Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2906/12.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/19/2022
Relator:ALDA NUNES
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
LEGITIMIDADE PASSIVA
MATÉRIA DE ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL
FORÇAS ARMADAS – RAMO FORÇA AÉREA
Sumário:I - O art 10º, nº 2 do CPTA/2002 corresponde às situações de legitimidade processual passiva nos processos que seguem a forma da ação administrativa especial e (uma parcela) dos processos que seguem a forma da ação administrativa comum, com exceção dos que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual, caso em que, de acordo com o disposto no 11º, nº 2, as ações devem ser interpostas contra o Estado, que se deve fazer representar em juízo pelo Ministério Público
II - No caso em apreço, por estar em causa a discussão sobre matéria de administração de pessoal que prestou serviço militar na Força Aérea Portuguesa, o disposto no art 21º, nº 2 da Lei Orgânica nº 1-A/2009, de 7.7 deve ser entendido como uma regra especial de legitimidade.
III -Por isso, a legitimidade passiva no processo cabe ao Chefe de Estado Maior da Força Aérea, sendo o Ministério da Defesa Nacional parte ilegítima.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

(1) A…, (2) B…, (3) I…, (4) J…, (5) L…, (6) M…, (7) M…, (8) P… e (9) R… vieram recorrer do despacho saneador sentença proferido na presente ação administrativa comum que moveram contra o Ministério da Defesa Nacional.
A decisão recorrida absolveu o Ministério da Defesa Nacional da instância, por verificação das exceções de ilegitimidade passiva e de inidoneidade do meio processual usado.
Os autores/ recorrentes alegaram e concluíram o recurso do seguinte modo:
A) O Saneador – Sentença proferido pelo tribunal a quo, é nulo, por omissão de pronuncia e falta de fundamentação.
B) A citação do Chefe Estado Maior da Força Aérea, era um dos requisitos essenciais para que a ação prosseguisse os seus termos, influindo diretamente no exame e na decisão da causa, nos termos do artº 195º nº1 do CPC, aplicável por força do artº 1º do CPTA, pelo que o tribunal a quo, ao não identificar a omissão da prática de um ato ou melhor nem sequer se pronunciar no Saneador- Sentença, acerca da falta de citação, deixou de se pronunciar acerca de uma questão e pretensão que lhe foi colocada, bem como por falta de fundamentação, nos termos do artº 615 nº1 al b) e d) do CPC, ex vi artº 1º do CPTA., o que determina que o Saneador- Sentença proferido nestes autos pelo tribunal a quo seja nulo.
C) O Tribunal a quo, ao não proferir despacho Pré-Saneador nos termos do artº 87º do CPTA, convidando os recorrentes a suprir a exceção da ilegitimidade passiva, que invoca no Despacho- Saneador, tinha um verdadeiro dever de intervir ex oficio no processo, de molde a obstar que o conhecimento do mérito ou a justa composição do litígio sejam postos em causa por razões de índole meramente formal,
D) Assim, o incumprimento desse poder/dever, quando influa decisivamente no exame e na decisão da causa, acarreta a nulidade da mesma - artº 201ºdo CPC.

