Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11233/14
Secção:
Data do Acordão:01/15/2015
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:ADVOGADOS, RECURSO FACULTATIVO
Sumário:O recurso extraordinário de revisão, previsto no artigo 162º do E. O. A., não tem natureza de impugnação administrativa necessária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· ANTÓNIO ………….., Advogado em causa própria, NIF ………., com escritório na Rua do ………. nº 12.602, ………… 2….. – 064 ……, intentou

Ação administrativa especial contra

· Ordem dos Advogados.

Pediu ao T.A.C. de Almada o seguinte:

- Declaração de nulidade ou anulação da pena de censura de que foi alvo, e

- Atribuição de uma indemnização de 2.000€, por danos não patrimoniais.

*

Por sentença de 7-1-14, o referido tribunal decidiu julgar procedente o 1º pedido e improcedente o 2º pedido.

*

Inconformada, a O.A. recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1. O direito de ação do Recorrido caducou pelo decurso do tempo, já que foi ultrapassado o prazo legal consagrado no art. 58°, n.º 2 alínea b) do C.P.T.A. (em conjugação com o disposto no artigo 59º, n.º 4 também do CPTA) para a interposição da ação de impugnação de atos administrativos.

2. Com efeito, de harmonia com o disposto no artigo 59°/4 do CPTA, "a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal’ (sublinhado nosso).

3. Conforme entende a jurisprudência mais avisada, "(...) o texto da lei inculca a ideia de que aquelas duas causas de cessação da suspensão do prazo de impugnação contenciosa estão em paridade e que, em cada caso concreto, verificada qualquer uma delas, já não opera a outra"(vide acórdão do STA, de 27/02/2008, in www.dgsi.pt .pt). Por outro lado, recenseado o fim da norma contida no artigo 59°/4 do CPTA, facilmente se poderá concluir que, com a imposição de um limite à duração da suspensão, se pretende garantir a certeza jurídica, impedindo-se, desse modo, que se eternize uma situação de indefinição acerca da situação jurídica das partes.

4. Tal desiderato apenas poderá ser alcançável caso se interprete a citada norma no sentido de que a suspensão aí referida cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar (vide acórdão do STA, de 27/02/2008, in www.dgsi.pt e ·Acórdão do TCA Norte, de 28/10/2013, processo n.º 2151/04.4BELSB).

5. Ora, no caso dos presentes autos, o acórdão impugnado foi proferido pela 2ª Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, em 18/06/2010, tendo sido praticado no termo do procedimento administrativo disciplinar, ficando aberta, a partir daí, a porta para a sua impugnação. Optou, no entanto, o aqui Recorrido por apresentar "recurso de revisão", o que fez por requerimento datado de 23/09/2010. (1)

6. O recurso de revisão não constitui um meio de impugnação administrativa para efeitos do disposto no art. 59°, n.º 4, do C.P.T.A., já que nos artigos 162º e ss. do Estatuto da Ordem dos Advogados (adiante designado por E.O.A.) constitui uma forma especial de processo disciplinar, não se tratando, neste caso, de uma reapreciação dos factos ou do direito constantes do respetivo processo e, portanto, de uma verdadeira impugnação graciosa.

7. De todo o modo, tendo em conta o teor do requerimento apresentado pelo aqui Recorrido, em 23/09/2010 e por este apelidado de "recurso de revisão", a verdade é que, conforme bem se refere no despacho proferido em 01/02/2012, "o requerente recorrente limita-se a questionar a correção do decidido, como se de um recurso ordinário se tratasse".

8. Pelo que outra conclusão não se poderá retirar que não seja a de que tal "recurso de revisão" não configura mais do que uma reclamação facultativa, autorizada pelo disposto nos artigos 158º, n.ºs 1 e 2, al. a), 161º, n.º 1 e 162º do CPA e que deveria ser objeto de decisão no prazo de 30 dias, conforme resulta do artigo 165º do mesmo CPA.

