Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1119/15.9 BELSB
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:USUCAPIÃO
IMPOSTO SELO
ISENÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDENCIA
Sumário:I – A equiparação da aquisição por usucapião a uma transmissão gratuita, consagrada no artigo 1.º, n.º 3, do Código de Imposto de Selo (CIS), constitui uma ficção que o legislador fiscal estabeleceu exclusivamente para efeitos fiscais.

II – A isenção estabelecida no artigo 6.º alínea e) do CIS de pagamento de imposto de selo por parte cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes e a remessa aí realizada para as transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da Tabela Geral de que são beneficiários, implica que se deva julgar como incluído no âmbito de aplicação da referida norma de isenção a usucapião.

III – Considerando que na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não é de acolher um sentido interpretativo de uma norma que implique o reconhecimento de que o legislador utilizou (pretendeu utilizar) um mesmo conceito com significados opostos na regulamentação de um mesmo imposto, especialmente no estabelecimento dos pressupostos de isenção do seu pagamento.

IV – Tal reconhecimento, para além de contrariar as regras interpretativas, teria sempre que ter-se como contrário aos princípios da confiança, da certeza e da segurança jurídicas e da transparência, enquanto sub-princípios do princípio do Estado de Direito.

V – Tendo o Supremo Tribunal Administrativo proferido acórdão uniformizador de jurisprudência e mantendo-se pacifico desde então o entendimento jurídico que aí perfilhou, não existem razões – na presença de uma situação de facto idêntica à considerada no referido aresto e na ausência de novos argumentos jurídicos a ponderar –para que sejam postos em causa os objectivos, princípios e valores que estão na base da existência da própria previsão legal de acórdãos com aquela natureza, a saber: a pacificação/uniformização da jurisprudência dos sentidos de decisão dos Tribunais Centrais e dos Tribunais de 1.ª instância; a pacificação das actuações e decisões administrativas e uma maior segurança e certeza jurídica na interpretação e aplicação da lei, especialmente quando a Administração Tributária já conformou a sua própria actuação ao julgamento realizado pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no referido acórdão uniformizador.
Votação:COM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I – Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial que Paula ..... deduziu contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa que apresentara face à liquidação de imposto de selo nº ....., que lhe foi efectuada pelo Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira …, na sequência de escritura de justificação notarial de aquisição por usucapião de dois imóveis, interpôs o presente recurso.

Nas alegações apresentadas conclui nos seguintes termos:

«A. A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub-judice.

B. Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão recorrida pelas razões que se seguem:

C. A questão que se coloca é a de saber se, para efeitos fiscais, a aquisição por usucapião é uma aquisição originária que só ocorre no momento em que o documento que a titula se torna definitivo.

D. Salvo o devido respeito, a usucapião, uma vez invocada, determina a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida, pelo que há que concluir que não estamos perante uma transmissão do direito anteriormente incidente sobre a coisa.

E. A usucapião é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão. Daí que os direitos que nela tenham a sua origem não sofrem em nada com os vícios de que pudessem eventualmente padecer os anteriores direitos sobre a mesma coisa.

F. No caso sub judice, a invocação da doação verbal do imóvel usucapido na escritura de justificação notarial destina-se a estabelecer a data do início da posse em nome próprio, pacifica, continua e pública em que radica a aquisição por usucapião, nos termos do disposto nos art. 1287º e 1296º do CC.

G. Considerando que a doação foi feita verbalmente, não se poderá invocar como fundamento do facto translativo da propriedade do imóvel a favor da impugnante, através da doação pelos pais da impugnante, porque este não ocorreu uma vez que a doação foi feita verbalmente e por conseguinte, por se tratar de um imóvel, a mesma não é válida por falta de forma, de harmonia com o disposto no nº1 do artº947º do CC.

H. Deste modo, a invocação da usucapião determina a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida, não existindo a transmissão do direito anteriormente incidente sobre a coisa.

I. Nestes termos, a escritura de justificação notarial apenas permite estabelecer e reatar o trato sucessivo em sede de registo predial, como aquisição originária, nunca uma aquisição derivada, por que nem sequer existe escritura de doação

J. Assumindo as aquisições por usucapião um carácter originário, logo, nunca são verdadeiras transmissões, pois o usucapiente não sucede nos direitos dum qualquer titular do direito de propriedade sobre o bem adquirido por usucapião.

K. Acresce, ainda que, a isenção do IS, prevista e regulada na al. e) do artº6º do CIS, contempla as transmissões gratuitas a favor de herdeiros legitimários, contudo, no caso e, análise, a transmissão gratuita do direito de propriedade sobre o imóvel resulta da sua aquisição por usucapião, que assenta no pressuposto de inexistência de um transmitente, pelo que entendemos que o caso em apreço não se enquadra no normativo de isenção.

L. O enquadramento dos factos na al. e) do art.º 6º do CIS, representariam uma interpretação extensiva que a não é permitida no tocante às isenções, de acordo com o estabelecido no nº 2 do artº103º da CRP.

M. Por outro lado, o legislador, na al. a) in fine, do nº3 do artº1º do CIS e na Verba 1.2 da TGIS, menciona a referência “incluindo a aquisição por usucapião”, não tendo feito tal menção na citada al. e) do art.6º, concluindo-se assim que teve a intenção de não abranger as isenções derivadas de aquisições por usucapião, com o escopo de evitar a fraude fiscal, para obstar à reiterada utilização dessa figura como meio de evasão à tributação do património.

N. Pelo que não padece, a liquidação impugnada, de qualquer vício de violação de lei.

O. Não ocorrendo qualquer vício de violação de lei, deixam, por conseguinte, de se verificar os fundamentos para a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios.

P. Face ao estatuído, deve a sentença recorrida ser substituída por acórdão que decida pela manutenção do acto impugnado.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA

A Impugnante, ora Recorrida, notificada da admissão do recurso interposto, não apresentou contra-alegações.


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central, a quem o processo foi com «Termo de Vista» para emissão de parecer, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se, para esse efeito, os autos à conferência.

II - Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n.°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 635.°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir se, face aos factos apurados, designadamente aos factos que foram vertidos no probatório e em que radica a aquisição do imóvel objecto de tributação, decidiu bem o Tribunal a quo ao julgar que a liquidação de que foi objecto é ilegal e, em conformidade, ao anular a mesma e ao condenar a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios.

III - Fundamentação de Facto
A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:

A) A Impugnante é filha de Elias ..... e Maria ..... (cfr. fls. 17 dos autos).

B) Em 30.01.2014, no Cartório Notarial de Carlos ....., a Impugnante outorgou a escritura pública de “Justificação”, constando da mesma, de entre o mais, o seguinte:

(Texto no Original)
(Texto no Original)
(Texto no Original)

(…)“(cfr. doc. de fls. 11 a 16 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C) Com base na escritura pública mencionada na alínea antecedente, a Impugnante apresentou em 31.03.2014 a declaração Modelo 1 de Imposto do Selo para participação de transmissões gratuitas, com referência aos prédios urbanos identificados sob os artigos .....º e .....º da freguesia de União das Freguesias de ..... (cfr. fls. 19 a 21 dos autos).

D) Em 29.04.2014 foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de imposto de selo com o nº....., no montante a pagar de 5.934,00€, correspondente à aplicação da taxa de 10% sobre o VPT dos prédios referidos na alínea antecedente (cfr. fls. 28 dos autos).

E) Com referência à liquidação referida na alínea antecedente, a Impugnante efetuou o pagamento de 5.132,91€ em 24.07.2014, beneficiando do desconto de pronto pagamento no montante de 801,09€ (cfr. fls. 59 do PAT apenso aos autos).

F) Notificada da liquidação referida em D), a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira …, reclamação graciosa contra a mesma, invocando ser a transmissão isenta ao abrigo do artigo 6º, alínea e) do CISelo, tendo a reclamação sido instaurada sob o nº..... (cfr. fls. 1 a 7 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

G) Em 24.09.2014 foi elaborada a seguinte informação por técnica do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira …:
“PROCESSO DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA N.º.....
IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO
NOME: Paula ..... NIPC/NIF: .....
SEDE/DOMICÍLIO: ..... - Vila Franca de Xira
OBJECTO DA RECLAMAÇÃO:
Anulação do montante de €5.934,00, correspondente à liquidação n.º..... proveniente de Imposto do Selo - verba 1.2 devido pela Justificação Notarial de Aquisição por Usucapião de prédios urbanos adiante melhor identificados, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31-07-2014.


