Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:623/10.0BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:07/04/2019
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO JUSTA
DUP CADUCADA
Sumário:
I - A indemnização justa imposta no art. 62º-2 da Constituição (a lei fundamental) e no Código das Expropriação (indemnização expropriativa; por facto lícito) não abrange os danos causados pela privação do uso de um imóvel antes objeto de uma caducada declaração de utilidade pública de expropriação.

II - Esses danos, causados pela privação do uso do imóvel ocupado sem título pela entidade administrativa expropriante, são indemnizáveis ao abrigo do regime geral da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas por facto ilícito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A………, M………, M……. E H………, melhor identificados nos autos,

intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de LOULÉ ação administrativa comum contra

· ESTADO PORTUGUÊS,

·.............................................................., S.A., e

·AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, I.P. (sucessora legal do Instituto da Água, I.P.).

A pretensão formulada perante o tribunal “a quo” foi a seguinte:

- A condenação dos RR.

a) a reconhecer o direito de propriedade dos AA. e a entregar-lhes a parcela de terreno em causa livre e devoluta, no estado em que se encontrava à data da sua ocupação;

b) a pagar aos AA a quantia, a liquidar em execução, correspondente aos prejuízos e danos causados pela ocupação do seu terreno (v. art.º 22.º e 62.º da CRP, arts. 483.º, 562.º, 564.º, 1284.º, 1305.º e 1311.º do C. Civil), bem como por todos os efeitos lesivos que lhes foram causados (v. arts. 29.º e segs. do presente articulado);

c) a pagar aos AA. a quantia correspondente aos lucros cessantes resultantes do não aproveitamento económico do terreno em causa, a liquidar em execução de sentença;

d) a pagar aos AA. a quantia correspondente aos juros que se venceriam sobre o produto da venda do imóvel em causa, ou sobre os proventos que os AA. aufeririam do seu aproveitamento económico, atualizada desde da data da declaração de utilidade pública – 2001.10.08 -, até efetivo pagamento, a liquidar em execução de sentença;

e) a pagar aos AA a quantia correspondente a todas as despesas judiciais, extrajudiciais e de honorários que estes despenderam e despenderão, a liquidar em execução de sentença;

f) As quantias referidas nas alíneas antecedentes deverão ainda ser acrescidas de juros de mora à taxa legal, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória que vier a ser proferida, e de juros à taxa anual de 5%, nos termos do disposto no art. 829-A/4 do Código Civil.

Por sentença, o tribunal “a quo” decidiu

-Julgar parcialmente procedente a ação e em consequência

-julgar procedente o pedido indemnizatório formulado na alínea b) [reportado ao período de 08.05.2008 a 02.09.2012] e o pedido indemnizatório formulado na alínea e) das Conclusões da PI [relativamente às despesas e honorários dos presentes autos e na proporção do decaimento dos Réus], condenando-se a Á….. do A….., SA a pagar aos Autores as indemnizações referidas, a liquidar em sede de execução de sentença,

-Absolver os restantes Réus desses pedidos, e

-Julgar improcedentes os restantes pedidos a), c) e d) e f) das Conclusões da PI e em consequência absolver os Réus destes pedidos.

*

Inconformados, os AUTORES interpuseram o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

A - Da nulidade da sentença

1ª. A sentença recorrida é nula, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificariam a improcedência de cada um dos seguintes pedidos de condenação dos ora recorridos, formulados na petição inicial:

“A pagar aos AA a quantia correspondente aos juros que se venceriam sobre o produto da venda do imóvel em causa, ou sobre os proventos que os AA auferiram do seu aproveitamento económico, atualizada desde a data da declaração de utilidade pública – 2001.10.08 –, até efetivo pagamento, a liquidar em execução de sentença” (v. alínea d) do petitório);

“As quantias referidas nas alíneas antecedentes deverão ainda ser acrescidas de juros de mora à taxa legal, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória que vier a ser proferida, e de juros à taxa anual de 5%, nos termos do disposto no art. 829º-A/4 do Código Civil” (v. alínea f) do petitório; cfr. arts. 607°/3 e 4 e 615°/1/b) e d) do NCPC, e art. 1° do CPTA) – cfr. texto n.º s 1 a 4;

B - Dos erros de julgamento

BA - Dos danos emergentes e respetivos juros

2ª. No presente processo estão em causa, além do mais, os prejuízos e danos causados aos ora recorrentes, desde a data da d.u.p. - 2001.10.08 (v. alínea B dos FA), ou pelo menos, desde a data da ocupação do seu terreno sem título válido - 2002.05.03 (v. alínea I) dos FA) – cfr. texto n.º s 5 a 13;

. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, “deixando de haver uma expropriação legalmente sustentada, a situação é reconduzível a um estado equivalente à «apropriação irregular», pelo que o A. (…) terá direito (…) a uma indemnização em dinheiro que o repare da perda patrimonial que sofreu com a efetiva privação em referência” (v. Ac. RL de 2009.09.24, Proc. 10303/08-2; cfr. Ac. STJ de 2010.04.29, Proc. 1857/05.4TBMAI.S1, ambos in www.dgsi.pt) – cfr. texto n.ºs 5 a 13;

