:
A) - A execução foi instaurada em 15/12/2009, contra a executada para cobrança coerciva de dívidas de IVA de 2009 e acrescido, cfr. fls. 1 e 2.
B) - Em 26/03/2010, foi penhorado nos autos (fls. 13 e 35):
Terreno para construção urbana com uma área total de 2650 m2, no qual está implantado um edifício de construção multifamiliar com uma área de implantação de 1675 m2, de cinco pisos acima da cota de soleira com noventa e um fogos destinados à habitação, sendo sete T-0, catorze T-1, sessenta e seis T-2 e quatro T-3 e três espaços destinados a comércio e serviços. Possui dois pisos abaixo da cota de soleira, que se destinam a garagem colectiva e arrumos, num total de 137 lugares de estacionamento. A área total de construção é de 13.142,20 m2. O prédio situa-se na Rua Manuel Tomé Viegas Vaz, com os números de polícia 2 e 4, freguesia e concelho de Olhão, estando o terreno inscrito na matriz sob o artigo 7135, com um valor patrimonial de 1.957.820,00 euros. A construção existente encontra-se na fase final de execução, faltando a colocação de mobiliário de cozinha nos fogos para habitação, acabamentos nos três espaços comerciais e pintura nos pisos abaixo da cota de soleira, pelo que se atribui a estas benfeitorias um valor de 5.700.000,00, atentos ao valor médio para prédios ou fracções habitacionais e comerciais existentes na zona. O terreno está descrito na C. R. Predial de Olhão sob o número 2966.»
C) - Por despacho de 29/04/2010, foi ordenada a venda do bem a que se refere a alínea anterior, por meio de propostas em carta fechada, servindo de base para a mesma o valor de € 5360474,00, cfr. fls. 34.
D) - Em 26/05/2010, veio B... - ...S.A., sociedade comercial, pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua do ..., em Braga, reclamar um crédito, garantido por direito de retenção, no montante global de € 4.006.612,39 e requerer a suspensão da venda, cfr. fls. 50 e segs..
E) - Por requerimento apresentado, em 05/08/2010, veio o BANCO POPULAR PORTUGUAL, S.A. requerer a suspensão da venda, cfr. fls. 64.
F) - Em 10/08/2010, foi elaborada a seguinte informação (fls. 69):
«Em relação às petições apresentadas por B... a fls. e pelo A... a fls. respectivamente e tendo em atenção os considerandos formulados, que se prendem, fundamentalmente com:
1. O valor da dívida exequenda de € 274898,39 e acrescido;
2. O crédito reclamado pela B... no montante de € 4006612,39 constituído por direito de retenção que pretende seja reconhecido;
3. O crédito reclamado pelo A... no montante de € 7417809,69, garantido por duas hipotecas, constituídas em datas anteriores ao registo das diversas penhoras a favor da Fazenda Nacional.
Pelo que pretendem ao abrigo do disposto do artº 244º do C.P.P.T. que a venda do prédio inscrito na matriz sob o artigo 2966º, urbano da freguesia e concelho de Olhão, agendada para 08/09/2010, seja suspensa até ao trânsito em julgado da decisão de verificação e graduação de créditos.
Mais informo que além da penhora já mencionada incidem sobre o mesmo prédio mais duas penhoras, uma já registada definitivamente no montante de € 6374,65 e outra no montante de € 302715,62, que se encontra a aguardar o registo definitivo.
Por último levo ao conhecimento de V. Exa., que à executada não são conhecidos quaisquer outros bens.»
G) - O Chefe do Serviço de Finanças de Olhão proferiu o despacho ora sob reclamação, donde resulta com interesse para a decisão:
« (…)
Sendo que nestes autos foi penhorado para garantia dos créditos tributários da exequente, o mínimo de bens da executada, nunca a execução fiscal, se suspensa em relação a este, poderá prosseguir noutros bens. Por outro lado, mesmo que a Fazenda Nacional não consiga recuperar o seu crédito com esta venda, sem a realização da mesma não poderá excutir o património da devedora de modo a almejar a efectivação da responsabilidade subsidiária, nos termos dos artigos 23.º e segs. da Lei Geral Tributária.
