Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:618/10.3 BELRS
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
EFICÁCIA DO ATAQUE À DECISÃO RECORRIDA
Sumário:I - Dispõe o artigo 635º, nos nºs 3 e 4, do CPC, respectivamente, que “Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente” e, bem assim, que “Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso”.

II - No caso, a procedência da oposição, na parte relativa às coimas, assentou unicamente na questão da falta de prova pela Fazenda Pública da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora e isso não foi atacado.

III - Como tal, sem atacar este juízo sobre a falta de cumprimento do ónus da prova da culpa na insuficiência do património, nunca a decisão da 1ª instância – na parte considerada – poderia ser alterada.

IV – No que toca à dívida de impostos, a reversão foi operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, preceito que pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que, nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

V – No caso, a AT não demonstrou o que lhe competia, isto é, que o revertido era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

VI – Contrariamente à posição sustentada pela AT, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

VII - A Fazenda Pública, a este propósito, limitou-se a invocar a condição de gerente nominal do Oponente relativamente à devedora originária. Tal invocação é manifestamente insuficiente, atento o ónus da prova que sobre a Fazenda recai quanto ao efectivo exercício da gerência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1- RELATÓRIO
A Fazenda Pública, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que considerou procedente a oposição deduzida por Fausto …………………, enquanto revertido, no âmbito da execução fiscal nº ……………….e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade V………. – Vedações ……………….., Lda., para a cobrança coerciva de dívidas de IRC e Coimas, no montante total de € 23.761,06, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:
A. In casu, com elevado respeito pelo respeitoso areópago a quo, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 23.º, 24.º, n.º 1, al. a) e b) e art. 74.º ambos da LGT; art. 153.º e al. b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT; arts. 342.º, 344.º, 349.º e 350.º do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT, assim como
B. Deveria ter sido devidamente considerado e valorizado o teor da Informação de fls. 90 do PEF e da Certidão do Registo Comercial da devedora originária, junto aos autos e a motivação de facto plasmada no douto aresto a quo, a fls. 8.
C. Tudo assim, devidamente condimentado com o Princípio da Legalidade, conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que,
D. Se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pela Recorrida, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela legitimidade da Oponente para figurar enquanto executada, por reversão, nos processos de execução fiscal n.ºs ………………….. (e apensos) cuja dívida exequenda se cifra em EUR 23.761,06 euros, tal como infra melhor se explanará.
E. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida, a qual, faz parte integrante dos presentes autos, fazendo, por isso, uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos, mormente das normas legais supra vazadas ao corpo factual do caso em apreço.
F. Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado nos itens 17º ao 35.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.
G. Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o areópago a quo, preconizou erro de julgamento.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
CONCOMITANTEMENTE, Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada
JUSTIÇA!
*
O Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos:
A)- Não se mostra violado o princípio da legalidade, aplicando o MM. Juiz a quo com a devida acuidade o escopo do vertido nos artºs 23º, 24º nº 1, al. a) e b) e artº 74º ambos da LGT; artº 153º e al. b) do nº 1 do artº 204º do CPPT, artºs 342º, 344º, 349º e 350º do CCivil ex vi artº 2º , al. ad) da LGT”.
B)- Na douta sentença a quo, foi devidamente considerado e valorizado o teor da informação de fls 90 do PEF e da Certidão do Registo Comercial da devedora originária, juntas aos autos, por deles apenas resultar e assim ter sido considerada provada, a gerência de direito do Recorrido, conforme factos A), C) e E) dados como provados em III – Fundamentação da mesma Sentença.
C)- A Recorrente Fazenda Pública, não demonstrou de forma mínima o exercício da gerência de facto da sociedade “V............., Lda” pelo Recorrido.
D)- O objecto do recurso, deve ser restringido às questões de mérito proferidas sobre as dívidas resultantes do IRC do exercício de 2002, não podendo incidir sobre as dívidas respeitantes a coimas, por via do disposto no nº 1 do artº 8º do RGIT e inaplicabilidade do disposto no artº 24º nº 1, alínea. b) da LGT, cabendo assim à Recorrente em obediência do principio da legalidade, para além da prova da gerência de facto do Recorrido, a prova de que foi por culpa do Recorrido que o património da sociedade se tornou insuficiente e efetivamente, atenta a destrinça entre as diferentes dívidas, a Recorrente na motivação e conclusões do recurso nada alegou relativamente a esta matéria.
E)- A procedência do Recurso, a verificar-se, conduziria a uma manifesta oposição de acórdãos, dado que, no Acórdão do TCA Sul, proferido em 07/05/2015 no processo nº ……………, em recurso interposto da sentença proferida pelo mesmo tribunal a quo, no processo nº ……….. da 2ª unidade orgânica, de oposição do Recorrido, com os mesmos fundamentos de facto e de direito, foi dito que, também naquele caso, a Fazenda Pública não havia demonstrado de forma mínima o exercício da gerência de facto da sociedade “V............., Lda” pelo Recorrido, sendo a prova testemunhal produzida em ambos os processos a mesma, dado que veio a ser aproveitada nos termos do despacho de fls 208 dos presente autos.
F)- Consequentemente, a sentença proferida pelo tribunal a quo, não preconizou erro de julgamento.
Nestes termos e nos mais de direito, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se a sentença nos precisos e exatos termos em que doutamente foi proferida, com as devidas consequências legais.
Concomitantemente,
Apelando-se a Vossas Excelências que façam de forma sábia a costumada JUSTIÇA.
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A EMMP emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.
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2 - Fundamentação

