Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7487/14.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRC
CUSTOS
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS
Sumário:I. O princípio da especialização vincula contribuintes e administração tributária, e exige que as componentes positivas e negativas do lucro tributável (v.g.: proveitos e custos) sejam imputados ao período a que digam respeito, isto é, em que sejam obtidos ou suportados (momento da realização), independentemente da sua materialização com o recebimento ou pagamento.
II. A omissão de custos relativamente a um determinado exercício e a imputação desses mesmos custos ao exercício posterior em resultado de uma omissão voluntária e intencional de operar transferência entre exercícios, para que «a empresa não apresentasse prejuízos, o que traria dificuldades acrescidas junto da banca» ofende o princípio da especialização de exercícios.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A E... - PRODUÇÕES DE SOM E IMAGEM, Lda., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 29/11/2013, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação nº 2... na sequência do indeferimento parcial da mesma referindo que: "um dos pontos desatendidos respeita à correcção dos custos referentes aos "laycards".

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. Após ação inspetiva, a Administração Tributária fez correção dos custos referentes aos "laycards" adquiridos em 1994, mas deduzidos em 1995;

2. Para justificar esse seu ato corretivo aduziu que "a reclamante não veio demonstrar que aqueles "laycards" adquiridos em 1994 foram utilizados nas cassetes vendidas em 1994 e 1995, nas proporções correspondentes à imputação que efectuou, não veio ao processo provar a razão que afirma assistir-lhe";

3. Ficou provado, entre o mais, que a edição e venda de cassetes está legalmente condicionada à aposição em cada unidade de um "laycard", emitido e fornecido, à data dos factos, pela Direção-Geral dos Espetáculos;

4. É prática da recorrente requisitar esses "laycards", sem obrigação de produção das cassetes de uma só vez;

5. Os "laycards" não têm prazo de validade e é comum as empresas conservá-los em stock;

6. De acordo com a interpretação conjugada das normas jurídicas vigentes e aplicáveis, em Portugal vigora o princípio ou a regra da especialização dos exercícios;

7. Essa regra impõe, tanto aos contribuintes, como à Administração Tributária, que a data da entrega ou de expedição dos bens define não só o ano do proveito, como também, e em simultâneo, o ano do reconhecimento do custo fiscal;

8. Porém, a Administração Tributária subverteu ou violou essa regra para justificar o ato corretivo;

9. De facto, a Administração Tributária impôs a solução de imputar os custos do exercício de 1994 um elevado número de "laycards" que só foram usados e as respetivas cassetes vendidas no exercício de 1995, o que constitui uma subversão e violação grosseira da regra da especialização dos exercícios;

10. De igual modo, a sentença recorrida errou ao sufragar esse entendimento e atuação da Administração Tributária;

11. Desse modo e a contrario pode concluir-se que a recorrente respeitou escrupulosamente a regra da especialização dos exercícios;

12. E, consequentemente, contabilizou corretamente os "laycards" no exercício de 1995;

13. Ou seja, a recorrente contabilizou os custos dos "laycards" no exercício em que as cassetes em que se apuseram esses "laycards" foram vendidas;

14. Posto isso, o diferimento de parte dos custos dos "laycards" adquiridos em 1994, para o ano de 1995, ano em que esses "laycards" foram apostos nas cassetes que nesse mesmo ano foram vendidas, cumpre escrupulosamente a regra da especialização dos exercícios;

15. Tendo a Administração Tributária discordado do quantum de custos de "laycard" diferido, competia-lhe, de acordo com as regras do ónus da prova, provar que a especialização dos custos realizada pela recorrente foi mal quantificada, o que não logrou fazer;

16. E também por isso se impunha declarar ilegal o ato corretivo da Administração Tributária;

17. E a sentença recorrida ao afinar pelo mesmo diapasão e sufragar essa violação do ónus da prova errou;

18. De facto, a sentença recorrida deveria ter determinado a anulação do despacho que indeferiu a reclamação graciosa, na parte em que manteve a correção da matéria coletável a favor do Estado no exercício de 1995, no montante de EUR 136.560,51, por transferência de custos, referentes a "laycards", para o exercício de 1994, com a consequente anulação do IRC que resultou dessa alteração da matéria coletável no exercício de 1995.

