Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:110/13.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO;
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO;
IVA.
Sumário:Estando demonstrado que em momento anterior à prolação da decisão que aplicou a coima, foi apresentada declaração de substituição de IVA, com observância dos termos legais, esta decisão teria que considerar o valor do montante apurado na declaração de substituição que a Administração Tributária, para cálculo da coima a aplicar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO


A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA, que julgou procedente o recurso interposto pela sociedade denominada «S…………………….., LDA» da decisão da Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 3 (Algés) que, em 28 de Novembro de 2012, determinou a sua condenação ao pagamento de coima no montante de € 13.839,27, pela prática de uma contraordenação prevista e punida no n.º 2 do art.º 114.º e n.º 4 do art.º 26.º do RGIT. e, em consequência, anulou a decisão recorrida, ordenando a baixa dos autos à autoridade administrativa, para que proferir decisão de aplicação de coima tendo em consideração os limites mínimos e máximos abstractamente aplicáveis de 30% e 100% de € 25.907,31 referente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado relativo ao período de Janeiro de 2012, nos termos dos n.ºs 1 e 2 e alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º e n.º 4 do art.º 26.º do RGIT.

A Fazenda Pública, terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. Ao determinar a nulidade da decisão de aplicação de coima, incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento.
B. O recorrido apresentou em 07.03.2012, a declaração periódica respeitante ao período de 2012/01, tendo resultado imposto a favor do Estado, no montante de €41.521,98, não tendo realizado o respectivo pagamento, no prazo previsto por lei.
C. Em 08.05.2012 veio o contribuinte apresentar uma declaração periódica de substituição respeitante ao mesmo período – 2012/01 – tendo resultado imposto a favor do estado de € 25.907,31.
D. Entendeu o douto Tribunal que para efeitos de aplicação do disposto do artigo 114.º do RGIT, que o montante que releva, para o cálculo da coima é o de €25.907,31 e não de €41.521,98.
E. Ressalvando sempre o devido respeito, por opinião contrária, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento.
F. No caso em apreço, o facto gerador da contraordenação ocorreu no dia 12.03.2012, ou seja, na data limite para a entrega do montante resultante da apresentação da declaração periódica de IVA.
G. Atendendo à data em que ocorreu o facto, o único montante que poderia ser atendido para efeitos de cálculo da coima era o de €41.521,98 e nunca o montante de €25.907,31.
H. Até porque, à data em que ocorreu a contraordenação, era impossível prever que o contribuinte iria proceder à entrega de uma declaração de substituição em data posterior.
I. Com o devido respeito que é muito, andou mal a douta sentença ao actuar com alguma ligeireza na ponderação e apreciação desta questão.
J. Termos em que, tendo a decisão recorrida decidido como decidiu, violou o disposto nos artigos 26.º e 114.º do RGIT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a reclamação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!»

**

A S…………………………, S.A. contra-alegou, pugnando, a final, pelo não provimento do recurso e pela manutenção da sentença.

**

O MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal Central Administrativo Sul, emitiu Parecer onde conclui no sentido de ser negado provimento ao recurso.


**

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

**

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412º, nº 1, do C.P.Penal, “ex vi” do artigo 3º, al.b), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), e do artigo 74º, nº4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCO), aprovado pelo Decreto – Lei n.º 433/82, de 27/10).
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida fez ou não correcta interpretação e aplicação dos normativos constantes dos artigos 26.º e 114.º ambos do RGIT.


**

III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
« a) No dia 7 de Março de 2012, a Recorrente apresentou, via internet, a declaração periódica de Imposto sobre o Valor Acrescentado, relativa ao período de Janeiro de 2012, e na qual, nomeadamente, declarou imposto a entregar ao Estado no valor de € 41.521,98 – Cfr. documento junto à petição de recurso, a fls. 19 do documento registado no SITAF sob o n.º 005251786;
b) Até ao dia 12 de Março de 2012, a Recorrente não entregou ao Estado o Imposto sobre o Valor Acrescentado, e resultante da declaração identificada na alínea anterior - confissão;
c) No dia 31 de Março de 2012, foi elaborado o auto de notícia n.º…………….., no processo n.º…………………., do qual consta a Recorrente como infractora, por não ter entregue, em simultâneo com a declaração periódica de Imposto sobre o Valor Acrescentado relativa ao período de Janeiro de 2012 e até ao dia 12 de Março de 2012, “a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível” – Cfr. documento a fls. 5 do documento do SITAF com o n.º 005251786;
d) No dia 8 de maio de 2012, a Recorrente apresentou, via internet, uma declaração periódica de Imposto sobre o Valor Acrescentado, também relativa ao período de Janeiro de 2012, e na qual, nomeadamente, declarou imposto a entregar ao Estado no valor de € 25.907,31 – Cfr documento junto à petição de recurso, a fls. 19 do documento registado no SITAF sob o n.º 005251786;
e) Por despacho de 19 de Novembro de 2012 da Chefe do serviço de finanças de Oeiras 3 (Algés), foi aplicada à Recorrente coima no valor de € 13.839,27, acrescida de custas processuais no valor de € 76,50, por falta de pagamento do Imposto sobre o Valor Acrescentado do período de Janeiro de 2012, tendo o seu montante sido fixado com base nos seguintes elementos:





- Cfr. documento a fls. 13 do documento registado no SITAF sob o n.º 005251786;
f) O documento identificado na alínea anterior foi enviado e integrado no ViaCTT e entregue na caixa postal electrónica da Recorrente no dia 28 de Novembro de 2012 – Cfr. documento a fls. 14 do documento do SITAF n.º 005251786;
g) No dia 3 de Dezembro de 2012, a Recorrente acedeu à sua caixa postal electrónica do ViaCTT – Cfr. documento a fls. 14 do documento do SITAF n.º 005251786;
h) No dia 14 de Abril de 2012 foi instaurado contra a Recorrente o processo de execução fiscal n.º……………, para cobrança do valor de € 41.521,98 – Cfr. documento junto à petição de recurso, a fls. 22 do documento do SITAF registado sob o n.º 005251786;
i) No dia 25 de Maio de 2012, os serviços competentes da Autoridade Tributária e Aduaneira anularam o valor de € 15.614,67, por motivo de “Declaração Fiscal de Substituição”, em cobrança no processo e execução fiscal n.º………………– Cfr. documento a fls. 35 do documento do SITAF registado sob o n.º 005251786.
*
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.»