a) De facto

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) Por escritura de constituição de sociedade celebrada em 19.01.1984, foi constituída a sociedade “V............. – Vedações …………, Lda”, sendo seu gerente único Armindo ……………….. (cfr. doc. de fls. 32 a 40 dos autos).

B) Por escritura celebrada em 22.05.1986, foi aumentado o capital da sociedade “V............., Lda”, intervindo o Oponente como sócio gerente e em representação da sociedade “F. M. ……………, Lda”, passando esta a ser sócia daquela (cfr. doc. de fls. 42 a 49 dos autos).

C) O Oponente foi designado gerente da sociedade “V............. – Vedações ………………., Lda”, em 30.03.1989, pela ATA nº 9 da Assembleia Geral, conjuntamente com Horácio …………….. e Armindo dos Santos Lopes, este último gerente da sociedade desde a sua constituição em 1984 (cfr. fls. 22, 23 e 59 dos autos).

D) Por escritura celebrada em 27.12.2005, no Cartório Notarial de Lisboa, o Oponente, em representação da sociedade “F. M. ………………, Lda” cedeu a quota desta empresa na “V............., Lda” à sociedade “C…………. – Consórcio …………………., Lda”, sociedade representada por Armindo …………….. (cfr. doc. de fls. 74 a 85 dos autos).

E) Com efeitos a 31.01.2006, foram destituídos da gerência os gerentes identificados na alínea antecedente e designado único gerente Armindo ……………… (cfr. fls. 22 a 24 dos autos).

F) Em 31.07.2004 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 4, contra a sociedade “V............. – Vedações …………….., Lda” o processo de execução fiscal nº ……………………por dívida de IRC, juros de mora e juros compensatórios do exercício de 2002, no montante de 10.920,06€, tendo posteriormente sido apensos os processos de execução fiscal nºs …………….., ………………, ……………., ………………….. e ……………….., todos por dívidas de Coimas e encargos de processos de contra-ordenação, no montante total de 12.841,00€, perfazendo a quantia exequenda total o montante de 23.761,06€ (cfr. fls. 1 a 6 do PEF apenso).

G) Em 30.01.2009 foi proferido o seguinte despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4:


“FUNDAMENTAÇÃO DA REVERSÃO

Nos termos dos art.ºs 23.°, alínea b) do nº 1 do art. 24.° da L.G.T. a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão contra os responsáveis subsidiários, dependendo esta da diligência da insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal.

Pelas buscas e diligência efectuadas, não foram detectados bens ou rendimentos em nome do executado, concretamente, não é proprietário de bens imóveis, viaturas, contas bancárias ou outros tipos de rendimentos que possam servir de garantia para pagamento dos presentes autos. Consideram-se verificadas as condições para reversão da dívida contra os responsáveis subsidiários, constantes dos documentos oficiais - designadamente Registo na Conservatória e certidão de diligências, bem como Declarações de Rendimentos Modelo n.º 22 de IRC – Declarações Anuais de Rendimento - Visão do Contribuinte Relações Inter Pessoais, por Gerência de Facto, compreendendo o período da gerência e da divida e de acordo com o disposto nos artigos 23.°, alínea, b) nº 1 do art. 24.° da L.G.T., art. 8° do R.G.I.T. e art. 153.° e 160.° do C.P.P.T.” (cfr. fls. 7 do PEF apenso).

