Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07660/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/16/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
OBJECTO DO PROCESSO FIXA-SE NA FASE DOS ARTICULADOS.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA SOBRE QUESTÕES DE CONHECIMENTO OFICIOSO NÃO SUSCITADAS PELAS PARTES.
ERRO DE JULGAMENTO.
I.R.S. NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NOS TERMOS DO ARTº.149, Nº.3, DO C.I.R.S.
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO PREVISTA NO ARTº.39, Nº.1, DO C.P.P.T.
ÓNUS DA PROVA.
ANULAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO.
ACTOS DIVISÍVEIS.
NÃO POSSIBILIDADE DE CISÃO JUDICIAL DO ACTO TRIBUTÁRIO QUE ASSENTE NA FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL POR MÉTODOS INDIRECTOS.
ANULAÇÃO PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO. REGIME DA REFORMA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS.
ARTº.6, Nº.7, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA A CONSIDERAR NA CONTA FINAL DO PROCESSO.
PRESSUPOSTOS DA DISPENSA DO SEU PAGAMENTO.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).

2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.

3. O objecto do processo fixa-se na fase dos articulados, pelo que a decisão do Tribunal "a quo" não pode enfermar do vício de omissão de pronúncia, ao não tomar conhecimento de excepção alegada nas alegações pelo recorrente.

4. Embora o Tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento.

5. O regime de notificação da liquidação objecto do presente processo refere-se a imposto de natureza periódica (I.R.S.), sendo o mesmo constante do artº.149, nº.3, do C.I.R.S., normativo que nos diz dever a notificação ser efectuada através de carta registada, regra especial que se sobrepõe à geral constante do artº.38, do C.P.P.T.

6. A presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T. (ou no artº.149, nº.3, do C.I.R.S., regime a que se aplicam as regras do C.P.P.T., nos termos do nº.5 do mesmo preceito), não opera caso a notificação tenha sido devolvida (como foi no caso "sub judice"), tudo porque a norma em causa têm necessariamente de ser conjugada com a garantia constitucional do direito à notificação e à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no citado artº.268, da C.R.P.

7. Não se provando que foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se
reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.

8. Na área do Direito Fiscal, a doutrina define a anulação como o acto através do qual a Administração ou o Tribunal revogam, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária individual superior à que decorre directamente da lei.

9. A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários, baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis.

10. As situações de anulação judicial e parcial do acto tributário, no entanto e salvo melhor opinião, somente podem verificar-se em relação a actos tributários que tenham base em correcções técnicas à matéria colectável, pois somente em relação a esta espécie de aperfeiçoamentos da mesma é possível cindir o acto tributário e declarar a anulação parcial do mesmo, que não já em relação a actos tributários assentes na fixação da matéria colectável por métodos indirectos.

11. Na sequência de anulação parcial da liquidação, se for efectuada uma nova liquidação, relativa à parte não anulada, ela substituirá a primeira, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79, nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al.d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A.), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador.

12. O artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento. O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”. É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.

13. A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial. Por outro lado, refira-se que a lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do Tribunal a dispensar o pagamento do aludido remanescente da taxa de justiça, importando concluir que o juiz pode exarar tal decisão a título oficioso, embora sempre na decisão final do processo.

14. A maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

15. As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados.

16. No que se refere à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.190 a 213 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente impugnação tendo por objecto liquidações de I.R.S. e juros compensatórios, relativas ao ano de 2007 e no montante total de € 1.319.616,08, tudo em virtude do provimento do fundamento que se consubstancia na existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito no momento do apuramento do imposto.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.227 a 246 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por Maria ………., Nif. …….., contra a liquidação de IRS de 2007 n.° ………….. no valor de € 1.319.616,08, bem como requerer a sua reforma quanto a Custas, nos termos do Art. 616.°, nºs. 1 e 3 do CPC (correspondente ao Art. 669.°, n.° 1, al. b) do CPC de 1961) ex vi Art. 2.°, al. e) do CPPT;
2-No que concerne às custas, o valor fixado na presente acção foi de € 1.319.616,08, ou seja, o valor da liquidação que se pretende ver anulada, como decorre do Art. 97.°-A, n.° 1, al. a) do CPPT, sendo que o Tribunal "a quo" não se pronunciou sobre o pedido de ser considerado como valor da acção para efeitos de custas o montante de € 275.000,00, e consequente dispensa do pagamento do remanescente da taxa de Justiça, nos termos do Art. 6.°, n.° 7 do RCP, formulado pela Fazenda Pública em sede de Contestação e de Alegações;
3-Sendo que tal omissão de pronúncia fere a sentença de nulidade, de acordo com o Art. 125.°, n.° 1 do CPPT, e também Art. 615.°, n.° 1, al. d) do CPC (correspondente ao Art. 668.° do CPC de 1961);
4-Ora, dispõe o n.° 7 do Art. 6.° do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerada na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o Juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento, ou seja, são dois os requisitos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: a complexidade da causa e a conduta processual das partes;
5-Da mesma forma, pretende-se que a taxa de justiça corresponda ao valor que cada interveniente deve pagar como contrapartida do serviço prestado, devendo ser adequada ao tipo de processo em causa e aos custos concretos de cada processo para o sistema judicial (cfr. preâmbulo do D.L. n.° 34/2008, de 26/02, que aprovou o RCP);
6-No que tange à complexidade, foi apresentada a petição inicial, seguindo-se a contestação e posteriormente as alegações escritas, sendo que, findos os articulados, foi proferida sentença, não tendo havido qualquer incidente, nem produção de prova testemunhal ou pericial, apenas prova documental, pelo que ainda que o processo em apreço exija algum trabalho, não se pode dizer, em nossa opinião, que se esteja em presença dum processo de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica;
7-No que toca à conduta processual das partes, sempre se dirá que durante a tramitação dos presentes autos se verificou um comportamento normal de litigantes, sem qualquer conduta censurável;

