Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:615/15.2BECTB-A
Secção:CA
Data do Acordão:01/16/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
INCIDENTE DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO;
DIREITO DE RETENÇÃO;
APRESENTAÇÃO DE INCIDENTE DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO APÓS APRESENTAÇÃO DE PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
CASO JULGADO;
SUFICIÊNCIA DA GARANTIA;
JUROS VINCENDOS;
PEDIDO DE CONFIANÇA DO PROCESSO.
Sumário:
I - O juiz não tem que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, para cumprimento do dever de fundamentação, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem que discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar;
II – A caução é uma forma de assegurar uma obrigação, é uma garantia especial das obrigações. Em termos processuais, a caução serve para obter ou suspender um efeito imediato, no âmbito de uma dada situação jurídica, que se encontra sob litígio;
III - A caução a prestar terá de ser idónea, devendo ser prestada pelo meio adequado. A caução a prestar também terá de ser suficiente, isto é, terá de ser o bastante para garantir o valor da obrigação;
IV – O direito de retenção é um direito real de garantia. O direito de retenção permite que quem detenha legitimamente a coisa obrigada, se mantenha a detê-la para além do momento a que estava obrigado a restituí-la e até que o credor desta restituição cumpra a obrigação de crédito que tem com o retentor, em resultado das despesas feitas por causa da coisa ou de um dano por ela causado;
V - Para que o direito de retenção possa operar é preciso que não se verifiquem as condições indicadas no art.º 756.º do CC, a saber, com relevo para o caso ora em análise, é preciso que o credor da restituição não preste garantia suficiente – cf. al. d) deste artigo. A prestação de caução é, pois, um pressuposto negativo para o reconhecimento do direito de retenção. Logo, prestada a caução não há que invocar o direito de retenção; Porém, reconhecido que esteja o direito de retenção, a prestação da caução também faz extinguir aquele direito;
VI – Numa situação em que foi apresentada uma acção cautelar e seguidamente um incidente para a prestação de caução, não ocorre uma violação do caso julgado quando se verifica que não há identidade nem na causa de pedir, nem nos pedidos formulados nas duas acções, assim como, quando se apura que a decisão tomada no processo cautelar não condiciona nem limita a que possa ser tomada no incidente de prestação de caução;
V- A suficiência da garantia deve ser aferida em termos de suficiência pecuniária e temporal;
VI - O actual art.º 165.º do CPC restringe o pedido de confiança do processo físico (e pendente) à necessidade de exame de tal processo, por esse processo conter documentos não inclusos digitalmente. Consequentemente, o pedido de confiança do processo físico, actualmente, deve ser fundado em razões relacionadas com a autenticidade e genuinidade das peças e documentos entregues por via electrónica, com qualquer pedido de perícia à letra ou assinatura, ou com o adequado exame das peças e documentos digitalizados;
VII – Não foi errado o despacho que indeferiu o pedido de confiança do processo físico por tal pedido implicar um atraso no andamento do processo e se revelar um acto totalmente inútil, por o Mandatário da parte já ter, por via electrónica, o acesso integral ao processo que requeria.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

R.... – A......., interpôs recurso da sentença do TAF de Castelo Branco, prolatada em 29-03-2019, que julgou procedente o incidente de prestação espontânea de caução e fixou a caução a prestar pelo Município da Covilhã, através de garantia bancária, em €61.180,85.
A R….. interpôs também recurso do despacho prolatado em 15-05-2019, na parte em que indeferiu o pedido de confiança do processo em suporte de papel.
Em alegações ao recurso da sentença prolatada em 29-03-2019 são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões:” A. O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida, em 29.03.2019, que assenta em manifestos e gravosos erros de julgamento, existindo, ainda, uma omissão de pronúncia, geradora da sua nulidade.
B. A Sentença proferida pelo Tribunal a quo constitui uma decisão ilegal, porque proferida sobre caso julgado material, tendo errado o Tribunal de 1.ª instância ao decidir que “A restituição do bem por esta via, ou seja, como consequência da prestação de caução, não atenta contra o caso julgado da decisão cautelar”.
C. Com efeito, devia ter sido julgada procedente a Excepção de Caso Julgado, que, como é consabido, tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo Tribunal, ou outro, bem como qualquer outra Autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objecto do litígio.
D. Demonstrou-se que, independentemente de estarmos perante um Incidente de Prestação de Caução, existe caso julgado material, o que obsta à apreciação e procedência do presente Incidente, tendo o Tribunal de 1.ª instância errado ao considerar que “o facto de ter sido negada a tutela cautelar não obsta ao uso de tal expediente, na medida em que servem objetivos distintos e respondem ao preenchimento de pressupostos legais também eles distintos”, já que, conforme supra evidenciado, o caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, uma vez que o que releva é a identidade de causa de pedir, ou seja, os factos concretos com relevância jurídica, e não a identidade das qualificações jurídicas que esse fundamento comporte.
E. Por sua vez, evidenciou-se que a Recorrida, ao pretender a imediata restituição do prédio em causa, a fim de o disponibilizar para instalação da 2.ª Secção do Trabalho da Covilhã, comprova que pretende obter os efeitos daquilo que lhe foi negado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco no âmbito da Providência Cautelar que correu termos sob o Processo n.º 612/15.8BECTB.
F. A Sentença recorrida padece, ainda, de manifesto Erro de Julgamento ao considerar que na Acção Principal não se discute a ilegalidade da/na resolução do Protocolo de Colaboração.
