Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07781/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:- RECLAMAÇÃO JUDICIAL
- REEMBOLSO DE IVA
- PENHORA DE CRÉDITO FISCAL
- JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:i) A reclamação da decisão do órgão de execução fiscal não visa a impugnação de qualquer acto de liquidação, mas sim a impugnação dos actos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal (do que constitui um incidente) que afectem os direitos e interesse legítimos do executado ou de terceiro.
ii) Deste modo, não tendo a reclamação de actos praticados em execução fiscal, prevista no art. 276.º, n.º 1, do CPPT, por objecto qualquer acto de liquidação, não pode constituir um meio adequado para definir a existência ou não do direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 1, da LGT.
Apenas com fundamento no retardamento da restituição oficiosa do tributo, se admitiria ficar a Administração Fiscal constituída no dever de proceder ao pagamento de juros indemnizatórios (art. 43.º, n.º 3, al. a), da LGT), o que no caso não resulta minimamente do probatório fixado
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório


A Fazenda Pública (Recorrente), veio recorrer do segmento decisório da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que no processo de reclamação judicial do acto do órgão da execução fiscal apresentado, ao abrigo do disposto no art. 276.º e s. do CPPT, por ...– Materiais de Construção, SA (Recorrida), julgando a reclamação procedente, concedeu à reclamante o direito aos peticionados juros indemnizatórios nos termos do disposto no art. 43º da LGT. No final da sua alegação, formulou as seguintes conclusões:

I. A reclamação da decisão do órgão de execução fiscal não visa a impugnação de qualquer ato de liquidação;

II. A reclamação de atos do órgão de execução fiscal não é o meio processual adequado para ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios à Reclamante;

III. A sentença recorrida fez errónea interpretação e aplicação do art. 43° da LGT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, parcialmente revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a reclamação improcedente no segmento condenatório referente aos juros indemnizatórios, tudo com as devidas e legais consequências.


A Recorrida não apresentou contra-alegações

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronunciou pela procedência do recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:


As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo, perante os elementos de facto existentes e o meio processual em uso, errou ao reconhecer o direito da impugnante ao percebimento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1. Em 02/09/2013 foi efectuada a compensação no montante de € 951,37, referente ao reembolso de IVA no montante de € 78.018,17 (cfr. doc. junto a fls. 7 do processo executivo junto aos autos);
2. Em 20/11/2013, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 2208201301146394 que corre termos no Serviço de Finanças de Palmela contra ...– Materiais de Construção, S.A. no montante de € 951,37 (cfr. fls. 1 da cópia do processo executivo junto aos autos);
3. Por oficio de 25/11/2013 foi a executada citada no âmbito do processo executivo identificado no ponto anterior para proceder ao pagamento da dívida exequenda até 29/12/2013 (cfr. doc. junto a fls. 3, frente e verso, do processo executivo junto aos autos);
4. Por requerimento entrado no Serviço de Finanças em 06/01/2014 a Impugnante veio oferecer para ser constituído penhor sobre duas balanças ambas livre de ónus ou encargos e registadas com o valor contabilístico bruto de € 38.545,95, propriedade doutra sociedade se com ela tem uma relação de grupo (domínio total), em virtude de ter impugnado judicialmente as liquidações em causa no processo executivo tendo sido junto um balancete geral (acumulado até Outubro de 2013 (cfr. doc. junto a fls.4, verso, a 21, frente e verso, do processo executivo junto aos autos);
5. Em 07/01/2014 foi elaborada uma informação pelo Serviço de Finanças de Setúbal, da qual consta que a Reclamante vem solicitar que seja autorizada a constituição de penhor sobre duas balanças ambas livres de ónus ou encargos informando que irá intentar a competente Impugnação Judicial. Informa ainda que o montante da garantia a prestar será de € 22.681,72 (cfr. doc. junto a fls. 22, verso, do processo executivo junto aos autos);
6. A informação identificada no ponto anterior foi prestada no âmbito do processo executivo identificado em 2 e dos processos executivos nºs 2208201301146378, 2208201301146408, 2208201301146432, 2208201301146424, 2208201301153811 e 2208201301153560 (cfr. doc. junto a fls. 22, verso, do processo executivo junto aos autos);
7. Em 07/01/2014 foi proferido despacho no sentido de ser o pedido remetido à Direcção de Finanças de Setúbal para apreciação e decisão (cfr. doc. junto a fls. 22, verso, do processo executivo junto aos autos);
8. Em 08/01/2014, foi constituído penhor sobre a quantia identificada em 1 no montante de € 1.849,49 (cfr. doc. junto a fls. 18 dos autos);
9. Por ofício de 16/01/2014 foi a Reclamante notificada da constituição de penhor legal sobre a quantia de € 1.849,49 (cfr. doc. junto a fls. 18 dos autos);

Não foi fixada factualidade não provada com interesse para a decisão.

A fundamentação da decisão da matéria de facto foi a seguinte:

A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.



II.2. De direito


A Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada na parte em que reconheceu, ao abrigo do disposto no art. 43.º da LGT, o direito da reclamante e ora Recorrida ao percebimento de juros indemnizatórios, com a consequente condenação da ora Recorrente ao seu pagamento.

