Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:863/19.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:02/13/2020
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:CEDÊNCIAS PARA USOS COLECTIVOS
ACORDO DE COOPERAÇÃO
CONTRATO ADMINISTRATIVO
Sumário:1. Os titulares do direito à informação administrativa procedimental são aqueles que têm interesse directo no procedimento.
2. Sendo o exercício da competência obrigatório e de ordem pública, a Administração não pode transferir para outrem o respectivo exercício (não podendo, de todo, transferir a competência, enquanto poder público) a não ser no quadro de previsão legal expressa.
3. Em caso de cedências de parcelas destinadas a usos colectivos, como sejam espaços verdes, equipamentos de utilização colectiva ou infra-estruturas (arruamentos, passeios e estacionamentos), a sua gestão assume a natureza de uma atribuição de imputação municipal, configurando-se como um poder-dever desta entidade, sujeita a uma estrita regulamentação legal.
4. Os acordos de cooperação previstos no artº 46º nºs. 1 e 2 RJUE embora assumam a natureza de contratos administrativos (contratos que configuram relações jurídicas administrativas), estão fora do âmbito de aplicação do regime da contratação pública e, por isso, não estão sujeitos às regras da concorrência, v.g. do regime de incidência objectiva da Parte II do Código dos Contratos Públicos, consequentemente, da Parte III, na medida em que o próprio RJUE define o objecto contratual - “a gestão das infra-estruturas e dos espaços verdes e de utilização colectiva” - bem como os sujeitos - a entidade pública e os co-contratantes privados - sendo os co-contratantes privados determinados, exclusivamente, pela qualidade jurídica de “moradores ou grupos de moradores das zonas loteadas e urbanizadas”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Município de Sintra, com os sinais nos autos, inconformado cm a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vem recorrer, concluindo como segue:


1.  0 Tribunal a quo incorreu em múltiplos e evidentes erros de julgamento tanto sobre a apreciação da matéria de facto, como sobre a aplicação do direito ao caso presente, ao ter determinado a condenação da Entidade Requerida, ora Recorrente, à prestação de informações à Requerente, ora Recorrida, quanto às dotações orçamentais destinadas à gestão dos espaços comuns do "Belas Clube de Campo” e quanto às entidades a quem são entregues as respectivas verbas, e ainda a permitir a consulta dos processos em que constem eventuais regulamentações sobre as competências para o exercício da gestão daqueles espaços, tendo, nessa sequência, violado o disposto nos artigos 105- do CPTA e 82- e 83- do CPA.
2.  Ora, previamente, cumprirá sublinhar que resulta claro dos factos dados como provados que a Requerente, ora Recorrida, veio a coberto do exercício de um pretenso direito à informação e, assim, do recurso à presente intimação, pretender tão só que, no prazo de 10 dias - concretamente estipulado em matéria de direito à informação -, a Entidade Requerida, ora Recorrente, com ela celebrasse o Protocolo ou Acordo de Cooperação inicialmente proposto.
3.  O que está a ser, afinal, subliminarmente peticionado e que sustenta a presente querela é, portanto, a "intimação” da Administração a decidir sobre o Protocolo ou Acordo de Cooperação requerido para a conservação e manutenção dos espaços de cedência recepcionados pela Câmara Municipal de Sintra no âmbito da urbanização "Belas Clube de Campo”, já que essa consubstancia a pretensão originária da Requerente, que apenas formula os restantes pedidos de informação e consulta de processos em sede de renovação do pedido inicial. 
4. O Tribunal a quo entendeu no entanto que “aquilo que a Requerente pretende é a intimação da Requerida a informá-la sobre e quais as dotações (..)”, entendimento que deverá ser obrigatoriamente reapreciado por este Tribunal com a consequente determinação da improcedência da causa, e revogação da sentença recorrida, por não estarem verificados os pressupostos processuais do processo de intimação, regulado nos artigos 104º e seguintes do CPTA.
5. Porém, e ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento ao ter condenado o ora Recorrente na prestação de informações à Requerente sobre as dotações constantes do orçamento municipal para a gestão dos espaços comuns da urbanização "Belas Clube de Campo", bem como sobre as entidades a quem são entregues as respetivas dotações, já que a mesma se mostra inexequível.
6. É que, na verdade, o orçamento da Câmara Municipal de Sintra não prevê rúbricas específicas por espaços, localidades ou freguesias, com afetação de dotação orçamental para despesas com a gestão dos espaços públicos, nomeadamente, limpeza pública e manutenção de espaços comuns, como sejam, arruamentos, passeios, estacionamento e zonas verdes.
7. Pelo que, naturalmente, a informação que foi solicitada, naqueles termos, não poderia ter sido respondida, e só por isso é que não o foi, e por conseguinte nunca poderia o Tribunal a quo condenar o ora Recorrente, à prestação daquelas informações, porquanto as mesmas não poderão ser prestadas, sendo que, por isso, a sentença não é exequível quanto a esta parte, violando o disposto no artigo 822 do CPA e devendo, por isso, ser revogada.
8. Também quanto à condenação patente na sentença recorrida destinada a permitir a consulta do ou dos processos de onde constem eventuais regulamentações sobre as competências para o exercício da gestão de espaços comuns da urbanização “Belas Clube de Campo” vislumbra-se um manifesto erro de julgamento.
9. Pois que sem prejuízo de os interessados poderem consultar os processos que deram origem aos alvará de loteamento dos espaços comuns em relação aos quais foram recebidas obras, e se pretende sejam objecto de Acordo de Cooperação, não existe em tais processos, como é natural, documentação relativa a regulamentação da atribuição das competências quanto às responsabilidades de manutenção e conservação dos espaços públicos cedidos ao Município.
10. Em boa verdade, as informações requeridas, consubstanciadas em disposições regulamentares, não integram o direito à informação tal como é assimilado no nosso ordenamento jurídico.
11. Assim, o pedido da Requerente, ora Recorrida, bem como a condenação determinada pelo Tribunal a quo, nos moldes em que foram configurados, não são passíveis de serem cumpridos pelo ora Recorrente.
12. De qualquer forma, as competências a que a Recorrida e oTribunal se referem nesta sede, constam de diplomas municipais que são, consabidamente, públicos e, por isso, facilmente cognoscíveis por todos os cidadãos e entidades.
13. Ademais, note-se que, no petitório, a Requerente, ora Recorrida, nem sequer logra clarificar e identificar quais os processos administrativos que pretende consultar (até porque, na verdade, nem podia, porque não existem processos administrativos em que constem tais regulamentações, como acima se explicitou).
14. Pelo que, de resto, nunca estaria o Tribunal a quo em condições para poder apreciar e decidir sobre a admissão e procedência desta concreta consulta, razão por que, tendo-o feito, acabou por violar o disposto no artigo 83º do CPA.
15. Em suma, está-se perante uma sentença condenatória que, perante o seu concreto conteúdo, não é exequível, seja porque a informação solicitada não é passível de ser prestada, seja porque o pedido de consulta dos processos administrativos, naqueles termos, também não é possível.