E) Quando ocorra absolvição da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento, o autor tem a faculdade de, no prazo de 15 dias, apresentar nova petição, a qual se considera apresentada na data em que tinha sido a primeira (artigo 89.º/2). Porém, por força dos princípios da promoção do acesso à justiça (in dubio pro actione), do aproveitamento dos atos e da economia processual, justifica-se convidar ao aperfeiçoamento da petição quando o erro verificado respeite à identificação da entidade pública demandada. Não o tendo feito o tribunal a quo, fez errada interpretação dos artigos 88.º/1/2 e 89.º/4 do CPTA.
F) Não tendo havido despacho pré-saneador, poderiam os Recorrentes dar entrada de uma nova petição inicial, suprindo aí a alegada exceção da ilegitimidade passiva, na hipótese meramente académica uma vez que não existe transito em julgado.
G) No Saneador- Sentença também é invocada outra exceção, dilatória, a do Erro na Forma do Processo ou inidoneidade do meio.
Sucede que,
H) O que os ora Recorrentes, pretendiam com a ação intentada era se lhes era aplicável o regime de incentivos à prestação de serviço militar nos regimes de contrato e de voluntariado aprovado pelo Decreto-Lei 320- A/2000 de 15 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei 118/2004, de 21 Maio e de novo alterado pelo Decreto-Lei 320/2007 de 2 Outubro, isto de acordo com o nº 3 do diploma acima citado, e relativo a uma norma de salvaguarda, estavam em regime de contrato, cumpriam o período mínimo de dois anos de serviço militar, contados desde a data da sua incorporação, concluindo-se que não estava aqui em causa o concreto ato de processamento, esse sim que até seria da competência do Estado Maior da Força Aérea, mas sim a aplicação de um regime de incentivos, cuja aplicação foi determinada pela ora Recorrida, que em duas ações judiciais, intentadas contra esta no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, mas em unidades orgânicas distintas, e em que o Réu indicado na petição inicial era a Recorrida, acaba a recorrida por contestar essas duas mesmas ações, em nome de “ Ministério da Defesa Nacional – Chefe de Estado Maior”, no âmbito dos processos nº, nº 3202/12.3BELSB da 5º Unidade Orgânica e o processo nº 38/13.8BELSB da 4º Unidade Orgânica, ambos do Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa.

I) Decorre da própria documentação junta com a petição inicial, que os contratos celebrados com os ora recorrentes tem como logótipo “ Ministério da Defesa Nacional – Força aérea”, ora recorrida não havendo qualquer separação “ jurídica- politica” , ao contrário do referido pelo tribunal a quo, até porque a ação dos presentes autos, foi intentada contra a recorrida, em que o órgão em causa se insere Chefe do Estado Maior da Força aérea, tendo sido determinado por esta a aplicação de um determinado regime de incentivos através de despacho, motivo pelo qual não se entende como o Saneador – Sentença conclui pela ilegitimidade passiva da recorrida.
J) No Saneador Sentença, é invocado ainda pelo tribunal a quo, a procedência da exceção invocada pela ora recorrida, relativamente ao facto de o meio processual próprio ser a Ação Administrativa Especial e não a Comum, usada pelos ora recorrentes, alegando este para tal que os ora recorrentes pretendem de uma forma genérica que o tribunal declara-se que o Regime de Incentivos à prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato e Voluntariado, lhes seja aplicável, na redação dada pelo DL 320/2007 , de 27 de Setembro pelo facto de estar em causa a anulação de atos administrativos de processamento das prestações pecuniárias devidas, após os contratos dos Recorrentes e a condenação à prática de atos administrativos devidos, nas palavras da ora recorrida.
K) Ora, a propriedade do meio processual afere-se por relação com o pedido formulado, e este sem sombra de duvida é relativo ao reconhecimento de um direito, o que à partida até afastaria sem mais, a procedência da exceção do meio processual impróprio, artº 37 nº1 e nº2 do CPTA.
L) Ademais, e ainda que se entendesse que se estaria perante uma cumulação de pedidos- na parte respeitante à formulação de um pedido condenatório, tal não obriga a que o pedido seja apreciado sob a forma ação especial, uma vez que os Recorrentes pretendem com a aplicação do regime de incentivos na redação dada pelo DL 320/2007, de 27 Setembro, o consequente pagamento de uma prestação pecuniária devida após a cessação do seu contrato que não importa a prática de qualquer ato administrativo, mas tão só a prática de uma mera operação material, subsequente à decisão de cessação do contrato, tanto mais que o ato de processamento de vencimentos não é só por si, um ato administrativo – neste sentido, exigindo a observância de um conjunto de pressupostos para que tal ato possa ser encarado como ato administrativo, assim também o pedido de condenação implícito peticionado pelos ora recorrentes, se encontra abrangida pelo artº 37 nº2 al e) do CPTA, ao contrário do que entende o tribunal a quo.
M) A questão distinta é a de saber se a presente ação interposta pelos ora recorrentes, visava obter o efeito que resultaria da anulação de ato impugnável artº 38 nº2 CPTA, contudo não se vislumbra em qualquer peça processual dos ora recorrentes ou nos próprios autos, atos administrativos que pudessem ou devessem ter sido impugnados pelos ora recorrentes, ao contrário do que é prescrito no Saneador- Sentença proferido pelo tribunal a quo, estando assim preenchido esse pressuposto negativo. Até porque o ato de processamento da indemnização por cessação do contrato, não é por si um ato administrativo impugnável, limita-se tão somente a executar decisão que põe termo a uma relação contratual, aplicando no imediato a lei.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente, revogada a decisão recorrida ordenando-se:
A) Seja declarado nulo o Saneador – Sentença, por omissão de pronuncia e falta de fundamentação nos termos do artº 615 nº1 al b) e d) do CPC, ex vi artº 1º do CPTA., e por omissão de despacho pré-saneador, por errada interpretação dos artº 88.º/1/2 e 89.º/4 do CPTA.
B) A revogação do despacho proferido, sendo substituído por outro que considere não provadas as exceções invocadas, e consequentemente devendo os presentes autos baixarem ao Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, afim de os autos prosseguirem os seus termos.