8-Por outro lado, se o valor fixado para efeitos de custas for o valor do processo (€ 1.319.616,08), também não nos parece que se verifique a pretendida correspectividade entre a taxa de justiça e o serviço obtido do Tribunal, dado que resulta um valor de taxa de justiça a pagar por cada parte de € 16.320,00, em vez do valor de € 1.632,00, isto é, taxa de justiça correspondente ao valor de € 275.000,00, montante que consideramos perfeitamente razoável e correspondente ao serviço efectivamente prestado pelo Tribunal neste processo, atendendo também a complexidade do processo e conduta das partes;
9-Assim, se o valor fixado para efeitos de custas for o valor do processo, a taxa de justiça será de montante excessivo, desajustado e desproporcionado, sendo, por isso, as normas aqui chamadas à colação inconstitucionais, na medida em que envolvem uma violação do princípio constitucional da Proporcionalidade (Art. 18.°, n.° 2 da CRP) em sentido amplo, nas suas vertentes da adequação ou justa medida e da proibição do excesso, e também do Direito de acesso aos Tribunais (Art. 20.° da CRP);
10-Pelo que deve a presente sentença ser reformada no sentido ser considerado como valor da acção para efeitos de custas o montante de € 275.000,00, com a consequente dispensa do pagamento do remanescente da taxa de Justiça, nos termos do Art. 6.°, n.° 7 do RCP, em conformidade com o requerido pela Fazenda Pública em sede de contestação e de alegações, e sobre o qual o Tribunal não se pronunciou;
11-No que concerne à decisão de procedência em apreço, esta não se pronunciou sobre a excepção de caducidade do direito de impugnar, arguida em sede de alegações pela Fazenda Pública, sendo que esta constitui uma causa de nulidade da sentença, de harmonia o Art. 125.°, n.° 1 do CPPT, e também Art. 615.°, n.° 1, al. d) do CPC (correspondente ao Art. 668.° do CPC de 1961);
12-Ora, como resulta dos factos dados como provados - nºs.10 e 11 da fundamentação de facto da sentença, e decorre de fls. 142 e 144 dos Autos e de fls. 138 e 140 do PAT, a liquidação em crise, com o n.° ………….., foi emitida em 21/11/2011, e a sua notificação efectuada através de carta registada - registo RY…………….PT de 30/11/2011, para o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, em conformidade com o Art. 149.°, ns. 1 e 3 CIRS e Art. 38.°, n.° 3 do CPPT;
13-Sendo que de harmonia com o Art. 19.°, n.° 1, al. a) e ns. 3 e 4 da LGT (que correspondiam aos nºs. 2 e 3, na redacção anterior à Lei n.° 64-B/2011), e com o Art. 43.°, ns. 1 e 2 do CPPT, o domicílio fiscal das pessoas singulares corresponde à sua morada, e qualquer alteração de morada deve ser comunicada à AT, já que será ineficaz enquanto não for comunicada;
14-Também da Escritura Pública de Compra e Venda dos imóveis que gerou a liquidação oficiosa de imposto, lavrada no dia 12/02/2007, a impugnante e o seu falecido marido declararam, neste acto público e solene, ser residentes na "Rua ………., n.° 169, ……..";
15-Desta forma, a alteração da morada pela impugnante e pelo seu marido sem a correspondente alteração do domicílio fiscal não é oponível à AT, sendo da total responsabilidade dos sujeitos passivos;
16-Ao que acresce que de acordo com o Art. 149.°, nºs. 1 e 3 CIRS e Art. 38.°, n.° 3 do CPPT, a notificação desta liquidação, efectuada por carta registada, goza da presunção de notificação no terceiro dia posterior ao do registo, ou, se aquele não for útil, no primeiro dia útil a seguir, pelo que cabia à impugnante ilidir esta presunção, fazendo prova inequívoca de que existiu justo impedimento que obstou ao levantamento ou reclamação daquela notificação, de harmonia com o Art. 74.°, n.° 1 da LGT e Art. 39.°, n.° 2 do CPPT, já que foi enviada para o seu domicílio fiscal constante do cadastro da AT;
17-Não tendo apresentado qualquer prova deste impedimento, a impugnante considera-se validamente notificada daquela liquidação em 05/12/2011;
18-Sendo que a impugnante se deve considerar notificada em 05/12/2011, para todos os efeitos fiscais (e não só de caducidade), designadamente para contagem do prazo de interposição da impugnação, pois o motivo da não recepção da correspondência é exclusivamente imputável à impugnante, como decorre dos autos e reconhece a sentença, nada dizendo a impugnante a este respeito;
19-Se assim não se entender, permitir-se-á que os sujeitos passivos utilizem os meios contenciosos "ad aeternum", pondo em causa a consolidação dos actos na ordem jurídica, bastando, para tal, que aqueles nunca actualizem a sua morada fiscal, e isto não obstante a AT proceder à sua correcta notificação para o domicílio fiscal que lhe foi comunicado, nada mais podendo nem sendo exigível fazer;
20-Deste modo, determinando o Art. 140.°, n.° 4, al. a) do CIRS que o prazo de impugnação se conta a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação, ou seja, no caso em apreço a partir de 04/01/2012, e que o prazo para deduzir impugnação era de 90 dias (Art. 102.°, n.° 1, al. a) do CPPT com redacção à data), isto é, terminava a 03/04/2012 (férias judiciais), passando para o primeiro dia a seguir às férias - 10/04/2012, esta impugnação é intempestiva, dado que só foi apresentada em Tribunal em 12/12/2012 (cfr. nº.16 da fundamentação de facto da sentença);
21-Aliás, a própria impugnante, na resposta à contestação, admite a possibilidade da impugnação não ser considerada tempestiva (artigo 8);