G. Tal não poderá corresponder à verdade já que de artigos 43.º a 95.º, da Petição Inicial da Acção Principal, invocou-se, expressamente, a “Ausência de Fundamentos para a Resolução do Protocolo de Colaboração”, ou seja, a ilegalidade da/na resolução do referido Protocolo de Colaboração.
H. Não subsistem quaisquer dúvidas de que foi invocada a Ilegalidade da/na Decisão de Resolução do Protocolo de Colaboração, e essa questão terá de ser apreciada e decidida pelo Tribunal, com o que a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância assenta em manifesto e ostensivo Erro de Julgamento, devendo, nessa medida, ser revogada e substituída por outra que determine a improcedência do incidente em causa.
I. Afigura-se evidente que qualquer decisão de procedência do presente Incidente conduz à antecipação do mérito da causa da/na Acção Principal, pois que o efeito pretendido é que, com a prestação de caução, a Recorrente abandone as instalações onde se encontra e as entregue à Recorrida para aí ser instalado o Tribunal de Trabalho, e, nessa medida, o presente Incidente nunca poderia ter obtido decisão de procedência, com o que se requer a revogação da Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
J. Para além do erro de julgamento, existe, aqui, também, omissão de pronúncia (da/na Sentença) por parte do Tribunal a quo, a qual é geradora de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, o qual estatui que “É nula a sentença quando (…) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”, já que a Recorrente invocou a impossibilidade de “desocupação imediata” do Prédio, na hipótese de ser deferido o Incidente, arrolando, para o efeito, prova testemunhal.
K. Prova testemunhal essa requerida, e que ficou igualmente por responder pelo Tribunal a quo, havendo aqui, também, nulidade, por ausência de decisão sobre os meios de prova requeridos.
L. Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 2, do CPTA, “os tribunais administrativos podem fixar oficiosamente um prazo para o cumprimento dos deveres que imponham à Administração e aplicar, quando tal se justifique, sanções pecuniárias compulsórias.”, assim, e apesar de invocado pela Recorrente, não só o Tribunal de 1.ª instância não se pronunciou sobre a circunstância de vir formulado um Pedido Impossível, como, ainda, não fixou qualquer prazo para a desocupação do Prédio em caso de deferimento do Incidente, quando se impunha que se o Tribunal tivesse debruçado e decidido ambas as questões.
M. Requere-se, por conseguinte, que este Tribunal Central Administrativo Sul determine a revogação da Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, em face da Impossibilidade do Pedido, ordenando-se a baixa dos autos para se produzida a prova testemunhal requerida pela Recorrente, a qual se destina a evidenciar que é absolutamente impossível à Recorrente mobilizar “imediatamente” as suas instalações e pessoal, cabendo, à posteriori, decisão sobre o prazo a fixar para cumprimento dessa desocupação, caso se mantenha a decisão de procedência do Incidente, no que não se concede.
N. Por fim, a decisão proferida pelo Tribunal a quo assenta em manifesto Erro de Julgamento, porquanto considera ser suficiente e bastante o cálculo de Juros de Mora até 31.12.2019, sendo certo que, como reconhecido, a Acção Principal foi instaurada em 2015, não tendo ainda obtido qualquer decisão de mérito, sendo certo que, não estando perante um Processo Urgente, e atento o sistema de Recursos vigente (e seus efeitos), não é credível que haja decisão transitada em julgado na Acção Principal até à data que o Tribunal a quo considerou para cálculo dos Juros de Mora, i.e., 31.12.2019.
O. Foi evidenciado que a Garantia pretendida prestar pela Recorrida não é suficiente, na medida em que se pressupõe “que a decisão final seja proferida até ao final de 2019”, razão pela qual quantifica os Juros que faz acrescer ao valor da Caução a prestar no montante de € 6.968,84 (seis mil, novecentos e sessenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos), que calculou até essa data, mas não é crível que haja decisão final transitada em julgado até essa data de final de 2019, uma vez que a presente Acção corre termos desde 12.10.2015, não tendo ainda havido, sequer, Audiência Preliminar, com o que qualquer Sentença que venha a ser proferida, atento o sistema de Recursos Jurisdicionais vigente e a não urgência da presente Acção, apenas terá decisão transitada em julgado, com sorte, em 2022
P. Termos em que deve ser revogada a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, substituindo-se a mesma por outra que determine o apuramento/cálculo dos Juros de Mora até 31.12.2022.“


O Recorrido nas contra-alegações que apresentou ao recurso da sentença prolatada em 29-03-2019 não formulou conclusões.

Em alegações ao recurso do despacho prolatado em 15-05-2019, são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões: ”9. Vem a Ré, ora Recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 140.º, e seguintes, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, interpor Recurso Jurisdicional do referido Despacho, com Efeito Suspensivo, a subir nos próprios autos, uma vez que o mesmo assenta em erro de julgamento e consubstancia Decisão proferida contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo, pois que o Supremo Tribunal Administrativo já decidiu, por Acórdão proferido em 11.01.2005, no âmbito do Processo n.º 048429, que:
“V - Assim, quando no nº1 do artº169º do Código de Processo Civil se refere que “os mandatários judiciais constituídos pelas partes, os magistrados do Ministério Público e os que exerçam o patrocínio por nomeação oficiosa podem solicitar, por escrito ou verbalmente, que os processos pendentes lhes sejam confiados para exame fora da secretaria do tribunal”, a expressão processos pendentes abrange todos os documentos que nele constem, estejam apensos ou incorporados, pois seja qual for a sua origem os mesmos fazem parte do processo, independentemente de qual o seu destino quando tal processo deixe de estar pendente, ou seja, quando tiver terminado seus termos.
VI - A não se interpretar deste modo este preceito, estar-se-ia a violar o direito de acesso aos tribunais e ao direito por parte dos cidadãos e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrados no artº20º da CRP.”
