Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03586/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/27/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMT
IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA
AVALIAÇÃO
VALOR PATRIMONIAL
LIQUIDAÇÃO
Sumário:1.No direito tributário vigora o princípio da impugnação unitária em que em que os vícios ou erros dos actos interlocutórios apenas podem ser apreciados a final, no posterior acto de liquidação, salvo quando quanto aos actos imediatamente lesivos e aqueles para os quais se preveja impugnação contenciosa autónoma;
2. Entre estes últimos figuram os relativos à 2.ª avaliação dos prédios que, por expressa disposição legal, são susceptíveis de impugnação contenciosa autónoma, que não atacados na forma e no tempo próprios se consolidam na ordem jurídica que a posterior liquidação não poderá deixar de acatar;
3. Assim, deduzida impugnação judicial contra a posterior liquidação do IMT por articulação de vícios próprios do acto daquela 2.ª avaliação apenas, consolidada na ordem jurídica por falte de oportuna reacção contra a mesma pelo contribuinte, que em tempo a não impugnou, não pode a mesma deixar de improceder.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– Investimentos e Serviços, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) Deste modo, e com o devido respeito, parece-nos que o Tribunal errou ao julgar improcedente a petição inicial, uma vez que não retirou nenhuma consequência legal do não respeito pelo princípio tributário de celeridade e pelo dever geral de informação ao contribuinte, contido no artigo 134.º do CIMI e que afecta os direitos e interesses legalmente protegidos.
b) Nestes termos e com base na petição inicial julgada improcedente, parece-nos resultar com alguma clareza que temos que necessariamente concluir pela anulabilidade da 2.ª avaliação e a consequente anulação da nota de liquidação adicional de IMT dela derivada, nos termos previstos no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força da alínea d) do artigo 2.º do CPPT, e que dispõe que: “São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.".
c) Razão pela qual temos que concluir pela anulabilidade da 2.ª avaliação e a consequente anulação da nota de liquidação adicional de IMT dela derivada, em virtude de o acto administrativo em causa, ou seja, a 2.ª avaliação, se encontrar ferido de ilegalidade, com referem os Professores Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª Edição, 656, “I. A sanção geral da invalidade do acto ferido de ilegalidade - ou seja, o acto desconforme com o ordenamento jurídico, por ofensa ou dos princípios gerais de direito ou de normas jurídicas escritas constitucionais (...) - é a anulabilidade.".