INFORMAÇÃO
DO PEDIDO
Vem a ora reclamante, em requerimento subscrito por Ana ..... (Advogada) com o nif. ....., na qualidade de mandatária, requerer a anulação da liquidação n.º..... no montante de €5.934,00 relativa a Imposto do Selo - verba 1.2, devida pela aquisição por usucapião dos prédios urbanos constituídos por "lote de terreno para construção urbana", sitos em ..... e Anexos e inscritos na matriz predial da União das Freguesias de ..... sob os artigos n.ºs ..... e ....., através de justificação notarial outorgada em 30-01-2014 no Cartório Notarial de Carlos ......
A Reclamante baseia o seu pedido no facto de considerar que "no caso em apreço, em que adquiriu dois imóveis por usucapião, titulados por escritura notarial, na qual foi invocada a posse derivada de anterior doação verbal de bens pertencentes aos seus progenitores afigura-se dever ser aplicada a isenção prevista na alínea e) do artº6° do CIS" dado que "Se a descendente, ora reclamante, está isenta de imposto do selo nas transmissões gratuitas; e para efeitos fiscais, a aquisição por usucapião é uma transmissão gratuita; a aquisição por usucapião pela descendente, está isenta de imposto do selo"

DOS FACTOS
Com efeito, da análise aos elementos constantes dos autos, verifica-se, inequivocamente, que:
Para cumprimento do estipulado no art.º26° do CIS, em 31-03-2014, a Reclamante, na pessoa de mandatário identificado (Ana .....-Advogada, com o nif......), participou no serviço de finanças de ..... a aquisição por usucapião de que foi beneficiária, sendo que a participação ficou registada sob o nº....., constando igualmente como autor da transmissão;
O direito constituído incidiu sobre os prédios urbanos inscritos na matriz predial da União das Freguesias de ..... sob os artigos n.ºs ..... e ..... os quais, à data do facto (data de celebração da escritura) detinham o valor patrimonial tributário de € 29.550,00 e de € 29.790,00, determinado de acordo com as regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis;
Face ao determinado no Código do Imposto do Selo, nomeadamente no artigo 2°, nº2, al. b) e artigo 5°, al. r), e considerando que as isenções a que se refere o artigo 6.° /e) não incluem o tipo de beneficiário em causa (usucapiente), foi aplicada ao valor tributável global (€59.340,00) a taxa a que se refere a verba 1.2 da Tabela Geral da qual resultou imposto a pagar no montante de € 5.934,00, o qual é objecto da presente reclamação;
A nota de cobrança respeitante ao imposto em causa mostra-se "regularizada/anulada" desde 26-07-2014, tendo o sujeito passivo beneficiado do desconto pelo pronto pagamento no montante de € 801,09 (cfr.consulta à base de dados da cobrança).

DA LEI
Por determinação do art.º1.º do CIS, para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, entre outras, as que tenham por objecto o direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião;
Sendo que por sua vez, o artigo 2,° da mesma norma (incidência subjectiva) dispõe que nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras: a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça de casal, e pelos legatários; b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o Imposto é devido pelos respectivos beneficiários;
No que se refere ao encargo do imposto, o artigo 3.° do CIS determina que este constitui encargo dos titulares do Interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º mencionado, sendo que para efeitos do seu n." 1, considera-se titular do interesse económico: nas transmissões por morte - a herança e os legatários e, nas restantes transmissões gratuitas, bem como no caso de aquisições onerosas - os adquirentes dos bens;
Estabelece a al. r) do art.º5.° (nascimento da obrigação tributária) que a obrigação tributária se considera constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de Justificação nos termos do Código do Registo Predial;
A seu tempo e sob a epígrafe "Isenções subjectivas", o artigo 6° na sua alínea e) dispõe que "são isentos de Imposto do selo, quando este constitua seu encargo: o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários."

CONCLUSÃO
Pelo exposto, constata-se sem margem para dúvidas, de que os factos alegados não são provados, quer pela análise dos documentos constantes nos presentes autos, quer pelas normas aplicáveis à liquidação em crise, pelo que somos do entendimento de que a mesma se deve manter - liquidação nº..... efectuada em 29-04-2014, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 31-07-2014.

DO PARECER/PROPOSTA
O pedido é legal e tempestivo, atentos à conjugação do artº49° do CIS com os art.ºs 68° e segts do CPPT;
A ora Reclamante tem legitimidade, personalidade e capacidade tributárias atentos à conjugação dos art.ºs 43° do CIMT, 9° do CPPT e 65°,15°, e 16° todos da LGT;
Este Serviço de Finanças é o competente para a sua instauração e instrução, atento o que dispõe o art.º 73° do já mencionado CPPT.
Assim, por tudo quanto temos vindo a explicar, estamos pois em crer de que não assiste razão à reclamante, daí que propomos que o presente pedido de reclamação seja indeferido na sua totalidade, sendo de manter a liquidação efectuada e devidamente notificada, porém V. Exª melhor decidirá.

DA AUDIÇÃO PRÉVIA:
Tendo em 07-08-2014, sido elaborado o respectivo projecto de decisão (de indeferimento) da reclamação graciosa, de cujo teor foi o mandatário da interessada notificado em 14-08-2014 (cfr. AR) para efeitos do artº60º da LGT e não se tendo este pronunciado, até à presente data, sobre o sentido daquele, parece-nos ser de manter o despacho anterior, indeferindo-se na totalidade a reclamação em causa e mantendo-se a liquidação efectuada.

PROPOSTA:
Assim e tendo presentes os factos e fundamentos invocados naquele projecto de decisão, parece ser de converter o mesmo em definitivo, indeferindo-se na totalidade a reclamação em causa e mantendo-se a liquidação efectuada.” (cfr. fls. 26 e 27 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

H) Na mesma data de 24.09.2014, o Chefe do Serviço de Finanças proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa, com base na informação transcrita na alínea antecedente (cfr. fls. 27 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos)

I) Notificada em 06.10.2014 da decisão mencionada na alínea antecedente, a Impugnante apresentou a presente impugnação em 20.10.2014 (cfr. fls. 28 a 30 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos e fls. 32 dos autos).


Consta ainda da mesma sentença que «Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados». E que «Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso.»


IV – Fundamentação de Direito

Conforme resulta dos pontos I e II do presente acórdão, a Fazenda Pública não se conforma com a resposta que o Tribunal Tributário de Lisboa deu à questão que os autos suscitam: está ou não sujeita a imposto de selo a aquisição de imóvel por usucapião, titulada por escritura notarial, na qual foi invocada a posse derivada de anterior doação verbal ou de partilha de bens pertencentes aos progenitores da Impugnante, tendo em conta a isenção constante do artigo 6.°, alínea e) do Código do Imposto do Selo ?

Para a Recorrente a resposta a esta questão só pode ser afirmativa, entendimento que, de resto, sempre defendeu em processos similares e que mantém neste recurso, fundamentalmente, como se vê das conclusões que apresentou, por:

- a usucapião constituir uma forma de aquisição originária do direito correspondente à posse exercida, não correspondendo, pois, a uma transmissão do direito anteriormente incidente sobre a coisa, pelo que, como ocorre no caso concreto, estando em causa a invocação de uma doação verbal do imóvel usucapido, insusceptível, por falta da forma legalmente exigida, de suportar uma transmissão válida (artigo 947.º, n.º 1, do Código Civil), a escritura de justificação notarial se destinar unicamente a estabelecer a data do início da posse pacífica, contínua e pública em que radica a aquisição por usucapião, nos termos do disposto nos artigos 1287º e 1296º do CC;

- não obstante a isenção do Imposto de Selo, prevista e regulada na al. e) do artigo 6º do Código de Imposto de Selo, contemplar as transmissões gratuitas a favor de herdeiros legitimários, não se pode incluir nestas a usucapião por esta assentar no pressuposto de inexistência de um transmitente, o que significa que o caso em apreço não se enquadra no referido normativo de isenção.

Tudo, pois, para concluir que a integração “dos factos na al. e) do art.º 6º do CIS” representa uma interpretação extensiva, não permitida no tocante às isenções, de acordo com o estabelecido no nº 2 do artigo 103.º da Constituição da Republica Portuguesa, o que está, de resto, em conformidade com o facto de o legislador, na al. a) in fine, do n.º 3 do artigo 1º do CIS e na Verba 1.2 da TGIS – onde vem mencionada a referência “incluindo a aquisição por usucapião– não ter relevado essa hipótese prevista na citada al. e) do artigo 6.º, impondo-se, assim, o entendimento de que aquele teve a “intenção de não abranger as isenções derivadas de aquisições por usucapião, com o escopo de evitar a fraude fiscal, para obstar à reiterada utilização dessa figura como meio de evasão à tributação do património.”.

O Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa iniciou a formação e exteriorização da sua decisão pela realização do enquadramento legal da questão, salientando o que se encontra preceituado nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 5.º e 6.º do Código do Imposto de Selo. E após ter convocado a jurisprudência dos Tribunais Superiores, concluiu que a liquidação impugnada é ilegal, determinou a sua anulação e condenou a Recorrente na devolução do valor já pago relativo a esta liquidação, bem como nos juros indemnizatórios peticionados, julgado que nesta última parte igualmente se encontra impugnado exclusivamente na sua relação directa com a anulação da liquidação e não, como poderia suceder, quanto aos termos em que essa devolução do imposto e pagamento de juros ficou definido.