O recorrido contra-alegou o recurso e formulou as seguintes conclusões:
A. Quanto à legitimidade passiva, é determinada em função da relação material controvertida, ou seja, pertence à entidade pública que configure na relação jurídica administrativa como contraparte, assumindo a posição de réu, como nesse sentido se estabelece no n.º 1 do artigo 10.º do CPTA.
B. Em regra, nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios, em que parte demandada é o ministério a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos, segundo o n.º 2 do artigo 10.º do referido Código.
C. Apesar da integração das Forças Armadas na administração direta do Estado, através do MDN, em matérias de disciplina e de administração de pessoal dos ramos das Forças Armadas verifica-se que o legislador veio adaptar as regras gerais do contencioso administrativo às exigências da organização militar, impossibilitando a legitimidade passiva do MDN naquelas matérias.
D. Tal asserção resulta do disposto no n.º 2 do artigo 21.º da Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de julho – Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), nos termos do qual «[n]os processos jurisdicionais que tenham por objeto a ação ou omissão de órgãos das Forças Armadas em matérias de disciplina e de administração de pessoal, a parte demandada é o Estado-Maior-General das Forças Armadas ou o respetivo ramo, conforme os casos, (…)».
E. Uma vez que o caso vertente constitui matéria de administração de pessoal, parte demandada será sempre o ramo das Forças Armadas a que o militar pertença ou tenha pertencido.
F. Pelo que era a Força Aérea a entidade competente para figurar nos autos como entidade demandada.
G. Assim sendo, parte demandada na presente ação administrativa comum deveria ter sido, apenas, a Força Aérea, e não o MDN.
H. Assim sendo, o douto Tribunal a quo procedeu a uma correta interpretação e aplicação das normas legais que foram sendo indicadas, pelo que bem decidiu ao absolver o MDN da instância, pela procedência das exceções dilatórias de ilegitimidade passiva e de inidoneidade do meio processual usado, e, em consequência, deve a douta sentença ser mantida na nossa ordem jurídica, nos seus precisos termos.
Nestes termos … deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, devendo a douta decisão recorrida ser mantida nos seus precisos termos, ao julgar procedentes as exceções dilatórias invocadas pelo Ministério da Defesa Nacional, com a sua consequente absolvição da instância.

Neste Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do art 146º nº 1 do CPTA, nada disse.

Cumpre decidir, dispensando vistos.

Objeto do recurso:

As questões suscitadas pelos recorrentes, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em saber se a decisão recorrida padece de:

i) Nulidade por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação;

ii) Nulidade processual por não ter sido proferido despacho pré-saneador nos termos do artº 87º do CPTA, a convidar os ora recorrentes a suprir a exceção de ilegitimidade passiva;

iii) Erro de julgamento de direito ao julgar verificada a exceção de ilegitimidade passiva do Ministério da Defesa Nacional;

iv) Erro de julgamento de direito ao julgar procedente a exceção de inidoneidade do meio processual usado.