9. Daqui resulta que o prazo para impugnar o ato administrativo que aplicou a pena disciplinar iniciou-se com a notificação desse mesmo ato (06/07/2010), suspendeu-se em 23/09/2010 e reiniciou-se em 23/10/2010 (sendo esta a data a considerar no caso dos autos, face à doutrina anteriormente expendida pelo STA, por ser a data do facto que, nos termos do disposto no artigo 59º/4 do CPTA, ocorreu em primeiro lugar).

10. Como tal, dispunha o Recorrido do prazo de 3 meses, a contar da apontada data de 23/10/2010, para impugnar contenciosamente o ato que lhe aplicou a pena de censura, com fundamento na sua eventual anulabilidade (cfr. artigos 58º, n.º 2, ·alínea b) e 59°, n.0 1 do C.P.T.A.).

11. Sucede, porém, que o Recorrido apenas interpôs a competente ação administrativa especial para impugnação de atos administrativos em 04/06/2012, mostrando-se assim verificada a caducidade do direito de ação do Recorrido.

12. Ao não ter assim decidido, incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da norma contida no artigo 59º/4 do CPTA.

13. Tão pouco se mostra verificado o imputado erro nos pressupostos de facto assacado pela douta sentença recorrida ao ato impugnado.

14. A douta sentença recorrida encontra fundamento para o entendimento propugnado quanto à existência de erro quanto aos pressupostos de facto na circunstância de que o aqui Recorrido"(...)formalmente não tinha elementos que lhe permitissem concluir ser aquele o legítimo mandatário da sociedade", pelo que "(...)tal determinou que o aqui Autor ao contactar diretamente e por escrito a referida sociedade, o fez sem que tivesse conhecimento formal que a mesma se encontrasse representada por advogado (...)".

15. Sucede, porém, que da análise da prova documental e testemunhal produzida no âmbito do processo disciplinar instaurado contra o aqui Autor, não poderá deixar igualmente de se dar como assente que (cfr. fls. 57 e seguintes do processo instrutor): "No dia 3 de Abril de 2003, nas instalações do Montepio Geral - Caixa Económica de Lisboa, sitas na Av. 5 de Outubro, n.º 146, 6º em Lisboa, ocorreu uma reunião promovida por esta entidade representada pela Exma. Sra. Dra. Maria ………………., em que participaram o Sr. Dr. Salvador ………., ora participante, e o Sr. Dr. António ……………; Tal reunião tripartida, visava ultrapassar um litígio entre a S…….. - Compra e ………….., Lda. e a Sra. D. Susana ……………………… e marido Sr. Dr. Pedro ………………, decorrente de contrato promessa de compra e venda de imóvel em que aquela sociedade figurava como promitente vendedora e o casal como promitentes-compradores e simultaneamente, mutuários do Montepio Geral. Os Srs. Drs. Salvador ………… e António ………… foram convocados para a referida reunião na qualidade respetiva de mandatários da promitente vendedora e dos promitentes-compradores. O Sr. Advogado participante e o Sr. Advogado arguido tiveram uma ligeira troca de impressões antes do início da reunião, enquanto esperavam pela chegada da Sra. Dra. Maria …………………... Nessa reunião tripartida, foram discutidos os problemas inerentes ao objecto do litígio, tendo sido utilizada uma terminologia que não permitia duvidar que para além da Sra. Dra. Maria ………………… os outros dois participantes não fossem advogados e mandatários quer da promitente vendedora quer dos promitentes-compradores. Se bem que não tenha ocorrido troca de cartões entre o Sr. Advogado participante e o Sr. Advogado arguido, nenhum deles em momento anterior, durante ou posteriormente à reunião, pôs em dúvida a legitimidade das respetivas presenças e o mandato de que ambos estavam investidos. O Sr. Advogado arguido durante a reunião, dirigindo-se ao Sr. Advogado participante proferiu a seguinte frase: "se o seu cliente não quer vender, então... ". Todos os participantes da referida reunião tinham recíproco conhecimento que estavam, como advogados, em representação da entidade mutuante, do promitente vendedor e dos promitentes-compradores.