H) Em 02.03.2009 foi proferido despacho de reversão contra o Oponente com o seguinte teor:


“Processo de Execução Fiscal n.º………………….. e Aps

DESPACHO


Depois de notificados nos termos legais, os potenciais responsáveis subsidiários, Horácio ……………, NFC …………., reagiu à notificação de direito de audição prévia, conforme documento que antecede.

Fausto …………………, NFC ………….., não reagiu à notificação de audição prévia. Armindo …………….., NFC ………….., não reagiu à notificação de audição prévia.

1. Estão sujeitos à responsabilidade subsidiária os gerentes, conforme o disposto no n.º 1 do art. 24.° da LGT e nº 1 do art. 8° do RGIT;

2. São susceptíveis de constituir em responsabilidade subsidiária as dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 24.° da LGT e al. b) do nº 1 do art.º 8° do RGIT competindo ao contribuinte revertido a prova de que o não pagamento não lhe é imputável;

3. A prova referida no n.º anterior não foi demonstrada;

4. Horácio ………, NIF ………….., gerente de direito desde 30-03-1989 segundo a certidão de matrícula da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa é gerente da sociedade V............. VEDAÇÕES ……………………. LDA, NFC ……………… desde 30-03-1989.

Fausto ……………….., NFC …………….., designado gerente desde 30-03-1989.

Armindo …………………, NFC ……….., gerente desde 1985.

5. Verificada a gerência de direito, presume-se a gerência de facto, não sendo nesta fase processual o momento apropriado para a apreciação se a gerência nominal ou de direito corresponde efectivamente a uma gerência efectiva de facto.

6. O pagamento voluntário das dívidas terminou no período da sua gerência, ou seja:

7. ( Texto no original)

Face ao exposto, nada mais resta do que decidir que, constatada a inexistência de bens da originária devedora, tendo como fundamento legal o disposto no artigo 153°, n.º 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO contra os subsidiários responsáveis Armindo …………., Horácio ………… e Fausto ………………….. anteriormente identificados - artigo 24.° n.º 1 al. b) da Lei Geral Tributária e nº1 do art.º, 8° do RGIT;

Atenta a fundamentação supra, proceda-se à citação do (s) executado (s) por reversão, nos termos do art. 160.° do C.P.P.T. (Código de Procedimento e de Processo Tributário), tendo em atenção o disposto no artigo 191.° n.º 3 do mesmo código, para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º 5, do art. 23.° da L.G.T.).” (cfr. fls. 20 e 21 do PEF apenso).

I) O Oponente foi citado do despacho de reversão transcrito na alínea antecedente em 13.03.2009 (cfr. fls. 23 e 23-verso do PEF apenso).

J) A oposição foi apresentada junto do Serviço de Finanças de Lisboa 4 em 08.04.2009 (cfr. fls. 93 dos autos).

Factos não provados:

1 – Não foi provado que o Oponente alguma vez tivesse praticado qualquer ato de gerência efetiva na sociedade “V............. – …………… Tratadas, Lda”.


****

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

****

A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos, e ao PEF apenso.

Os depoimentos das testemunhas inquiridas acabou por não relevar, dada a falta de consistência nos mesmos, no sentido de que se revelaram de alguma forma genéricos, dispersos no tempo e com falta de concretização factual, não obstante permitirem induzir que o Oponente era um homem profissionalmente dedicado exclusivamente à sua empresa, “F. M. …………………., Lda”, para ela trabalhando no terreno como qualquer outro seu trabalhador, mas não esclarecendo cabalmente a existência de uma relação efetiva à sociedade “V............., Lda”.


*

b) De Direito

Como resulta evidente daquilo que para trás ficou exposto, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a oposição deduzida, por Fausto ……………., à execução fiscal nº …………………… e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade V............. – Vedações ……………., Lda, com vista à a cobrança coerciva de dívidas de IRC de 2002 e Coimas, tudo no montante de € 23.761,06.
Inconformada com tal decisão, a Recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional.