22-Ora, atendendo a que este prazo é um prazo peremptório ou de caducidade, o seu decurso implica a extinção do direito de praticar o acto, de harmonia com o previsto no Art. 139.°, n.° 3 do CPC ex vi Art. 2.°, al. e) do CPPT (correspondente ao 145.°, n.° 3 do CPC antigo), pelo que esta impugnação deve ser considerada extemporânea;
23-A intempestividade é uma excepção peremptória, que determina a absolvição total da AT do pedido formulado pela impugnante, ficando, assim, prejudicado o conhecimento do mérito da impugnação, de harmonia com o Art. 576.°, nºs. 1 e 3 do CPC (correspondente ao Art. 493.°, ns.1 e 3 do CPC antigo) exvi Art. 2.°, al. e) do CPPT;
24-Por outro lado, sendo esta excepção de conhecimento oficioso (pode ser conhecida em qualquer fase do processo), poderia ser deduzida após a Contestação, harmonia com o Art. 573.°, n.° 2 do CPC (correspondente ao Art. 489.°, n.° 2 do CPC antigo) ex vi Art. 2.°, al. e) do CPPT; todavia, embora esta excepção tenha sido invocada em sede de Alegações (Art. 120.° do CPPT), o Tribunal "a quo" não se pronunciou sobre a mesma;
25-Ainda que não se considere verificada a excepção de caducidade do direito de impugnação, o que não se concede e apenas por hipótese académica se admite, a presente liquidação nunca poderia ser anulada pela totalidade, mas apenas pela parte que ultrapassa o valor de matéria colectável fixado em procedimento inspectivo;
26-Efectivamente, tal como consta da Sentença ora sindicada o rendimento colectável de € 793.348,00, resultante do procedimento inspectivo, encontra-se correctamente fundamentado, quer de facto quer de direito, constando do respectivo relatório qual a causa da abertura da acção inspectiva, quais os rendimentos sujeitos a englobamento, respectivas deduções e cálculos, designadamente a origem dos rendimentos empresariais e profissionais (venda de lotes de terreno concretamente identificados, valor patrimonial tributário), coeficiente aplicável, bem como todas as normas legais aplicáveis;
27-Pelo que, ainda que seja conhecido do mérito desta impugnação, por não se considerar verificada a excepção de caducidade de direito de acção, o que não se concede, nunca poderá ser esta liquidação anulada totalmente, devendo manter-se pelo valor corresponde ao rendimento colectável apurado em sede de procedimento inspectivo de € 793.348,00;
28-Aliás, a própria impugnante, no artigo 14° da resposta à contestação, diz que: “(…) valor de € 793.348,00, até ser anulado, é o único rendimento fixado validamente e que, por esse facto, deveria ter sido considerado na liquidação.";
29-Face ao exposto, deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que considere verificada a excepção de caducidade do direito de acção, o que implica a absolvição total da AT do pedido formulado pela impugnante, de acordo com o Art. 576.°, ns. 1 e 3 do CPC (correspondente ao Art. 493.°, nºs.1 e 3 do CPC antigo) ex vi Art. 2.°, al. e) do CPPT, ou, se assim não se entender, que a liquidação não seja anulada pela totalidade, devendo ser mantida pelo valor correspondente ao rendimento colectável apurado em sede de procedimento inspectivo de € 793.348,00;
30-A manter-se na ordem jurídica, a douta sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação das normas supra referidas, bem como enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos mencionados;
31-Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada/reformada a sentença ora sindicada e substituída por outra, nos termos expostos, com as devidas e legais consequências.
X
Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.249 a 260 dos autos), o qual pugna pela confirmação do julgado e termina estruturando as seguintes Conclusões:
1-Inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito dos presentes autos, fundou, a Fazenda Pública, as suas alegações de recurso, entre outros argumentos, na omissão de pronúncia da sentença relativamente à invocada excepção de caducidade do direito a impugnar e ainda na manutenção da liquidação pelo valor de € 793,348,00. apurado em sede de inspecção tributária mas não utilizado em sede de apuramento do imposto a liquidar;
2-Entende a recorrida, com o maior respeito pela opinião contrária, que não assiste qualquer razão ao alegado pela recorrente, não merecendo a douta sentença qualquer censura, por correcta e adequada interpretação da lei e aplicação do direito;
3-Assim, não assiste razão à recorrente quando alega que a petição inicial é intempestiva;
4-Na verdade retira-se dos factos dados como provados, designadamente os dos nºs. 3, 4 e 6 a 15, que a recorrida nunca foi notificada, dado que toda a correspondência remetida pela A.T.A. era devolvida com as menções "Não existe N.° 169", "Não há N.° 169", "entrega não conseguida, endereço incorreto ou insuficiente";
5-Perante tal factualidade a Fazenda Pública não pode fazer crer que a recorrida tenha sido efetivamente notificada;
6-Presumiu-se a sua notificação sim, mas para efeitos de caducidade da liquidação;
7-Para efeitos de reacção contra um acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, como o foi o da liquidação impugnada, de conformidade com estabelecido no n.° 3 do artigo 268° da CRP é imperioso que o contribuinte se possa defender demonstrado o seu posterior conhecimento dos factos (posterior à presumida notificação);
8-A petição inicial apresentada pela ora recorrida é tempestiva de conformidade com o disposto na alínea f) do n.° 1 do artigo 102° do CPPT;
9-Atendendo à máxima do Direito segundo a qual o fundo deve prevalecer sobre a forma e considerando a identidade de resultados, sempre se deverá considerar que não ocorreu qualquer omissão de pronúncia quanto à extemporaneidade alegada pela Fazenda Pública em sede de alegações finais;