10. Diversa Jurisprudência existe contrária ao entendimento do Tribunal a quo, de que é exemplo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n.º 00153/10.0BEBRG, proferido em 17.09.2010, onde se decidiu que: “7. Convivendo a tramitação electrónica e a digitalização dos processos com a existência de suportes físicos dos mesmos, continua a existir a possibilidade de confiança do processo, por via da aplicação supletiva, ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT, da referida norma do artigo 169º nº 1 do CPC.”
11. Existiu errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 165.º, do Código de Processo Civil, uma vez que do mesmo é feita uma interpretação absolutamente ab-rogante, já que nada no referido artigo permite a interpretação de que a confiança do processo “apenas se admite para consulta dos documentos que não se encontrem em suporte informático”.

O Recorrido não contra-alegou relativamente ao recurso do despacho prolatado em 15-05-2019.

A DMMP apresentou pronúncia sobre o recurso do despacho prolatado em 15-05-2019, no sentido da sua procedência. A DMMP não se pronunciou sobre o recurso da sentença prolatada em 29-03-2019.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir relativamente ao recurso da sentença prolatada em 29-03-2019 são:
- aferir da nulidade decisória ou do erro de julgamento por omissão de pronúncia, por não se ter apreciado a invocação relativa à impossibilidade de desocupação imediata do prédio, por não se ter apreciado o pedido de prova testemunhal que vinha requerido, por não se ter apreciado a questão de se estar a formular na PI do incidente um pedido impossível e por não se ter fixado um prazo para a desocupação do prédio;
- aferir do erro decisório porque a decisão recorrida viola o caso julgado que decorre da decisão cautelar tomada no P. 612/15.8BECTB;
- aferir do erro decisório por se entender que na acção principal não se discute a ilegalidade do Protocolo de Colaboração, quando nos art.ºs 43.º a 95.º da PI desse processo se invoca essa ilegalidade e por se estar a antecipar através deste incidente a resolução do mérito dessa causa;
- aferir do erro decisório porque se considerou bastante o cálculo dos juros de mora até 31-12-2019, quando não é crível qua haja uma decisão transitada em julgado até essa data.

As questões a decidir relativamente ao recurso do despacho prolatado em 15-05-2019 são:
- aferir do erro de julgamento por errada interpretação do art.º 165.º do CPC, por a consulta do processo físico dever ser deferida.

Do recurso da sentença prolatada em 29-03-2019
Através da indicada sentença foi julgado procedente o incidente de prestação espontânea de caução e foi fixada a caução a prestar pelo Município da Covilhã, através de garantia bancária, em €61.180,85.
O incidente em apreço foi requerido pelo Município da Covilhã ao abrigo do art.º 913.º do CPC e corre em apenso à acção administrativa especial (AAE) n.º 615/15.2BECTB.
Através da indicada AAE, a R.... peticiona para que “seja o Réu condenado a indemnizar a Autora na quantia de €54.212,01 (cinquenta e quatro mil, duzentos e doze euros e um cêntimo), acrescida de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento.”
Na contestação apresentada nessa AAE, o Município da Covilhã formula um pedido reconvencional, pedindo para o Tribunal vir: “ a) – a reconhecer o Réu-Reconvinte como dono e legitimo possuidor do prédio urbano, composto por edifício de rés-do-chão, 1º andar e logradouro, sito na Rua C……., inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias da Covilhã e Canhoso sob o artigo 2….. (anteriormente sob o artigo 1000 da freguesia de Santa Maria) e descrito na Conservatória de Registo Predial da Covilhã sob o nº 0………;” e para se se condenar o A. a “b) – restituir imediatamente ao Réu-Reconvinte o prédio anteriormente identificado, livre e desocupado.”
Foi também interposta uma acção cautelar que teve o n.º 612/158.8BECTB, em que era A. o Município da Covilhã e R. a R.... , na qual se pedia a restituição a título provisório do prédio urbano objecto do Protocolo de Colaboração. Esta acção cautelar foi julgada improcedente por decisão de 06-03-2016.

Vem o Recorrente invocar a nulidade decisória da sentença prolatada em 29-03-2019, por omissão de pronúncia, por não se ter apreciado a invocação relativa à impossibilidade de desocupação imediata do prédio, por não se ter apreciado o pedido de prova testemunhal que vinha requerido, por não se ter apreciado a questão de se formular na PI do incidente um pedido impossível e por não se ter fixado um prazo para a desocupação do prédio.
O juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou os fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Na sentença, o juiz terá, igualmente, que discriminar os factos que considera provados e em que faz assentar o seu raciocínio decisório e deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que conduzem à decisão final (cf. art.ºs 94.º, n.ºs 2, 3, 95.º, n.º 1, do CPTA, 607.º, n.ºs 2 a 4 e 608º, n.º 2, do CPC).
Não obstante, não tem o juiz que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, para cumprimento do dever de fundamentação, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem que discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar.
Por seu turno, só o incumprimento absoluto do dever de fundamentação conduz à nulidade decisória. Nestes termos, determina o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Igualmente, o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, comina com a nulidade, a sentença que omita pronúncias que sejam devidas, ou para os casos em que o juiz conheça para além das questões de que podia tomar conhecimento.
Ou seja, só ocorre nulidade da decisão por falta de fundamentação se existir uma violação grave desse dever, quer porque na sentença se omita, de todo, o quadro factual em que era suposto assentar, ou este seja ininteligível; quer porque a sentença padeça, em absoluto, de falta de fundamentação de Direito, por não revelar qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, decifráveis os fundamentos da decisão.