4ª. A condenação dos ora recorridos no pagamento da indemnização devida aos ora recorrentes pela ocupação do seu terreno, sem qualquer título válido, até - data da nova d.u.p. -, deve assim ressarci-los pelos danos e prejuízos suportados, desde 2001.10.08 - data da d.u.p. (v. alínea B) dos FA) - ou, pelo menos, desde 2002.05.03 - data em que ocorreu a posse administrativa da parcela expropriada (v. alínea I) dos FA) -, e não apenas desde “08.05.2008 (data do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora a julgar procedente a exceção de caducidade da declaração de utilidade pública)”, que tem efeitos ex tunc (v. Ac. RL de 2004.01.20, Proc. 25/98, da 7ª Secção; Ac. RP de 2000.06.07, Proc. 0020859, in www.dgsi.pt; do signatário, Expropriações por Utilidade Pública, p.p. 342 -343) – cfr. texto n.º s 5 a 13;

5ª. Tendo a Á.................., S.A. adquirido a propriedade da parcela expropriada, por protocolo celebrado em 2006.12.22 (v. alínea J) dos FA), é manifesto que, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o Estado Português e o Instituto da Água/INAG também são responsáveis pelo pagamento da indemnização devida aos ora recorrentes, pois:

O Estado Português desrespeitou todos os direitos dos ora recorrentes e manteve, desde 2001.10.08, a declaração de utilidade pública relativa à expropriação do prédio em causa, que renovou ilegalmente, em 2003 e em 2004 (v. alíneas B) e G) dos FA), alheando-se e abstendo-se do exercício das funções de tutela que lhe incumbem sobre a atividade do Instituto da Água/INAG e das A............., S.A. (v. art. 199°/d) da CRP), ou de salvaguardar a legalidade democrática e os direitos dos ora recorrentes, como também lhe competia (v. arts. 199°/f) e 266° da CRP);

O Instituto da Água, prevalecendo-se daqueles atos expropriativos ilegais, só remeteu ao Tribunal Judicial de Monchique o processo de expropriação do prédio dos ora recorrentes em 2004, ou seja, decorridos cerca de três anos sobre a emissão da respetiva d.u.p., tendo, juntamente com a A..............., S.A., mantido ininterruptamente a posse ilegal da parcela expropriada, desde 2002.05.03 até 2012.09.02 (v. alíneas I), J), L) e O) dos FA), praticando - como se decidiu na sentença recorrida - um “ato ilícito (de) ocupação sem título” (v. fls. 17 da sentença) – cfr. texto n.º 13;

6ª. Ao montante devido aos ora recorrentes pelos prejuízos e danos que lhes foram causados acrescem (i) os juros que se venceram sobre os proventos que os mesmos aufeririam do seu aproveitamento económico, atualizados desde a data da declaração de utilidade pública - 2001.10.08 (v. art. 1° da Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril) -, bem como (ii) juros de mora à taxa legal, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória que vier a ser proferida (v. art. 806° do Cód. Civil), e juros à taxa anual de 5%, nos termos do disposto no art. 829°-A/4 do Código Civil (v. alíneas d) e f) do petitório) – cfr. texto n.º s 13 e 14;

BB - Dos lucros cessantes e respetivos juros

7ª. Na p.i. os ora recorrentes peticionaram expressamente a condenação dos RR e ora recorridos “a pagar aos AA. a quantia correspondente aos lucros cessantes resultantes do não aproveitamento económico do terreno em causa, a liquidar em execução de sentença”, acrescidos de juros, que integram os prejuízos decorrentes da impossibilidade de aproveitamento urbanístico do terreno e, também, todos os rendimentos da exploração das culturas agrícola e silvícola existentes na parcela expropriada, com a área de 1.009.250 m2 (v. alíneas c) e d) do petitório) – cfr. texto n.º 15;

8ª. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, os danos emergentes e os lucros cessantes objeto dos referidos pedidos indemnizatórios são completamente distintos dos que poderão vir a ser fixados no novo processo expropriativo, pois (i) nestes autos estão em causa os factos ilícitos ocorridos entre 2001 e 2012, ou seja, desde a data da d.u.p. inicial até à publicação da nova d.u.p., enquanto (ii) no novo processo expropriativo apenas será atribuída justa indemnização correspondente ao valor real e corrente do imóvel à data da nova d.u.p., ou seja, em 2012.09.02 (v. alínea O) dos FA; cfr. art. 23°/1 do CE99) – cfr. texto n.º 15;

9ª. À data da nova d.u.p. - 2012.09.02 (v. alínea O) dos FA) - tinham sido realizadas pela entidade expropriante “demolições na parcela em causa, bem como a afetação das benfeitorias ali existentes (e) não exist(ia)m quaisquer prédios, infraestruturas ou benfeitorias, porquanto se encontra(va) inundada e submersa”, já tendo sido demolidas ou destruídas as quatro construções com área superior a 414 m2, as benfeitorias e as culturas agrícolas e silvícolas que antes existiam no terreno (v. alíneas A), C) a E) e M) dos FA) – cfr. texto n.º s 16 e 17;