10-E tanto assim que a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" apreciou o mérito da causa;
11-Finalmente, serão de improceder as conclusões da Fazenda Pública onde dispõe que deveria, a liquidação em causa manter-se, mas considerando o rendimento colectável apurado em sede de procedimento inspectivo;
12-A recorrida reitera o alegado na petição inicial designadamente o ter ocorrido errónea quantificação do rendimento sujeito a imposto dado a A.T.A. ter utilizado um valor que não o apurado em inspecção tributária;
13-A liquidação não é um acto divisível e como tal não é susceptível de anulação parcial;
14-A errónea quantificação do rendimento sujeito a imposto constitui vício de violação de ler inquinando a liquidação de ilegalidade. Como tal, deverá ser anulada;
15-Assim se conclui que a douta sentença ora em apreço não merece qualquer reparo ou censura pelo bem decidido, devendo a mesma manter-se no universo jurídico e produzir os respectivos efeitos;
16-Termos em que não deverá ser concedido provimento ao douto recurso, devendo a decisão recorrida manter-se no universo jurídico, por ter efectuado correcta interpretação e aplicação da lei.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso no que diz respeito à excepção de caducidade do direito de acção (cfr.fls.272 a 274 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.276 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.192 a 196 dos autos - numeração nossa):
1-Em 29/08/1980, Fernando ………., marido da impugnante, declarou, junto da A.T., como domicílio fiscal a ……., nº.169, 3º. Dto, ………. (cfr. documento junto a fls.146 dos presentes autos; documento junto a fls.142 do processo administrativo);
2-Em 30/08/1980, a impugnante declarou, junto da A.T., como domicílio fiscal a …….., nº.169, 3º. Esq., …………… (cfr.documento junto a fls.148 dos presentes autos; documento junto a fls.144 do processo administrativo);
3-À impugnante e o seu marido foi remetido para a Rua ……., nº.169, 3º. Dtº., ………, domicílio constante do cadastro da A.T., o ofício nº.048027, datado de 9/06/2010, correio registado n.° RC…….PT, para no prazo de 30 dias, nos termos do artº.76, nº.3, do C.I.R.S., procederem à entrega da declaração modelo 3 de I.R.S. do ano de 2007 (cfr.documentos juntos a fls.112 e 116 e seg. do processo administrativo);
4-A correspondência mencionada no número anterior foi devolvida ao remetente com a menção "Não existe N.° de porta" (cfr.documentos juntos a fls.119 e seg. do processo administrativo);
5-A impugnante e seu marido, em 2010, foram objecto de uma acção de inspecção interna, em sede de I.R.S. do exercício de 2007, no âmbito da qual apurou-se rendimento colectável de € 793.348,00, de acordo com o nº.1 do artº.65, e nº.3, do artº.76, do C.I.R.S., sendo € 2.992,08 referente à categoria H - rendimentos de pensões (S.P. A), € 2.761,92 referente à categoria H - rendimentos de pensões (S.P. B), € 793.348,00 referente à categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais, e efectuada a dedução específica relativa à categoria H no montante de € 5.754,00, com fundamento de incumprimento da obrigação declarativa prevista no artº.57, do C.I.R.S. (cfr.relatório de inspecção de fls.29 e seg. do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais);
6-Em 7/11/2011 foi remetido à impugnante e seu marido para a Rua ……………, n.° 169, 3º. Dt.°, ………., domicílio constante do cadastro da A.T., o ofício n.° 096760, por correio registado com A/R, n.° RC ………..PT com as correcções efectuadas no âmbito da acção interna ao I.R.S. do ano de 2007 (cfr.documentos juntos a fls.129 e seg. do processo administrativo);
7-A correspondência mencionada no número anterior foi devolvida ao remetente com a menção "Não há N.° 169" (cfr.documentos juntos a fls.131 e 132 do processo administrativo);
8-Em 15/11/2011 foi remetido à impugnante e seu marido para a Rua …………, n.° 169, 3º. Dt.°, ………, domicílio constante do cadastro da AT, o ofício n.° 099587, por correio registado com A/R, n.° RC ………….PT, dos actos resultantes da acção de inspecção para efeitos do nº.5, do artº.39, do C.P.P.T. (cfr.documentos juntos a fls.133 e seg. do processo administrativo);
9-A correspondência mencionada no número anterior foi devolvida ao remetente com a menção "Não há N.° 169" (cfr.documentos juntos a fls.135 e 136 do processo administrativo);
10-Na sequência das correcções efectuadas, em 21/11/2011, foi emitida a liquidação de IRS n.° …………, no montante de € 1.319.616,08, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 4/01/2012, constando como rendimento colectável o montante de € 2.797.718,00 (cfr.documento junto a fls.142 dos presentes autos; documento junto a fls.138 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por reproduzido);
11-A liquidação mencionada na alínea anterior foi remetida pela A.T. por correio registado n.° R………….T, datado de 30/11/2011 para a Rua ……….., n.° 169, 3º. Dt.°, …………. (cfr.documento junto a fls.144 dos presentes autos; documento junto a fls.140 do processo administrativo);
12-A correspondência mencionada no número anterior foi devolvida ao remetente com a menção "entrega não conseguida endereço incorrecto ou insuficiente" (cfr.documento junto a fls.149 dos presentes autos; documento junto a fls.145 do processo administrativo);
13-Em 6/08/2012 foi emitido mandado de citação pessoal da impugnante, pelo Chefe do 5º. Serviço de Finanças de Porto, para no prazo de 30 dias pagar a dívida no processo de execução fiscal nº…………… que corre termos no 2º. Serviço de Finanças de Lisboa, por dívida de I.R.S. de 2007, no valor de € 1.319.616,08 (cfr.documento junto a fls.113 dos presentes autos);