19. E ao não o fazer errou;

20. Por isso e em consequência, deve ser dado provimento a este recurso e, por conseguinte, ser revogada a sentença recorrida e declarado anulado o despacho que indeferiu a reclamação graciosa, na parte em que manteve a correção da matéria coletável a favor do Estado no exercício de 1995, no montante de EUR 136.560,51, por transferência de custos, referentes a "laycards", para o exercício de 1994, com a consequente anulação do IRC que resultou dessa alteração da matéria coletável no exercício de 1995.

21. Mostram-se violadas, entre outras, as disposições dos artº.s 18º e 23° do CIRC e 58º e 74° da LGT.

3. A recorrida não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer, nos termos constantes de fls.142 (numeração dos autos de suporte físico), no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÃO A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença errou na apreciação que fez sobre a correcção efectuada pela Administração Tributária aos custos referentes a “laycards” adquiridos em 1994, mas deduzidos em 1995, com referência aos artigos 18.º e 23.º do CIRC.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. Pela Direcção Geral de Impostos 2ª Direcção de Finanças foi efectuada uma acção externa de inspecção à sociedade E... - Produções de Som e Imagem Lda. (fl. 25 do processo administrativo);

2. O Inspector fundamentou a correcção controvertida nos seguintes termos: O sujeito passivo considerou como custo no exercício de 1994 o montante de 13.444.860$00 correspondente a 452.508€ Lay Cards que haviam sido adquiridos em 1993 e no exercício de 1995 no montante de 27.377.940$00, correspondente 842.790€ adquiridos em 1994. A análise efectuada no sentido averiguar se o número de cassetes produzidas de Lay Cards considerados como custo revelou que nos três exercícios - 1994, 1995 e 1996-o sujeito passivo contabilizou como custo 504.809 Lay Cards que não foram utilizados (fl. 36 do processo administrativo);

3. No relatório fez-se constar a seguinte declaração: Questionado o sujeito passivo na pessoa de C..., sócio gerente, no sentido de esclarecer a diferença verificada, o mesmo admitiu, conforme resposta à notificação (anexo IV - fls. 1 a 3) que "não tendo a contabilidade conhecimento que os Lay Cards estavam relacionados com as cassetes e havendo necessidade de diferir custos para que economicamente a empresa não apresentasse prejuízos, o que traria dificuldades acrescidas junto da banca, foi esta rubrica a escolhida para ser contabilizada na conta 27, sem haver o cuidado de saber se os Lay Cards são necessários para o fabrico das cassetes" (fl. 36 do processo administrativo)

4. A Administração Tributária fundamentou a correcção nos seguintes termos: Sendo os Lay Cards necessários para o fabrico das cassetes e dado que as cassetes foram gravadas, estes são custo no exercício em que foram adquiridos. Do exposto, tem-se que no exercício de 1994 o custo com Lay Cards é superior ao contabilizado em 13.934.080$1= (27.377.940$ - 13.443.860$) e no exercício de 1995 o custo com Lay Cards é inferior ao contabilizado em 27.377.940$, resultando, assim uma correcção a favor do sujeito passivo de 13.934.080$ no exercício de 1994 e uma correcção a favor do Estado de 27.377.940$ no exercício de 1995" fl. 37 do processo administrativo).

5. A Impugnante comercializa, grava e produz cassete, CD e comercializa fonogramas que têm que ter uma certificação selos ou Lay Cards (depoimento das testemunha);

6. Era prática da Impugnante requisitar os Lay Cards junto do IGAT sem obrigação de produção de uma só vez (depoimento de testemunha);

7. As empresas têm sempre um stock de os Lay Cards que não têm prazo nem validade (depoimento da testemunha);

8. Na contabilidade os referidos Lay Cards eram contabilizados na conta 63 como custos na totalidade e depois no fim do período é considerado como custo na conta 27 ou vendas do mesmo. Pode não ser vendido ocorre é uma transferência para o ano da venda (conta 27 custos deferidos) (depoimento da testemunha).

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. Teve-se em conta o depoimento da testemunha, técnico de conta da impugnante e que a representou no âmbito da comissão de revisão. Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade.»