Alega a Recorrente no recurso que interpôs que “nos presentes autos, não foi sindicada a legalidade de qualquer ato de liquidação, mas antes a legalidade do ato de penhora de créditos correspondente ao reembolso de IVA. // Pelo que, não é este o meio processual para a Reclamante ver reconhecido um seu eventual direito a juros indemnizatórios” (cfr. o alegado em 11.º e 12.º e a conclusão II do recurso).

Na sentença recorrida, na parte que vem questionada, afirmou-se o seguinte:

Estando nós perante uma situação em que existe erro por parte dos serviços os mesmos são devidos desde a data em que o tributo era devido pela AF.

Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, julgar-se-á totalmente procedente a presente Reclamação.

Porém, o assim decidido e que constitui o objecto do dissídio, não poderá manter-se.

Com efeito, muito embora o art. 43.º, n.º 1, da LGT refira as expressões “reclamação graciosa” e “impugnação judicial” e mesmo entendendo-se, como se entende, que estas não devam ser interpretadas literalmente como referências aos tipos de processos tributários que têm essas designações, mas sim extensivamente, por forma a abranger outros meios processuais, a verdade é que as ditas referências deverão ser interpretadas como reportando-se aos meios administrativos e contenciosos que os sujeitos passivos têm ao seu dispor para impugnação dos actos de liquidação (neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6.ª ed, 2011, p. 543; na jurisprudência, i.a., v. os ac.s do STA de 3.05.2006, proc. n.º 350/06 e de 9.01.2013, proc. n.º 745/12).

Na presente reclamação está em causa o acto de compensação, no valor de EUR 1.849,49, efectuado através da penhora de créditos relativos a reembolso de IVA, para pagamento de diversas dívidas exequendas, designadamente da dívida em causa no referido processo de execução. Alegou a reclamante – no que a sentença lhe deu razão e a Autoridade Tributária não contesta – que tendo sido constituído penhor sobre créditos para pagamento de uma dívida cuja garantia havia já sido por si oferecida voluntariamente, a penhora havia sido realizada ilegalmente, com existência de erro por parte dos serviços.

Ora, como a reclamação a que se reportam os presente autos não visa a impugnação de qualquer acto de liquidação de um tributo, mas sim a impugnação de acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal – no caso, o acto de constituição do penhor de créditos tributários reclamado (cfr. 8 do probatório) –, não podia a Mma. Juiz a quo no caso em apreço, apenas com o avançado fundamento da existência de erro por parte dos serviços, condenar a Administração Fiscal ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da ora Recorrida. O que não significa que o lesado não possa valer o direito através de outros meios, caso demonstre ter sofrido prejuízos.

Como se concluiu a este propósito no referido acórdão do STA de 9.01.2013, proc. n.º 745/12, a cujo discurso fundamentador se adere: “E também não se pode incluir [O pedido de juros indemnizatórios pela ilegalidade do acto de compensação] no nº 1 do artigo 43º porque, na previsão dessa norma, o erro de facto ou de direito, imputável aos serviços, só pode ser determinado na apreciação e decisão dos processos de reclamação graciosa ou de impugnação judicial quando estiver em discussão a (i)legalidade de uma liquidação. Como anota Jorge de Sousa, «embora não se refira expressamente, no nº 1 deste art. 43º, que o acto viciado por erro deve ser um acto de liquidação, são os actos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos daquele tipo que se reporta esta disposição» (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed. Vol. I, pág. 530).

É verdade que, nos termos do art. 100º da LGT, uma decisão favorável ao sujeito passivo no âmbito da impugnação judicial tem por objecto imediato a reconstituição da legalidade do acto tributário, remetendo para o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso. Mas aquela norma, na sua extensão e compreensão normativas, não permite uma interpretação extensiva da norma do nº 1 do art. 43º da LGT. Ainda que conexa com a do art. 100º da LGT, a hermenêutica não pode ferir o seu elemento literal, ponto de partida e limite na fixação do seu alcance decisivo, sendo que o legislador manifestou, coerentemente, nessa norma a sua vontade expressa de limitar aos meios processuais em causa, ligados ao contencioso anulatório da «liquidação», o conhecimento dos pressupostos do direito a juros indemnizatórios.

Pelo que, no caso presente, não tendo o erro ocorrido no acto de liquidação de um tributo – aliás, como faz notar o Ministério Público no parecer emitido, nem sequer foi posta em causa na presente reclamação a legalidade de um acto de liquidação –, antes se contestando um acto materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal, o que não se subsume no aludido contencioso anulatório de “liquidação”, não poderia a Fazenda ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

Em tese que subscrevemos, em complemento do que vimos de dizer e trazendo à colação o disposto no art. 22.º, n.º 8, do CIVA, veja-se o que em caso em tudo semelhante ao presente se afirmou no acórdão do TCA Norte de 2.07.2010, proc. n.º 148/10.3BEPRT:

Na situação sub judice, o pedido de juros indemnizatórios que é formulado pela Recorrente não se reporta ao pagamento indevido de um tributo, não caindo, portanto, na previsão do nº 1 do artigo 43º.