Ora, no caso em apreço o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Explicou o Tribunal o seu raciocínio, alicerçando-o num elenco que factos, que foram indicados na sentença, a que se seguiu uma apreciação de Direito, para, por fim, se decidir pelo pedido formulado no presente incidente.
Em causa estava o pedido para ser prestada uma caução nos termos dos art.ºs 913.º do CPC.
Portanto, cumpria ao Tribunal apreciar, apenas, acerca dos pressupostos para esse pedido e não averiguar acerca de outros argumentos invocados na causa principal, designadamente os relacionados com a desocupação do prédio.
Mais se indique, que na causa principal a R.... apenas requer para ser indemnizada pelo R. na quantia de €54.212,01, acrescida de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento. O que significa, que o pedido que formulou nessa acção é de mera indemnização e não um pedido relativo a qualquer direito de posse sobre o prédio em questão, ou para a R.... aí permanecer, usando esse prédio. Na acção principal também não vem pedida a invalidade do acto de resolução do Protocolo.
Logo, a fundamentação que se adoptou na decisão recorrida não encerra nenhuma nulidade, por se omitir uma pronúncia que coubesse fazer neste incidente.
O Recorrente pode discordar daquela fundamentação, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade decisória.
Por conseguinte, falece a invocada nulidade da decisão.

O Recorrente vem também considerar que há um erro decisório por não se ter apreciado a invocação relativa à impossibilidade de desocupação imediata do prédio, por não se ter apreciado o pedido de prova testemunhal que vinha requerido, por não se ter apreciado a questão de se formular na PI do incidente um pedido impossível e por não se ter fixado um prazo para a desocupação do prédio.
Tal como já se indicou, na acção principal a R.... invoca o seu direito a ser indemnizada pelo Município pelas obras de benfeitoria que fez no prédio cedido, sendo esse o único pedido que aí formula.
A R.... funda aquele pedido indemnizatório na circunstância de deter o direito de uso sobre o prédio em questão, por este lhe ter sido cedido gratuitamente, por um período de 20 anos, ao abrigo de um Protocolo de Cooperação. Alega a R.... , que fez um conjunto de obras de recuperação e benfeitorias, no valor total de €54.212,01. A R.... pede, também, juros de mora.
Na PI da acção principal a R.... alega, ainda, que o Protocolo celebrado configura um contrato de comodato que foi ilegalmente resolvido, por não haver fundamento para tal. Não obstante esta alegação, a R.... não faz decorrer da mesma nenhum pedido. Ou seja, esta última alegação não visa suportar nenhuma outra pretensão que não o referido pedido indemnizatório por benfeitorias feitas no prédio.
Após os pedidos reconvencionais formulados na contestação, a R.... , na réplica, invoca o seu direito de retenção sobre o prédio até haver decisão judicial que a venha a ressarcir do valor que gastou com as benfeitorias.
Já no que se refere ao pedido para a prestação espontânea da caução, que vem feito pelo Município, visa prevenir o incumprimento por banda deste Município da obrigação que possa vir a ser-lhe imputada por decorrência da decisão tomada na acção principal – cf. art.º 913.º do CPC e 624.º do Código Civil (CC).
A caução é uma forma de assegurar uma obrigação, é uma garantia especial das obrigações. Em termos processuais, a caução serve para obter ou suspender um efeito imediato, no âmbito de uma dada situação jurídica, que se encontra sob litígio (cf. a este propósito, VARELA, João de Matos Antunes - Das Obrigações em Geral. 7.º ed. Coimbra: Almedina, 2001, pp. 471-476).
Nas palavras de Joel Timóteo Ramos Pereira “a prestação de caução consubstancia uma das formas processualmente mais relevantes para a obtenção ou suspensão de um efeito imediato relativamente a uma determinada situação jurídica.” (in, do Autor, O seguro-caução. Uma nova forma de garantia no processo de prestação de contas. [Em linha]. [Consultado em 05-12-2019]. Disponível em: https://www.verbojuridico.net/doutrina/artigos/segurocaucao.html).
Por aplicação dos art.ºs 913.º, n.º 1, 988.º, 909.º do CPC e 626.º do CC, a caução a prestar terá de ser idónea, devendo ser prestada pelo meio adequado. A caução a prestar também terá de ser suficiente, isto é, terá de ser o bastante para garantir o valor da obrigação.
Por seu turno, o direito de retenção é um direito real de garantia que vem previsto no art.º 754.º do CC.
O direito de retenção permite que quem detenha legitimamente a coisa obrigada, se mantenha a detê-la para além do momento a que estava obrigado a restituí-la e até que o credor desta restituição cumpra a obrigação de crédito que tem com o retentor, em resultado das despesas feitas por causa da coisa ou de um dano por ela causado.
Antunes Varela define o direito de retenção “como o direito conferido ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusa a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores” – in VARELA, João de Matos Antunes - Das Obrigações, ob. cit, p. 578.
Mas para que o direito de retenção possa operar é preciso que não se verifiquem as condições indicadas no art.º 756.º do CC, a saber, com relevo para o caso ora em análise, é preciso que o credor da restituição não preste garantia suficiente – cf. al. d) deste artigo.
A prestação de caução é, pois, um pressuposto negativo para o reconhecimento do direito de retenção. Ou seja, prestada a caução não há que invocar o direito de retenção.
Porém, reconhecido que esteja o direito de retenção, a prestação da caução também faz extinguir aquele direito, pois, “uma vez caucionado o crédito, o retentor passa a possuir uma garantia de cumprimento pelo que a retenção da coisa deixa de ser legítima” (in LEITÃO, Menezes - Garantias das Obrigações. 2ª ed. Coimbra: Almedina, p. 244; cf. no mesmo sentido, o Ac. do TRP n.º 2379/09.0TBMTS.P1, de 12-10-2009).