Diga-se, desde já, que não assiste razão à Recorrente.

Vejamos porque assim o afirmamos.

No artigo 1.º do Código de Imposto de Selo determina-se que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, entre outras, as que tenham por objecto o direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião.

Por sua vez, no artigo 2.º do mesmo diploma legal, no que respeita à “incidência subjectiva” do imposto do selo, estipula-se que são sujeitos passivos do imposto “nas transmissões gratuitas” as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras: “a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça de casal, e pelos legatários; b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários”.

No que respeita ao encargo do imposto, encontra-se legalmente estabelecido que este constitui um encargo a suportar: (i) nas situações referidas no mencionado artigo 1.º o “titular do interesse económico” e que este é, nas transmissões por morte, a herança e os legatários; nas restantes transmissões gratuitas ou no caso de aquisições onerosas, os adquirentes dos bens (artigo 3.º do Código de Imposto de Selo).

Ainda com relevo para a questão preceitua o artigo 5.°, do Código em referência, que nas aquisições por usucapião a obrigação tributária se considera constituída na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, na data em que for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de Justificação nos termos do Código do Registo Predial [al. r)].

Por fim, determina o artigo 6.º do mesmo diploma – cuja interpretação ou densificação aqui se discute em especial - sob a epígrafe "Isenções subjectivas", que estão isentos de Imposto do selo, quando este constitua seu encargo: o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários.

Quid iuris?

Começamos por salientar que a questão que ora enfrentamos tem vindo a ser nos últimos anos objecto de análise recorrente pelos nossos Tribunais Superiores, especialmente pelo Supremo Tribunal Administrativo. E que dessa apreciação - o que igualmente salientamos para que fique perfeitamente claro o quadro de que partimos e as razões que estão subjacentes à nossa opção de afastamento de qualquer juízo de censura à sentença recorrida - nem sempre decorreram decisões em idêntico sentido ou, mesmo quando proferidas no mesmo sentido, nem sempre motivadas ou fundamentadas nos mesmos pressupostos de facto e de direito.
Todavia, como muito bem foi relevado no julgamento de 1ª instância, essa discussão ou divergência de entendimentos está há muito ultrapassada, sendo hoje pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, após a prolação do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 2 de Maio de 2012 (1), que é uma só a posição que vem sendo assumida: quando o legislador veio, no artigo 1º, nº 3, do CIS, dizer que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral são consideradas transmissões gratuitas, designadamente a aquisição por usucapião, não ignorava que a usucapião não consubstancia uma aquisição translativa da propriedade, nem quis alterar essa natureza, visando apenas alargar a base de incidência, equiparando a usucapião às transmissões gratuitas, o que equivale a uma ficção legal para efeitos fiscais. Nessa medida, é de entender como irrelevante o momento da aquisição do direito de propriedade para efeitos do nascimento da obrigação tributária, por esta se constituir com a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial [al. r) do artigo 5º do CIS], incluindo o imposto sobre o acto de aquisição por usucapião. Em conformidade, ao se isentar no artigo 6º, alínea e), do CIS, de imposto de selo o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, remetendo para as transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários, significa que por mera interpretação declarativa se chega ao resultado de incluir a usucapião nas “transmissões gratuitas” para efeitos da referida isenção, devendo, inclusive, considerar-se como contrário ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídica, enquanto sub-princípios do princípio do Estado de Direito, quaisquer outras interpretações ou entendimentos assentes nestes normativos por essas outras interpretações implicarem a admissão de que o legislador fiscal pode utilizar, sobretudo ao nível de normas de isenção fiscal e no âmbito do mesmo imposto, os mesmos conceitos com significados opostos, para daí extrair encargos económicos sobre os contribuintes de forma pouco clara e transparente.

Para que bem se compreendam as conclusões que adiantámos, o Pleno da Secção de Contencioso Tributário aduziu, no identificado acórdão, um longo discurso, que urge transcrever por nele estarem rebatidas todas as razões de facto e direito invocadas como fundamento deste recurso, e que ora acolhemos como suporte da nossa decisão:

“No Acórdão fundamento invocam-se, entre outros, os seguintes argumentos: “Apesar de constituir uma forma de aquisição originária (cfr arts. 1287° e segts. do CCivil), a usucapião é, para efeitos fiscais, considerada como uma transmissão gratuita de bens imóveis, que ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão: a data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial — cfr. a citada al. r) do art. 5° do CIS). É, portanto, irrelevante o momento da aquisição do direito de propriedade para efeitos do nascimento da obrigação tributária, pois que esta se constitui com a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial (al. r) do art. 5° do CIS), incidindo o imposto sobre o acto de aquisição por usucapião.
(...) a usucapião, uma vez que seja invocada, determina a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida, pelo que há que concluir que não estamos aqui perante uma transmissão do direito anteriormente incidente sobre a coisa e correspondente ao adquirido por usucapião. Esta (usucapião) é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão. Daí que os direitos que nela tenham a sua origem não sofrem em nada com os vícios de que pudessem eventualmente padecer os anteriores direitos sobre a mesma coisa, v.g a falta de título ou a falta de registo (no caso, diz-se na própria escritura de justificação que a compra e venda do prédio urbano indicado como n° 1 foi uma «compra verbal» e que o prédio indicado como n° 2 foi adquirido por «partilha verbal»).
Trata-se aqui (na aquisição por usucapião) de uma forma de aquisição de direitos que se funda na posse (poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real — cfr. o art. 1251° do CCivil), quando esta reveste certas características e desde que se mostrem verificados alguns requisitos, relativos, nomeadamente, ao seu tempo de duração (art. 1287° do CCivil), sendo certo que a usucapião tem sempre na sua base uma situação possessória e essa posse pode ter sido constituída ex novo pelo sujeito a quem a usucapião aproveita ou pode derivar da transmissão, a favor desse sujeito, de posse anterior.
A invocação desta posse apta à usucapião, tanto pode ser feita judicial como extrajudicialmente (como no presente caso aconteceu) e, uma vez invocada, a usucapião actua retroactivamente, tendo-se a aquisição como operada desde o início da posse [arts. 1288° e 1317°, al. c)].
E tratando-se de justificação, só no caso de ser invocada a usucapião como causa de alguma das aquisições é que pode haver lugar ao pagamento de imposto de selo; tal não acontecerá, por exemplo, no caso de o processo de justificação se destinar ao reatamento do trato sucessivo tendo em vista suprir a falta de um título relativo a uma transmissão derivada intermédia. Só que não é esse o caso dos autos.
Ora, tendo sido, como se diz no acórdão recorrido, pela verificação de todos os requisitos da usucapião na esfera da autora que se deu por justificada extrajudicialmente a aquisição originária do direito de propriedade, deve concluir-se que não estamos perante caso de justificação de transmissão de direitos anteriores (independentemente de também terem sido referidos na escritura de justificação) e que, portanto, não é aplicável a isenção referida na al. e) do art. 6° do CIS (normativo que, de todo o modo, nunca poderia, mesmo na tese da recorrente, aplicar-se ao prédio indicado no n° 1 da escritura de justificação).
Ou seja, tal como entendeu o acórdão recorrido, a justificação notarial aqui em causa permite somente estabelecer e reatar o trato sucessivo em sede de registo predial, como aquisição originária, nunca uma aquisição derivada, assente numa alegada transmissão de bens operada por escritura pública de compra e venda ou de doação (arts. 875° e 947°, do CC) que, no caso, nem sequer existem, (Na escritura de justificação exara-se «... pelo que os adquiriu por usucapião, não tendo todavia, dado o modo de aquisição, documento que lhe permita fazer prova do seu direito de propriedade».) atento o carácter originário das aquisições por usucapião que, por isso, nunca são verdadeiras transmissões, pois o usucapiente não sucede nos direitos dum qualquer anterior titular do direito de propriedade (bem como de qualquer outro direito real do gozo) sobre o bem adquirido por usucapião.
E, mais adiante, conclui-se que “apesar de a aquisição por usucapião não se consubstanciar em qualquer transmissão gratuita ou onerosa, como decorrência do seu carácter originário e não derivado (dado não lhe subjazer qualquer fonte contratual), o legislador entendeu, a partir da entrada em vigor do CIS, que tal aquisição por usucapião passaria a ser tributada, incluindo-a nas respectivas regras de incidência objectiva (n° 1 do art. 1° conjugado com o segmento final da al. a) do n° 3 do mesmo preceito, do CIS).
E com base na al. r) do art° 5° do mesmo Código, o momento do nascimento da obrigação de imposto ocorreu, no caso presente, na data da escritura de justificação ou seja, em 20/8/2004.” Segundo a doutrina do Acórdão, demonstrando-se que os prédios “foram adquiridos por usucapião só poderia concluir como concluiu: que não estamos perante uma transmissão do direito anteriormente incidente sobre a coisa, mas sim perante a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida e determinada pela usucapião, aquisição essa sujeita a Imposto de Selo nos termos do n° 1 e da al a) do n°3 do art. 1° do CIS, constituindo o imposto encargo do adquirente dos bens, nos termos do preceituado no art. 3°, n°s. 1 e 3, al. a) do mesmo CIS e que, consequentemente, por um lado, não é aplicável a isenção prevista na al. e) do art°. 6° do CIS”.
Em suma, para o acórdão fundamento, a isenção prevista na alínea e) do art°. 6° do CIS” somente pode ser aplicada em casos de transmissão de um direito anteriormente incidente sobre a coisa transmitida.
Esta não se afigura, porém, a interpretação mais adequada dos preceitos em análise, que entendemos não ser de manter, perfilhando antes a que ficou consignada no Acórdão deste Supremo Tribunal de 13/10/2010, proc. n°431/2010, cuja jurisprudência nos limitaremos a seguir de perto.
Da análise dos preceitos supra elencados no ponto 10.1, resulta que o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
E se é verdade que assiste razão ao Acórdão fundamento quando sublinha que a usucapião constitui uma aquisição originária (art. 1287° ss. do Código Civil), ponto é que, para efeitos fiscais, o legislador veio considerá-la uma “transmissão gratuita de bens imóveis”.
Ora, quando o legislador veio, no art. 1°, n°3, do CIS, dizer que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral são consideradas transmissões gratuitas, designadamente a “aquisição por usucapião”, não ignorava que a usucapião não consubstancia uma aquisição translativa da propriedade, nem quis alterar essa natureza. O objectivo do legislador, visando alargar a base de incidência objectiva do imposto, foi o de equiparar, para efeitos de imposto de selo, a usucapião às transmissões gratuitas. Trata-se, por conseguinte, de uma ficção legal para efeitos fiscais.
Ficção que é repetida nas normas seguintes, quando o legislador, no art. 2° do CIS, ao regular a incidência subjectiva do imposto, volta a dizer que “Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos beneficiários” (alínea b) do mesmo preceito).
Finalmente, no art. 6° do CIS repete então o legislador que, no que concerne às isenções subjectivas, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2. da tabela geral de que são beneficiários, são isentos de imposto do selo, quando este constitua seu encargo, o “cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes”.
Porém, para o Acórdão fundamento, aqui a expressão “transmissão gratuita” já não inclui a usucapião.
Ora, fica-se sem se perceber por que é que não há dúvidas quanto ao facto de nos preceitos anteriores (arts. 1° e 2° do CIS) a usucapião considerar-se equiparada ou ficcionada a uma transmissão gratuita, mas já não ser assim quando se chega ao preceito relativo às isenções. É verdade que o legislador nos preceitos anteriores referiu-se sempre à usucapião e no art. 6° do CIS não o faz. Mas o problema que se pode colocar, quando muito, é o de saber se era necessário fazê-lo.
Com efeito, repare-se que o legislador no art. 2° do CIS já regula a incidência subjectiva do imposto de selo, referindo expressamente que “nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos beneficiários.” O que significa que quando se chega ao art. 6° já não há necessidade de voltar a repetir-se a expressão. Primeiro porque o objectivo do preceito está centrado na enumeração das pessoas que estão isentas de imposto e não nas operações, o que foi tratado anteriormente. Em segundo lugar, realce-se que o preceito diz expressamente que são isentos “o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários”. Isto é, o preceito ao remeter expressamente para as “transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral” dispensa a necessidade de repetir a expressão usucapião porque o n° 3 do art. 2° do CIS, para onde a alínea e) do art. 6° do CIS remete, já contém, precisamente, a noção de “transmissões gratuitas” para efeitos daquela tabela onde se inclui a usucapião. O que significa que, por mera interpretação declarativa, se chega ao resultado de incluir a usucapião nas “transmissões gratuitas” para efeitos da isenção da alínea e) do art. 6° do CIS.
Finalmente, a prevalecer a tese do Acórdão fundamento, ficaria também por responder qual a razão de ser de dar tratamento diferente discriminando a usucapião das demais aquisições gratuitas, quando o objectivo da isenção prevista na alínea e) do art. 6° do CIS é o de favorecer precisamente o cônjuge ou equiparado e os descendentes e ascendentes. Não vemos razão para adoptar nesta sede uma noção restrita de “transmissão gratuita”, distinta do sentido amplo adoptado nos demais preceitos. Se o objectivo da lei é proteger as pessoas indicadas na alínea e) do art. 6° do CIS, então o mais natural é que valha a aqui a noção ampla de “transmissão gratuita” adoptado pelo legislador nos demais preceitos.
Acresce ainda que deve considerar-se contrário ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídica, enquanto sub-princípios do principio do Estado de Direito, que o legislador possa utilizar, sobretudo ao nível de normas de isenção fiscal e no âmbito do mesmo imposto, os mesmos conceitos com significados opostos, para daí extrair encargos económicos sobre os contribuintes de forma pouco clara e transparente. Em face do exposto, não podemos deixar de concluir no sentido do consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13/10/2010, proc n°0431/2010, que, “por um lado, a alínea a) do n°3 do artigo 1° do Código do Imposto de Selo, considera, desde sempre, transmissões gratuitas os casos de aquisição por usucapião de imóveis (…) E, por outro lado, o teor da alínea e) do artigo 6° do Código do Imposto de Selo é muito claro e de sentido unívoco: o cônjuge está isento do imposto de selo, quando o imposto constitua encargo seu — como teria de acontecer no caso, se não houvesse isenção legal a favor do cônjuge. E, assim, poderemos, a propósito, formular o seguinte silogismo: se o cônjuge está isento de imposto de selo nas transmissões gratuitas; e, para efeitos fiscais, a aquisição por usucapião é uma transmissão gratuita; a aquisição por usucapião pelo cônjuge está isenta de imposto de selo.” (negrito de nossa autoria)

Relembramos, o que no caso, como infra melhor se explicará, não é despiciente reiterar, que, como deixámos já mencionado, até à prolação do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo transcrito, cujo julgamento funda esta nossa decisão, o entendimento sobre esta questão não era unânime. E que esse mesmo acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, tem apostas duas declarações de “voto de vencido”.

Porém, insista-se, é hoje unânime o entendimento que o Supremo Tribunal Administrativo tem sobre a questão versada, como resulta evidenciado dos acórdãos que pela Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo vem sendo proferidos, inclusive relatados por um dos autores de uma das declarações de voto de vencido já identificadas e em que surge acolhido o mesmo entendimento, sendo, para o que ora importa, irrelevante saber se esse posterior entendimento resulta do facto de esse Ilustre Conselheiro ter alterado a sua convicção quanto à bondade da decisão então adoptada ou se essa alteração - o que, como no mínimo nos parece seguro - traduz tão só respeito à decisão formada no Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, a que continua a pertencer, e em que participou, e face à ausência de outros argumentos que entretanto tenham surgido e reforcem a sua anterior posição.

Note-se que o Supremo Tribunal Administrativo tem veiculado o entendimento de que «os recursos por oposição de acórdãos visam a uniformização da jurisprudência, motivo por que a lei atribuiu a competência para deles conhecer ao órgão máximo da jurisdição tributária – o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (cf. art. 27.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro)» e «apesar de a jurisprudência do Pleno não ser obrigatória (porque entendemos que continua a ter uma função ou efeito persuasivo (cf. art. 664.º do CPC), é expectável que os Tribunais inferiores a sigam (ou que dela apenas se afastem quando refutem expressamente os respectivos fundamentos), sendo precisamente por essa razão que se prevêem recursos com a finalidade de uniformização de jurisprudência» (2).

Assim, para nós, a hipótese de nos afastarmos do julgamento do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo estaria dependente da verificação de uma de três circunstâncias: (i) os fundamentos de facto sobre que versa o acórdão deste Tribunal Central serem distintos dos atendidos no referido acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo ou, pelo menos, conterem particularidades de facto que nos conduzissem, pela justiça devida a este caso concreto, a tomar decisão distinta; (ii) terem sobrevindo alterações do ponto de vista da dogmática jurídica capazes, per se, de alterar os pilares da decisão ou se (iii) discordarmos fundadamente dos pressupostos de direito em que se louvou o julgado do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente por terem sido aduzidos nos autos ou ponderados oficiosamente por este Tribunal Central argumentos jurídicos não ponderados pela jurisprudência anterior do nosso Supremo Tribunal.
Não ocorrendo qualquer uma destas circunstâncias, não cremos que existam razões que justifiquem que sejam questionados os objectivos, princípios e valores que estão na base da existência da própria previsão legal de acórdãos com aquela natureza, a saber: a pacificação/uniformização da jurisprudência dos sentidos de decisão dos Tribunais Centrais e dos Tribunais de 1.ª instância; a pacificação das actuações e decisões administrativas e uma maior segurança e certeza jurídica na interpretação e aplicação da lei. Em síntese, não se verificando uma daquelas suas circunstâncias não cremos que haja razões para que seja posta em causa a almeja (possível) paz jurídica.