14-Em 9/08/2012 foi afixada na Rua ………., 477, 4.° Esq., …………, por não se encontrar ninguém em condições da entrega imediata da citação nos termos do mandado mencionado no número anterior (cfr.documentos juntos a fls.114 e 115 dos presentes autos);
15-A impugnante reside na ………….. n.° 447, 4.° Esq., ………. (cfr.cabeçalho da p.i. junto a fls.3 dos presentes autos);
16-A impugnação foi apresentada via SITAF junto do Tribunal Tributário de Lisboa em 12/12/2012 (cfr.documento junto a fls.2 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso.
Não resulta provado que a impugnante tenha comunicado à A.T. a alteração do seu domicílio para efeitos fiscais, fundando-se a convicção do Tribunal na falta de declaração da impugnante, entregue no serviço de finanças, a comunicar a alteração de domicílio…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente impugnação, tudo em virtude do provimento do fundamento que se consubstancia na existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito no momento do apuramento do imposto, mais tendo anulado a liquidação identificada no nº.10 do probatório.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o recorrente, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não se pronunciou sobre a excepção de caducidade do direito de impugnar, arguida em sede de alegações pela Fazenda Pública, sendo que esta constitui uma causa de nulidade da sentença, de harmonia o artº.125, nº.1, do C.P.P.T., e também artº.615, nº.1, al.d), do C.P.C. Que a alteração da morada pela impugnante e pelo seu marido sem a correspondente alteração do domicílio fiscal não é oponível à A.T., sendo da total responsabilidade dos sujeitos passivos. Que a impugnante se deve considerar notificada em 5/12/2011, para todos os efeitos fiscais (e não só de caducidade), designadamente para contagem do prazo de interposição da impugnação, pois o motivo da não recepção da correspondência é exclusivamente imputável à mesma. Que a impugnação é intempestiva, dado que só foi apresentada em Tribunal em 12/12/2012 (cfr.conclusões 11 a 24 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, se bem percebemos, nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, desde logo, se dirá que o objecto do processo se fixa na fase dos articulados, pelo que a decisão do Tribunal "a quo" não pode enfermar do vício de omissão de pronúncia, ao não tomar conhecimento de excepção alegada nas alegações pelo recorrente, como ele próprio reconhece (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.4767/11).
Por outro lado, conforme supra se alude, embora o Tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento.
Concluindo, julga-se improcedente a suscitada nulidade da decisão recorrida.
Passemos, agora, ao exame da suscitada excepção de caducidade do direito de impugnar.
O prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública (cfr.artº.333, nº.1, do C.Civil; artº.123, do anterior C.P.Tributário; artº.102, do C.P.P.Tributário; Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 2000, pág.241; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5ª. edição, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág.267; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/6/95, rec.19056, Ap. D.R., 14/8/97, pág.1725 e seg.).
Por outras palavras, o prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. E a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr.artº.333, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.576, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc. 6038/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc.6125/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7004/13).
Para os actos que enfermem de vício para que esteja prevista a sanção de nulidade (cfr.artº.133, do C.P.A.) a impugnação pode ser feita a todo o tempo, como resulta do preceituado no artº.102, nº.3, do C.P.P.T., norma que está em sintonia com o disposto no artº.134, nº.2, do C.P.A., e no artº.58, nº.1, do C.P.T.A. O mesmo sucede se for invocada a inexistência do acto impugnado, pois trata-se de uma forma de invalidade mais grave do que a nulidade e, por isso, por maioria de razão, se tem de aplicar o regime de impugnação a todo o tempo previsto para a nulidade. Nestes casos, o facto de o impugnante invocar a nulidade ou inexistência do acto recorrido obsta a que se possa indeferir liminarmente a petição de impugnação por intempestividade, mas se, posteriormente, se vier a decidir que a qualificação adequada de algum dos vícios é a de anulabilidade, não deverá conhecer-se desses vícios se a sua arguição foi feita para além do prazo legal para impugnação de actos anuláveis (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7004/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7360/14; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.156).
No caso “sub judice”, do exame de articulado inicial deve concluir-se, antes de mais, que a impugnante/recorrida fundamenta o seu petitório em alegados vícios geradores de mera anulabilidade do acto tributário impugnado, pelo que o prazo para apresentação da p.i. se deve enquadrar e computar de acordo com o artº.102, nº.1, al.a), do C.P.P.T.
Haverá, agora, que examinar a factualidade provada para saber se podemos, "in casu", fixar o termo inicial do prazo de dedução da p.i. pela impugnante.
Recorde-se que a natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).