Nos autos principais a A. e ora Recorrente discute apenas o seu direito indemnizatório, decorrente do valor gasto em benfeitorias. Mais invoca a A. e Recorrente, o seu direito de retenção sobre o prédio até que lhe seja pago o montante devido pelo R. e Recorrido.
Todas as referências e alegações relativas ao Protocolo celebrado e aos fundamentos da resolução visam unicamente o pedido de indemnização por essas benfeitorias.
Portanto, neste enquadramento, porque em causa naqueles autos está apenas um pedido indemnizatório, é possível ao Município oferecer e prestar uma caução para garantir a obrigação ali invocada (e ainda em litígio).
Quanto à invocação do direito de retenção, trata-se de uma faculdade da A. e ora Recorrente que fica necessariamente afastada pela prestação da caução pelo Município. Isto é, sendo prestada a caução deixa de poder ser invocado o direito de retenção, pois o crédito que a A. e Recorrente tem a haver do Município fica suficientemente acautelado pela garantia prestada.
Em suma, atendendo ao que se discute e pede na acção principal é lícito ao Município prestar caução, sendo idóneo o uso dessa garantia para o pagamento da indemnização reclamada no processo principal, assim ficando neutralizada a faculdade da R.... de fazer uso do seu direito de retenção.
Feito este excurso, facilmente se conclui pela falência dos invocados erros decisórios.
Na PI não se disputa o direito da A. e Recorrente a permanecer no prédio, mas apenas se discute o seu direito indemnizatório decorrente das benfeitorias aí feitas.
O direito de retenção que vem invocado na réplica não se confunde com um alegado direito da A. e Recorrente a manter-se na coisa cedida para além do momento em que a deveria entregar, por o Protocolo ter sido ilegalmente resolvido. Como já se disse, na PI não vem peticionado o reconhecimento de tal direito à manutenção na posse e usufruto do imóvel. Na PI também não se requer a apreciação da legalidade do Protocolo ou da ilegalidade da sua resolução.
Por conseguinte, a invocada impossibilidade de desocupação imediata do prédio é algo que se aparta do objecto da acção principal.
Da mesma forma, na acção principal não vem peticionada qualquer condenação do Município a indemnizar a R.... por prejuízos decorrentes da perda da cedência do imóvel, para além do valor das benfeitorias aí realizadas.
Portanto, a matéria o que ora se diz não conhecida na sentença recorrida irreleva para a decisão a tomar nestes autos.
No demais, o pedido formulado nesta acção incidental – de prestação de caução pelo Município - não é, manifestamente, um pedido impossível.
Claudicam, pois, as supra-referidas invocações de recurso.

Diz a Recorrente que existe uma violação do caso julgado que decorre da decisão cautelar tomada no P. 612/15.8BECTB.
Também aqui claudicam as alegações da Recorrente.
O que se visa com o presente incidente é algo diferente do que se visou com o processo cautelar. Aqui pretende-se a determinação judicial para a prestação de um valor de caução, como forma de garantir a obrigação que pode resultar para o Município da decisão judicial a proferir nos autos principais.
No processo cautelar o Município visava a restituição a título provisório do prédio em questão, durante o iter processual da acção principal, na qual, em reconvenção, o Município reclamou aquela restituição. Esse processo findou por se julgar não verificado o requisito periculum in mora.
No caso em análise, não há identidade nem na causa de pedir nem nos pedidos formulados nas duas acções.
Por outro lado, a decisão tomada no processo cautelar não condiciona nem limita a que possa ser tomada neste incidente.
O objecto do processo cautelar relaciona-se com o pedido reconvencional para a restituição do imóvel. O objecto deste incidente é relativo à prestação da caução para garantir o montante de uma eventual indemnização a que possa estar obrigado o Município por decorrência do desfecho favorável à A. e ora Recorrente do pedido indemnizatório que formulou na acção principal.
Está, pois, correcto o julgamento feito na decisão recorrida, quando a este propósito entendeu o seguinte: “Sustenta a Requerida que a caução que o Requerente se propõe prestar não é idónea, na medida em que, com a restituição do prédio o Requerente vai obter os efeitos daquilo que lhe foi negado por este Tribunal no processo cautelar nº 612/15.8BECTB.
Desde logo se diga que não assiste razão à Requerida, na medida em que conforme se retira da matéria de facto assente, a providência cautelar intentada pelo Município da Covilhã, com vista à atribuição provisória do bem, improcedeu com base na falta do requisito do periculum in mora, ou seja, pelo facto de não terem sido demonstrados prejuízos de difícil reparação decorrentes do não decretamento da providência cautelar.
A restituição do bem por esta via, ou seja, como consequência da prestação de caução, não atenta contra o caso julgado da decisão cautelar, que apenas verificou que naquele momento concreto, não estavam reunidos os requisitos legais para o decretamento da providência cautelar. Tal decisão não impede que, uma vez alteradas as circunstâncias, o Requerente não possa fazer uso de uma nova providência cautelar.
No caso concreto, o incidente de prestação de caução, serve para assegurar, que na hipótese da procedência da ação principal, o pedido da Autora (aqui Requerida) fique assegurado, por outro meio distinto, que não o direito de retenção.
O uso deste expediente legal, não é abusivo ou reprovável, enquadrando-se nas situações admitidas por lei. E o facto de ter sido negada a tutela cautelar não obsta ao uso de tal expediente, na medida em que servem objetivos distintos e respondem ao preenchimento de pressupostos legais também eles distintos.