*

2. Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC aditamos oficiosamente os seguintes factos, seguindo-se a ordem numérica da sentença:

9. Em resultado das correcções efectuadas à matéria colectável, na sequência da acção de fiscalização identificada em 1., com base em correcções aritméticas e correcções por recurso a métodos indirectos, foi emitida a liquidação de IRC n.º 8…, de 04/12/2000, do ano de 1995 (cfr. fls. 236 do processo instrutor apenso);

10. Em 24/04/2001 a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação referida no ponto anterior, peticionando a anulação parcial das correcções (fls. 2 e segs. do procedimento de reclamação graciosa (RG) apenso);

11. Por despacho de 15/05/2002 do Director de Finanças foi deferida parcialmente a reclamação graciosa, contando-se entre as correcções indeferidas a relativa a “Laycards”, no valor de Esc.: 27.377.940$00 (€ 136.560,58) (cfr. fls. 110 e segs. do procedimento de RG apenso);

12. A fundamentação do indeferimento da correcção técnica referente a “Laycards”, única em causa nos presentes autos, assentou no seguinte: «(…) A alínea a) do n.º 3 do art. 18.º do CIRC consagra que “os proveitos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data de entrega ou expedição dos bens correspondentes…”, contudo, a reclamante não veio demonstrar em que medida é que o diferimento que efectuou através dos lançamentos na conta 27 respeitam o preceituado no art. 18.º do CIRC.

Foi considerado pela Inspecção que os Laycards entram no processo produtivo, tal como consta do relatório da visita, tendo inclusivamente sido verificados por aquele Serviço as quantidades efectivas de Existências Iniciais, Compras e Existências Finais de Cassetes, não nos parece ter sido praticada qualquer ilegalidade por parte da Administração Tributária.

As alegadas provas que a reclamante juntou ao processo nada acrescentam às alegações efectuadas, uma vez que não determinam, em concreto, qualquer ilegalidade praticada pela Administração, limitando-se a demonstrar a existência de stocks e não estabelecendo qualquer correlação com os custos em análise nem em que medida existem incorrecções na quantificação efectuada pela Inspecção (…)» (cfr. fls. 116 do procedimento de RG);

13. Em 27/05/2002 a impugnante foi notificada da decisão a que alude o ponto anterior, através do ofício n.º 16085, datado de 24/05/2002 (cfr. fls. 123 e 124 do procedimento de RG apenso);

14. Em 11/06/2002 a impugnante apresentou a petição inicial de impugnação judicial (cfr. fls. 3 e segs. da numeração dos autos de suporte fisico).


*

Estabilizada a matéria de facto avancemos para as questões que nos são colocadas.

*

3. DE DIREITO

A Recorrente, imputa à sentença recorrida erro de julgamento, na interpretação do preceituado no artigo 18.º do CIRC.

Em suma, alega que a sentença recorrida errou ao sufragar o entendimento e actuação da Administração Tributária, por o diferimento de parte dos custos dos “laycards” adquiridos em 1994 para o ano de 1995, ano em que esses “laycards” foram apostos nas cassetes, que nesse ano foram vendidas, cumpre escrupulosamente a regra da especialização dos exercícios (conclusões 13 e 14 da alegação de recurso).

Vejamos.

O IRC, trata-se de um imposto de obrigação periódica, que segue a regra da anualidade, a que importa o rendimento obtido, tomando-se por base o lucro, o qual consiste na soma do resultado líquido do exercício (diferença entre proveitos ou ganhos e lucros ou perdas) e das variações patrimoniais positivas e negativas realizadas no período da tributação e que não tenham sido reflectidas naquele resultado (artigo 17.º do CIRC).

Assim, a cada ano devem ser imputados determinados ganhos e perdas (incluindo variações patrimoniais), dos quais decorrerá o cálculo do lucro desse exercício.

Atendendo ao seu tratamento fiscal, importa ainda atentar, que pode existir lapso temporal entre as variações positivas e negativas, na diferença entre a natureza económica e a natureza financeira de uma mesma realidade. Assim, a um custo ou proveito (natureza económica) corresponde, respectivamente, uma despesa ou receita (natureza financeira), podendo a verificação dos custos ou proveitos ver diferida no tempo as correspondentes despesas ou receitas.

É justamente quando não há coincidência entre a contabilização das componentes positivas e negativas do lucro tributável e a sua efectiva concretização que assume relevância o princípio da especialização de exercícios.

Nos termos do artigo 18.º n.º 1 do CIRC (na redacção à data dos factos), os proveitos e os custos (...), são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização de exercícios.

O princípio da especialização vincula contribuintes e administração tributária, e exige que as componentes positivas e negativas do lucro tributável (v.g.: proveitos e custos) sejam imputados ao período a que digam respeito, isto é, em que sejam obtidos ou suportados (momento da realização), independentemente da sua materialização com o recebimento ou pagamento (vide neste sentido Ac. do STA de 25/06/2008, proc. n.º 0291/08, disponível em www.dgsi.pt/).