**

B.DE DIREITO

A Recorrida mostra-se acusada pela prática de uma contra-ordenação p. e. p. pelo artigo 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) - falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo-.

Está provado nos autos que a Recorrida no que se refere ao período de Janeiro de 2012, não entregou o Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) exigível, nos termos dos artigos 19.º a 26.º e 78.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), até ao dia 12 de Março de 2012, em incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 27.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e alínea e) do artigo 279.º do Código Civil (cfr. alíneas a), b), d) e h) dos factos provados).

Sucede que, ficou ainda provado que para aquele período (Janeiro de 2012),foi apresentada uma declaração periódica, no dia 7 de Março de 2012, através da qual inicialmente apurou um montante de Imposto sobre o Valor Acrescentado, a entregar ao Estado, no valor de € 41.521,98 (cfr. alínea a) dos factos provados) e em relação ao mesmo período, apresentou nova declaração periódica de Imposto sobre o Valor Acrescentado, no dia 8 de Maio de 2012, através da qual apurou então um montante de imposto a entregar ao Estado no valor de € 25.907,31 (cfr. alínea d) dos factos provados).

Perante este circunstancialismo fáctico provado e não impugnado, consignou-se na sentença recorrida: « (…) os competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira tiveram em consideração os elementos decorrentes da declaração periódica de Imposto sobre o Valor Acrescentado relativa ao período de Janeiro de 2012, substituída pela Recorrente em 8 de Maio de 2012, uma vez que, no dia 25 de Maio de 2015, anularam o montante de € 15.614,67 em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 3522201201050370 (isto é, o valor correspondente à diferença entre os montantes de Imposto sobre o Valor Acrescentado, a entregar ao Estado, apurados nas declarações periódicas apresentadas pela Recorrente de € 41.521,98 e de € 25.907,31, como resulta das alíneas a), d), h) e i) dos factos provados).».

E concluiu o Tribunal «a quo» que para efeitos de aplicação do disposto nos n.os 1 e 2 do artigos 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, releva o Imposto sobre o Valor Acrescentado para o período de Janeiro de 2012, a entregar ao Estado, de € 25.907,31 (e não de € 41.521,98, como entendeu o serviço de finanças de Oeiras 3 (Algés)).

Não conformada com o assim decidido alega a Fazenda Pública que, o facto gerador da contraordenação ocorreu no dia 12.03.2012, ou seja, na data limite para a entrega do montante resultante da apresentação da declaração periódica de IVA, e portanto àquela data em que ocorreu o facto, o único montante que poderia ser atendido para efeitos de cálculo da coima era o de € 41.521,98 e nunca o montante de € 25.907,31.

Mas sem razão.

Vejamos de perto as razões porque assim entendemos.

A contraordenação em causa encontra-se prevista e punida no artigo 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, sendo que, no seu n.º 1, estabelece-se que «[a] não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido» (destaques nosso).

É, também, punível como falta de entrega da prestação tributária «[a] falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais» (alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias).

Por outra banda, «[s]e a conduta prevista no número anterior [no n.º 1] for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido» (n.º 2 do artigo114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias).

E resulta do artigo 78.º, nº6 do CIVA, a possibilidade de rectificação das declarações periódicas de IVA porquanto tal preceito estabelece que:

« 6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado (…)»

À luz do quadro normativo traçado, vejamos o caso concreto.

A nosso ver, como bem se salienta na sentença recorrida, ainda que a Recorrida tenha praticado o facto típico previsto no artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, no dia 12 de Março de 2012, a coima deveria ter sido fixada tendo por base o Imposto sobre o Valor Acrescentado de € 25.907,31, por corresponder ao montante da prestação tributária deduzida nos termos da lei, isto é, à quantia de imposto nos termos do artigo 11.º, al.a), do RGIT, pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à Administração Tributária (neste sentido vide por todos - Acórdão deste TAC de 29.06.2017, proferido no processo n.º 2660/15.9BESNT, disponível em www.dgsi.pt; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág. 813 e 814).

Ou dito de outro modo, tendo a declaração de substituição sido apresentada em 8 de Maio de 2012 (al. c) dos factos provados) e a decisão que aplicou a coima efectuada em 19 de Novembro de 2012 (al.c) dos factos provados), facto que não foi contestado pela Recorrente, esta decisão teria que considerar o valor do montante apurado na declaração de substituição que a Administração Tributária aceitou, como decorre da al.i) dos factos provados, para cálculo da coima a aplicar.

O recurso não merece, pois, provimento devendo ser mantida em consequência a sentença recorrida.

IV.CONCLUSÕES

Estando demonstrado que em momento anterior à prolação da decisão que aplicou a coima, foi apresentada declaração de substituição de IVA, com observância dos termos legais, esta decisão teria que considerar o valor do montante apurado na declaração de substituição que a Administração Tributária, para cálculo da coima a aplicar.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 4 de Junho de 2020
[Ana Pinhol]


[Maria Cardoso]


[Jorge Cortês]