Acrescenta ainda a Requerida que, a ação principal em causa não admite o incidente deduzido, na medida em que as relações entre as partes não o permitem.
Melhor refere que, através do presente incidente o Requerente pretende a antecipação da decisão sobre o mérito da causa, pois o efeito pretendido é que a Requerida abandone o prédio para aí ser instalado o Tribunal de Trabalho, ao que acresce a decisão cautelar que impede qualquer ato e/ou operação material de (des)ocupação do Prédio onde a R.... se encontra instalada. Mais alega que, na hipótese de ter de desocupar o prédio não dispõe de local para instalar a sua sede, nem de condições financeiras para o efeito.
Ora, analisando os argumentos da Requerida, mais uma vez se diga, que esta não faz uma interpretação correta da sentença proferida no processo cautelar 612/15.8BECTB, na medida em que o Tribunal não impediu expressamente atos e/ou operações materiais de desocupação, simplesmente não procedeu a providência porque não se encontravam preenchidos os pressupostos estabelecidos por lei (no caso, o periculum in mora). Por outro lado, o Requerente não está a praticar qualquer ato unilateral ou a praticar uma operação material, antes recorreu a um expediente previsto na lei, que é acionado junto do Tribunal a quem cabe analisar dos requisitos previstos.”

Alega a Recorrente que a decisão recorrida errou ao considerar que na acção principal não se discute a ilegalidade do Protocolo de Colaboração, quando essa discussão é trazida aos autos pelos art.ºs 43.º a 95.º da PI. Mais alega a Recorrente, que a decisão recorrida antecipa a resolução do mérito da causa principal.
A improcedência destas alegações resulta evidente face ao que já se indicou anteriormente.
Na verdade, porque a A. e ora Recorrente só peticionou o direito a ser indemnizada pelas obras e benfeitorias que fez ao abrigo do Protocolo, apenas essa matéria terá de ser discutida na acção principal e não a relativa a quaisquer outros direitos de uso do prédio.
A apreciação da ilegalidade da resolução não é requerida na acção principal. Logo, a apreciação do Protocolo celebrado só importa na estrita medida em que legitime o pagamento à A. e Recorrente da indemnização que peticiona na acção principal e que decorre das obras e benfeitorias que fez no imóvel.
Subscreve-se, pois, a decisão recorrida quando julgou o seguinte: “Como se retira da matéria de facto assente, a Requerida na ação principal que intentou e que corre sob o nº 615/15.2BECTB, peticiona que o Réu (aqui Requerente) seja condenado no pagamento de indemnização na quantia de €54.212,01, acrescida de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento. Justifica este pedido com base no alegado incumprimento do Protocolo de Colaboração celebrado, que, no seu entendimento, lhe concede o direito ao pagamento das benfeitorias que realizou no prédio.
Daqui se retira, que o pedido da Requerida na ação principal é um pedido eminentemente indemnizatório, não peticionando o prédio para si, ou a continuação da utilização do mesmo. Independentemente da causa de pedir, o pedido que está em causa assegurar restringe-se a um quantitativo indemnizatório.
Assim sendo, o prédio em questão não é o objeto da ação principal, pelo que a prestação de caução, com a correspetiva entrega do prédio, não conduz à antecipação do mérito da causa principal, que não perde o objeto e continua a ter a mesma utilidade.
(…) Ainda, e no que respeita ao facto da Requerida ter a sua sede instalada no prédio alvo do direito de retenção, não se olvidam os constrangimentos que a desocupação do prédio possam causar à Requerida, no entanto é um argumento que não põe em causa a idoneidade da caução a prestar. Desde logo porque, e refira-se mais uma vez, nunca a Requerida pede na ação principal que continue a ocupar o prédio ou a manutenção do Protocolo de Colaboração, peticiona apenas uma indemnização por benfeitorias, o que por si só, nas circunstâncias concretas, já pressupõe a desocupação do prédio.
Assim, e em suma, verifica-se que, a caução que o Requerente se propõe prestar, com vista essencialmente a fazer cessar o direito de retenção invocado pela Requerida para a não desocupação do prédio, é admissível por lei, e adequada a garantir o crédito que a Autora pretende fazer valer na ação principal que se encontra a tramitar sob o nº 615/15.2BECTB.”

Diz a Recorrente que existe um erro decisório porque se considerou apenas o cálculo dos juros de mora até 31-12-2019, quando não é crível que haja uma decisão transitada em julgado até essa data. Estima a Recorrente que a acção principal seja julgada, na melhor das hipóteses, até final de 2022 e requer que a caução inclua juros vincendos até essa data.
Por aplicação dos art.ºs 913.º, n.º 1, 988.º, 909.º do CPC e 626.º do CC, a caução a prestar terá de ser idónea, devendo ser prestada pelo meio adequado e suficiente, porque seja o bastante para garantir o valor da obrigação.
Assim, a caução que seja prestada pelo Município terá que cobrir o valor da indemnização reclamada e dos juros, vencidos e vincendos, que vem peticionados.
Sobre o assunto, na decisão recorrida julgou-se da seguinte forma: “Decorre do requerimento inicial que o Requerente pretende prestar caução no montante de €61.180,85, que corresponde ao somatório entre o montante peticionado a título de indemnização (€54.212,01) mais a quantia de €6.968,84, relativa a juros de mora desde a data da citação para os termos da ação (15.10.2015) até ao final do ano de 2019.