O Plano Oficial de Contabilidade (POC) (1), a que a Recorrente se encontrava obrigada, consagrava e definia o princípio contabilístico da especialização (ou do acréscimo) nos seguintes termos: os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.

Sobre o principio da especialização, citamos o acórdão desta Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 7074/13.2BCLSB, que sufragamos, transcrevendo-se o seguinte excerto:

«A jurisprudência pronunciando-se sobre o citado principio tem vindo de forma reiterada a entender que os proveitos e os custos devem ser tomados em consideração quando obtidos ou incorridos e não quando recebidos ou pagos, integrando-se os recebimentos e pagamentos nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: – de 13 de Janeiro de 1999, proferido no processo com o n.º 22.554 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Maio de 2002, págs. 86 a 91;– de 26 de Maio de 1999, proferido no processo com o n.º 22.607 e publicado no Apêndice ao Diário da República de19 de Junho de 2002, págs.2023a2027;– de 17 de Novembro de 1999, proferido no processo com o n.º 22.183 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2002, págs. 3750 a 3755; de 9 de Fevereiro de 2000, proferido no processo com o n.º 22.208 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Novembro de 2002, págs. 365 a 371).

Este princípio assume relevância nos casos em que o exercício em que os ganhos ou perdas são contabilizados não é o mesmo em que os recebimentos ou despesas que lhes correspondem têm lugar, nos casos em que os custos são contabilizados num exercício mas em que a despesa efectiva é suportada noutro e em que o proveito é contabilizado num exercício e é recebido noutro, sendo geralmente, num e noutro caso, no exercício imediatamente seguinte.

Nestes casos, por força do referido princípio da especialização dos exercícios, custos e proveitos são contabilizados à medida que sejam incorridos e obtidos e não à medida em que ocorram os respectivos pagamento e recebimento. Assim, imputam-se ao exercício os custos que, não suportados efectivamente nele, todavia emergem de operações nele realizadas; do mesmo modo, os proveitos ainda não arrecadados, mas resultantes de operações feitas durante um dado exercício, devem ser-lhe imputados.

Sobre o princípio da especialização dos exercícios, ficou consignado no Acórdão do STA, de 27.4.2008, processo nº 0807/07, que o princípio da periodização dos exercícios «(…) visa tributar a riqueza gerada em cada exercício, independentemente do seu efectivo recebimento”, pelo que ganha especial “relevância nos casos em que não existe coincidência entre o exercício em que os ganhos ou perdas são contabilizados e o exercício em que os recebimentos ou despesas correspondentes têm lugar.

Aquele princípio vale assim para os casos em que os custos são contabilizados num exercício mas em que a despesa efectiva só é suportada noutro, e para os casos em que o ganho ainda que contabilizado num exercício, só é, de facto, recebido noutro. Ora em tais situações, em que existe desencontro entre a contabilização dos custos e dos proveitos e a sua efectiva concretização, a lei ordena que os mesmos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram. Daí que se devam imputar ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro.» (disponível no endereço www.dgsi.pt).

Assim se vê que a interpretação que a Recorrente faz dos normativos insertos nos artigos 18.º e 23.º do CIRC, no sentido que a data da entrega dos bens define não só o ano do proveito, mas também o ano do reconhecimento do custo fiscal, não pode proceder.

Com efeito, de acordo com o preceituado no n.º 3, do artigo 18.º do CIRC, não releva o momento em que é recebido o preço das vendas efectuadas, mas o momento em que nasceu o respectivo crédito e, inversamente, não releva, para a imputação temporal de um custo, o momento em que a empresa extingue os seus débitos, mas sim o momento em que tais obrigações nascem (vide neste sentido Rui Duarte Morais, in “Apontamentos ao IRC, Almedina, pág. 65).

No caso dos autos, conforme decorre do probatório, a Recorrente contabilizou no ano de 1995, custos relativos a “laycards” ocorridos no ano de 1994.

A Administração Tributária não põe em causa que a Recorrente incorreu nesses custos e que os “laycards” entram no processo produtivo da edição e venda de cassetes, mas que os contabilizou erradamente, visto que na sequência da acção de fiscalização à contabilidade da impugnante foram verificadas as quantidades efectivas de existências iniciais, compras e existências finais de cassetes, e, apurados os números finais, procedeu à correcção de custos diferidos, a favor do sujeito passivo no valor de Esc.: 13.934.080$00, no exercício de 1994, e à correcção a favor do Estado no montante de Esc.: 27.377.940$00, no exercício de 1995.