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ª, requerer a V. Ex.ª que seja revogado despacho recorrido e de ordenar que os autos baixem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé a fim de apreciar o pedido de anulação da liquidação adicional de IMT, com todas as consequências legais, fazendo a costumada JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a ora recorrente vir pretender anular o acto de liquidação de IMT não por qualquer um vício que afecte que na sua legalidade em si, mas sim por um vício consequencial e que para este terá sido arrastado, de errada 2.ª avaliação, a qual constitui um pressuposto autónomo que, não atacado na sua legalidade no tempo e pelo meio próprio se consolida na ordem jurídica, que a posterior liquidação que nesse valor se fundar não pode ser anulada com base em vício que no seu devido tempo não foi suscitado, conhecido e decidido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a liquidação de IMT é passível de anulação quando nenhum vício ou erro em si lhe é assacado, mas sim a acto destacável anterior que foi a fixação do valor patrimonial do prédio efectuada através da 2.ª avaliação e que pode ser objecto de impugnação judicial autónoma.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1) Em 2004-02-02 foi apresentada Declaração Modelo 1, do IMI (fls 40, dos autos);
2) Em 28-02-2004 foi celebrada escritura pública de compra e venda, no qual B..., na qualidade de procuradora da sociedade comercial, C...- Utilidades, Equipamentos e Investimentos Imobiliários, Ldª, como primeira outorgante, vendeu o prédio urbano composto de lote de terreno para construção com a área de 745,60 m2, designado por lote 8, sito na Quinta dos Arcos, inscrito na matriz sob o art° 2847, com o valor patrimonial de € 234.222,78, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves, sob o n° 1927, da freguesia de Armação de Pêra, a José Manuel Reis Melancia, na qualidade de gerente e em representação da sociedade comercial, A...- Investimentos e Serviços, Limitada, como segundo outorgante, pelo preço de 432.183,00 € (fls 28 a 30, dos autos);
3) Em 30-03-2005 a sociedade comercial, C...- Utilidades, Equipamentos e Investimentos Imobiliários, Lda, requereu a 2ª avaliação (fls 31, dos autos);
4) Em 04-04-2005 a impugnante requereu a 2ª avaliação referente ao imóvel referido em 2) (fls 9 e 10, dos autos);
5) Com data de 02-07-2008 foi D... notificado para a data, hora e local da 2ª avaliação (fls 32 e 33, dos autos);
6) Em 02-07-2008 foi elaborado o termo de avaliação, que se reproduz para todos os efeitos legais, tendo sido atribuído o valor de € 1.218.050,00 (fls 34 a 36, dos autos);
7) Em 2008-07-28 a impugnante foi notificada do resultado da segunda avaliação do prédio urbano designado por lote B na Urbanização Quinta dos Arcos, freguesia de Armação de Pêra, inscrito na matriz sob o art° 2847, nos seguintes termos (fls 2 e 42, dos autos):
"Assunto: Notificação da 2ª Avaliação
Fica Vª Exª notificado(a) de que, em resultado da avaliação efectuada ao terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2847 da freguesia 081303, Armação de Pêra foi atribuído o valor patrimonial tributário abaixo descrito apurado nos termos do Código de imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
Elementos declarados Avaliação Final
Área total do terreno 745,6000m2 745,6000m2 745,6000m2
Área de implantação do prédio 462,1000m2 462,1000m2 462,1000m2
Área bruta de construção 442,1000m2 3526,8000m2 3526,8000m2
Área bruta dependente 0,000m2 924,2000m2 924,2000m2
Data de passagem a urbano 2003-01-23 2003-01-23 2003-01-23
Valor patrimonial tributário
Vt = Vcx (Ax% + (Ac + Ad)) x Cl x Ca x Cq
1.218.050,00 = 600,00x (2879,8600 x 35,00 + (7,0875 + 0,0000)) x 2,00 x 1,00 x 1,00
No caso de não concordar com o resultado da avaliação, poderá querendo impugná-lo judicialmente, nos termos definidos no C6digo de Procedimento e de Processo Tributário (n° 1 do artº 77° do CIMI)".
8) Em 30-12-2008 deu entrada a presente impugnação (fls 4, dos autos).

O Tribunal formou a sua convicção nos documentos juntos em cada ponto dos factos provados.

Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que os actos de avaliação são actos destacáveis, susceptíveis de impugnação autónoma e própria, não se aplicando aqui o princípio da impugnação unitária não sendo admitida a impugnação judicial com fundamento em vício apontado ao acto de avaliação e que não foi oportunamente atacado em sede e tempo próprios, que assim se firmou na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido, esgotando-se com o resultado da 2.ª avaliação todos os vícios atinentes à mesma e que oportunamente não foram arguidos e conhecidos.

Para a impugnante e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que continua a mostrar a sua dissensão, continuando a pugnar pela anulabilidade da 2.ª avaliação e consequente anulação da posterior liquidação de IMT por força do disposto no art.º 135.º do CPA, já que ocorreu nessa 2.ª avaliação a violação do disposto no art.º 134.º do CIMI e que afecta os direitos e interesses legalmente protegidos.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.º 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), vigora no âmbito do procedimento tributário o princípio da impugnação unitária em que os seus actos interlocutórios não são susceptíveis de impugnação contenciosa autónoma, devendo os vícios neles contidos apenas serem conhecidos na impugnação da decisão final que neles for tomada, salvo quando se tratem de actos imediatamente lesivos dos direitos do contribuintes ou quando a lei dispuser em sentido diverso.