    *

A A…. – Associação ….. contra-alegou, concluindo com segue:


1. Não existe qualquer desconformidade entre o meio processual utilizado pela Recorrida e a sua pretensão : a intimação visa a prestação de informação pela Recorrente, direito que lhe foi negado e continua a ser e é essa a causa de pedir, sendo a Requerente parte legitima, em tempo e verificando-se todos os requisitos e condições necessárias previstas no CPTA .
2. Não existe qualquer violação de nenhuma norma legal nem erro de julgamento quanto à condenação na prestação de informações de todas as questões de que a Recorrida pede informação
3. Uma vez que em relação a todas as questões compete, exclusivamente à recorrente no âmbito das suas competências prestar essas informações, de forma atempada e nos termos da Lei aos cidadãos que as requeiram nos termos legais.
4. Relativamente a cada um dos pedidos de informação ao Município Recorrente deve o mesmo Município ser capaz de prestar informação clara e atempada, mantendo os procedimentos relativos quer às dotações orçamentais e sua execução efetiva acessíveis, quer os relativos a todos os processos administrativos relativos a informações, procedimentos, despachos e decisões e deliberações relativas ás matérias de que a Recorrida solicitou informação - mormente sobre a gestão dos espaços públicos da designada urbanização “ Belas Clube de Campo” - sem que se mostre necessário que quem solicita a informação seja obrigado a adivinhar qual a identificação interna dos processos administrativos em causa.
5. Toda a informação solicitada existe no Município e é transmissível e deverá ser informada à Requerente conforme ordenado pelo Tribunal,
6. Todas as informações que o Município foi condenado a informar podem ser prestadas, sendo a sentença “a quo “ exequível no seu todo,
7. O presente recurso constitui rnais um expediente dilatório do Município Recorrente visando a desobediência à prestação da informação a que foi condenado
8. e bem condenado, pelo douto tribunal “a quo que, ao apreciar e decidir como decidiu, não violou qualquer Lei, antes sim aplicou o direito aos fatos dados como provados de forma clara e adequada.


     *

  Substituídos os vistos legais pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.


      *

Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:


                                                                                                                              DO   DIREITO

                Vem assacada a sentença de incorrer em violação primária de direito substantivo por erro de julgamento em matéria de:

a. pressupostos processuais do processo de intimação, regulado no artº 104º e seguintes do CPTA ………………………………….  itens 2 a 4 das conclusões;

b. condenação da recorrente “(..) na prestação de informações à Requerente sobre as dotações constantes do urbanização "Belas Clube de Campo", bem como sobre as entidades a quem são orçamento municipal para a gestão dos espaços comuns da entregues as respectivas dotações, já que a mesma se mostra inexequível (..)”  …………………………………………….... itens 5 a 7 das conclusões:

c. condenação da recorrente “(..) a permitir a consulta do ou dos processos de onde constem eventuais regulamentações sobre as competências para o exercício da gestão de espaços comuns da urbanização “Belas Clube de Campo” (..) [porque]  sem prejuízo de os interessados poderem consultar os processos que deram origem ao alvará de loteamento dos espaços comuns em relação aos quais foram recebidas obras, e se pretende sejam objecto de Acordo de Cooperação, não existe em tais processos …, documentação relativa a regulamentação da atribuição das competências quanto às responsabilidades de manutenção e conservação dos espaços públicos cedidos ao Município (..)” …………………………….. itens 8 a15 das conclusões.