Direito
Nulidade por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação.
Os recorrentes começam por apontar nulidade à decisão recorrida por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação, nos termos e para efeitos do disposto no art 615º, nº 1, als b) e d) do CPC ex vi art 1º do CPTA, dado concluir pela ilegitimidade passiva do Ministério da Defesa Nacional, absolvendo-o da instância, sem nada dizer sobre o que requereram no art 6º da réplica. Nesse articulado requereram os recorrentes a citação do Chefe de Estado Maior da Força Aérea como um dos requisitos essenciais para que a ação prosseguisse os seus termos, influindo diretamente no exame e na decisão da causa, nos termos do art 195º, nº 1 do CPC aplicável por força do art 1º do CPTA. Pelo que o tribunal ao não identificar a omissão da prática de um ato e nem sequer se pronunciar no saneador sentença acerca da falta de citação deixou de se pronunciar acerca de uma questão que lhe foi colocada, bem como por falta de fundamentação, incorreu a decisão em nulidade.
Vejamos.
Importa distinguir.
Uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um ato que a lei prescreva, relacionada com um ato de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do ato.
Sobre o conceito de nulidade processual, no dia 17.4.2018, no blogue do IPPC, Teixeira de Sousa inseriu o seguinte «post»: O que é uma nulidade processual?
1. Tem-se vindo a observar que o conceito de nulidade processual tem originado algumas confusões. Importa procurar desfazer estas confusões (o que, aliás, nem sequer é difícil).
2. Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de atos do tribunal e das partes. Cada um destes atos pode ser visto por duas óticas distintas:
- Como trâmite, isto é, como ato pertencente a uma tramitação processual;
- Como ato do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.
No ato perspetivado como trâmite, considera-se não só a pertença do ato a uma certa tramitação processual, como o momento em que o ato deve ou pode ser praticado nesta tramitação. Em contrapartida, no ato perspetivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o ato tem de ter ou não pode ter.
3. Do disposto no art 195º, nº 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um ato não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um ato que é imposto por essa tramitação.
Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao ato como trâmite, e não ao ato como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O ato até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual. Em suma: a nulidade processual tem a ver com o ato como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do ato praticado pelo tribunal ou pela parte.
É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar:
- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do ato é a ineptidão da petição inicial (cfr art 186.º); …;
- As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes atos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cfr art 615º, 666º, nº 1 e 685º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art 186º a 202º CPC.
4. Em conclusão:
- Só há nulidade processual quando o vício respeita ao ato como trâmite, não ao ato como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte;
- Em especial, não é correto reconduzir qualquer vício relativo ao conteúdo de um ato processual do tribunal ou da parte ao disposto no art 195, nº 1 CPC.
No sentido de a omissão de conhecimento de um requerimento probatório constituir uma nulidade processual secundária, no dia 21.9.2020, no referido blogue do IPPC foi publicado um «post», com comentário desfavorável de Teixeira de Sousa: Omissão de pronúncia; nulidade da sentença, ao Ac. da R. Guimarães de 19.3.2020, processo nº 305/15.6T8MNC-E, no qual o dito comentador conclui tratar-se de um típico caso de omissão de pronúncia da decisão recorrida.
Dos ensinamentos do Professor dimana que o nosso caso não cai, obviamente, na categoria de nulidade processual, podendo, sim, tratar-se de nulidade da decisão, por omissão de pronúncia do tribunal, relativamente ao solicitado pelos autores, aqui recorrentes, no art 6º da réplica.
Os ora recorrentes, na resposta à matéria de exceção, para o caso do tribunal decidir pela ilegitimidade passiva do Ministério da Defesa Nacional, requereram a absolvição do Ministério da instância, acompanhada da correspondente citação do Estado Maior da Força Aérea.
Lida a decisão recorrida, assiste razão aos recorrentes, o tribunal absolveu o Ministério da instância, por não ser a outra parte da relação material controvertida, e nada disse sobre a requerida citação da Força Aérea Portuguesa, que, em vez de levar à extinção da instância por absolvição do réu, faria prosseguir os autos.
No entanto, a omissão de pronúncia sobre o requerimento deduzido no processo traduz uma omissão de pronúncia da sentença em si, nos termos do art 615º, nº 1, al d) do CPC/2013 (anterior art 668º do CPC/1961). Não configura ou não configura também uma omissão de uma decisão (um despacho) que influi diretamente no exame e na decisão da causa, nos termos do art 195º, nº 1 do CPC/ 2013 (anterior art 201º do CPC/1961) ex vi art 1º do CPTA.
Existindo nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia sobre o requerimento de citação do Estado Maior da Força Aérea não pode existir, em simultâneo, falta de fundamentação, na medida em que, não sendo apreciada questão que devesse sê-lo, inexiste naturalmente especificação de fundamentação. A nulidade decisória prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ocorre sempre que o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Assim, a nulidade por omissão de pronúncia consome a nulidade por falta de fundamentação.
Aqui chegados, por o tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre questão que foi colocada à sua apreciação, no art 6º da réplica, temos de concluir que se verifica o fundamento de nulidade previstos no 615º, nº 1, al d) do CPC.
Procede, portanto, a suscitada nulidade por omissão de pronúncia.