A Mma. Juíza a quo sustentou, na linha de entendimento da Administração Tributária que: Na verdade, a lei tributária prevê que a dedutibilidade do custo depende da respectiva comprovação (art. 23. º, n.º l , do CIRC). Não se deve descurar o disposto no artº 18° do CIRC que contempla o princípio de especialização de exercícios. Os custos devem ser contabilizados no exercício a que correspondem. No caso é o próprio gerente que afirma ter efectuado a contabilização dos Lay Cards para diferir custos "mascarando " a contabilidade da empresa para que a mesma não apresente lucros num determinado ano, violando do princípio da especialização de exercícios.

Encontrando-se assente que foi contabilizado, no exercício de 1995, na conta de custos, “laycards” adquiridos em 1994 e, ainda, que tal procedimento deveu-se à necessidade de diferir custos para que economicamente a empresa não apresentasse prejuízos, o que traria dificuldades acrescidas junto da banca (pontos 2 e 3 do probatório), factos que não foram impugnados pela Recorrente, forçoso é concluir pela indevida contabilização no exercício de 1995, de custos do exercício de 1994, porque as componentes negativas só podem ser imputadas a exercício posterior «quando, na data de encerramento das contas daquele em que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas» (cfr. .º 2, artigo 18.º do CIRC), o que não é de todo o caso dos autos.

Neste âmbito e de acordo com o princípio da especialização de exercícios, a actuação da Recorrente mostra-se incorrecta no tocante aos custos, referentes a “laycards” do exercício de 1994 imputados ao exercício de 1995, por estes custos não poderem ser reconhecidos aquando do proveito relativo à venda das cassetes.

De acordo com o mesmo princípio de especialização de exercícios, foram feitas pela administração as correspondentes correcções ao exercício de 1994, pois, os custos ocorreram nesse ano e, portanto, a ele respeitam, de acordo com os elementos constantes da escrita da Recorrente, pelo que com a correcção ao ano de 1995, a Impugnante obteve consequentemente uma correcção favorável ao exercício de 1994.

Diga-se, por fim, que a Administração Tributária considerou os custos imputados ao exercício de 1995, mas ocorridos em 1994, imputando-os a este exercício, efectuando as devidas correcções aos dois exercícios, por forma a que a Impugnante não ficasse prejudicada, o que não é impugnado pela Recorrente.

A omissão de custos relativamente a um determinado exercício e a imputação desses mesmos custos ao exercício posterior em resultado de uma omissão voluntária e intencional de operar transferência entre exercícios, para que «a empresa não apresentasse prejuízos, o que traria dificuldades acrescidas junto da banca» ofende o princípio da especialização de exercícios (vide neste sentido Ac. do TCAS de 28/03/2007, processo n.º 01551/06, disponível em www.dgsi.pt/).

Assim, bem andou a administração fiscal em proceder à correcção de custos diferidos, que não padece da ilegalidade que lhe é assacada.

Tendo a Administração Tributária evidenciado a consistência dos seus juízos sobre as discrepâncias contabilísticas da impugnante e das razões da correcção (artigo 74.º da LGT), incumbiria à Recorrente o ónus da prova sobre a existência do facto ou erro na quantificação.

Ora, a Impugnante nada provou ou alegou para o efeito, justificando os custos segundo o seu entendimento contabilístico, pelo que a nosso ver não logrou desonerar-se de tais ónus probatórios.

Termos em que improcede a argumentação da Recorrente, impondo-se a improcedência do recurso.


*

Conclusões/Sumário:

I. O princípio da especialização vincula contribuintes e administração tributária, e exige que as componentes positivas e negativas do lucro tributável (v.g.: proveitos e custos) sejam imputados ao período a que digam respeito, isto é, em que sejam obtidos ou suportados (momento da realização), independentemente da sua materialização com o recebimento ou pagamento.

II. A omissão de custos relativamente a um determinado exercício e a imputação desses mesmos custos ao exercício posterior em resultado de uma omissão voluntária e intencional de operar transferência entre exercícios, para que «a empresa não apresentasse prejuízos, o que traria dificuldades acrescidas junto da banca» ofende o princípio da especialização de exercícios.


*

IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 22 de Outubro de 2020.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta
(assinaturas digitais)

------------------------------------------------------------------------------------

(1) Aprovado pelo Dec.-lei n.º 410/89, de 21.11, com as alterações introduzidas pelo Dec.-lei n.º 238/91.