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Conforme segmento decisório, em sede de sentença o Município ora Recorrente foi intimado a,
  • informar a requerente sobre as dotações do orçamento municipal de Sintra destinadas à gestão dos espaços comuns da urbanização “Belas Clube de Campo
  • sobre quais as entidades a quem são entregues as respectivas verbas, e ainda,
  • a permitir a consulta do ou dos processos administrativos de que constem eventuais regulamentações sobre as competências para o exercício da gestão daqueles espaços

1. processo de intimação -  direito à informação procedimental e não procedimental;

O processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado nos artºs 104° e 108º do CPTA, enquanto meio processual autónomo, visa a resolução urgente e célere de pretensões que se reconduzem a assegurar os direitos à informação administrativa procedimental e não procedimental e acesso aos documentos administrativos, direitos com assento constitucional atento o disposto nos artºs. 35° nºs. l a 7 e 268º nºs. l e 2, CRP, concretizados ao nível do direito ordinário nos artºs 82º a 85º CPA/revisão de 2015 (artºs. 61°- 64°/CPA/1991) no tocante à tutela do direito à informação procedimental e, na vertente do direito à informação extra-procedimental na Lei 46/2007, 24.04([1])

Com efeito, no nº 1 do artº 268° CRP está consagrado que: “Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados” e no nº 2, do mesmo artº 268°, que: “Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.

Sobre o disposto nos nºs. 1 e 2 do citado artº 268° CRP (princípio do arquivo aberto), diz Sérvulo Correia que “(..) A utilização neste nº 2 do advérbio "também" denota a consciência de um nexo conjuntivo entre os direitos à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos: são, na verdade, duas diferentes concretizações de um mesmo princípio geral de publicidade ou transparência da administração.

Mas se ambos se conjugam em torno do propósito de banir o "segredo administrativo", algo os diferencia: ao passo que o primeiro direito se concebe no quadro subjectivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto, o segundo existirá independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo.(..)”. ([2])


    *

Estes dois planos do direito à informação (procedimental e não procedimental) foram respeitados aquando da sua incorporação no CPA/1991 tratando do primeiro, o direito de acesso no âmbito e no decurso do concreto procedimento administrativo, os artºs. 61° a 64°/CPA/1991 e do segundo, referente à possibilidade de recorrer a registos e arquivos administrativos, o artº 65º/CPA/1991.

O direito à informação procedimental comporta, assim, três direitos distintos: o direito à prestação de informações (art. 82º CPA/2015, 61° CPA/91), o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões (art. 83º CPA/2015, 62° CPA/91).

O direito à informação não procedimental abrange o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, nos termos constantes da Lei 46/2007, 24.04  .

Os documentos administrativos a que o particular interessado tem acesso não são apenas os que têm origem ou são detidos por órgãos da Administração, mas também a sua reprodução e o direito de serem informados sobre a sua existência e conteúdo – vd. Ac. STA de 01/02/94, Proc. n.° 33555.

O domínio, alcance e extensão da obrigação da Administração devem aferir-se tendo em atenção que a certidão é sempre um documento emitido face a um original que comprova ou revela o que consta dos seus arquivos, processos ou registos, e não a declaração de ciência ou juízo de valor baseado em factos que constem dos seus arquivos ou preexistam no seu conhecimento.

Neste sentido o Ac. STA de 17.06.97, Rec. 42279, cuja fundamentação esclarece no sentido de que “(..) está excluída a obtenção de pareceres, opiniões, instruções, ou qualquer outra forma de elucidação, seja de que natureza for, que extravasem do procedimento ou documento, o que exige a identificação ou individualização de um e do outro pela requerente, condição sine qua non para este poder ver a sua pretensão satisfeita. (..)”- mais não sendo do que documentos que visam comprovar factos pela referência a documentos escritos preexistentes ou que atestam a inexistência desses documentos.  

De acordo com o enquadramento citado, ainda que a informação ou documento cuja certidão o Requerente requer, não se encontre no processo, terá o Requerido de informar ou passar a certidão em conformidade  “(..) quanto mais não seja para atestar a sua inexistência naquele processo e ou a falta de elementos para a sua localização noutro processos e, na hipótese de não possuir tal documento para informar qual a entidade que o detém, se tal facto for do seu conhecimento (..)” – vd. Ac. STA de 30.11.94, Proc. nº 36256.

Na doutrina firmada pelo Ac. do STA de 30.11.94, tal significa que confrontando-se a Administração com estas circunstâncias deve emitir a correspondente certidão negativa.


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Continuando com a doutrina da especialidade, “(..) Na definição constitucional, os titulares do direito à informação administrativa procedimental são aqueles que têm interesse directo no procedimento.

Já os titulares do direito de acesso a arquivos e registos administrativos são os cidadãos que não estão, para aquele efeito, em qualquer relação procedimental específica e concreta com a Administração Pública. (..)

 Se quisermos utilizar duas expressões consagradas na dogmática, o direito à informação administrativa procedimental define-se como um direito uti singulis, sendo que o direito de acesso a arquivos e registos administrativos se caracteriza por ser um direito uti cives.

Ou, nas palavras de J. M. Sérvulo Correia, o direito à informação administrativa procedimental configura a “publicidade erga partes” e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos, independentemente de um procedimento, a “publicidade erga omnes” (in O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs. 9-10, pp. 135).

O primeiro perspectiva o indivíduo enquanto administrado, em sentido estrito, no quadro de uma específica e concreta relação com a Administração Pública e portador de interesses eminentemente subjectivos. Já o segundo considera o particular como cidadão face ao poder, em termos mais genéricos.