Ora, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta claro que a Fazenda Pública se insurge contra o decidido em 1ª instância quanto à ilegitimidade do Oponente para a execução fiscal nº ………………… e apensos que contra si reverteu.

Com efeito, analisando separadamente a responsabilidade do Oponente, no que toca, respectivamente, à dívida de (i) coimas e de (ii) IRC, a sentença recorrida concluiu o seguinte:

(i)“Por isso, por não estarem demonstrados os pressupostos da responsabilidade subsidiária, é de afastar a responsabilização do Oponente pelas dívidas de coimas em causa nos autos, por verificação do fundamento de oposição vertido da alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, ou seja, por ilegitimidade do Oponente, procedendo a oposição nesta parte”.

(ii)“Por todo o exposto, forçoso é considerar como demonstrada a ilegitimidade do Oponente no âmbito do processo de execução fiscal nº ………………….. e apensos, pela não verificação do pressuposto da gerência de facto, enquanto pressuposto fundamental da responsabilidade subsidiária, o que conduz à consideração do Oponente como parte ilegítima na execução fiscal que contra ele reverteu, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT”.

Ora, da leitura conjugada das conclusões da alegação de recurso e do corpo das alegações, é possível concluir que a Recorrente insurge-se contra o julgamento da matéria de facto, em particular quanto aos factos não provados, julgamento esse que permitiu o Tribunal concluir nos termos em que o fez quanto à ilegitimidade do Oponente.

Isso mesmo decorre da leitura conjugada da conclusão F) com os pontos 20º a 26º do corpo da alegação, nos quais a Recorrente faz expressa referência ao erro de julgamento quanto aos factos não provados, apelando à prova testemunhal produzida nos autos para sustentar que, in casu, o Tribunal errou ao concluir que “Não foi provado que o Oponente alguma vez tivesse praticado qualquer ato de gerência efetiva na sociedade “V............. – Vedações ……………………., Lda”.

Sem hesitações, dir-se-á que a pretensão do Recorrente de ver modificado o julgamento da matéria de facto (não provada) está inelutavelmente condenada ao insucesso.

Vejamos em detalhe o que nos leva a assim consideramos.

Importa ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas.

Na verdade, em tal preceito se dispõe que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Ora, a leitura da citada disposição legal, no confronto com as conclusões da alegação de recurso (e até, diga-se, mesmo considerando o teor das alegações), mostra à saciedade que a matéria de facto não foi impugnada de forma que, nos termos da lei, permita qualquer alteração da mesma. Com efeito, lida a globalidade da exposição recursória, e no que toca à produção de prova testemunhal, inexiste qualquer referência às passagens da gravação (ou a transcrição dos excertos considerados relevantes) em que pretensamente se funda o ataque ao julgamento de facto.

É, pois, evidente, face ao que ficou dito, que este esteio do recurso está incontornavelmente condenado ao insucesso, sendo inútil, por ser manifesto o não cumprimento do ónus de impugnação por parte da Recorrente, alongarmo-nos em considerandos adicionais a este propósito.

Também as considerações tecidas, na conclusão B), a propósito da Informação de fls. 90 do PEF e, bem assim, da Certidão do Registo Comercial da devedora originária, são absolutamente incapazes de sustentar qualquer alteração à matéria de facto, pois que, como é evidente, a afirmação segundo a qual “deveria ter sido devidamente considerado e valorizado o teor” de tais documentos pouco ou nada diz ao Tribunal.

Realce-se, aliás, que a fls. 90 do PEF nem sequer consta qualquer informação, correspondendo tal folha a uma das páginas da petição inicial de oposição à execução deduzida por Horácio Duarte Cevada, um outro revertido em processo executivo originariamente instaurado contra a sociedade V............. – Vedações …………………, Lda.

Já quanto à Certidão do Registo Comercial da devedora originária, é patente que o Tribunal a considerou no julgamento da matéria de facto, o que decorre claramente do teor dos factos provados correspondentes às alíneas C) e E).

Por conseguinte, atendendo ao exposto, improcede, em toda a linha, o invocado erro de julgamento da matéria de facto.


*

Avançando.