Legitimidade passiva
Conhecendo em substituição, temos que a nulidade da decisão recorrida verifica-se porque o tribunal recorrido concluiu, antes e, nesta parte, corretamente, que o Ministério da Defesa Nacional não dispunha de legitimidade passiva para estar em juízo. Ou seja, a necessidade de citação de outro sujeito passivo resulta do juízo prévio de ilegitimidade do réu contra quem os autores instauraram a ação. Contra tal juízo de ilegitimidade também os recorrentes se insurgem, mas sem razão.
Vejamos.
O presente processo foi instaurado em 26.11.2012, pelo que se rege pelo disposto no CPTA, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 214G/2015, de 2.10, conforme resulta do art 15º, nº 2 deste DL e do art 13º, nº 2 do DL nº 118/2019, de 17.9.
O direito processual administrativo contém regras específicas quanto à legitimidade passiva singular, que, contrariamente ao que se verifica no âmbito do direito processual civil, permitem o suprimento desse pressuposto em determinadas circunstâncias, como resulta do art 10º do CPTA/2002 e, neste caso especifico, do art 21º, nº 2 da Lei Orgânica nº 1-A/2009, de 7.7.
No CPTA, a legitimidade processual passiva vem regulada no art 10º nos seguintes termos, para o que aqui releva:
1 – Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
2 – Quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
(...).
Do assim disposto resulta que a regra geral em matéria de legitimidade processual passiva é a que consta do art 10º, nº 1 e que a previsão do nº 2 desse mesmo preceito legal corresponde às situações de legitimidade processual passiva nos processos que seguem a forma da ação administrativa especial e (uma parcela) dos processos que seguem a forma da ação administrativa comum, com exceção dos que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual, caso em que, de acordo com o disposto no 11º, nº 2, as ações devem ser interpostas contra o Estado, que se deve fazer representar em juízo pelo Ministério Público (cfr, neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», 2005, pág. 72). Encontram-se abrangidas no art 10º, nº 2, designadamente, as ações de reconhecimentos de direitos, como a dos autos, em que vem pedido o reconhecimento da aplicação aos autores/ recorrentes do Regime de Incentivos, na redação conferida pelo DL nº 320-A/2000, de 15.12, com todas as consequências legais.
No caso sub judice, verifica-se que o Ministério da Defesa Nacional, contra quem foi instaurada a presente ação, é o departamento governamental que tem por missão a preparação e execução da política de defesa nacional e das Forças Armadas no âmbito das atribuições que lhe são conferidas pela Lei de Defesa Nacional, bem como assegurar e fiscalizar a administração das Forças Armadas e dos demais serviços e organismos nele integrados – artº 1º do DL nº 122/2011, de 29.12)
A Força Aérea Portuguesa faz parte da administração direta do Estado, através do Ministério da Defesa Nacional – art 4º, nº 1, al b) do DL nº 122/2011, de 29.12.
Nos termos do art 21º, nº 2 da Lei nº 1-A/2009, de 7.7 - Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas - Nos processos jurisdicionais que tenham por objeto a ação ou omissão de órgãos das Forças Armadas em matérias de disciplina e de administração de pessoal, parte demandada é o Estado-Maior-General das Forças Armadas ou o respetivo ramo, conforme os casos, sendo representados em juízo por advogado ou por licenciado em direito com funções de apoio jurídico, constituído ou designado pelo respetivo Chefe do Estado-Maior.