Deste modo não se vislumbra qualquer interesse para a fazenda nacional, com a suspensão da realização da venda até ao trânsito em julgada da verificação e graduação de créditos, até porque, não determina a lei que a mesma seja suspensa como argumento o reclamante, mas sim, faculta a lei essa possibilidade, conforme se pode ler do preceituado no artigo 244.º, n.º 2, do Código do Procedimento e de Processo Tributário.
Nestes termos e nos demais de direito deverão os autos prosseguir.»
H) - O despacho a que se refere a alínea anterior foi notificado à Reclamante, em 16/08/2010, cfr. fls. 81 e 82.
I) - A presente reclamação foi apresentada em 24/08/2010, cfr. fls. 102.
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2.2 - Fundamentação do julgamento.
Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto.
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2.3 - Factos não provados:
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou. »
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Não havendo lugar a qualquer tipo de crítica sobre este julgamento factual, apenas resta conferir se, como aduz o Recorrente/Rte, a sentença aprecianda violou o disposto no art. 244.º n.º 2 CPPT, ao ter judiciado que, não sendo conhecidos quaisquer outros bens propriedade da executada, além do imóvel penhorado e na calha para ser alienado, falta, in casu, um dos requisitos para que o órgão da execução fiscal possa determinar a suspensão da venda executiva, ao abrigo do apontado normativo.
Esta específica temática foi, já, versada pelo STA (1) e pelo TCAN (2) em moldes de que podemos, resumidamente, retirar como impressiva linha de orientação a inadmissibilidade de suspensão da venda, quando o respectivo processo de execução fiscal não pode, no imediato, visar, atingir, outros bens do executado, porquanto a menção inscrita no art. 244.º n.º 2 CPPT, «podendo a execução prosseguir em outros bens», se tem de interpretar “não como uma mera faculdade subsequente à decisão da suspensão da venda, mas sim como um requisito dessa suspensão”. Por outras palavras, a possibilidade de suspensão da venda, prevista no coligido normativo, exige a verificação cumulativa de dois requisitos: que o valor dos créditos não tributários reclamados seja manifestamente superior ao da dívida exequenda e acrescido e que a execução fiscal possa prosseguir com a venda de outros bens livres e desimpedidos; sendo que, esta última exigência “não está dependente de qualquer ulterior confirmação ou verificação, podendo, desde logo, com carácter definitivo, verificar-se se existem ou não outros bens sobre os quais não tenham sido reclamados créditos não tributários”.
Expostos estes parâmetros de apreciação e decisão, resultando da factualidade julgada provada a verificação, por parte do órgão de execução fiscal, do desconhecimento da existência, na titularidade da sociedade executada, de quaisquer outros bens susceptíveis de penhora e venda, imperioso é concluir que, tal como o tribunal recorrido, não podemos satisfazer a pretensão do Rte de ver suspensa a almoeda executiva, pendente nestes autos.
Um parágrafo final para anotar que, visto a persistente invocação do Rte, mais do que não existir qualquer interesse público no prosseguimento desta execução fiscal, o que, de momento, nem é líquido (3), a pretendida suspensão da venda do imóvel penhorado apenas permitiria, sem dúvidas, no presente, salvaguardar os interesses económico e financeiros do banco e construtora reclamantes, como, sinceramente, se assume nas conclusões E) e M).
*******
III
Nestes termos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao recurso.
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Custas a cargo do recorrente/reclamante.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 11 de Janeiro de 2011

ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS
MAGDA GERALDES


1- Ac. STA de 11.2.2009, rec. 01123/08, disponível em www.dgsi.pt.
2- Ac. TCAN de 12.8.2009, proc. 343/09.8BEPNF (em que intervim como 1.º Adjunto).
3- Não se pode excluir a hipótese de, por exemplo, o produto da venda, superando as expectativas, vir a ser suficiente para satisfazer os créditos que venham a ser verificados/graduados e a totalidade ou, pelo menos, uma parcela significativa da dívida exequenda.