Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1238/21.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/10/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores: RAOEF
PRESCRIÇÃO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos alegados, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, que, nos termos do disposto nos artigos 13° do CPPT e 99° da LGT, deve o Juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade e de que oficiosamente pode conhecer.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A A., Lda., não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida, contra o ato de indeferimento do pedido de prescrição da dívida em cobrança coerciva, praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 2, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 360..., no valor total de € 76.724,82, dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

Subiram os autos ao Supremo Tribunal Administrativo que, por decisão sumária de 13 de janeiro de 2022, se declarou incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, sendo competente para esse efeito a Seção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido.

Nas alegações de recurso apresentadas, a recorrente, A., Lda., formula as seguintes conclusões:

A) A douta sentença recorrida julgou improcedente o pedido de prescrição da dívida exequenda.

B) Improcedência do pedido que o Tribunal “a quo” fundamentou, nomeadamente, nos seguintes termos: por um lado, no teor do texto do n° 1 do artigo 3° do Regulamento (CE, EURATOM) n° 2988/95 do Conselho de 18/12/1995 e por outro lado, no probatório da douta sentença recorrida, reproduzido na sua página 10.

C) Douta sentença recorrida que, no entanto, incorre em erro de julgamento de direito e enferma de défice instrutório, pelos seguintes fundamentos:

D) O primeiro fundamento pelo qual a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento reside na qualificação como facto interruptivo da prescrição a solicitação, em 29/11/2016, da realização de diligências e a solicitação, em 5/9/2017, da junção de documentos e da prestação de esclarecimentos que a recorrente não efetuou.

E) Por um lado, não consta da matéria provada da douta sentença recorrida que, em 29/11/2016, e, em 5/9/2017, tenham sido feitas as solicitações para realização das diligências e junção de documentos e a prestação de informações.

F) Por outro lado, o segundo parágrafo do n° 1 do artigo 3° do Regulamento 2988/95 qualifica como facto interruptivo a instauração ou instrução de procedimento por irregularidade, ou seja, para que ocorra facto interruptivo são necessários, pelo menos dois elementos indissociáveis entre si: um dos elementos é que o teor da notificação remetida ao destinatário informe expressamente que se trate de procedimento por irregularidade e o outro elemento é que a notificação chegue ao conhecimento do destinatário e que seja feita prova do conhecimento por parte do destinatário.

G) Deste modo, não existindo prova ou de ter sido dado conhecimento ao destinatário ou de que a notificação informa expressamente que se trata de procedimento por irregularidade, não ocorre o efeito interruptivo, na medida em que, nos termos do n° 1 do artigo 323° do Código Civil “a prescrição interrompe- se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

H) Em conclusão, da conjugação do regime legal do n° 1 do artigo 323° do Código Civil com o do segundo parágrafo do n° 1 do artigo 3° do Regulamento 2988/95, comprova-se que nem a solicitação de 29/11/2016 nem a de 05/09/2017 constituem facto interruptivo da prescrição.

I) O segundo fundamento pelo qual a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento reside no facto de ter dado como provado que “em 05-09-2017, a Autoridade de Gestão do PDR 2020 remeteu-lhe ofício refª OFC/861/2017/OP/PDR, referente aos incumprimentos citados no ponto anterior” e “em 02/08/2018 foi notificada para efeitos de audiência prévia sobre a intenção do IFAP solicitar a devolução da quantia exequenda e remeteu-se ao silêncio, sendo em 24/09/2018 notificada da respetiva decisão final”, sem que, no entanto, não tenha declarado a prescrição da dívida.

J) Assim, não consta da matéria provada da douta sentença recorrida que as notificações datadas de 05-09-17, 02/08/2018 e 24/09/2018 tenham chegado ao conhecimento da recorrente.

K) Deste modo, não constando da matéria provada da douta sentença recorrida que as notificações datadas de 05-09-17, 02/08/2018 e 24/09/2018 chegaram ao conhecimento da recorrente incorre em erro de julgamento, na medida em que, não existindo prova de ter sido dado conhecimento ao destinatário não se verifica o respetivo efeito interruptivo, pois, nos termos do n° 1 do artigo 323° do Código Civil “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

L) Em conclusão, da conjugação do regime legal do n° 1 do artigo 323° do Código Civil com o do segundo parágrafo do n° 1 do artigo 3° do Regulamento 2988/95 conclui-se que as notificações datadas de 05-09-17, 02/08/2018 e 24/09/2018 não constituem facto interruptivo da prescrição.