O recorrente entende que sim. Que a impugnante se deve ter por notificada da liquidação objecto do processo no pretérito dia 5/12/2011, baseado na factualidade constante dos nºs.11 e 12 do probatório.
A recorrida entende que não.
“In casu”, do exame da factualidade provada (não impugnada pelo recorrente), deve concluir-se que a liquidação objecto do presente processo devia ser notificada à impugnante/recorrida através de carta registada com a.r., de acordo com a regra geral prevista no artº.38, nº.1, do C.P.P.T., visto não estarem reunidos os pressupostos da notificação através de simples carta registada, nos termos do nº.3, do citado preceito.
Ora, não tendo a A. Fiscal produzido prova do envio de cartas registadas com a.r. relativas à notificação da liquidação de I.R.S. de 2007 ao contribuinte (cfr.nºs.11 e 12 do probatório), não se pode valer da presunção consagrada no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.T., pelo que, temos de concluir que não foi efectuada a notificação em causa nos autos.
Nestes termos, o acto tributário em causa é, desde logo, ineficaz e não ocorreu o termo inicial do prazo de impugnação previsto no artº.102, nº.1, al.a), do C.P.P.T.
À mesma conclusão se chega, acaso se considere que a liquidação de I.R.S. em causa nos presentes autos deve ser notificada ao sujeito passivo somente através de carta registada, atento o disposto no artº.149, nºs.1 e 3, do C.I.R.S., normativo que nos diz dever a notificação ser efectuada através de carta registada a enviar para o domicílio fiscal do notificando ou do seu representante, regra especial que se sobrepõe à geral constante do artº.38, do C.P.P.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6788/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc.7456/14).
Da factualidade provada retira-se que a A. Fiscal tentou efectuar a notificação da liquidação de I.R.S. através de carta registada, enviada para o domicílio fiscal do sujeito passivo, embora tendo sido devolvida ao remetente com o fundamento seguinte "entrega não conseguida endereço incorrecto ou insuficiente" (cfr.nºs.11 e 12 do probatório).
Nestes termos, não se provando que foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2005, rec.500/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/9/2010, rec.437/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6788/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc.7456/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 384).
Mais se dirá que a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T. (ou no artº.149, nº.3, do C.I.R.S., regime a que se aplicam as regras do C.P.P.T., nos termos do nº.5 do mesmo preceito), não opera caso a notificação tenha sido devolvida (como foi no caso "sub judice"), tudo porque a norma em causa têm necessariamente de ser conjugada com a garantia constitucional do direito à notificação e à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no citado artº.268, da C.R.P. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/5/2009, rec.270/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc. 7456/14).
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente a excepção de caducidade do direito de acção aduzida pelo recorrente.
O apelante discorda do decidido sustentando, igualmente e conforme supra se alude, que a presente liquidação nunca poderia ser anulada pela totalidade, mas apenas pela parte que ultrapassa o valor de matéria colectável fixado em procedimento inspectivo. Que tal como consta da sentença ora sindicada o rendimento colectável de € 793.348,00, resultante do procedimento inspectivo, encontra-se correctamente fundamentado, quer de facto quer de direito, constando do respectivo relatório qual a causa da abertura da acção inspectiva, quais os rendimentos sujeitos a englobamento, respectivas deduções e cálculos, designadamente a origem dos rendimentos empresariais e profissionais (venda de lotes de terreno concretamente identificados, valor patrimonial tributário), coeficiente aplicável, bem como todas as normas legais aplicáveis. Pelo que, ainda que seja conhecido do mérito desta impugnação, por não se considerar verificada a excepção de caducidade de direito de acção, nunca poderá ser esta liquidação anulada totalmente, devendo manter-se pelo valor corresponde ao rendimento colectável apurado em sede de procedimento inspectivo de € 793.348,00 (cfr.conclusões 25 a 28 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A anulação de um acto administrativo (ou administrativo-tributário), produz um efeito constitutivo que se consubstancia na eliminação desse acto do mundo jurídico, tendo um alcance correspondente ao efeito constitutivo das sentenças anulatórias dos negócios jurídicos, em processo civil. Por outro lado, a sentença anulatória igualmente compreende um resultado repristinatório que se traduz no ressurgimento do regime jurídico que teria vigorado se o acto ora anulado não tivesse sido praticado, sem que para tal fim ocorra qualquer intervenção da autoridade administrativa (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo; Mário Aroso de Almeida, Anulação de acto administrativos e relações jurídicas emergentes, Almedina, 2002, pág.224 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina, 2ª. edição, 1997, pág.60).
Na área do Direito Fiscal, a doutrina define a anulação como o acto através do qual a Administração ou o Tribunal revogam, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária individual superior à que decorre directamente da lei (cfr.Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.127; Francisco Rodrigues Pardal, Anulação do Acto Tributário, Centro de Estudos Fiscais, Estudos, Volume I, Lisboa, 1983, pág.177 e seg.).