Dizendo ainda de outra forma, o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de protecção de interesses mais objectivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da acção administrativa. (..)”.  ([3])  

Do que vem dito decorre a configuração do direito à informação administrativa procedimental como direito subjectivo procedimental em consequência do princípio do contraditório e das garantias de defesa, na medida em que “(..) quem participa num procedimento tem de conhecer o respectivo objecto e as vicissitudes por que o mesmo tenha passado desde o início. (..)”. ([4])


    *

Feito o enquadramento normativo que compete, levando em linha de conta os concretos pedidos deduzidos, conclui-se que a Recorrida A…. – Associação …..  peticionou a intimação do Recorrente Município de Sintra relativamente à prestação de informações explicitamente identificadas.

Efectivamente, no articulado inicial a Recorrida peticiona que seja

· “ordena[da] a notificação do Requerido para prestar à Requerente no prazo legal de 10 dias o acesso às informações e ao(s) processos administrativos conforme descrito e peticionado em 10 a 13 da presente peça processual”

remetendo os artigos 10 a 13 da petição para o requerimento de 04.JUN.2019 dirigido ao Município Recorrente em que solicita informações e consulta de documentos  - vd. alínea c) do probatório.

  O Tribunal a quo apenas tinha que se pronunciar sobre o direito aplicável ao pedido em função do alegado, não tendo de se nortear sobre eventuais pedidos contratuais subliminarmente deduzidos.

  Neste sentido improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 2 a 4 das conclusões.

2. cedências para o domínio municipal (público e/ou privado);

As questões trazidas a recurso nos itens 5 a 7 (informações sobre dotações orçamentais) e 8 a 15 (consulta de processos) impõem o enquadramento do objecto da presente acção de intimação no âmbito do complexo normativo vigente em matéria de direito do urbanismo.


  *

De acordo com a fundamentação de direito, o presente litígio parte do interesse expressamente manifestado pela Recorrida junto do Município Recorrente mediante requerimento de 18.FEV.2019 e invocando o regime do artº 46º RJUE - vd. alínea a) do probatório  - no sentido de,

§ Todos os espaços de cedência … fixados nos alvarás de loteamento supra referidos no Empreendimento Belas Clube do Campo … sejam objecto de celebração de um Protocolo ou Acordo de Cooperação” com o Município de Sintra,”

para efeitos de manutenção e conservação das parcelas destinadas a usos colectivos e cedidas ao Município nessa qualidade  -  cfr. artºs. 43º e  44º nºs. 1 e 3 RJUE.

Em subsequente requerimento de 04.JUN.2019 - vd. alínea c) do probatório  -  a Recorrida dirigiu ao Município pedido de informações  e de consulta procedimental com o seguinte objecto:

§ quais as dotações constantes do orçamento municipal para a gestão dos espaços comuns do Belas Clube de Campo e a quem são entregues”

§ “do processo administrativo onde conste qualquer eventual regulamentação da atribuição de competências acima referida

competências  referidas no ponto 3 do citado requerimento de 04.JUN.2019 como segue

§ "competências de gestão dos espaços comuns do empreendimento Belas Clube de Campo, que ainda não se encontram formalmente atribuídas

§ Estando estas a ser executadas e cobradas aos moradores pela empresa P…..


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 A cedência de tais parcelas teve por finalidade jurídico-pública a constituição de espaços verdes, arruamentos, passeios e estacionamentos na operação de loteamento licenciada, denominada urbanização “Belas Clube de Campo”, afectação definida e constante dos alvarás nºs. 24/1995, 1/2001 e 11/2007  –   vd. alínea a) do probatório.

De acordo com a matéria de facto fixada, estão em causa as “parcelas de domínio público cedidas automaticamente à Câmara Municipal de Sintra”, ponto 2 do requerimento de 18.02.2019, “espaços comuns do empreendimento Belas Clube de Campo” compreendidos nas áreas de cedência ao Município, ponto 3 do requerimento de 04.06.2019, previstas na operação de loteamento licenciada – vd.; alíneas a) e c) do probatório.  

 De modo que, no tocante à operação de loteamento “Belas Clube de Campo”, a presente acção reporta-se apenas às parcelas objecto de cedências ao Município e destinadas a usos colectivos, como sejam espaços verdes, equipamentos de utilização colectiva ou infra-estruturas (arruamentos, passeios e estacionamentos) com o estatuto jurídico de domínio público ou domínio privado municipal, conforme o estatuto de afectação de dominialidade municipal determinado por força da lei ou definido nos próprios planos (v.g., PDM e Plano de Urbanização) para cada caso, no regime dos artºs. 43º nºs. 1 e 2 e 44º nº 1 RJUE.   

Não estão em causa espaços verdes e equipamentos de utilização colectiva ou infra-estruturas (arruamentos, passeios e estacionamentos) que, de acordo com os termos consignados na operação de loteamento licenciada, devam revestir natureza privada, conforme regime do artº 43º nº 4 RJUE.

3. acordos de cooperação – contrato administrativo de colaboração;

Vejamos agora a questão da gestão das mencionadas áreas do empreendimento “Belas Clube de Campo” destinadas a usos colectivos e cedidas para o domínio municipal, importando ao caso apenas a modalidade de gestão confiada a privados - os moradores do empreendimento - mediante acordos de cooperação prevista no artº 46º nºs 1 e 2 RJUE.