M) O terceiro fundamento pelo qual a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento reside no facto da inexistência de prova de que as notificações datadas de 05-09-17, de 02/08/2018 e de 24/09/2018 chegaram ao conhecimento da recorrente e atendendo a que os pagamentos das ajudas comunitárias foram efetuados à recorrente em 27-02-13, 30-05-13 e 30-10-13 significa que, à data da citação, ocorrida em 12/10/2020, a dívida exequenda já se encontrava prescrita pelo decurso do prazo de quatro anos previsto no n° 1 do artigo 3° do Regulamento 2988/95.

N) Mas se assim não se entender, o que apenas por necessidade de patrocínio se admite, sempre se dirá que, em 05/09/2017 já se encontrava prescrita a dívida relativa aos pagamentos das ajudas comunitárias ocorridas em 27-02-2013, no montante de € 30.000,00 e em 30-05-2013, no montante de € 23.965,50, na quantia global de € 53.965,50 e respetivos juros.

O) A douta decisão recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do nº 1 do artigo 3º do Regulamento 2988/95 e do nº 1 do artigo 323º do Código Civil.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida e ordenando-se a extinção da totalidade da execução fiscal, ou assim não se entendendo, ser ordenada extinção da execução quanto à quantia de € 53.965,50 e respetivos juros.»


Não foram apresentadas contra-alegações.

Os autos foram com vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos dado o carácter urgente do processo, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se a sentença incorreu em erro de julgamento quanto na apreciação da matéria de facto vertida na sentença relativas a o Recorrente ter sido notificado das diligências efetuadas pela Entidade Administrativa e que se considerou como causas interruptivas do decurso do prazo prescricional.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

I. A. Em 24/09/2018 o IFAP endereçou à Reclamante oficio com o seguinte teor:



(cfr. fls. 47 a 50 dos autos).

II. Em 30/08/2020 o IFAP emitiu em nome do Reclamante, certidão de dívida onde consta, designadamente, o seguinte:

(cfr. doc. de fls. 46 dos autos).

III. Em 12/10/2020 a Autoridade Tributária e Aduaneira endereçou à Reclamante, citação pessoal, para o processo de execução fiscal n.º 360..., instaurado por divida de subsidio do ano de 2008 no montante de 70.958,68 – (cfr. fls. 45 dos autos).

IV. Em 17/02/2021, a Reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças a declaração de prescrição da divida exequenda. – (cfr. doc. de fls. 21 a 26 dos autos).

V. Em 28/06/2021 o Serviço de Finanças, prestou informação onde consta, além do mais, o seguinte:

“Vem a A.LDA, solicitar a prescrição da dívida e consequente anulação do processo de execução fiscal.
Cabe informar que, o processo de execução fiscal 360..., foi instaurado para cobrança coerciva da certidão de divida emitida pelo IFAP, I.P.
O requerimento foi remetido para o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IFAP I P. a 12.04.2021.
Em respostas ao nosso oficio o IFAP I P informou que não se encontram reunidos os requisitos que permitam considerar o procedimento como prescrito.
E solicitou o prosseguimento da execução, com vista à cobrança da divida em apreço.

Documento em anexo.”. - (cfr. fls. 79 dos autos).

VI. F. O documento anexo a que se refere a informação descrita na alínea anterior tem o seguinte teor:

“Acusamos a receção do V/ mail datado de 12/04/2021, através do qual veio esse Serviço de Finanças remeter requerimento apresentado pela mandatária da executada supra referenciada no qual é solicitada a prescrição da divida e consequente anulação do processo de execução fiscal, solicitando a este instituto que aprecie os fundamentos do requerido e emita o correspondente parecer.

Analisado o conteúdo do requerimento, bem como os factos inerentes à reposição ora em apreço e, bem assim, o direito aplicável ao presente caso, cumpre-nos esclarecer o seguinte:

1 - A execução em análise resulta do facto de não ter sido liquidada voluntariamente a quantia considerada como indevidamente recebida pela beneficiária no âmbito da operação supra identificada.

2 - Trata-se de uma dívida resultante de um recebimento indevido de uma ajuda comunitária, pelo que, e atendendo a que a ajuda em causa provém de fundos comunitários, o Estado Português encontra-se obrigado a agir na defesa dos interesses institucionais e financeiros da União Europeia, promovendo a recuperação da ajuda indevidamente recebida.

3 – Ora, tendo presente o disposto no Regulamento (CE) n.º 2988/95, a diversa jurisprudência emanada pelos tribunais superiores e o da U.E. sobre esta matéria, a interpretação que o IFAP, IP faz da mesma e tendo ainda em conta o caso específico ora em análise, consideramos que, tendo em particular atenção que se trata de um contrato plurianual e ainda, tendo presente que a data de termo da operação apenas ocorreu em 15/02/2018 e a audiência escrita data de 02/08/2018, não se encontram reunidos os requisitos que permitam considerar este procedimento como prescrito.