No caso concreto, como já o dissemos, a situação é, no plano dos factos, exactamente a mesma que esteve na base do acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo. E a argumentação de direito – normas e doutrina – convocadas pela Fazenda Pública não extravasam, em momento algum, as que foram objecto de discussão no mesmo acórdão do Pleno e nos que lhe sucederam com o mesmo objecto jurídico. O que vale para dizer que as hipóteses enunciadas em (i) e (ii) supra se devem ter por não preenchidas.

Restava-nos, pois, a última hipótese, ou seja, a questão de saber se este Tribunal Central Administrativo Sul - que começou por adiantar que concordava inteiramente com os fundamentos e o sentido do julgado do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, razão pela qual o acolheu sem reservas – deveria considerar argumentos trazidos por jurisprudência ou doutrina mais actual, designadamente por a novidade do enquadramento de direito neles convocada nos conduzir a solução oposta

Ora, com todo o respeito, que é sempre muito, pelo labor doutrinário que sobre a questão se continua a produzir (demonstraremos que é mais rigoroso dizer-se que se continua a manter), não vemos que tal aconteça.

Começando pela doutrina, bem sabemos que esta persiste em defender como mais acertada a posição que as declarações de voto de vencido supra referidas acolheram. Exemplo dessa persistência são as recentes obras que foram publicadas nas quais os seus autores mantém a critica que anteriormente dirigiam à tese acolhida, assente, no essencial, nos antecedentes históricos do sistema, nos objectivos e princípios subjacentes à reforma da tributação do património de 2004 e na natureza do instituto da usucapião. Sempre, registe-se, que é o que ora importa apreciar, para afastar a aplicabilidade da excepção de não tributação da alínea e) do artigo 6.º, do Código de Imposto de Selo, aos imóveis adquiridos por usucapião.