Atento o estatuto dominial das parcelas objecto de cedências para o domínio público, os acordos de cooperação constituem um modelo de gestão contratual que substitui a Administração directa municipal no tocante à gestão e consequente assunção de encargos dela decorrentes, posto que, nos termos assumidos contratualmente, a responsabilidade pelo tratamento e gestão das áreas integradas no domínio municipal passa a esfera jurídica dos privados, conforme regime constante das disposições conjugadas dos artºs 43º nº 1 e 46º RJUE.

Como nos diz a doutrina da especialidade, “(..) havendo cedência de parcelas para os referidos fins colectivos, a sua gestão assume a natureza de uma atribuição de imputação municipal, configurando-se como um importante poder-dever desta entidade, sujeita a uma estrita regulamentação legal.

O exercício deste poder-dever público (municipal) por privados não está afastado, mas tal apenas é possível mediante acordo de vontades, isto é, mediante a celebração de contratos que têm como objecto um específico serviço público: a gestão das infra-estruturas, dos espaços verdes e de utilização colectiva e, ainda, apesar de não expressamente referidos no nº 1 do artº 46º, dos equipamentos públicos. (..)

(..) A lei fixa, de forma clara e objectiva, as partes deste tipo de contrato: de um lado o Município, enquanto proprietário das parcelas destinadas a fins colectivos e responsável directo pela sua gestão; do outro lado os moradores ou grupos de moradores, enquanto os mais directos (ainda que não exclusivos) fruidores dos espaços em causa, dada a proximidade que têm em relação a eles.

Esta proximidade torna-os, de facto, particularmente interessados em assumir a sua gestão de modo a valorizar a sua própria qualidade de vida. Sendo estes os privados a quem podem ser confiadas, de forma especial  ([5])  tarefas de gestão de um serviço público, não restam dúvidas de que a sua vontade  - quanto a celebrar, ou não, o contrato e quanto aos termos dessa celebração  -  é um requisito essencial para a respectiva validade.

Donde flui que não pode (deve) esta celebração, nem os termos em que ela é feita, designadamente quanto ao valor dos encargos a assumir e o período durante o qual ela é eficaz (...) ser imposta a estes privados, seja por que via for e a que pretexto for.

No tocante à caracterização deste tipo de contratos, os mesmos assumem a natureza de “contratos administrativos de colaboração”; contratos que, passe a redundância, exprimem a cooperação entre a Administração e o particular, pelos quais aquela associa este à satisfação de uma necessidade pública, prestando este uma colaboração temporária no desempenho de atribuições administrativas. (..)”  ([6])

Feito o competente enquadramento legal, voltemos ao caso trazido a recurso.

                                                                               *

A providência intimatória requerida para consulta “do processo administrativo onde conste qualquer eventual regulamentação da atribuição de competências … de gestão dos espaços comuns do empreendimento Belas Clube de Campo” foi julgada procedente no sentido de “ permitir a consulta do ou dos processos administrativos de que constem eventuais regulamentações sobre as competências para o exercício da gestão daqueles espaços”.

Do ponto de vista estritamente jurídico cabe referir que o artº 46º nºs. 1 e 2 RJUE não configura uma habilitação normativa expressa de atribuição de competências municipais a privados concretizada na celebração dos citados acordos de cooperação.

Desde logo porque a competência administrativa, entendida como o conjunto dos poderes funcionais conferidos genericamente por lei a cada órgão ou agente (artº 44º/2 CPA) duma pessoa colectiva de direito público para a prossecução das respectivas atribuições, é irrenunciável e inalienável (artº 36º nº 1 CPA), posto que as normas atributivas de competência são de interesse e ordem pública, não podendo os poderes conferidos por lei ser objecto de disposição por parte dos seus titulares, sob cominação de nulidade (artº 36º nº 2 CPA). ([7])     

Sendo o exercício da competência obrigatório e de ordem pública, a Administração não pode transferir para outrem o respectivo exercício (não podendo, de todo, transferir a competência, enquanto poder público) a não ser no quadro de previsão legal expressa, previsão normativa que no caso trazido a recurso existe, v.g. contratualizando com os moradores do loteamento a execução de tarefas públicas no domínio urbanístico, segundo o modelo dos acordos de cooperação previstos no artº 46º nºs 1e 2 RJUE.

Neste enquadramento, a regulação executiva da gestão dos espaços comuns decorrentes das cedências para o Município previstas na operação licenciada do loteamento “Belas Clube de Campo”, será a que resulte dos termos da negociação entre o Município Recorrente e a Recorrida no tocante à assunção da responsabilidade de tratamento e gestão daqueles espaços comuns pelos particulares, expressos no acordo de vontades traduzido nas cláusulas do contrato.


  *

Concretizando, não é juridicamente admissível emitir regulamentos municipais sobre a “atribuição de competências … de gestão dos espaços comuns do empreendimento Belas Clube de Campo” porque, sendo a competência inalienável (artº 36º nº 1 CPA) a Administração autárquica não pode abdicar dos poderes funcionais a si atribuídos por lei relativamente às áreas integradas no seu património, não pode, por acto ou contrato, sobrepor-se à lei enjeitando contra-legem a medida da atribuição legal da competência; o que pode  -  nos termos da lei e na qualidade de proprietário das parcelas cedidas destinadas a fins colectivos e por cuja gestão é responsável directo - é concertar-se contratualmente com os privados  –  os moradores ou grupos de morados das zonas loteadas e urbanizadas  -  na transferência da execução da gestão dos espaços verdes e equipamentos de utilização colectiva ou infra-estruturas (arruamentos, passeios e estacionamentos) prevista no artº 46º nºs. 1 e 2 RJUE mediante acordo de cooperação, nos termos expostos.