Antes de entramos na análise do recurso propriamente dito, façamos um esclarecimento inicial.

Na apreciação levada a efeito pelo TT de Lisboa, foram separadamente analisadas as questões da responsabilidade do oponente por dívidas de impostos e por dívidas de coimas.

Quanto à responsabilidade do revertido por dívidas decorrentes de IRC, a sentença que concluiu pela ilegitimidade do Oponente fez assentar a sua decisão unicamente na questão da falta de prova do exercício da gerência.

Já quanto à responsabilidade do revertido por dívidas decorrentes de coimas, a sentença que concluiu pela ilegitimidade do Oponente fez assentar a sua decisão na questão da falta de prova da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora.

Com efeito, a propósito das dívidas de coimas, lê-se na sentença, além do mais, que:

“Quanto ao regime da responsabilidade dos devedores subsidiários pelas dívidas por coimas da sociedade originária, o mesmo mostra-se definido no artigo 8º do RGIT nos seguintes moldes:


Artigo 8.° Responsabilidade civil pelas multas e coimas

1- Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;

b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

Esta norma determina, assim, que a responsabilidade subsidiária por dívidas de coimas originadas por factos ocorridos no período do exercício do cargo de gerente apenas existe “quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento” (a situação prevista na alínea b) reporta-se a coimas devidas por factos anteriores ao exercício do cargo) (cfr. acórdãos do STA de 04.02.09, no recurso nº 829/08 e de 24.03.2010, proc. nº 01216/09).

Ao abrigo do mencionado regime constante do artigo 8º, nº 1 do RGIT, para que o gerente/administrador de uma sociedade seja responsabilizado subsidiariamente pelo pagamento de coimas é necessário, antes de mais, que se prove a gerência de facto do mesmo (exercício efetivo do cargo por parte do gerente/administrador nomeado), sendo que o ónus da prova de tal factualidade compete ao órgão da execução fiscal.

Mas, para além da gerência de facto, “nos termos do nº 1 do artigo 8º do RGIT a responsabilidade subsidiária por coimas pressupõe a prova pela Administração Tributária da culpa do gerente na insuficiência do património societário, sendo certo que, ao contrário do que se passa em relação às dívidas abrangidas pela alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, o artigo 8.º n.º 1 do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa dos administradores ou gerentes, cabendo, pois, à administração tributária o ónus da prova de tal culpa como pressuposto necessário da efectivação dessa responsabilidade, prova essa que não foi feita” (cfr. acórdão do STA de 26.06.2013, proc. nº 0554/13; no mesmo sentido, veja-se o acórdão do STA de 30.04.2013, proferido no proc. nº 0175/13, entre muitos outros).

Ora, nos presentes autos o que se observa é que o órgão da execução fiscal não alegou sequer o preenchimento do pressuposto estabelecido naquela norma, como fundamento para a reversão, não sendo referido, nem demonstrado no despacho de reversão, que tenha sido por culpa do Oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para o pagamento das coimas, sustentando a reversão na consideração de que “(…) conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT e al. b) do nº 1 do artº 8º do RGIT competindo ao contribuinte revertido a prova de que o não pagamento não lhe é imputável” e de que essa prova não foi demonstrada (vd. despacho de reversão).

Só que, como antes se viu, no caso de responsabilidade subsidiária por coimas aplicadas no período do exercício da gerência, pressupostos de que a A.T. parte, não tem qualquer aplicabilidade o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT, nem o artigo 8º, nº 1, alínea b) do RGIT, já que é exclusivamente aplicável o regime estatuído neste artigo 8º, nº 1, alínea a), por se tratar de factos ocorridos na vigência da “imputada” gerência do revertido, pelo que o ónus da prova da culpa do Oponente incumbia ao órgão da execução fiscal.

Como se disse no acórdão do STA de 09.04.2014, proferido no processo nº 0341/13, em caso semelhante ao dos presentes autos, “No caso vertente, nada foi alegado pela administração quanto à culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade devedora ou na falta de pagamento das coimas que constituem a dívida exequenda, o que colocou a Fazenda Pública na impossibilidade de fazer a prova da culpa no processo de oposição”.

Ora, se bem lermos as conclusões da alegação de recurso, a verdade é que aí não encontramos uma alusão sequer às dívidas provenientes de coimas, nem tão-pouco à questão da falta de prova da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora.