Nesse contexto, passamos a salientar o que vem sendo expendido pela doutrina que mais recentemente se debruçou sobre a questão (3), deixando-se desde já consignado que o negrito aposto nas transcrições é de nossa autoria e que para que não ficasse por qualquer forma diminuída a clareza e fundamentação dos autores se incluíram no texto transcrito as próprias notas de rodapé devidamente identificadas:
- “importa lançar uma chamada de atenção, face à recente divulga­ção da Instrução de Serviço 40.054 - Série I, de 22/12/2017, da DSIMT, subordinada ao assunto «Imposto do Selo - art.6º, alínea e) -Aquisições por usucapião», da qual são extraídas, fundamentadamente, as seguintes conclusões.
“[…]
a) A aplicabilidade da isenção subjectiva prevista na al. e) do art.6° do CIS à aquisição por usucapião, dependerá da demonstração casuística e concreta da verificação dos pressupostos constantes daquela norma;
b) A demonstração dos factos dependerá dos meios de prova apresentados, considerando-se, em princípio, a escritura pública de justificação notarial insuficiente par o efeito, preferindo os meios de prova de maior valor probatório, i.e. de força probatória plena sobre os demais meios de prova, como é o caso da prova documental [...]"
Em face, quer das conclusões acima transcritas, quer do próprio teor da orientação administrativa, entendemos dever contextualizar a mesma, por forma a que, dela, não se extraiam novas, e indevidas da óptica dos autores, excepções às regras da incidência do imposto do selo.
A nossa convicção é que, estas instruções, assentam na jurisprudência que tem vindo a ser construída, segundo a qual, em sede de justificação fundada na usucapião, quando essa justificação servir de base ao reatar do trato sucessivo para efeitos registrais, é possível fazer operar o dispositivo constante da alínea e) do artigo 6°, naturalmente que, quando verificadas todas as suas premissas [cfr., a título de exemplo, Ac. STA 0431/10, de 13/10/2010 ou Ac. STA 01112/12, de 20/02/2013].
Ora, para bem interpretarmos o conteúdo da instrução administrativa acima identificada, teremos de fazer apelo a alguns conceitos e determinações que, de seguida se elencam.
A usucapião é uma forma de aquisição do direito de propriedade [ou de outros direitos reais de gozo, como, por exemplo, o direito de superfície, o direito de uso ou de habitação ou as servidões] assente na posse desse mesmo direito, mantida por certo lapso de tempo [art. 1287° CC], correspondendo a uma declaração do próprio interessado - corroborada por testemunhas - de que é, com exclusão de outrem, o possuidor do prédio alvo dessa mesma posse.
O imposto do selo incide, para além de um conjunto de outras realidades, sobre as transmissões gratuitas de bens [art.1°/1], sendo que, para efeitos de tributação em sede de imposto do selo [verba 1.2 TG], a aquisição por usucapião é considerada - é ficcionada [(8) "... ocorre na ficção jurídica a «assimilação fictícia de realidades factuais diferentes, para efeito de as sujeitar ao mesmo regime jurídico» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 108)." [cfr. Ac. STA 01372/16, de 29/03/2017] ou assimilada a uma transmissão gratuita dos bens usucapidos [art.1°/3/a)]. O imposto liquidado com referência a tal aquisição constitui encargo, ou seja, é da responsabilidade, do adquirente dos bens [art.3°/3/a)], razão pela qual se considera o usucapiente, o sujeito passivo do imposto [art. 2°/2/b)].
Sendo, para efeitos civis, a usucapião, uma aquisição originária que retroage os seus efeitos à data do início da posse - titulada ou não - [art.1288° CC], certo é que, para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, a obrigação tribu­tária apenas se considera constituída "... na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial;" [artº5°/1/r)].
Assim, a forma de invocar a usucapião, pode assentar no recurso a uma ação de justificação judicial, a um processo de justificação elaborado nos termos do Código do Registo Predial ou, mais vulgarmente, a uma escritura de justificação notarial. Esta escritura de justificação notarial pode destinar-se ao estabelecimento do trato sucessivo - justificação da propriedade de prédio não descrito e do qual se não dispõe de título que documente a aquisição - ao reatamento do trato sucessivo - existiu um título da transmissão para o justificante mas, por uma determinada razão já não é possível obtê-lo - ou ao estabelecimento de um novo trato sucessivo - o prédio está inscrito em nome de pessoa diversa do justificante e não existe título que ateste uma, ou mais, transmissões até esse justificante.
Tal como sumariado em aresto do Supremo Tribunal de Justiça, "A usuca­pião constitui um modo de aquisição originária, ou seja, é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão e, por isso, a propriedade conferida com base na usucapião não está dependente de qualquer outro circunstancialismo juridica­mente relevante que surja ao lado do seu processo aquisitivo e que, só aparentemente poderá interferir neste procedimento de consignação de direitos; porque se trata de uma aquisi­ção originária, o decurso do tempo necessário à sua conformação faz com que desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente possam ter surgido." [Ac. STJ, Proc. 460/11.4TVLSB.L1.S2, de 09-02-2017].
Deste modo, podemos encontrar, ao menos, duas «espécies» de aquisições gratuitas susceptíveis de influir na liquidação deste tributo, quais sejam, as aqui­sições transmissivas - aquelas que importam a translação do direito de proprie­dade de uma para outra pessoa e que, nessa medida, têm perfeitamente identi­ficado o adquirente e o transmitente - e as aquisições originárias - aquelas que não acarretam a translação do direito de propriedade de uma para outra pessoa e que, por essa razão, apenas têm o adquirente, inexistindo, portanto e por prin­cípio, o transmitente. E esta realidade ocorre nas transmissões originárias, pela simples razão de que "... o decurso do tempo necessário à sua conformação faz com que desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente possam ter surgido" [Ac. STJ, Proc. 460/11.4TVLSB.L1.S2, de 09-02-2017].
Aqui chegados, entendem os autores que, numa situação de justificação de propriedade de dado prédio, fundada na usucapião, não deverá ser admissível a materialização da isenção a que alude o art.6º/e), pela razão de que, atenta as características de aquisição originária, inexiste transmitente da propriedade relativamente ao qual se possa estabelecer o vínculo de parentesco, ou a ele equiparado, exigido pelo normativo - cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes -, para que, ao mesmo, se possa fazer apelo.
Estatui o princípio da igualdade - que consiste em tratar de forma igual aquilo que é igual e de forma diferente, aquilo que é diferente, na justa medida dessa diferença -, plasmado, em primeira linha, no artigo 13º da CRP, mas tam­bém no artigo 55° da LGT e no artigo 6° do CPA, sobre a imposição de um tratamento de igualdade efectiva entre os cidadãos e, necessariamente, às situa­ções com que, estes, se vêem confrontados, ou seja, "Este princípio obriga a admi­nistração tributária a tratar deforma idêntica os administrados que estejam em situações semelhantes e a aplicar tratamentos diferentes aos que se encontrem em situações substan­cialmente distintas." [Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, VISLIS, 2.ª reim­pressão 1999, nota 3 ao art. 55º].
É, para os autores, claro que, não obstante o ditame legal inserto no art.1°/3/a) e a respectiva assimilação a transmissão gratuita da aquisição da proprie­dade por usucapião, não são situações passíveis de ter, para efeitos da isenção prescrita pelo art.6°/e), o mesmo tratamento, por se tratar de aquisições originárias, que às demais, e derivadas, transmissões gratuitas de bens é conferido, desde logo por, a estas, ser associado o carácter translativo da propriedade e, às outras, o não ser. Veja-se, a título de ilustração desta diferença, o Ac. STA, Processo 01073/09, de 14/07/2010, no qual se sumaria que "Apesar de a aquisição por usucapião não se consubstanciar em qualquer transmissão gratuita ou onerosa, como decorrência do seu carácter originário e não derivado (dado não lhe subjazer qualquer fonte contratual), o legislador entendeu, a partir da entrada em vigor do CIS, que tal aquisição por usucapião passaria a ser tributada, incluindo-a nas respectivas regras de incidência objectiva (nº1do art.º1 conjugado com o segmento final da al. a) do n°3 do mesmo preceito, do CIS). Nos termos da al r) do art.5° do CIS o momento do nascimento da obrigação de imposto ocorre na data da respectiva escritura de justificação".
No entanto, não vem entendendo assim a jurisprudência, propendendo pela aplicabilidade da isenção a que se refere o art.6.°/e) às situações em que a justificação notarial tenha tido como único escopo o reatamento do trato sucessivo com vista a suprir a falta de título [cfr., entre outros, Ac. STA, Processo 01372/16, de 20/03/2017 ou Ac. STA, Processo 0718/15, de 12/10/2016]. E, como é consa­bido, a jurisprudência - conjunto de decisões dos Tribunais, através das quais se podem retirar critérios de decisão para aplicação a outros casos concretos - é hoje fonte mediata (ou indireta) - na medida em que influencia, ou o legislador na elaboração das leis, ou o julgador na tomada de decisões - do Direito.
Afigura-se-nos, destarte, que terá sido por esta razão - e não com a intenção de criar uma nova excepção - que a AT se viu confrontada com a necessidade de estabelecer regras, ainda que meramente administrativas, aplicáveis às situações em que viesse a ser suscitada a aplicação da aludida isenção, esclarecendo que, ainda assim, "[...] A aplicabilidade da isenção subjectiva prevista na al. e) do art.6° do CIS à aquisição por usucapião, dependerá da demonstração casuística e concreta da verificação dos pressupostos constantes daquela norma; [...]", determinando, complementarmente, que "[...] A demonstração dos factos dependerá dos meios de prova apresenta­dos, considerando-se, em princípio, a escritura pública de justificação notarial insuficiente para o efeito, preferindo os meios de prova de maior valor probatório, i.e. de força probató­ria plena sobre os demais meios de prova, como é o caso da prova documental. [...]", pelo que, por um lado, não bastará, apenas, a invocação dessa realidade, ainda que sustentada em mera declaração de testemunhas vertida em documento autên­tico, como é o caso da escritura notarial de justificação, e, por outro, fazendo impender sobre o interessado, o ónus de produção de prova reforçada sobre a realidade a justificar.”; (4)
-“ Uma importante inovação do CIS relativamente ao antigo Imposto Sucessório é a sujeição a imposto das aquisições de bens por usucapião. A aquisição por usucapião é uma aquisição originária de um ou mais bens, pelo que não se trata de uma transmissão de bens, uma vez que ao direito de propriedade constituído pelo novo titular não corresponde a cessação de idêntico direito de outrém. O direito do novo titular não deriva de um direito anterior de outro titular, mas é um direito que se constitui de novo, de forma originária na ordem jurídica, entre um titular e um bem.
Não se tratando de uma transmissão, a aquisição por usucapião não estava sujeita ao Imposto Sucessório. Apesar disso, esse tipo de aquisição consubstancia, pelo menos formalmente, um enriquecimento do novo titular, uma vez que no seu património é inscrito um novo direito sem contrapartida patrimonial directa.
As aquisições por usucapião passaram a estar sujeitas a Imposto do Selo sobre as transmissões gratuitas, em razão, fundamentalmente, da necessidade de prevenir a evasão fiscal. Na verdade, na vigência do Im­posto Sucessório, a falta de previsão da sua sujeição havia conduzido à utilização dos instrumentos de justificação da aquisição por usucapião para titular aquisições de bens que, na verdade, eram transmissões por compra e venda, doações ou através de outros tipos de contratos sujeitos àquele imposto. Nessas situações a escritura de justificação era utlizada, fundamentalmente, como instrumento de evasão fiscal, para evitar o imposto que incidia sobre as transmissões tituladas pelos contratos em que realmente assentavam essas transmissões.
A previsão da sujeição a imposto das aquisições por usucapião consta da verba 1.2 do Tabela Geral do CIS [(372) Cuja redação é a seguinte: "1.2 - Aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 sobre o valor 10%".], bem como da alínea a) do nº3 do artigo 1, ambos do CIS. [(373) Que tem a seguinte redação: "a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião"].
Nestas aquisições, o facto gerador ocorre na data em que se tornam definitivos os efeitos do instrumento que lhe serve de título, seja a justificação judicial, notarial ou administrativa. [(374) Assim o prevê a alínea r) do nº1 artigo 5º do CIS, que tem a seguinte redação: "Nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a ação de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial"];
Apesar de o Imposto do Selo sobre as Transmissões Gratuitas tributar as transmissões, como o próprio nome indica, o legislador acrescenta ao âmbito da sujeição as aquisições por usucapião, sem contudo as conside­rar transmissões, que na verdade não são.
(…) [(375) A aquisição por usucapião deu origem a uma vasta produção jurisprudencial, destacando-se o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 2/5/2012, proferido no processo 0746/11, por oposição de acórdãos, o Acórdão do STA, de 20/02/2013, proferido no processo nº1.112/2012. Em ambos se considera que a aquisição por usucapião é uma aquisição originária, mas ambos consideram também que a redação da lei, em especial da verba 1.2 da Tabela Geral, que considera a usucapião como uma forma de transmissão, abre a possibili­dade de se lhe aplicar a isenção nos casos em que o beneficiário da transmissão, e portanto o usucapiente, é cônjuge, descendente ou ascendente do anterior titular. Ambos os acórdãos decidem no sentido de que esta isenção se aplica também às aquisições por usucapião, quando o bem usucapido tivesse sido anteriormente propriedade de um familiar com aquele grau de parentesco. Trata-se de uma formulação que poderá ser questionável, e que deu origem a dois votos de vencido no acórdão referido em primeiro lugar, onde se defende que sendo a usucapião uma aquisição originária, não se pode considerar existir qualquer grau de paren­tesco com um hipotético e inexistente titular anterior à aquisição. Na verdade a aquisição por usucapião não é uma transmissão, porque não existe qualquer conexão entre a anterior titularidade e a nova. Aliás, a doutrina constante daqueles acórdãos funda-se mais na redacção da lei do que na natureza jurídica da usucapião. Ali se defende que o legislador qualifica, na verba 1.1, a aquisição como uma transmissão e, assim sendo, esse conceito deve ser assim entendido na alínea e) do artigo 6S do CIS, que isenta de imposto as transmissões a favor do cônjuge, descendentes e ascendentes. Não as aquisições, note-se bem, mas as transmissões. Naturalmente que fundando-se a usucapião na posse prolongada no tempo, o corpus que lhe é essencial pode ter ficado acessível ao possuidor por vários motivos, nomeadamente o ajuste verbal. Mas esses acontecimentos que originaram a posse não são relevantes para a incidência do imposto, que opera apenas sobre a constituição da usucapião, que ocorre quando a justifi­cação se torna definitiva. É também nesse sentido que o STA decidiu no Acórdão de 9/7/2014, proferido no processo nº269/14, onde se estabeleceu que não tem qualquer relevância para a incidência do imposto a data em que se iniciou a posse que conduziu à usucapião, nem as circunstâncias que lhe estiveram na origem. A usucapião é uma forma de aquisição, não de transmissão. A diferença entre ambas reside no facto de a transmissão ser uma forma de aquisição derivada, dado que se funda numa titularidade anterior, ao contrário da usucapião, que é uma aquisição originária, que funda uma relação jurídica nova, não derivada da anterior.]
A aquisição por usucapião limita-se apenas ao bem que é objecto de aquisição, e não às coisas que estando nele integradas, já eram da titularidade do adquirente. Nos casos em que o usucapiente efectuou ben­feitorias no bem usucapido, essas benfeitorias são da sua propriedade, sejam elas obras, construções ou equipamentos. Essas benfeitorias ou construções, quando efectuadas por uma pessoa sobre um terreno ou pré­dio que é objecto da usucapião, não são adquiridas com a constituição da usucapião, porque já eram anteriormente do usucapiente. Assim, nestes casos, o Imposto do Selo incide apenas sobre o terreno ou o prédio que são objecto da usucapião, e não sobre aqueles bens.»
Foi também nesse sentido que se firmou jurisprudência constante e uniforme do STA, nomeadamente através dos Acórdãos de 17/10/2012, proferido no processo nº619/12; de 29/2/2012, proferido no processo nº818/11; de 23/2/2012, proferido no processo nº1082/11, de 30/10/2013, proferido no processo nº827/13; de 27/11/2013, proferido no processo nº974/2013; de 21/5/2013, proferido no processo nº1676/2013, bem como no de 3/3/2013, proferido no processo 1319/2012. Neste último teoriza-se de forma desenvolvida acerca de um caso em que o usucapiente de um terreno havia nele construído uma moradia, tendo a decisão sido no sentido de que o imóvel construído não foi objecto de aquisição através da usucapião, dado que a propriedade do imóvel construído já lhe pertencia.”. (5)