16. Tal como avança o parecer emitido pelo Exmo. Sr. Relator e aprovado pelo acórdão impugnado, "o depoimento da Dra. Maria …………….. merece toda a credibilidade e nele se diz que na dita reunião "(...) compareceram duas pessoas, ambos mandatários constituídos pelos promitentes-compradores e pelos promitentes vendedores, a empresa S……….. (...)nessa reunião tripartida, todos teriam conhecimento que estariam perante uma reunião entre mandatários constituídos pelas parte, até porque toda a terminologia da reunião foi nesse sentido".

17. Donde resulta que, tendo o aqui Recorrido participado em reunião tripartida com o Advogado participante e não tendo então suscitado qualquer questão relativa aos poderes de representação em que o Colega estaria investido, não poderá considerar-se suficiente, para efeitos de afastamento da sua responsabilidade disciplinar (decorrente do facto de ter contactado diretamente com o cliente representado pelo Colega) o pedido posteriormente efetuado para que fosse feita tal prova formal (eventualmente com a apresentação de procuração).

18. Precisamente porque é suposto que os mandatários confiem na palavra uns dos outros, confiança essa reforçada, no caso em apreço, pela presença conjunta em anterior reunião, que não poderá aceitar-se como causa de exclusão da responsabilidade disciplinar do aqui Recorrido a solicitação escrita por este efetuada ao Dr. Vaz …………….

19. Termos em que não poderá deixar de se sufragar a posição colhida no acórdão impugnado, nos termos da qual se sustenta que o aqui Recorrido violou o dever contido no artigo 86°, 1, alínea d), do E.O.A. então em vigor.

20. Ao concluir em sentido contrário ao acima apontado, incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 3º do CPTA (na medida em que extravasou os poderes de pronúncia que legalmente lhe estão cometidos) e no artigo 86°, n. 1, alínea d) do E.O.A. então em vigor (a contrario sensu).

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O recorrido contra-alegou, concluindo:

Primeira: Como mostram os autos o aqui A. não cometeu a infração disciplinar de que foi acusado.

Segunda; Os autos, com mais de 10 (dez) anos, fazem parte integrante das presentes contra-alegações onde se pode demonstrar as ilegalidades ora apontadas.

Terceira: O aqui A. não se conforma com a condenação sem provas,

Quarta: O aqui A. recorreu a todas as instâncias da OA para obter o despacho de arquivamento do processo. O que não aconteceu.

Quinta: O aqui A. recorreu aos tribunais atempadamente, no espaço de um mês e 12 dias a contar da notificação do despacho definitivo e executório da última instância da OA.

Sexta: O Senhor Doutor Bastonário da OA é o legal representante da OA e os seus despachos são os definitivos e executórios, e a sua assinatura vale procuração dos advogados constituídos nos presentes autos.

Sétima: O direito de ação do aqui A. recorrer aos tribunais não caducou, como falsamente ou ignorância e/ou com Má-fé se quer fazer crer na contestação e no presente recurso.

Oitava: o Expediente dilatório usado pelos advogados na contestação e no recurso é condenável na recente revisão do direito. Aqui se Requer desde já a condenação correspondente.

*

O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

Este tribunal tem presente o seguinte: (i) o primado do Estado democrático e social de Direito material, num contexto de uma vida política e económica submetida ao bem comum e à suprema e igual dignidade de cada pessoa; (ii) os valores ético-jurídicos do ponto de vista da nossa lei fundamental e os princípios ou máximas estruturais vigentes, como a juridicidade, a igualdade e, sempre que metodologicamente possível e necessário, a proporcionalidade.

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Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas).

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido

«(…)»

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Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e para, de modo facilmente sindicável, apreciarmos o seu mérito.

A caducidade do direito de ação administrativa é uma exceção dilatória.

Vejamos, pois.

1º- O c.deont. (3ª Secção) do C.Distr. de Lisboa da O.A. deliberou aplicar ao A. pena de multa, o que foi notificado ao A. em 20-1-2009.