(…) No entanto, como bem assinalou a sentença recorrida, não é este o meio processual próprio para a Recorrente fazer valer o direito ao pagamento de juros indemnizatórios de que se arroga titular.

Com efeito, aquele direito a juros indemnizatórios que se prevê no nº 8 do artigo 22º do CIVA decorre da verificação de um atraso por parte da administração tributária no reembolso de IVA que seja devido ao sujeito passivo e depende de uma solicitação deste no sentido de, uma vez verificado o incumprimento do prazo legal de reembolso, lhe serem liquidados tais juros.

Não se vislumbra, por isso, qualquer fundamento para que, em processo de reclamação previsto no artigo 276º do CPPT, se cumule com o pedido anulação do acto reclamado o pedido de juros indemnizatórios pelo alegado atraso no reembolso do IVA, uma vez que este meio processual tem a sua esfera de aplicação circunscrita à execução fiscal constituindo-se, verdadeiramente, como um seu incidente. Através dele, pretende-se, portanto, a sindicância de um acto praticado num processo de execução fiscal e não já de actuações da administração tributária que se situem fora do âmbito de um tal processo.

Manifestamente, o pedido de reembolso do IVA formulado pela Recorrente e o alegado atraso nesse reembolso por parte da administração tributária, são estranhos à execução fiscal e por isso dizemos ser processualmente inidónea a utilização do processo de reclamação previsto no artigo 276º do CPPT para apreciar questões atinentes a tal matéria.

Analisando a questão por outro prisma de análise, também não vemos que a condenação em juros indemnizatórios possa decorrer do art. 43.º, n.º 3, al. a), da LGT.

Nos termos dessa norma, são também devidos juros indemnizatórios quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos. Por esta via, poderia admitir-se que seriam devidos juros indemnizatórios no caso de a Administração Fiscal não ter restituído, em tempo oportuno, à ora Recorrida o reembolso do IVA. Como se disse igualmente no, também referido, acórdão do STA de 3.05.2006, proc. n.º 350/06: “Já assim não será se a Administração Fiscal não restituiu, em tempo oportuno e ainda que oficiosamente, ao contribuinte os reembolsos que foram aplicados ao pagamento, por compensação, do IRS respeitante a uma liquidação adicional de outro exercício, conforme resulta do disposto no art. 43.º, n.º 3 da LGT” (cfr., no mesmo sentido, o ac. deste TCA Sul de 31.08.2011, proc. n.º 4973/11; aparentemente em sentido oposto, Jorge Lopes de Sousa, para quem esta previsão legal abrange as situações em que houve excessiva retenção na fonte ou pagamento por conta e que se mostram previstas nos artigos 96º do CIRS e 96º, nº 3 do CIRC – cfr. Juros nas Relações Tributárias, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, p. 171).

Sucede que no caso presente, mesmo a admitir-se, repete-se, a aplicabilidade do citado preceito legal, a factualidade fixada no probatório não permite concluir pela existência de um qualquer efectivo retardamento da restituição do tributo (por via da penhora de créditos fiscais anulada). Com efeito, não vêm evidenciados factos que permitam minimamente sustentar a aplicação do disposto na alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT. Aliás, o que foi alegado pela ora Recorrida na p.i. de reclamação neste capítulo foi que a emissão das penhoras de créditos sobre clientes prejudicavam a sua actividade, concretamente ao nível da tesouraria, bem como a sua imagem (cfr. art.s 21.º a 26.º da p.i.). O que, convenhamos, nada tem a ver com penhora efectuada e judicialmente anulada pela sentença recorrida, nem com um qualquer retardamento no reembolso de IVA; a penhora efectuada diz respeito a um crédito fiscal (IVA) e não a quaisquer pagamentos devidos pelos clientes da reclamante e ora Recorrida.

E assim sendo, não se descortina fundamento para a condenação nos juros indemnizatórios peticionados pela ora Recorrida, não se mostrando, portanto, os mesmos devidos.

Por tudo o que ficou dito, procedem integralmente as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A reclamação da decisão do órgão de execução fiscal não visa a impugnação de qualquer acto de liquidação, mas sim a impugnação dos actos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal (do que constitui um incidente) que afectem os direitos e interesse legítimos do executado ou de terceiro.
ii) Deste modo, não tendo a reclamação de actos praticados em execução fiscal, prevista no art. 276.º, n.º 1, do CPPT, por objecto qualquer acto de liquidação, não pode constituir um meio adequado para definir a existência ou não do direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 1, da LGT.
iii) Apenas com fundamento no retardamento da restituição oficiosa do tributo, se admitiria ficar a Administração Fiscal constituída no dever de proceder ao pagamento de juros indemnizatórios (art. 43.º, n.º 3, al. a), da LGT), o que no caso não resulta minimamente do probatório fixado.



IV. Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença na parte que condenou em juros indemnizatórios.

Custas pela Recorrente e pela Recorrida, na proporção do decaimento, não sendo por esta última devido o pagamento da taxa de justiça nesta instância, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 26 de Junho de 2014


Pedro Marchão Marques

Benjamim Barbosa

Anabela Russo