4 - A mandatária da beneficiária invoca ainda a prescrição da dívida tendo por base o prazo prescricional previsto no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, que estabelece o regime da administração financeira do Estado e que determina, no seu art.º 40.º, n.º 1 que "A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento. "

5 - Todavia, e resultando a dívida em causa do pagamento de uma ajuda proveniente de fundos comunitários, não é aplicável o invocado Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, que respeita, por sinal, ao regime de administração financeira do Estado ou a Lei Geral Tributária.

6 - Assim sendo, tendo em conta o acima exposto, solicita-se que diligenciem no prosseguimento da execução com vista à cobrança da dívida em apreço.”. – (cfr. fls. 58 e 59 dos autos).

VII. Em 29/06/2021 o Chefe do Serviço de Finanças proferiu despacho com o seguinte teor:

“O pedido apresentado com vista no reconhecimento de prescrição, conforme pronuncia da entidade exequente, não tem o enquadramento legal alegado, no artigo 40º do DL 155/92.

Considerou ainda que tratando-se de um contrato plurianual com operações em 2018, está afastada a prescrição requerida.

Indefiro o pedido.

Notifique com menção de que contra as decisões do órgão de execução fiscal pode ser apresentada reclamação nos termos do artigo 276º do CPPT.”. - (cfr. fls. 40 dos autos).»



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Inexistem outros factos cuja não prova releve para a decisão a proferir.»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes destes autos, conforme se refere em cada alínea do probatório.»





II.2 Do Direito

O Reclamante e ora Recorrente solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças a declaração de prescrição da dívida exequenda cujo pagamento coercivo lhe está a ser exigido no processo de execução fiscal (PEF) nº 360..., instaurado com base em certidão de dívida emitida pelo IFAP, IP – Instituto Financeiro de Agricultura e Pescas, relativa à reposição de verbas de incentivos financeiros concedidos no âmbito do contrato de concessão ao abrigo do PRODER – Ação 1.1.3 – instalação de Jovens Agricultores.

Notificado do despacho do Chefe de Finanças que indeferiu o requerido e declarou a dívida não prescrita, veio reclamar judicialmente desse despacho.

Notificado da sentença que indeferiu a reclamação dela veio interpor recurso alegando, em suma, deficit instrutório, porquanto não foram levados ao probatório factos que na apreciação do direito foram considerados como verificados e interruptivos do prazo prescricional em curso, relativos: (i) no procedimento administrativo terem sido solicitados à ora Recorrente diligências e esclarecimentos, que esta não prestou; (ii) ter sido notificada em audiência prévia da intenção do IFAP de solicitar a devolução da quantia exequenda, bem como da respetiva decisão final.

Vejamos, então se a sentença merece a crítica que lhe foi feita.

A sentença recorrida faz um enquadramento da questão, nos seguintes termos:

A dívida em causa respeita a subsidio à agricultura ao abrigo de programa de ajudas comunitárias PRODER.
A Comunidade Europeia, através do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95 do Conselho de 18/12/1995 visou implementar um regime de controlo e proteção dos interesses financeiros da Comunidade Europeia relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário.
Aqui se prevê, no que releva para o caso dos autos, no seu artigo 3.º que “1 O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.º 1 do artigo 1.º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.
O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.
A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.
Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.º 1 do artigo 6.º.
2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se toma definitiva.
Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional. (…).”.
Estes prazos são aplicáveis ao caso dos autos, perante a ausência de disposições de direito interno que prevejam prazos especiais para o efeito.
Conforme se diz no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03/07/2019, prolatado no proc.º 02528/08.5BEPRT 01625/15, “I - Nos termos do art. 3º, n.º 1 do Regulamento (CE/Euratom) 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento visando a aplicação de sanções e a restituição de ajudas comunitárias irregulares, no âmbito da política agrícola comum, é de quatro anos, prazo este aplicável ao caso dos autos por inexistir no direito interno um prazo especialmente previsto para o efeito.
II - Nos termos do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento (CE/Euratom) 2988/95, o prazo de execução da decisão que aplica a sanção ou medida administrativa é de três anos, contado desde o dia em que a decisão se torna definitiva, sendo esse prazo objecto de interrupção ou suspensão nos termos das disposições pertinentes do direito nacional.
III - Os prazos previstos no citado Regulamento são aplicáveis ao caso dos autos, na ausência de disposições de direito interno que prevejam prazos especiais para o efeito.”
IV – No caso dos autos não foi observado o prazo para a execução da decisão do IFAP que ordenou a restituição da ajuda comunitária (art. 3.º n.º 2 do Regulamento), pelo que está prescrito o direito de executar a dívida a qual é inexigível, sendo procedente a oposição.”.