A lei reconhece, designadamente, aos Chefes de Estado Maior dos ramos das Forças Armadas - Marinha, Exército e Força Aérea - personalidade judiciária, sendo que apenas para os processos que tenham como objeto as matérias referidas no nº 2 do artigo 21º da Lei Orgânica nº 1-A/2009, de 7 de julho, ou seja, em matérias de disciplina e de administração de pessoal.
O disposto no art 21º, nº 2 da LOBOFA deve ser entendido como uma regra especial de legitimidade que é também uma norma de atribuição de capacidade judiciária a um órgão, à semelhança do que sucede com o art 10º, nº 2 do CPTA.
Ora, os recorrentes vieram deduzir a presente ação contra o Ministério da Defesa Nacional para fazer valer uma matéria relativa à administração de pessoal, em concreto, respeitante aos termos de cessação de contratos de pessoal celebrados com as Forças Armadas.
Com efeito, na petição inicial os ora recorrentes pediram que o Ministério da Defesa Nacional fosse condenado a reconhecer que se lhes aplicava o Regime de Incentivos, na redação conferida pelo Decreto-Lei nº 320-A/2000, de 15 de dezembro, com todas as consequências legais daí emergentes.
Para tanto, alegaram que prestaram serviço militar em regime de contrato, tendo sido incorporados em 20.6.2005, com exceção de I… que foi incorporada a 18.9.2004, e passado à disponibilidade, o 1º, a 18.3.2012, o 2º, a 21.3.2012, o 3º a 20.4.2012, a 4º, a 25.1.2011, o 5º e 8º, a 11.3.2012, o 6º, a 4.2.2012, o 7º, a 18.3.2012 e, o 9º, a 25.3.2012.
Defendem que deviam beneficiar do regime de incentivos à prestação de serviço militar nos regimes de contrato e de voluntariado, aprovado pelo DL nº 320-A/2000, de 15.12, na redação que esse regime tinha antes das alterações que lhe foram introduzidas pelo DL nº 320/2007, de 27.9.
Defendem que intentam a presente ação de forma tempestiva, alegando que não foram notificados de qualquer ato de processamento e os autores A…, L…, M… e P… solicitaram a fundamentação, que receberam a 12.10 e a 18.9, e que através da presente ação não pretendem a impugnação de qualquer ato de processamento, mas o reconhecimento de que se aplica às respetivas situações o regime de incentivos, com a redação conferida pelo DL n.º 320-A/2000, de 15.12, com todas as consequências legais.
Em face do alegado, a matéria substantiva em discussão reconduz-se, sem dúvida, a matéria de administração de pessoal na Força Aérea.
Assim, atenta a causa de pedir e o pedido e por força do estatuído no art 10º, nº 2 do CPTA, que determina que cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida, há que concluir que a presente ação deveria ter sido intentada contra o ramo das Forças Armadas em que os militares prestaram serviço, no caso a Força Aérea Portuguesa, conforme determina o artigo 21º, nº 2 do da Lei Orgânica nº 1A/2009, de 7.7.
A legitimidade passiva e o interesse processual em contradizer cabe, no caso, à Força Aérea Portuguesa, que se encontra integrada no Ministério da Defesa Nacional.
Por conseguinte, o Ministério da Defesa Nacional carece de legitimidade passiva (cfr processos idênticos, sobre a mesma matéria substantiva, contra o mesmo réu, julgados pelo TAC de Lisboa, sob os nº 3202/12 e nº 38/13 (este com recurso para este TCAS, julgado, parcialmente procedente, em 21.1.2021).