Destinando-se a caução a garantir a satisfação do crédito, o valor da mesma deverá corresponder ao montante do previsível crédito, ou seja, o montante peticionado mais os juros de mora vencidos e vincendos. O valor da caução deve ser mais elevado que o montante da prestação em divida, com vista a assegurar outros encargos que possam resultar da demanda (neste sentido, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. IV, 194, Rodrigues Bastos).
No entanto, balizando esta considerações com um critério mais objectivo constante do art.º 199º, nº 6 do Código de Processo e Procedimento Tributário, entende-se ser idónea a garantia que o Requerente se propõe prestar, que garante para além do crédito peticionado, juros de mora vencidos e vincendos até 31.12.2019.”
Aqui não se pode acompanhar a decisão recorrida, havendo que dar razão à Recorrente.
A suficiência da garantia deve ser aferida em termos de suficiência pecuniária e temporal – cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TRL n.º 7024/14.9T8LSB-C.L1-1, de 09-05-2017, do TRP n.º 0632708, de 22-06-2016, ou do TRE n.º 2738/13.3TBTVD-B.E1, de 22-03-2018.
O processo que se visa garantir demorará, muito provavelmente, para além de 31-12-2019, por não ser provável que venha a transitar em julgado até essa altura.
De notar, que a decisão de 1.ª instância pode ser alvo de recurso para o TCA e que da decisão tomada pelo TCA há ainda a possibilidade de recurso de revista – ordinário – para o STA.
A PI da acção principal foi intentada em 09-10-2015 e está por decidir em 1.ª instância.
A PI do presente incidente foi apresentada em 03-09-2018. A sentença recorrida foi prolatada em 29-03-2019.
Assim, a garantia prestada não se afigura suficiente para acautelar os juros vincendos caso a acção se prolongue após 31-12-2019, o que é quase certo.
Aceita-se que é muito provável que a acção principal não transite em julgado antes de 31-12-2022, tal como aduz o Recorrente. Ou seja, a indicação da data de 31-12-2022 configura um tempo minimamente razoável para o trânsito em julgado dessa acção principal.
Por conseguinte, procede o recurso nesta parte e há que determinar ao Tribunal ad quo para substituir o valor que foi fixado para a caução por outro que considere o cálculo dos juros vincendos devidos até 31-12-2022, como clama e pede o Recorrente.

No restante, há que manter a decisão recorrida, designadamente há que mantê-la quando julgou procedente o incidente de prestação espontânea da caução e quando determinou o modo da prestação da caução por garantia bancária.

O recurso do despacho prolatado em 15-05-2019
No despacho recorrido recusou-se a consulta do processo físico por se entender que tal era inconveniente, por o processo dever seguir em recurso para o TCAS. Mais se entendeu, que “todas as peças processuais e todos os atos praticados no processo, encontram-se disponíveis no SITAF” , onde o Mandatário do Recorrente o podia consultar. Julgou-se, assim, que “a confiança do processo, apenas se admite para a consulta de documentos que não se encontrem em suporte informático de acordo com o previsto no art. 12.º, n.º4 da Portaria SITAF”. “Considerando que o Recorrente dispõe de todo o processo no SITAF e que, todos os documentos se encontram digitalmente inserido” indeferiu-se o pedido de confiança que tinha sido requerido.
O referido despacho não padece de qualquer nulidade nem o Recorrente explicita a razão pela qual invoca tal vício.
Falece, pois, essa invocação.
Falece, igualmente, o invocado erro de julgamento.
A PI do presente incidente foi apresentada em 03-09-2018.
Aplica-se, ao caso, a Portaria n.º 380/2017, de 12-12.
Mais se aplica o CPC, na versão dada pela Lei n.º 27/2019, de 28-03 (cf. art.º 11.º dessa Lei).
Nos termos do art.º 24.º da Portaria º 380/2017, de 12-12, os Mandatários das partes podem consultar o processo electrónico, que esteja pendente, através do sistema informático ou junto da Secretaria – cf. também o art.º 2.º, n.º 2, da Portaria e o art.º 163.º, n.º 2, do CPC.
O legislador indica o processo electrónico como o preferencial e o que releva, sendo o processo físico uma mera reprodução parcial desse processo electrónico, que só adquire relevância em casos de dúvida sobre a autenticidade e genuinidade das peças e documentos entregues por via electrónica, para efeitos de realização de perícia à letra ou assinatura, ou quando a digitalização das peças e documentos não permite um exame adequado – cf. art.º 24.º do CPTA, na versão aplicável à data, art.ºs 3.º, 12.º, 16.º e 25.º da Portaria n.º 380/2017, de 12-12.
Sem embargo, o legislador aceita a manutenção do processo físico como algo residual e determina que sejam introduzidas no processo físico as peças e documentos que estejam determinados pelo Juiz Presidente no respectivo tribunal – cf. art. 24.º do CPTA e 25.º da Portaria n.º 380/2017, de 12-12.
Neste enquadramento, determina agora o art.º 165.º do CPC (na versão dada pela Lei n.º 117/2019, de 13-09) o seguinte: “1 - Os mandatários judiciais constituídos pelas partes, os magistrados do Ministério Público e os que exerçam o patrocínio por nomeação oficiosa podem solicitar, por escrito ou verbalmente, que os suportes físicos de processos pendentes que contenham atos e documentos que não tenham representação eletrónica lhes sejam confiados para exame fora da secretaria do tribunal.”
Portanto, o actual art.º 165.º do CPC restringe o pedido de confiança do processo físico (e pendente) à necessidade de exame de tal processo, por esse processo conter documentos não inclusos digitalmente.
Consequentemente, o pedido de confiança do processo físico, actualmente, deve ser fundado em razões relacionadas com a autenticidade e genuinidade das peças e documentos entregues por via electrónica, com qualquer pedido de perícia à letra ou assinatura, ou com o adequado exame das peças e documentos digitalizados.