Com efeito, todo o ataque ao decidido – sem autonomizar a diferente natureza de cada parcela que compõe a dívida exequenda – centra-se unicamente no exercício da gerência, em concreto no alegado erro cometido pelo TT de Lisboa ao não julgar provado o exercício da gerência de facto por parte do Oponente.

Ora, dispõe o artigo 635º, nos nºs 3 e 4, do CPC, respectivamente, que “Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente” e, bem assim, que “Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso”.

No caso, como é patente, a Recorrente não restringiu expressamente o objecto do recurso, resultando das suas palavras que ataca a sentença na sua globalidade, ou seja, toda a sua parte dispositiva e, como tal, a decisão de total procedência da oposição.

Poder-se-ia colocar a hipótese de, in casu, a delimitação do objecto do recurso ter sido feita implicitamente, concretamente por não ter sido atacada a questão na qual a sentença fez assentar a procedência da oposição na parte relativa às coimas, ou seja, a referida falta de prova da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora.

Contudo, entendemos que esta possível leitura não é acertada em face da formulação adoptada no recurso, designadamente onde aí se afirma o inconformismo com a sentença e, bem assim, a pretensão de ver ser “concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais”.

O que acontece, porém – e isso é, para nós, incontornável - é que o ataque à sentença recorrida, na parte em que julgou procedente a oposição quanto às dívidas de coimas, é manifestamente imprestável (por ineficaz) para o fim visado de obter a revogação do decidido.

É que, como está bom de ver, cingindo-se todo o percurso argumentativo espelhado no recurso jurisdicional ao erro da sentença quanto à não consideração da prova da gerência de facto da devedora originária, a verdade é que, ainda que tal gerência de facto se viesse a considerar provada, tal não levaria ao provimento do recurso na parte visada (quanto às coimas).

Na verdade - repete-se - a procedência da oposição, na parte relativa às coimas, assentou unicamente na questão da falta de prova pela Fazenda Pública da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora e isso, repete-se, não foi atacado.

Como tal, sem atacar este juízo sobre a falta de cumprimento do ónus da prova da culpa na insuficiência do património, nunca a decisão da 1ª instância – sublinhe-se, na parte aqui considerada – poderia ser alterada.

É manifesto, quanto à decisão sobre as coimas, que, inexistindo específica crítica à legalidade da sentença que justifique a sua apreciação pelo Tribunal Superior, deve concluir-se pelo trânsito em julgado da mesma decisão.

Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, atenta a manifesta ineficácia do ataque à decisão recorrida, há, desde já, que julgar improcedente o presente recurso jurisdicional na parte em que aí se pretendia ver revogada a sentença no esteio que julgou procedente a oposição deduzida com respeito à dívida de coimas.


*

Com isto dito, avancemos.
Está já apenas em apreciação a sentença do TT de Lisboa na parte em que aí se decidiu pela procedência da oposição quanto à dívida relativa a impostos, no caso IRC do exercício de 2002.
Ora, apreciando a ilegitimidade do revertido quanto à dívida proveniente de IRC, a procedência da oposição assentou, em síntese, no seguinte discurso argumentativo que se transcreve:
“(…) O órgão da execução fiscal, vem no despacho de reversão invocar de forma expressa e, ao que parece, indubitável, que “verificada a gerência de direito, presume-se a gerência de facto” (ponto 5 do despacho de reversão), o que, como supra se viu, não tem qualquer apoio legal e muito menos doutrinal ou jurisprudencial. Mas tal conclusão permite inferir, com toda a certeza, que então o órgão da execução fiscal, bastou-se com a comprovação da gerência de direito para considerar verificado o pressuposto legal da gerência de facto. E de facto, assim não se pode deixar de concluir, porquanto a A.T., para além de não ter carreado qualquer elemento factual de prova do exercício de facto da gerência por parte do Oponente, nem ter logrado demonstrar ter tentado diligenciar no sentido de apurar esse efetivo exercício, o que lhe cabia a si fazer, nem sequer chegou a alegar e a invocar o exercício da gerência de facto por parte do Oponente.
Pelo contrário, o órgão da execução fiscal ainda tratou de deixar bem vincada a sua posição de que não é na fase processual da reversão “o momento apropriado para a apreciação se a gerência nominal ou de direito corresponde efectivamente a uma gerência efectiva de facto”.
Assim, resulta de tal posição o entendimento do órgão da execução fiscal de que apenas compete à A.T. efectuar a reversão sem aferir dos pressupostos legais para o efeito, posição que se estranha, e que não pode ser aceite por manifestamente desprovida de sentido e de sustentação legal.
E uma vez mais, tanto bastaria para que se tivesse por dado como não comprovado o pressuposto legal de efetivação da responsabilidade subsidiária consistente no exercício da gerência de facto do Oponente, conducente à ilegitimidade deste.
(…)
Por todo o exposto, forçoso é considerar como demonstrada a ilegitimidade do Oponente no âmbito do processo de execução fiscal nº …………………….e apensos, pela não verificação do pressuposto da gerência de facto, enquanto pressuposto fundamental da responsabilidade subsidiária, o que conduz à consideração do Oponente como parte ilegítima na execução fiscal que contra ele reverteu, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT”.
Vejamos, então, desde já se adiantando que a decisão recorrida, no sentido da procedência da oposição com base na ilegitimidade, não nos merece qualquer censura.