Aliás, esta foi a conclusão a que chegou a decisão recorrida, ao considerar que a legitimidade passiva para a presente ação cabe à Força Aérea Portuguesa, sendo o Ministério da Defesa Nacional desprovido de legitimidade passiva.
No entanto, a decisão recorrida, aqui chegada, não aferiu, como devia, se a ilegitimidade passiva era sanável, mediante convite ao aperfeiçoamento da petição inicial. Circunstância em que, verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Ministério da Defesa Nacional, a consequência não seria a imediata extinção da instância com tal fundamento, como concluiu a sentença, por se impor ao julgador prévio convite ao aperfeiçoamento da petição inicial com vista à sua sanação, nos termos do artigo 590º, nº 2, al a) do CPC ex vi arts 35º, nº 1 e 42º, nº 1 do CPTA/2002.
Efetivamente, tendo a ação sido proposta contra o Ministério da Defesa Nacional no qual se integram as Forças Armadas, que compreendem o ramo da Força Aérea, a ilegitimidade passiva do Ministério da Defesa Nacional é, no caso, suprível (cfr ac do TCAS, de 21.1.2021, processo nº 38/13.8BELSB).
E, sendo a ilegitimidade suprível, assiste razão aos recorrentes, foi cometida uma nulidade processual.
Porque ocorreu a omissão de um despacho judicial devido em tempo útil que obstou ao prosseguimento da instância, com a necessária citação da Força Aérea Portuguesa, em vez da extinção da instância como foi decidido.
Para que possa haver lugar à extinção da instância por procedência de exceção dilatória de ilegitimidade passiva suprível, forçoso é que o juiz profira despacho a convidar a parte a providenciar pelo suprimento, sob pena de nulidade processual.
Só então e perante a ausência de requerimento da parte notificada para o efeito pode o juiz determinar a extinção da instância.
Caso contrário, vindo a parte responder ao convite, o tribunal deve mandar citar a parte com legitimidade passiva, com interesse direto em contradizer.
Os recorrentes, no art 6º da réplica, requereram, para o caso de se entender que o aqui réu não tem legitimidade passiva, a absolvição da instância do réu, acompanhada da correspondente citação do Estado Maior da Força Aérea.
O que, em face do que antecede, cumpre determinar nesta instância de recurso.
Nestes termos, julga-se o Ministério da Defesa Nacional parte ilegítima, o que, constituindo uma exceção dilatória, tem como consequência a absolvição da instância, nos termos do art 278º, nº 1, al d), 576º, nº 2 e 577º, al e) do CPC ex vi arts 35º, nº 1 e 42º, nº 1 do CPTA/2002, e, de acordo com o art 21º, nº 2 da Lei Orgânica nº 1º-A/2009, de 7.7, parte demandada é o ramo das Forças Armadas – Força Aérea Portuguesa.
Baixando os autos à primeira instância para aí prosseguirem os ulteriores termos, desde já, com a citação da Força Aérea Portuguesa.
Termos em que fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso.

Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em:
i) conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida; e, em substituição,
ii) julgar o réu Ministério da Defesa Nacional parte ilegítima, absolvendo-o da instância,
iii) determinar a baixa do processo ao Tribunal a quo para aí prosseguir os ulteriores termos contra a Força Aérea Portuguesa, se a tal nada mais obstar, desde já com a citação da Força Aérea.
As custas ficam a cargo da parte vencida a final.
Registe e notifique.
Lisboa, 2022-05-19,
(Alda Nunes)
(Lina Costa)
(Catarina Vasconcelos).