Considerou a sentença recorrida que o prazo de prescrição aplicável ao caso era o prazo de quatro anos previsto no artigo 3/1 do Regulamento nº 2988/95, de 1995.12.18, citando e seguindo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

Com efeito, a certidão extraída e que serviu de base à instauração do processo de execução fiscal refere que a dívida tem origem em subsídios concedidos no âmbito da Ação “Instalação de Jovens Agricultores”, do Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, (PRODER), sendo essa Ação regulada pelo Regulamento (CE) n.º 1698/2005, de 20/09 e a nível nacional, pela Portaria n.º 357-A/2008, de 09/05, pelo que é aplicável ao caso o disposto no Regulamento (CE – Euratom) n.º 2988/95, do Conselho, que regula a matéria da prescrição relativa a irregularidades no âmbito das ajudas comunitárias.
Assim, interessa ter presente que o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade, e que a prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente, tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade.

Todavia, como é jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo, da qual se cita o Ac. STA de 2021.10.27, Proc. nº 094/13.9BEVIS, disponível em www.dgsi.pt, há que distinguir entre a prescrição do procedimento administrativo e o prazo de execução do ato que aplica a medida ou a sanção:

Acontece que independentemente de se concluir que o Tribunal recorrido conheceu da prescrição do procedimento administrativo e de que tal matéria não cai no âmbito da oposição à execução fiscal, tendo em conta os fundamentos taxativos fixados no artigo 204.º do CPPT (questão que foi colocada ao Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial e que se encontra ainda pendente, designadamente nos processos 03138/12.8BEPRT, 01074/17.0BELRA), o certo é que, como refere o Ministério Público no seu douto parecer, a sentença é de manter.
Na verdade, o artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento 2988/95 (que dispõe: «O prazo para a execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este Prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva»), prevê um prazo de três anos para a administração executar o ato, contado do dia "em que a decisão se torna definitiva", prazo este cujos casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional - cf. acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17/09/2014, processo C-341/13, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 03/05/2018, proferido no processo 0337/18, e de 08/09/2021, proferido no processo 0919/15.4BECBR (consultáveis em www.dgsi.pt).

E como este Tribunal já sustentou no acórdão de 29/03/2017, proferido no processo 0583/16 (consultável em www.dgsi.pt), o artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento 2988/95 é aplicável tanto no caso de uma medida como uma sanção.

Assim, a administração tem o prazo de três anos para executar decisão de reposição das ajudas, contado do momento em que ela se torna definitiva, sob pena de a dívida prescrever, o que é do conhecimento oficioso, com enquadramento na alínea d) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT. E se concluirmos que ele se esgotou, torna-se inútil saber se já antes se tinha verificado a prescrição do procedimento administrativo e se tal matéria podia ser apreciada em sede de oposição à execução fiscal.


Vejamos, então:

Diz a sentença recorrida no segmento que aqui interessa:

Ora, de acordo com o probatório, a Reclamante celebrou o contrato de financiamento em 23/01/2013 e recebeu os valores correspondentes ao prémio à primeira instalação de € 30.000,00 em 27/02/2013, o valor de € 24.965,50 em 30/05/2013 e em 30/10/2013 o montante de € 15.993,18, sendo estes os momentos em que foi praticada a irregularidade por não ter sido cumprido o prazo de execução da operação e a data a partir da qual se inicia a contagem do prazo de prescrição de 4 anos a que se refere o art.º 3.º, n.º 1 do referido Regulamento (CE, EURATON) n.º 2988/95 do Conselho de 18/12/1995.
Em 29/11/2016 foi solicitado à Reclamante a realização e diligências, nada tendo feito, e em 05/09/2017 foi-lhe solicitado novamente a junção de documentos e a prestação de esclarecimentos que não efetuou.
Em 02/08/2018 foi notificada para efeitos de audiência prévia sobre a intenção do IFAP solicitar a devolução da quantia exequenda e remeteu-se ao silêncio, sendo em 24/09/2018 notificada da respetiva decisão final.
Ora, tendo presente esta factualidade e que a prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento ao visado, emanado pelo IFAP, tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade, reiniciando-se a contagem de novo prazo de prescrição, é seguro que, contrariamente ao alegado pela Reclamante, a prescrição do procedimento não se verificou.
Verificando-se também que em 24/09/2018 foi proferida a decisão definitiva, não há lugar à aplicação da regra de que a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção.
Por outro lado, nos termos do n.º 2 do normativo em apreço, o prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos, contando-se desde o dia em que a decisão se toma definitiva.
No caso dos autos, como se viu, em 24/09/2018 foi remetida à Reclamante notificação da decisão definitiva que determinou a devolução da quantia exequenda, para a pagar em 30 dias a contar dessa notificação.
Em 01/08/2020 foi extraída a certidão de divida e, instaurada a execução fiscal foi expedida carta de citação da Reclamante em 12/10/2020, facto com potencial interruptivo de acordo com o direito nacional para o qual remete o n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento em causa (n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil).
Portanto, neste particular, é também segura a conclusão que a prescrição da execução da decisão não ocorreu, improcedendo, assim, a presente reclamação in totum, sentido em que se decidirá de seguida