Vejamos as razões para assim concluirmos.

Tal como resulta da matéria de facto, o oponente, ora Recorrido, foi designado gerente da sociedade “V............. – Vedações de …………….., Lda”, em 30/03/89, pela acta nº 9 da Assembleia Geral, conjuntamente com Horácio …………. e Armindo …………….., este último gerente da sociedade desde a sua constituição em 1984. Por seu turno, resulta também dos factos provados que, com efeitos a 31/01/06, foi destituído da gerência o executado, Fausto …………, tendo sido designado gerente único da V............., Lda o Sr. Armindo …………………….

Ora, a AT reverteu a execução fiscal contra a Fausto …………………. com base na gerência de facto da apontada sociedade comercial V............. – Vedações …………., Lda., invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT.

Nos termos de tal preceito, temos que:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

(…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Como é evidente, a reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

É para nós claro, como o Tribunal a quo abundantemente evidenciou, que a AT não demonstrou minimamente o que lhe competia, isto é, que o revertido era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Ora, da factualidade apurada apenas resulta – repita-se – que o oponente foi designado gerente da sociedade “V............. – Vedações ………….., Lda”, em 30/03/89, e, bem assim, que, com efeitos a 31/01/06, foi destituído da gerência da sociedade, tendo sido designado gerente único da V............., Lda o Sr. Armindo …………….

Daquilo que se trata, no que vem evidenciado, é da gerência de direito.

Na verdade, rigorosamente nada foi alegado (e, consequentemente, provado) com interesse para a conclusão sobre o exercício da gerência de facto por banda do Fausto ...... Aliás, no caso, a matéria de facto não provada é inequívoca no sentido de evidenciar que “Não foi provado que o Oponente alguma vez tivesse praticado qualquer ato de gerência efetiva na sociedade “V............. – Vedações e ………….., Lda”.

Em boa verdade, a Fazenda Pública, a este propósito, limitou-se a invocar a condição de gerente nominal do Oponente relativamente à devedora originária, na linha, aliás, do entendimento do Serviço de Finanças que, aquando da reversão, considerou que “Verificada a gerência de direito, presume-se a gerência de facto …”. Tal invocação, nos termos já expostos, é manifestamente insuficiente, atento o ónus da prova que sobre a Fazenda recai quanto ao efectivo exercício da gerência.

Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT.

Em face de tudo o que vem dito e tendo presente o circunstancialismo fáctico que subjaz à oposição/ recurso em análise, constata-se que ficou por demonstrar uma realidade susceptível de evidenciar o exercício efectivo dos poderes de gerência por parte do ora Recorrido, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a FP que recaia o ónus de provar o exercício da mesma (no caso, repita-se, foi considerado não provado precisamente o contrário da gerência efectiva).

Não se provando o exercício efectivo da gerência, o qual é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão, é evidente que só se pode manter a sentença recorrida que julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.

Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerandos, para concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, impondo-se, como tal, confirmar a decisão sindicada, negando-se provimento ao recurso jurisdicional em análise.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 07/06/18


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Lurdes Toscano)

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(Joaquim Condesso)