Pelo exposto, procedem as questões trazidas a recurso nos itens 8 a15 das conclusões.

4. gestão de áreas cedidas para fins colectivos – encargo exclusivamente municipal;

Em sede de sentença o Município ora Recorrente foi intimado a,

· informar a requerente sobre as dotações do orçamento municipal de Sintra destinadas à gestão dos espaços comuns da urbanização “Belas Clube de Campo, sobre quais as entidades a quem são entregues as respectivas verbas

Constitui matéria de facto provada que as actividades exercidas no âmbito  “… das competências de gestão dos espaços comuns do empreendimento Belas Clube de Campo … estão a ser executadas e cobradas aos moradores pela empresa P….., inclusive no que respeita aos serviços remunerados por taxas já obrigatoriamente pagas pelos moradores a essa Câmara …” – vd. pontos 3 e 4 do requerimento de 04.06.2019 levado à alínea c) do probatório.

Todavia, do processo, a começar pelo conteúdo alegatório de facto e de direito vazado nos articulados, não decorre a que título jurídico as parcelas cedidas para fins colectivos ao Município de Sintra no loteamento licenciado do empreendimento “Belas Clube de Campo” são objecto de exercício de gestão e cobrança aos moradores pela sociedade P….., seja esta sociedade o promotor da operação urbanística de loteamento ou não.

Como já referido citando a doutrina da especialidade, tendo em conta o estatuto jurídico das áreas cedidas para o domínio municipal do Recorrente e destinadas a fins colectivos “(..) a sua gestão, bem como os encargos daí decorrentes são uma responsabilidade do Município. O estatuto dominial destas parcelas não permite concluir de forma diversa. (..)”  ([8])

 Matéria relevante no contexto do presente recurso, por duas ordens de razões.

Primeiro, na medida em que o desenho urbano nos moldes definidos pela operação de loteamento adquire estabilidade jurídica precisamente pelo acto administrativo de aprovação do pedido de licenciamento, acto constitutivo de direitos urbanísticos -  cfr. artº 26º RJUE  -  tendo essa definição jurídica como objecto material, no caso que importa, a discriminação das parcelas constitutivas dos lotes urbanos e das áreas de cedência ao domínio municipal para os fins previstos no artº 44º nº 1 RJUE, ou seja, tem como objecto as cedências afectas a fins colectivos como sejam os espaços verdes e equipamentos de utilização colectiva ou infra-estruturas (arruamentos, passeios e estacionamentos), concretizadas nas especificações obrigatórias do alvará e respectivas plantas, cfr. artº 77º nº 1 als. e) e f) e nº 2 RJUE([9]

Segundo, os acordos de cooperação previstos no artº 46º nºs. 1 e 2 RJUE embora assumam a natureza de contratos administrativos (contratos que configuram relações jurídicas administrativas), estão fora do âmbito de aplicação do regime da contratação pública e, por isso, não estão sujeitos às regras da concorrência, v.g. do regime de incidência objectiva da Parte II do Código dos Contratos Públicos (CCP), consequentemente, da Parte III,  na medida em que o próprio RJUE define no citado normativo

(i) o objecto contratual, a saber, “a gestão das infra-estrutras e dos espaços verdes e de utilização colectiva” e

(ii) os sujeitos, a saber, a entidade pública e os co-contratantes privados,

(iii) sendo os co-contratantes privados  determinados, exclusivamente, pela qualidade jurídica de “moradores ou grupos de moradores das zonas loteadas e urbanizadas”.


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Nesta matéria de algum detalhe técnico convocada pelo artº 46º RJUE relativa aos acordos de associação entre sujeitos privados e Administração na gestão de infra-estruturas e espaços verdes afectos a uso colectivo no âmbito de “zonas loteadas e urbanizadas”, como nos diz a doutrina da especialidade  “(..) A iniciativa de celebração destes contratos tanto pode provir dos moradores como do órgão competente do município. (..) Atendendo à natureza da prestação dos sujeitos privados, não parece que estejamos perante uma típica prestação sujeita à concorrência. De resto, dificilmente se pode afirmar a existência de um mercado no qual os moradores concorrem entre si para prestar a colaboração ao município na gestão do espaço urbano, em termos de susceptibilidade de apresentação de diversas propostas comparáveis pela entidade pública.

Com efeito, a colaboração prestada pelos moradores funda-se, como vimos, no respectivo direito de participação na gestão dos serviços da Administração e não na liberdade de iniciativa económica.

Para tanto contribui ainda a circunstância de o universo de possíveis co-contratantes da Administração ser facilmente recortável de entre aqueles que se encontram numa relação de proximidade com o espaço objecto da intervenção. (..)

Por outro lado, salvo certos benefícios económico-financeiros, previstos na Lei das Finanças Locais, que podem ser conferidas aos moradores, não existe propriamente uma contrapartida económica pelo desenvolvimento da actividade de colaboração com a Administração.