A matéria de facto dada como assente e supra transcrita é, no essencial, relativa ao conteúdo da certidão de dívida emitida e documento que a acompanha [alíneas A) e B) dos factos provados], à citação do executado para os termos do processo de execução fiscal [alínea c) dos factos provados], o ofício de resposta do IFAP, IP, à solicitação do Chefe de Finanças em que foi apreciado o pedido de prescrição da dívida, [alínea F) dos factos provados] e ao despacho reclamado que se transcreve na alínea G) dos factos provados.

Precise-se que na alínea A) dos factos provados diz-se: em 24/09/2018 o IFAP endereçou à Reclamante oficio com o seguinte teor: (…) passando-se de seguida a transcrever o documento.

Todavia, e como alegado, não se deu como provado que o ofício foi enviado e levado ao conhecimento do visado, como ou por que meio o foi, se por correio simples, se por correio registado, se por qualquer outra via, nomeadamente eletrónica e sobretudo que o mesmo tenha sido recebido pelo destinatário e menos ainda quando teria sido rececionado por este.

E, o Reclamante, ora Recorrente nega ter tido conhecimento destas diligências.

Perante o que ficou exposto, tem de se considerar que a matéria relacionada com as diligências efetuadas e mormente com o ter sido dado conhecimento ao interessado, com efeitos interruptivos do prazo de prescrição do procedimento, não está suficientemente esclarecida quer em relação ao alcance que a decisão recorrida lhe confere quer no que diz respeito à pertinência da crítica formulada pela Recorrente neste âmbito.


Com efeito, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos alegados, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, que, nos termos do disposto nos artigos 13° do CPPT e 99° da LGT, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade e de que oficiosamente pode conhecer.

Ora, não foram juntos os documentos que comprovam ter sido solicitado à Reclamante em 2016.11.29 a realização de diligências, e em 2017.09.05 a notificação para junção de documentos e a prestação de esclarecimentos vários.

Também não foi junto nem solicitado o comprovativo de notificação para efeitos de audição prévia da Reclamante, ora Recorrente, em 2018.08.02 sobre a verificação da irregularidade e da intenção do IFAP solicitar a devolução da quantia exequenda nem de em 2018.09.24 ter sido notificada da decisão final. Nem, aliás, do seu recebimento pela Reclamante, ora Recorrida.

Contudo, para aferir da prescrição, era, pois, necessário verificar a data em que a decisão se tornou definitiva e esse elemento deveria ter sido solicitado à Exequente.

Na verdade, e como referido, a Administração dispõe do prazo de três anos para a execução da decisão que aplica a sanção administrativa contados estes desde o dia em que a decisão se torna definitiva, ou seja, revela-se necessária a junção do processo administrativo integral, existente no IFAP, IP, e que contenha todos os elementos necessários, designadamente os referidos.

Cabe, assim, concluir que o julgamento da matéria de facto, padece de défice instrutório, existindo, pois, possibilidade de a produção da prova em falta implicar diferente cenário factual, que o que foi considerado, com possibilidade de repercussão no sentido da decisão de mérito da causa.

Com efeito, tendo sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para a boa decisão da causa, deve a sentença ser anulada e ordenada a baixa do processo ao Tribunal a quo para serem devidamente instruídos com os elementos em causa, nomeadamente relativos à notificação da Reclamante e ora Recorrente e à data em que a decisão se tornou definitiva, que devem ser solicitados à Exequente.

Nesta conformidade, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito por défice instrutório impondo-se a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser apurada e fixada a matéria de facto pertinente e, após, ser proferida nova sentença.

Em consequência do exposto, impõe-se concluir pela procedência do recurso, resultando assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas [artigo 608/2 CPC aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT].




III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.

Sem custas.

Lisboa, 10 de março de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha
Vital Lopes