Em suma, e como a propósito dos fundamentos de direito esgrimidos pela Fazenda Pública deixámos firmado, não há na doutrina mais actual e que de forma mais profunda se tem pronunciado sobre a questão – com excepção da referência feita à jurisprudência mais recente e à “adaptação” dos procedimentos da Administração Fiscal a essa “realidade jurisprudencial” - nada de novo, mantendo-se, tão só, a divergência interpretativa. Ou seja, pese embora a profundidade da análise contida nas “Anotações” e “Lições” citadas e transcritas, em parte alguma da doutrina consultada surge um novo argumento, um fundamento de direito que não tenha sido ponderado previamente à cristalização da jurisprudência criticada – e que ora seguimos – e, sobretudo, não vemos nos argumentos aduzidos pela doutrina força bastante a criar em nós a convicção ou o imperativo de afastar a jurisprudência firmada.

Note-se, se nos é permitido, atento o teor das passagens transcritas e para as contextualizarmos dentro da nossa opção, que nenhum dos arestos citados do Supremo Tribunal Administrativo põe em questão a natureza da usucapião como forma de “aquisição originária”. Isto é, em nenhum dos arestos produzidos pelo Supremo Tribunal Administrativo se pode detectar a mínima divergência quanto à natureza jurídica do instituto usucapião, que neles vem sendo recortado nos exactos termos com que surge noutros arestos do mesmo Tribunal a propósito de outras questões distintas e em absoluta conformidade com os do Supremo Tribunal de Justiça que a doutrina em abono da sua tese também se adiantou, como vimos, a convocar. Nem, se bem vemos, com o próprio recorte feito pela doutrina. Em suma, os arestos do Supremo Tribunal Administrativo que aqui estamos a considerar também definem a usucapião, do ponto de vista civilistico, como uma forma de aquisição originária do direito de propriedade (ou de outros direitos reais de gozo) assente na posse de tal direito, mantida por certo lapso de tempo, em conformidade, como não podia deixar de ser, com o que vem definido ou resulta das normas do Código Civil, designada e especialmente do artigo 1287.º do Código Civil.

E também em nenhum dos acórdãos que alguma doutrina continua a questionar, se afirma que a usucapião é uma transmissão gratuita de bens. O que se afirma, diga-se, insistentemente, é que o legislador fiscal optou, para efeitos fiscais, por fazer equivaler a aquisição por força de usucapião às formas gratuitas de transmissão, impondo-lhes, designadamente, o mesmo tipo de tributação e, para o que ora releva, atribuindo a essa forma de aquisição originária “ficcionada para efeitos fiscais como se uma transmissão gratuita de bens se tratasse”, o mesmo tipo de tributação e elegendo-a como beneficiária de certos benefícios fiscais, nomeadamente ao nível da isenção do correspondente imposto se e quando verificados os pressupostos consagrados na al. e) do mesmo artigo 6.º do Código de Imposto de Selo.

É verdade que a doutrina chama ainda a atenção para o facto de tal interpretação do quadro legal – que qualifica de “legalista” e, se bem vemos, como sendo sobretudo suportada pela letra da lei – conduzir a que sejam tratadas de forma igual situações que não são iguais e, consequentemente, essa interpretação ser de afastar sob pena de violação do preceituado nos artigos 13.º da Constituição da Republica Portuguesa, concretizados, no ordenamento especial administrativo e tributário, nos artigos 6.º do Código de Procedimento Administrativo e 55.º da Lei Geral Tributária.

Não cremos, mais uma vez que este argumento seja decisivo para que seja invertido o sentido da nossa decisão. Na verdade, sem prejuízo de reconhecermos a bondade dos pressupostos aduzidos, isto é, a consagração constitucional do princípio da igualdade e a sua aplicabilidade directa nos processos judiciais administrativos e tributários ou aplicação mediatizada pela concretização dos citados artigos 6.º do Código de Procedimento Administrativo e 55.º da Lei Geral Tributária – salientando-se, da nossa parte, que nesta matéria ainda deve ser atribuído relevo ao que preceitua o artigo 194.º, n.º 3, da Lei Fundamental “A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos" - o certo é que a interpretação por nós preconizada não viola as normas cuja densificação e aplicação prática se realiza. Aliás, essa interpretação assenta precisamente na relevância que deve ser dada à vontade expressa do legislador de tratar como iguais “situações desiguais do ponto de vista dos conceitos jurídicos ou da natureza dos institutos convocados”. Ou seja, para efeitos de se apreciar da eventual violação do princípio da igualdade, a primeira questão que se coloca, no caso concreto, é a de saber se na Lei, ambas as situações – “transmissões gratuitas” e “usucapião” – estão colocadas no mesmo plano para efeitos de tributação e, em caso afirmativo, a suscitarem-se dúvidas quanto à conformidade constitucional dessa igualdade legal, aferir da existência de razões capazes de sustentar materialmente, no plano legal e constitucional, essa identidade legalmente ficcionada.

Considerando que no que respeita à existência de “plano de igualdade legal” já nos pronunciámos, vejamos, então, agora, os fundamentos e os resultados da sua consagração para aferir se deles resulta qualquer violação do princípio da igualdade.

Como é sabido, até 31 de Dezembro de 2003 o sistema de tributação em Portugal sobre o património incluía a existência de uma regra em matéria de tributação no que respeita às transmissões gratuitas de bens, qual seja, a da sua tributação. (6) A partir dessa data, com a entrada em vigor do DL n.º 287/2003, de 12 de Novembro, através da qual se introduziu na ordem jurídica a grande reforma relativa à tributação sobre o património, esse sistema regra de tributação deixou de existir, tendo sido substituído pela implementação de “um conjunto de transformações que mudaram o paradigma da tributação das transmissões gratuitas em Portugal”. Em especial, atento a questão que nos prende agora a atenção, assumindo o legislador expressamente uma opção de não tributação “das transmissões gratuitas sempre que os beneficiários sejam os membros do núcleo familiar mais restrito, ou seja, os chamados herdeiros legitimários”, opção que surge suportada no entendimento que a tributação dessas transmissões nesse especial “circunstancialismo familiar” se afigurava desnecessária ou menos justificável face aos princípios fundamentais de tributação e aos reais objectivos subjacentes a esta reforma.

Foi precisamente essa opção que ficou positivada no artigo 6.º, alínea e) do Código de Imposto de Selo, no qual, como já vimos, se estabelece que estão isentos do imposto "O cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários".

É neste contexto legal que se deve atentar o que consta na Tabela Geral do Imposto do Selo a verba 1.2, na qual foi introduzida, para efeitos de “incidência” e no que respeita a sujeição ao imposto a ''Aquisição gratuita de bens” e, nesta, a aquisição por usucapião: "3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto: a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião».