2º- O A. recorreu em 29-1-2009 para o C.Sup. da O.A. (cfr. art. 157º/1 do EOA(2)) – cfr. DOC. 21 da p.i.

3º- O C.Sup. da O.A. (2ª Secção) decidiu tal recurso em 18-6-2010, substituindo a pena de multa por pena de censura (cfr. artigo 125º/1/b) do EOA), o que foi notificado ao A. em 6-7-2010 – cfr. DOC. 24 da p.i.

4º- Em 23-9-2010, o A. interpôs um recurso gracioso ou administrativo extraordinário de revisão para o C.Sup. da O.A. – cfr. DOC. 26 da p.i. e pp. 142 ss do p.a.d.

5º- Este recurso foi rejeitado liminarmente em 1-2-2012, por não integrar o previsto no artigo 162º do EOA – cfr. DOC. 26 da p.i.

6º- Desta rejeição, notificada ao A. em 20-3-2012, este reclamou em 27-3-2012.

7º- O CS veio a indeferir tal reclamação, o que foi notificado ao A. em 23-4-2012.

8º- Esta AAE entrou em 5-6-2012.

Ora, o prazo de recurso da decisão disciplinar, no EOA, é de 15 dias (cfr. artigo 160º/1), pelo que a deliberação do C.Sup. de 18-6-2010, notificada ao A. em 6-7-2010, transitou em julgado em 16-9-2010 (vd. fls. 130 do p.a.d.); i.e., tornou-se definitiva (também para efeitos do exigido para a figura do recurso extraordinário de revisão - cfr. artigo 162º/1 do EOA).

Portanto, a deliberação punitiva do C.Sup. tornou-se eficaz, lesiva ou com efeitos externos (artigo 51º/1 CPTA), impugnável em juízo, desde 6-7-2010. Não releva aqui o depois ocorrido em sede de recurso administrativo extraordinário de revisão, aliás rejeitado liminarmente. Esta AAE entrou em 5-6-2012.

Daqui se tem de concluir que caducou o direito de ação do A. (quase 2 anos antes desta p.i.), com referência ao prazo de 3 meses como previsto nos artigos 58º/2/b)/3 e 59º/1 do CPTA.

Fica, assim, prejudicado o conhecimento da outra questão.

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III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com o disposto nos artigos 202º e 205º da Constituição, acordam os Juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e, declarando a caducidade do direito de ação, absolver a Ré da instância.

Custas a cargo do Autor em ambas as instâncias.

(Acórdão processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator)

Lisboa, 15-1-2015

Paulo Pereira Gouveia

Nuno Coutinho

Carlos Araújo


(1) CAPÍTULO VI Recurso de revisão
Artigo 162.º Fundamentos e admissibilidade da revisão
1 - É admissível a revisão de decisão definitiva proferida pelos órgãos da Ordem dos Advogados com competência disciplinar sempre que:
a) Uma decisão judicial transitada em julgado declarar falsos quaisquer elementos ou meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão revidenda;
b) Uma decisão judicial transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por membro ou membros do órgão que proferiu a decisão revidenda e relacionado com o exercício das suas funções no processo;
c) Os factos que serviram de fundamento à decisão condenatória forem inconciliáveis com os dados como provados noutra decisão definitiva e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se tenham descoberto novos factos ou meios de prova que, por si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da decisão condenatória proferida.
2 - Com fundamento na antecedente alínea d) não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
3 - A simples alegação de ilegalidade, formal ou substancial, do processo e decisão disciplinares não constitui fundamento para a revisão.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.
(2) Artigo 157.º Deliberações recorríveis
1 - Das deliberações dos conselhos de deontologia ou suas secções cabe recurso para o Conselho Superior.
2 - Das deliberações das secções do Conselho Superior, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, cabe recurso para o plenário do mesmo órgão.
3 - Não são suscetíveis de recurso as deliberações do plenário do Conselho Superior, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 6.º.
4 - Não admitem recurso em qualquer instância as decisões de mero expediente ou de disciplina dos trabalhos.