Nessa medida, falta a onerosidade que é uma das características essenciais para que se possa justificar a sujeição do contrato a regras da concorrência, como decorre do conceito de contrato público constante do artº 1º nº 2 alínea a) da Directiva nº 2001/18/CE de 21 de Março. (..)”  ([10])

Em síntese, no âmbito da previsão normativa do artº 46º RJUE (acordos de cooperação) carece de base legal impor aos privados, os moradores do loteamento, vínculos jurídico-urbanísticos de natureza obrigacional traduzidos na assunção das despesas decorrentes dos encargos inerentes ao tratamento e gestão das áreas de cedência para o domínio municipal destinadas a infra-estruturas e espaços verdes afectos a uso colectivo.   ([11])

De modo que, para celebrar um contrato de prestação de serviços tendo por objecto a “gestão das infra-estrutras e dos espaços verdes e de utilização colectiva, das zonas loteadas e urbanizadasfora do elenco dos co-contratantes privados definidos no artº 46º nºs. 1 e 2 RJUE, o ente público terá, obrigatoriamente, de observar os princípios da contratação pública em mercado aberto, maxime os princípios da concorrência e transparência, o que implica que o preço contratual tem que ser definido pelo Município na veste de entidade adjudicante como atributo ou  termo ou condição nas peças do procedimento pré-contratual, v.g. no caderno de encargos, sendo a remuneração do adjudicatário do contrato encargo exclusivo da entidade  pública, ou seja, do Município.


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No caso trazido a recurso está provado nos autos que os serviços de gestão dos espaços comuns da urbanização “Belas Clube de Campo” estão a ser executados e cobrados aos moradores pela empresa P….. – vd. alínea c) do probatório.

Componente de cobrança aos privados carecida de base legal pelas razões de direito supra expostas, posto que as parcelas cedidas ao Município de Sintra, ora Recorrente, para espaços comuns da urbanização “Belas Clube de Campo” têm, como já referido, o estatuto jurídico de domínio público ou domínio privado municipal, em razãodo estatuto de afectação de dominialidade municipal determinado por força da lei ou definido nos próprios planos (v.g., PDM e Plano de Urbanização) para cada caso.            

 Nos termos consignados na operação de loteamento licenciada e levados às especificações dos alvarás, não estão em causa espaços verdes e equipamentos de utilização colectiva ou infra-estruturas (arruamentos, passeios e estacionamentos) que revistam natureza privada, conforme regime do artº 43º nº 4 RJUE, donde, uma vez que se trata de cedência de parcelas que, nos termos da licença de loteamento, integram o domínio municipal, tal implica que a assunção dos encargos decorrentes do tratamento e gestão daqueles espaços seja uma responsabilidade do ora Recorrente, Município de Sintra.


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Quanto ao segmento do julgado intimatório no sentido de o Município de Sintra “informar a requerente sobre as dotações do orçamento municipal de Sintra destinadas à gestão dos espaços comuns da urbanização “Belas Clube de Campo” e “sobre quais as entidades a quem são entregues as respectivas verbas”, diversamente do sustentado nos itens 5 a 7 das conclusões a questão não se coloca no quadro do princípio da especificação da despesa por rubricas orçamentais, princípio consagrado na Lei do Enquadramento Orçamental para que remete o artº 3º nº 1 da Lei 73/2013, 03.09 (Lei do regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais).

Na formulação do pedido deduzido na acção de intimação, a Recorrida A…. – Associação ….. manifesta um interesse de informação procedimental reportado, expressa e unicamente, às posições subjectivas directas que derivam do licenciamento da operação urbanística de loteamento do empreendimento “Belas Clube de Campo”, posições subjectivas directas de que são titulares na qualidade de proprietários e moradores do citado loteamento nos termos do artº 46º nº1 e 2 RJUE.

Dito de outro modo.

A causa jurídica do peticionado pela ora Recorrida radica na estabilidade jurídica operada pelo acto de licenciamento – de acordo com o antecedente acto de aprovação do projecto de arquitectura - quanto à discriminação das parcelas constitutivas dos lotes urbanos e das áreas de cedência ao domínio municipal para os fins previstos no artº 44º nº 1 RJUE, áreas de cedência afectas aos fins colectivos de utilização a título de espaços verdes e equipamentos de utilização colectiva ou infra-estruturas (arruamentos, passeios e estacionamentos), por sua vez, concretizados nas especificações obrigatórias do alvará e respectivas plantas, cfr. artº 77º nº 1 als. e) e f) e nº 2 RJUE

Tal como ordenado pelo Tribunal a quo e em linha com o peticionado está em causa o interesse de informação procedimental da Recorrida A…. – Associação ….., assente no procedimento da operação urbanística de loteamento, concretizado no

· valor dos custos do Município de Sintra tidos com os encargos com a gestão dos espaços comuns objecto das parcelas cedidas ao Município para os fins previstos no artº 44º nº 1 RJUE, ou seja, os valores pecuniários da despesa pública afecta aos encargos com a gestão das áreas de cedência para fins colectivos como sejam os espaços verdes e equipamentos de utilização colectiva ou infra-estruturas (arruamentos, passeios e estacionamentos), áreas de cedência ao domínio municipal levadas às especificações obrigatórias do alvará e respectivas plantas, cfr. artº 77º nº 1 als. E) e f) e nº 2 RJUE,

· e a que entidades são entregues tais valores de encargos com a gestão dos espaços comuns objecto das parcelas cedidas ao Município no loteamento licenciado do empreendimento “Belas Clube de Campo”.