A anulação do acto tributário definido doutrinariamente pode reconduzir-se não apenas aos actos de liquidação de tributos (acto tributário por excelência), como também ao acto de fixação da matéria colectável, ao qual não se segue a liquidação por se ter verificado prejuízo ou ser aplicável uma isenção (embora essa fixação não seja indiferente para o contribuinte, nomeadamente em virtude do regime de reporte de prejuízos - cfr.artº.47, do C.I.R.C.; artº.55, do C.I.R.S.), ao acto de autoliquidação (cfr.artº.131, do C.P.P.T.), ao acto de retenção na fonte (cfr.artº.132, do C.P.P.T.), ao acto de pagamento por conta (cfr.artº.133, do C.P.P.T.) e ao acto de fixação de valores patrimoniais (cfr.artº.134, do C.P.P.T.).
No que diz respeito à possibilidade legal de revogação oficiosa, total ou parcial, do acto tributário por parte da Administração Fiscal e no âmbito do processo gracioso (cfr.artºs.68, nº.1, 76, 131, nº.1, 132, nº.5, 133, nº.2, 134, nº.7, todos do C.P.P.T.; artº.79, da L.G.T.), refira-se que implica a mesma o cumprimento da formalidade prevista no artº.112, nº.3, do C. P. P. Tributário, verificando-se a revogação parcial do acto tributário em causa e pressupondo a existência de processo contencioso que tenha por objecto o mesmo acto.
Examinemos as situações de anulação judicial e parcial do acto tributário.
A seguirem-se nesta matéria os cânones clássicos da separação de poderes, da separação entre a Administração e os Tribunais, a qual impunha a estes um estrito contencioso administrativo de mera anulação, baseado numa concepção objectivista do processo tributário, na qual nos surgia o conteúdo expresso do acto tributário como limite do conhecimento do Tribunal, este limitar-se-ia a anular totalmente o acto tributário, mesmo que apenas parcialmente ilegal, competindo posteriormente à Administração Tributária a renovação, ou reforma, do acto na parte não ilegal (cfr.José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.414 e seg.).
Todavia, o certo é que os Tribunais Tributários sempre têm procedido à anulação parcial dos actos tributários, mais prevendo a lei tal possibilidade (cfr.artº.5, do C.P.C.Impostos; artºs.130, nº.3, e 145, do C.P.Tributário; artºs.79, nº.1, e 100, da L.G.Tributária; artº.112, nº.3, do C.P.P.Tributário).
Tal solução parece impor-se com base em dois vectores:
1-A divisibilidade do acto tributário;
2-A natureza jurídica da sentença de anulação parcial do acto tributário como de plena jurisdição.
A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 1991, pág.1396; ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 18/7/1985, rec.15294, A.Dout., nº.300, pág.1533 e seg.), a 2ª. Secção do S.T.A. abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude do que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.24101; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.287/05).
Igualmente a doutrina fiscal admite a característica da divisibilidade no acto tributário (cfr.José Casalta Nabais, ob.cit., pág.415; J.L.Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, nº.7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.75).
Em resumo, o Tribunal tem poder não só para anular a parte ilegal do acto tributário, mas também para fixar a parte não ilegal do mesmo, conquanto que essa fixação não colida com o núcleo essencial da função administrativa. E é precisamente devido à existência desse poder, permitindo que os trabalhos de investigação obtenham a verdade material e aproveitando o que puder ser aproveitado do trabalho da Administração Tributária, que podemos entender a decisão judicial de revogação do acto tributário operada por uma sentença de conteúdo positivo e dando corpo ao princípio de um contencioso de plena jurisdição.
As situações de anulação judicial e parcial do acto tributário, no entanto e salvo melhor opinião, somente podem verificar-se em relação a actos tributários que tenham base em correcções técnicas à matéria colectável, pois somente em relação a esta espécie de aperfeiçoamentos da mesma é possível cindir o acto tributário e declarar a anulação parcial do mesmo, que não já em relação a actos tributários assentes na fixação da matéria colectável por métodos indirectos (v.g.utilização de uma determinada margem de lucro que não a declarada pelo sujeito passivo de imposto). É que no caso do acto tributário se fundamentar na aplicação de métodos indirectos de fixação da matéria colectável o Tribunal, se acaso conclui que a mesma aplicação se encontra indevidamente fundamentada ou padece de qualquer outra ilegalidade, deve anular totalmente o acto tributário em causa, a tal o obrigando, desde logo, o princípio “in dubio contra fiscum” previsto no artº.100, do C.P.P.Tributário. Concluindo, salvo melhor opinião, não é possível a cisão judicial do acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos, visto que ao Tribunal não compete, em nenhum caso, substituir-se à Administração Tributária no apuramento da matéria colectável e estruturação da sequente liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/3/2003, rec.1973/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/1/2011, rec.583/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc. 4397/10; Joaquim Manuel Charneca Condesso, Anulação parcial dos actos e suas consequências legais, Revista Julgar, Edição da A.S.J.P., nº.15, pág.165 e seg.; J.L.Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex, Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.344; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, II volume, 2011, pág.342 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira da factualidade provada, no relatório de inspecção interna a matéria colectável apurada foi de € 793.348,00, em sede de rendimentos de categoria B, sendo que depois, no apuramento do imposto se considerou um valor completamente diferente, um rendimento colectável no montante de € 2.797.718,00 (cfr.nºs.5 e 10 do probatório).