Como a doutrina reconhece, esta é uma “importante inovação do CIS relativamente ao antigo Imposto Sucessório”, uma vez que no regime que vigorava anteriormente essa sujeição expressa não estava consagrada e, consequentemente, naquela disposição tabelar não se podia incluir a usucapião (enquanto aquisição originária). Ou seja, só com a reforma de 2003 essa especial sujeição a imposto passou a estar expressamente consagrada, tendo em vista, como é sabido, a concretização de um dos grandes objectivos que esteve subjacente à grande reforma de tributação fiscal sobre o património, qual seja, a necessidade de prevenir a evasão fiscal que se vinha verificando de forma muito intensa decorrente da conjugação que se verificou possível pela verificação de dois factores: por um lado, a inexistência de normas que fizesse incidir tributação nas aquisições por usucapião; por outro, a relativa permeabilidade do sistema à utilização de instrumentos de justificação da aquisição por usucapião para titular aquisições de bens que verdadeiramente constituíam efectivas transmissões gratuitas e, não raras vezes, onerosas, de bens imóveis, assim se furtando os sujeitos passivos ao pagamento do imposto que, por lei, devia incidir sobre esses negócios simulados.
Ora, o que parte da doutrina sempre defendeu, e hoje continua a defender, é que não obstante o legislador ter acrescentado ao âmbito da sujeição as aquisições por usucapião, “não as considera transmissões, que na verdade não são”, por não serem “ derivadas de uma titularidade anterior”, antes “uma forma de consti­tuição ex novo de um direito de uma pessoa sobre uma coisa, e por isso nascem de novo, sem precedência de direito anterior” e, se bem interpretamos os vagos argumentos de inconstitucionalidade, que uma densificação normativa da norma que conduza a outro sentido implicará uma violação do princípio constitucional de igualdade.
Repetimos. Não está em questão a natureza da usucapião enquanto forma de aquisição originária do direito. Não está em questão que a usucapião não é uma “transmissão gratuita” de um direito de propriedade sobre um bem imóvel. O que está em questão é saber se o legislador fiscal quis, para efeitos fiscais e de tributação, que a usucapião tivesse o mesmo tratamento fiscal, isto é, e enfrentando directamente a questão, saber se quis estabelecer em matéria de Imposto de Selo um mesmo quadro jurídico para as transmissões gratuitas e para a usucapião, o que, em nosso entender, é inquestionável, como resulta dos últimos normativos citados e da Tabela identificada.
Aliás, esta é, salvo o devido respeito, a única explicação possível, o único efeito útil que pode ser atribuído à inclusão expressa do termo “usucapião” no capítulo relativo à regulamentação da tributação em sede de imposto de selo, sendo, em nosso entender, em absoluto, de desconsiderar a hipótese de o legislador ignorar os elementos essenciais do instituto cuja inclusão expressamente convocava, para além de ser a interpretação que resulta imposta pela letra da norma de incidência e pela própria integração sistemática do mesmo normativo nas isenções que igualmente lhe são dirigidas. Por outro lado, não se vê, e a doutrina igualmente não adianta, em que medida é que a consagração da isenção nas situações de aquisição por usucapião nas situações previstas na alínea e) do artigo 6.º do CIS violem o principio da igualdade, tal como essa violação não corre quanto às outras formas de aquisição previstas no mesmo diploma e que beneficiam desse tipo de isenção.
Donde, tendo o legislador optado por atribuir um tratamento igual do ponto de vista fiscal às transmissões gratuitas e às aquisições por usucapião, não vemos que seja de entender existir qualquer violação do princípio da igualdade, constitucional e legalmente consagrado, e, em conformidade, qualquer justificação para o intérprete e aplicador do direito, com base num recorte rigoroso do conceito civilistico da usucapião (que não está em questão), eliminar aquela expressa opção, isto é, afastar o regime que o legislador definiu como o aplicável à situação em apreço, incluindo ao nível das isenções se e quando estejam verificadas as demais condições previstas no artigo 6.º, al. e), do CIS.
Duas outras notas se impõem que salientemos e que reforçam a decisão que entendemos tomar.
A primeira é a de que existe na jurisprudência-referência, em especial no aresto que escolhemos como fundamento da nossa decisão, um outro fundamento que permanece intocável ou ignorado pela doutrina, consubstanciado na rejeição de uma interpretação do quadro jurídico que implique a aceitação do pressuposto de que “o legislador fiscal [pode] utilizar, sobretudo ao nível de normas de isenção fiscal e no âmbito do mesmo imposto, os mesmos conceitos com significados opostos, para daí extrair encargos económicos sobre os contribuintes de forma pouco clara e transparente”. Como se diz no mesmo acórdão, aceitar essa hipótese interpretativa é colocarem-se em causa os “princípios constitucionais da confiança, da certeza e da segurança jurídica, como sub-princípios do princípio do Estado de Direito”. E, acrescentamos nós, do princípio da transparência, dotado hoje de uma densidade normativa própria, transversal a todo o ordenamento jurídico e sobremaneira vinculativo do legislador e da actividade administrativa.

A segunda é a de que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como a própria doutrina discordante não deixa de salientar de forma elevada, manteve desde 2012 até hoje, sem excepção, a interpretação que uniformizou no acórdão de 2012 - de que constituem exemplo, para além do já muito referido acórdão fundamento da nossa decisão, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-2-2013 (proferido no processo nº1.112/2012), de 9-7-2014 (proferido no processo nº269/14), de 16-3-2016 (proferido no processo n.º 86/16), de 29-3-2017 (processo n.º 1372/16) e de 10-1-2018 (processo n.º 565/17), onde a questão da usucapião e da sua tributação foi mantida, sem prejuízo da eventual aplicação da isenção consagrada na alínea e), do artigo 6.º do Código de Imposto de Selo. Julgamento este que a própria Administração Tributária já interiorizou/acolheu, como nos é revelado pela “Instrução de Serviço 40.054 - Série I, de 22/12/2017, da DSIMT, subordinada ao assunto «Imposto do Selo - art.6º, alínea e) -Aquisições por usucapião» (sem prejuízo de se registar que, pelo menos aparentemente, dela parece resultar uma exigência probatória suplementar, o que de todo o modo não cumpre agora sindicar), o que é bem demonstrativo da pacificação social e jurídica que nesta matéria foi já possível alcançar.

É, pois, de concluir, pela ilegalidade da liquidação impugnada e, consequentemente, pela inexistência de fundamento para censurarmos a sentença recorrida que, nesse sentido decidiu e, em conformidade, pela improcedência do recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública.


V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso jurisdicional, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

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Lisboa, 7 de Junho de 2018

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[Anabela Russo]

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[Vital Lopes]

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[Joaquim Condesso] (Votei vencido o presente acórdão pelas razões que exponho infra, resumidamente.
O que está em causa no presente processo é saber se a aquisição de imóveis com base na figura da usucapião e através de escritura de justificação notarial está, ou não, isenta de imposto de selo, dado se enquadrar (?) na previsão da norma de isenção constante do art°.6, al.e), do C. l. Selo.
Antes de mais se dirá que a usucapião consubstancia uma forma de aquisição originária de um ou mais bens, pelo que não se trata de uma transmissão de bens, uma vez que ao direito de propriedade constituído pelo novo titular não corresponde a cessação de idêntico direito de outrém. O direito do novo titular não deriva de um direito anterior de outro possuidor, mas é um direito que se constitui "ex novo", de forma originária na ordem jurídica, entre um titular e um bem (cfr.art°s.1287 e 1288, do C. Civil),
A incidência do Imposto de Selo sobre as aquisições por usucapião está consagrada no art°.1, n°.3, ai. a), do C. l. Selo, tal como na verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (cfr.José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3a, Edição, 2016, pág.498 e seg.).
Não consideramos que o citado art°.6, al.e), do C. l. Selo, abranja na sua previsão as aquisições por usucapião, visto que o legislador não se refere expressamente a tal situação, apenas se limitando a considerar as transmissões gratuitas, sendo que a usucapião não tem a natureza de uma transmissão de bens, seja ela gratuita ou onerosa, conforme supra mencionado.
Contrariamente ao entendimento vertido na posição que logrou vencimento neste acórdão, na interpretação sistemática das normas do C. l. Selo (cfr.art°.9, do C.Civil), em causa nos presentes autos, deve o intérprete concluir que o legislador sentiu necessidade de consagrar a equivalência das aquisições por usucapião às transmissões gratuitas (cfr.art°s.1, n°.3, ai. a), e 2, n°.2, ai. b), do C. l. Selo), apesar da diferente natureza jurídica de ambas as situações.
No mencionado art°.6, al.e), do C.l.Selo, tal equivalência legislativa não se verifica, assim não sendo defensável que se possa considerar um qualquer grau de parentesco face a um hipotético e inexistente titular anterior à aquisição.
Com estes pressupostos, pugnava peto provimento do recurso e consequente revogação da decisão recorrida, mais se devendo julgar improcedente a presente impugnação.)



(1) Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 746/11, integralmente disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário nos louvamos para enunciar as proposições síntese da jurisprudência uniformizada.
(2) Cfr. Acórdão para resolução de conflito de julgados de 28 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 1132/06 pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/95ea45b1b46109a88025729d005875f5?OpenDocument.
(3) José Maria Fernandes Pires, “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, Almedina, 2016 e António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, “Tributação do Património – IMI-IMT E IMPOSTO DE SELO (ANOTADOS E COMENTADOS), Almedina, 2018, 2ª Edição Revista, Ampliada e Atualizada”.
(4) José Maria Fernandes Pires, “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, Almedina, 2016, pp. 488-509.
(5) António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, “Tributação do Património – IMI-IMT E IMPOSTO DE SELO (ANOTADOS E COMENTADOS), Almedina, 2018, 2ª Edição Revista, Ampliada e Atualizada”, pp. 667 a 673.
(6) O Código da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto-Lei nº41969, de 24 de Novembro de 1958 e que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1959, determinava a tributação das transmissões gratuitas quer nelas estivessem envolvidas pessoas singulares o pessoas colectivas.