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Esta ambiência originária do pedido de intimação à informação procedimental, nos exactos termos ordenados pelo Tribunal a quo, não pode ser desconsiderada da solução urbanística concreta levada às peças desenhadas do procedimento de licenciamento.

O licenciamento do empreendimento “Belas Clube de Campo” e consequentes alvarás são condição necessária para determinar o direito à informação administrativa emergente dos autos, tal como conformado pelo pedido e causa de pedir evidenciados na petição pela ora Recorrida

Está em causa um direito uti singulis de informação da Recorrida que recai sobre o valor dos encargos com a gestão das áreas de cedência para fins colectivos, ou seja, o valor dos custos que o Município suporta com os citados encargos e sobre as entidades a quem são entregues pela Recorrente, direito à informação administrativa cujo interesse directo da Recorrida assenta nas cedências efectivadas no procedimento de loteamento afectas aos citados fins colectivos e sobre cuja gestão estão a ser cobrados encargos aos moradores do empreendimento “Belas Clube de Campo” pela empresa P….. – vd. alínea c) do probatório.

Direito à informação que entronca no pretendido acordo de cooperação, modalidade contratual específica, legalmente definida no artº 46º nºs. 1 e 2 RJUE.

Interpretado o pedido, a Recorrida A…. – Associação …..  tem interesse directo na informação sobre o valor dos custos que o Município de Sintra suporta com os citados encargos e a quem são entregues, na medida em que o universo subjectivo da Recorrida é constituído por proprietários e moradores do loteamento do empreendimento “Belas Clube de Campo”, precisamente os co-contratantes privados  determinados no artº 46º nº 1 RJUE.

Em síntese, o pedido recai não sobre eventuais especificações de rúbricas orçamentais do Município ora Recorrente para encargos com espaços comuns do empreendimento “Belas Clube de Campo”  -  se é que elas existem a este nível de detalhe orçamental   -  mas sobre o valor dos custos em concreto suportados pelo Município de Sintra com as áreas de cedência para fins colectivos dos espaços comuns da urbanização “Belas Clube de Campo” e as entidades a quem são entregues tais valores .


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O que significa que, nesta parte, não merece censura pelo que se confirma a sentença proferida pelo Tribunal a quo no segmento decisório referente à ordenada intimação do Município de Sintra para no prazo consignado de 10 (dez) dias, informar a A…. – Associação …..

(i) sobre o valor dos custos que o Município de Sintra suporta com a gestão dos espaços comuns da urbanização “Belas Clube de Campo”

(ii) e sobre quais as entidades a quem são entregues as respectivas verbas.

Pelo exposto, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 5 a 7 das conclusões,


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Tudo visto acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar recurso parcialmente procedente, nos exactos termos constantes da fundamentação.

Custas por ambas as partes na medida de 50% cada, em função do decaimento.


Lisboa, 13.FEV.2020


(Cristina dos Santos) …………………………………………………….

(Sofia David) …………………………………………………………….

(Dora Lucas Neto) ………………………………………………………

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[1] Mário Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo, 6ª ed, Almedina/2016, pág. 134.
[2]  Sérvulo Correia, O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs.9-10, págs. 133 e ss.
[3] Raquel Carvalho, O direito à informação administrativa procedimental - Publicações Universidade Católica, Estudos e Monografias/Porto/1999, págs.159/160.
[4] Pedro Machete, A audiência dos interessados no procedimento administrativo, Universidade Católica Editora, Estudos e Monografias/1996, 2ª ed., pág. 400.
[5] No original, nota de rodapé 16 – “A forma especial a que nos referimos no texto prende-se com o regime a que estes contratos estão sujeitos. Assim, é por o legislador presumir o interesse especial que os moradores têm na manutenção dos espaços que os servem que se tem considerado não estarem estes contratos sujeitos às regras da contratação pública, designadamente as regras concursais.”.
[6] Abílio Vassalo Abreu e Fernanda Paula Oliveira, Acordos de cooperação e cedências nos loteamentos, Associação de Estudos de Direito Regional e Local (AEDRL), Braga/2014, págs. 20 a 22.
[7] Mário Esteves de Oliveira, Direito administrativo – Lições, FDL/1980, págs. 334, 374 e 375; Sérvulo Correia, Noções de direito administrativo, Editora Danúbio/1982, págs. 172/174; Luiz Cabral de Moncada, CPA – anotado, Coimbra Editora/2015, págs.176/177;
[8] Abílio Vassalo Abreu e Fernanda Paula Oliveira, Acordos de cooperação e cedências nos loteamentos, Associação de Estudos de Direito Regional e Local (AEDRL), Braga/2014, págs. 23, 36-41.
[9] Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, RJUE – Comentado, 3ª ed. Almedina/2011, anotação aos artºs 26º, 44º e 77º RJUE; Fernanda Paula Oliveira, Mais uma alteração ao regime jurídico da urbanização e edificação, Almedina/2014, págs. 41-46.
[10] João Miranda, A função pública urbanística e o seu exercício por particulares, Coimbra Editora/2012, págs. 413-417, 420-424.
[11] Abílio Vassalo Abreu e Fernanda Paula Oliveira, Acordos de cooperação e cedências nos loteamentos, Associação de Estudos de Direito Regional e Local (AEDRL), Braga/2014, págs. 27, 36-41.