Neste caso, não há qualquer obstáculo a que o acto de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria colectável que não é afectada por qualquer ilegalidade, tudo de acordo com a supra examinada teoria da divisibilidade do acto tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, II volume, 2011, pág.342).
Mais se dirá que, na sequência de anulação parcial da liquidação, se for efectuada uma
nova liquidação, relativa à parte não anulada, ela substituirá a primeira, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79,
nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al.d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A.), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, 2012, pág.727 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, II volume, 2011, pág.344).
Concluindo, julga-se procedente este fundamento do recurso, em consequência do que se deverá proceder à anulação parcial da liquidação identificada no nº.10 do probatório, ordenando-se a sua reforma tendo por base a matéria colectável de € 793.348,00, em sede de rendimentos de categoria B, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
Por último, o recorrente alega que a decisão do Tribunal "a quo" deve ser reformada no sentido de ser considerado como valor da acção para efeitos de custas o montante de € 275.000,00, com a consequente dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artº.6, nº.7, do R.C.P., em conformidade com o requerido pela Fazenda Pública em sede de contestação e de alegações, e sobre o qual o Tribunal não se pronunciou (cfr.conclusões 2 a 10 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida (reforma da sentença quanto a custas, que não uma nulidade da sentença devido a omissão de pronúncia).
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Antes de mais, se dirá que a decisão recorrida, no dispositivo, fixou o valor da causa em € 1.319.616,08 (cfr.artº.97-A, nº.1, do C.P.P.T.), mais tendo condenado a Fazenda Pública em custas (cfr.fls.212 e 213 dos autos).
O recorrente pede a sua reforma no sentido de ser considerado como valor da acção para efeitos de custas o montante de € 275.000,00, com a consequente dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artº.6, nº.7, do R.C.P.
As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).
O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:
Artigo 6.º
Regras gerais
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.
3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.
4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.
5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.
6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.
7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.
O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.
Ainda, refira-se que a lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do Tribunal a dispensar o pagamento do aludido remanescente da taxa de justiça, importando concluir que o juiz pode exarar tal decisão a título oficioso, embora sempre na decisão final do processo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.236).
Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:
Artigo 530º.
Taxa de justiça
(…)
7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.85).
Por último, no que se refere à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
No caso "sub judice", levando em consideração a actividade processual desenvolvida nos autos (os articulados e as alegações não se podem considerar prolixos; não houve fase de instrução), a conduta processual das partes e a pouca complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica no presente processo a aludida intervenção moderadora, assim devendo dar-se provimento ao pedido de reforma da Fazenda Pública.
Rematando, o recurso merece parcial provimento, em consequência do que se anula parcialmente a liquidação identificada no nº.10 do probatório, se ordena a sua reforma tendo por base a matéria colectável de € 793.348,00, em sede de rendimentos de categoria B, mais se mantendo a decisão recorrida somente nesta parte, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em, CONCEDENDO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO:
1-Anular parcialmente a liquidação identificada no nº.10 do probatório, ordenando-se a sua reforma tendo por base a matéria colectável de € 793.348,00, em sede de rendimentos de categoria B, mais se mantendo a decisão recorrida somente nesta parte;
2-Ordenar que se proceda à estruturação da conta de custas do presente processo, em ambas as instâncias, tendo em conta o máximo de € 275.000,00 fixado na Tabela I, anexa ao R.C.P., e desconsiderando-se o remanescente.
X
Custas a cargo de recorrente e recorrido, na proporção do respectivo decaimento e em ambas as instâncias.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 16 de Outubro de 2014


(Joaquim Condesso - Relator)
(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Pereira Gameiro - 2º. Adjunto)