Entre esses actos em que a lei dispõe em sentido contrário ao desse princípio da impugnação unitária figuram os relativos às avaliações dos prédios, nos termos do disposto no art.º 77.º do CIMI, aprovado pelo art.º 2.º, n.º1 do Dec-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, com entrada em vigor em 1.12.2003, por força do seu art.º 32.º, n.º1, sendo por isso já aplicável no caso dos presentes autos, que expressamente dispõe que do resultado da segunda avaliação cabe impugnação judicial com o fundamento em qualquer ilegalidade de que a mesma possa padecer, nos termos do disposto no CPPT.

E neste Código, as normas dos art.ºs 97.º, n.º1, alínea f) e 134.º, dispõem que dos actos de fixação dos valores patrimoniais cabe impugnação a deduzir no prazo de 90 dias a contar da data da sua notificação ao contribuinte, em sintonia aliás, com a norma do art.º 86.º, n.º1 da LGT, que dispõe que a avaliação directa é, nos termos da lei, susceptível de impugnação contenciosa directa.
Regime aliás, que não é novo, antes já se encontrava consagrado nos art.ºs 97.º, parágrafo único, do CIMSISD e 155.ºdo anterior CPT, em que a não impugnação autónoma em tempo oportuno de tal valor fixado em 2.ª avaliação se consolidava na ordem jurídica, que o posterior acto de liquidação não poderá deixar de acatar e em cuja impugnação deste vedado lhe está apreciar os vícios ou ilegalidades eventualmente cometidas em tal acto interlocutório de fixação dessa avaliação já assim fixada.

Como refere Jorge Lopes de Sousa(1), os vícios de que enferme o referido acto de apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa.
Sendo assim, não haverá possibilidade de apreciação da correcção do mesmo acto na impugnação do acto de liquidação, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.
Doutrina que igualmente tem sido seguida pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores como se pode ver do acórdão do STA de 21.6.2000, recurso 24.542, e deste então TCA de 21.3.2000, no recurso 1630/09, para além de muitos outros recursos igualmente do STA, citados na sentença recorrida.

Assim, não tendo a ora recorrente atacado o resultado de tal 2.ª avaliação, de forma autónoma e dentro do prazo para tal fixado, qualquer erro ou vício de que a mesma enfermasse e que fosse transportado para a posterior liquidação não pode ser conhecido na impugnação desta, por tal fixação do valor patrimonial se haver fixado na ordem jurídica que o posterior acto de liquidação tem de acatar, bem se podendo afirmar que esse erro ou vício não constitui uma ilegalidade própria da mesma liquidação mais sim uma ilegalidade desse anterior acto destacável para efeitos de impugnação autónoma, que para aqui foi arrastado de um momento procedimental anterior, autónomo, bem se justificando a preclusão do seu conhecimento judicial, tendo em conta que os procedimentos e os processos se vão sedimentando e consolidando pelo seu processado tendo em vista a definição dos direitos respectivos.

No caso, sempre se dirá contudo, que a ultrapassagem do prazo para a AT concluir o procedimento da 2.ª avaliação previsto no art.º 134.º, n.º1 do CIMI, de 180 dias, não pode ter qualquer efeito no resultado dessa mesma avaliação em si e nem a ora recorrente o invoca, não constituindo também qualquer vício de forma desta, sendo apenas um prazo meramente ordenador que poderá relevar no campo disciplinar ou do mérito do funcionário de tal encarregue, tratando-se de norma que estipula um prazo para essa conclusão como existia no CIMSISD, na norma do seu art.º 98.º, então só de 60 dias, mas cuja ultrapassagem igualmente era entendido que nenhum efeito teria nessa mesma avaliação, que em nada prejudicará os interesses dos contribuintes, pelo que nenhum efeito tem na mesma avaliação, como o STA teve oportunidade de se pronunciar nos seus acórdãos de 21.7.1976 e 14.3.2001, recursos n.ºs 377 e 25.659, respectivamente, não sendo também de aplicar subsidiariamente a norma geral do art.º 135.º do CPA, sobre as anulabilidades, como pretende a recorrente, atenta a natureza de tal prazo como meramente ordenador.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 27/04/2010

1- In Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, revista e aumentada, VISLIS, pág. 604, nota 6.