Porém, à data da prolação do despacho recorrido aplicava-se o art.º 165.º, n.º 1, do CPC, na versão em vigor aquando da Lei n.º 27/2019, de 28-03, que era a seguinte: “1- Os mandatários judiciais constituídos pelas partes, os magistrados do Ministério Público e os que exerçam o patrocínio por nomeação oficiosa podem solicitar, por escrito ou verbalmente, que os processos pendentes lhes sejam confiados para exame fora da secretaria do tribunal.”
Nos termos do n.º 3 daquele preceito legal cometia à Secretaria facultar a confiança do processo (pendente), pelo prazo de cinco dias, que podia ser reduzido se causasse embaraço grave no andamento da causa.
Quanto à recusa da confiança – pela Secretaria - dizia o n.º 4 do mesmo artigo, que tinha de ser fundamentada e comunicada por escrito e dela cabia reclamação para o juiz, nos termos do art.º 168.º.
Já o art.º 168.º, n.º 2, do CPC, abria portas à possibilidade de recusa de acesso ao processo, mediante decisão do juiz.
Ou seja, à data da prolação do despacho recorrido o legislador do CPC ainda não tinha compatibilizado o art.º 165.º com as faculdades que decorrem da implementação do processo electrónico. Nessa mesma medida, aquele art.º 165.º do CPC facultava aos Mandatários das partes a consulta do processo físico, sem que os mesmos tivessem de justificar a razão desse pedido. Ainda que fosse totalmente inútil ou despicienda a consulta do processo físico por tal processo corresponder a um conjunto de fotocópias e/ou impressões de uma parte do processo electrónico, a que esses Mandatários já tinham acesso, os Mandatários mantinham o direito a requerer a consulta do processo físico sem necessitarem de justificar o pedido.
Sem embargo, da conjugação dos art.ºs 165.º, n.ºs 1, 3, 4 e 168.º do CPC (na versão em vigor aquando da Lei n.º 27/2019, de 28-03), resultava a possibilidade de se recusar a confiança em casos justificados, designadamente em casos de embaraço grave ao andamento da causa, desde que invocada e fundamentada a referida justificação.
Por seu turno, da aplicação conjugada dos art.ºs 165.º, n.ºs 1, 3, 4, 167.º e 168.º do CPC, derivava que a confiança do processo não poderia ser recusada se estivesse a correr prazo para a prática de um acto processual que só à parte patrocinada – e quer requeresse a confiança - competisse praticar (cf. também neste sentido FREITAS, José Lebre de; MACHADO, A. Montalvão; PINTO, Rui - Código de Processo Civil Anotado. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, pp. 297-299 e REGO, Carlos Francisco De Oliveira Lopes do - Comentários ao Código de Processo Civil. Coimbra: Almedina, 2004, pp.179-180).
No caso em apreço, o processo que o Recorrente – através do seu Mandatário - pretendia a confiança estava pendente (não era um processo findo).
Na data em que foi requerida a confiança do processo físico não estava a correr prazo para a prática de um acto processual por esse Mandatário. Diversamente, os autos aguardavam subida para o Tribunal de recurso.
Tal como decorre dos autos, o Mandatário da parte tinha acesso ao processo electrónico através do SITAF e podia examinar por essa via o respectivo processo. Mais decorre dos autos, que o processo físico era constituído por fotocópias e/ou impressões que correspondiam a uma parte do processo electrónico.
O indeferimento do pedido da confiança do processo físico teve por fundamento a inconveniência nessa confiança, face ao atraso que iria introduzir na subida dos autos para o TCAS. Mais se fundamentou a restrição de acesso pela a inutilidade de tal exame atendendo ao acervo constante do processo físico e à possibilidade do exame integral e completo do processo por via electrónica.
O atraso na subida dos autos por decorrência da requerida confiança é algo evidente. Igualmente, é manifesta a inutilidade e desnecessidade de exame pelo Mandatário da parte do processo físico, por todas as fotocópias e impressões que aí constavam poderiam ser examinadas electronicamente. Ou seja, os direitos ao acesso ao processo e os direitos de defesa da parte não ficavam beliscados com a negação do requerido acesso.
O CPC proíbe a prática de actos inúteis e determina ao juiz o dever de dirigir activamente o processo e de providenciar pelo seu andamento célere – cf. art.sº 6.º, n.º 1 e 130.º do CPC.
Nestes termos, não se pode ter por errado o despacho recorrido quando indeferiu o pedido de confiança do processo físico por tal pedido implicar um atraso no andamento do processo e se revelar um acto totalmente inútil, por o Mandatário da parte já ter, por via electrónica, o acesso integral ao processo que requeria.
Em suma, o despacho recorrido está certo e deve ser mantido.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em julgar parcialmente procedente o recurso interposto da sentença prolatada em 29-03-2019 e revogar a decisão recorrida na parte em que fixou o valor da caução a prestar pelo Município da Covilhã em €61.180,85, determinando-se a substituição desse valor por outro que considere o cálculo dos juros vincendos devidos até 31-12-2022;
- no mais, mantém-se a referida sentença;
- em julgar improcedente o recurso do despacho prolatado em 15-05-2019;
- custas do recurso interposto da sentença prolatada em 29-03-2019 pelo Recorrente e Recorrido, na proporção do decaimento, que se fixa em 70% para o Recorrente e em 30% para o Recorrido (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA);
- custas do recurso interposto do despacho prolatado em 15-05-2019 pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 16 de Janeiro de 2020.
(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Pedro Nuno Figueiredo)