10ª. Na fixação da indemnização devida aos ora recorrentes não podiam deixar de ser assim considerados o valor dos referidos edifícios, construções, benfeitorias e culturas agrícolas e silvícolas, e a sua rendibilidade durante cerca de onze anos, tendo a sentença recorrida violado frontalmente o disposto nos arts. 22° e 62° da CRP, nos arts. 23° e segs. do CE 99, bem como nos arts. 783°, 562° e segs. e 1311° do Cód. Civil – cfr. texto n.º s 18 e 19;

11ª. Ao montante indemnizatório devido aos ora recorrentes pelos lucros cessantes que tiveram de suportar acrescem (i) os juros que se venceriam sobre os proventos que os mesmos aufeririam do seu aproveitamento económico, atualizados desde a data da declaração de utilidade pública - 2001.10.08 (v. art. 1° da Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril) -, bem como (ii) juros de mora à taxa legal, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória que vier a ser proferida (v. art. 806° do Cód. Civil), e juros à taxa anual de 53, nos termos do disposto no art. 829°-A/4 do Código Civil (v. alíneas d) e f) do petitório) – cfr. texto n.º s 20 e 21;

12ª. A douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 22°, 62°, 199° e 266° da CRP, nos arts. 562° e segs., 806, 829°-A/4 e 1311° do C. Civil e nos arts. 22° e segs. do CE 99 (cfr. arts. 607° e 615° do NCPC).

*

O recorrido ESTADO, através do MP, contra-alegou, concluindo assim:

1)Na Petição Inicial que deu origem à presente ação os AA. alegaram que “os RR [não especificando quais] não atuaram com a diligência exigível ao comum das pessoas colocadas nas mesmas circunstâncias, e agiram sem os cuidados devidos, porquanto (a) a declaração de utilidade pública da expropriação do prédio dos AA apenas podia ser renovada por uma só vez, o que não aconteceu; (b) os RR não promoveram a constituição da arbitragem no prazo legal após a declaração de utilidade pública, pedindo a final uma indemnização pela alegada ocupação abusiva da sua parcela de terreno (incluindo-se nesta expressão os montantes indemnizatórios pedidos a título de indemnização pela ocupação, pela impossibilidade de construção e por lucros cessantes, conforme se retira do pedido inicialmente efetuado).

2)Nas alegações de recurso apresentadas os Autores já vêm acrescentar que o E. P. se “alheou e absteve-se do exercício das funções de tutela que lhe incumbem, e de salvaguardar a legalidade democrática e os direitos dos AA”.

3)O Princípio da Estabilidade da Instância, consagrado no art.º 260.º do Código de Processo Civil, impede que a causa de pedir decorra de acrescentos efetuados ao longo do decurso da instrução do processo: é na Petição Inicial que são indicados o pedido e a causa de pedir e são estes que fixam o objeto da ação.

4)Os factos que tinham que ser apreciados na douta sentença ora em crise eram, portanto, os descritos na Petição Inicial, a saber: (1) As sucessivas renovações da declaração de utilidade pública do terreno dos Autores; (2) A não promoção atempada de arbitragem no âmbito do processo de expropriação.

5)A responsabilidade civil extracontratual do Estado, na qual os Autores parecem querer enquadrar a sua pretensão, assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, ou seja é necessária a verificação cumulativa dos pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar (cf. artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil), a saber o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

6)Baseando os Autores a sua pretensão indemnizatória na ocupação da sua parcela de terreno sem qualquer título que o permitisse, é evidente que tais factos foram praticados, até 22 de dezembro de 2006, pelo co- réu INAG e, depois nessa data, até à nova declaração de utilidade pública (ocorrida em 2 de setembro de 2012), pela sociedade Á.............S.A. (que lhe sucedeu na relação material controvertida), conforme, aliás, consta dos factos provados na douta sentença.

7)Efetivamente, quando qualificam de ilícita a atuação dos Réus (sem nunca especificarem quais), os AA. reportam-se, sempre, à ocupação sem título da sua parcela de terreno. E essa ocupação foi levada a cabo pelos outros dois réus. Por isso, em relação ao réu Estado Português verifica-se desde logo a falta do primeiro dos indicados pressupostos da obrigação de indemnizar: o facto.

8)Mas mesmo que se considerasse que a simples declaração de utilidade pública constituiria um facto praticado por órgão ou agente do Estado Português, a verdade é que não se verifica qualquer nexo de causalidade entre aquele facto e os danos que os próprios AA. identificam e que se relacionam com a referida ocupação do terreno.

9)Referem os Autores que a sentença proferida padece de nulidade por “não justificar os fundamentos de facto e de direito que justificariam a improcedência” dos pedidos de juros formulados, nomeadamente (1) “juros que se venceriam sobre o pedido da venda do imóvel em causa, ou sobre os proventos que os AA. aufeririam do seu aproveitamento económico” e (2) juros sobre todas as quantias peticionadas.

10)Doutrina a jurisprudência têm considerado unanimemente que “a falta de motivação é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença”.

11)No que aos factos provados concerne não encontramos qualquer falta: não existem factos não provados, tendo-se provado aqueles que vieram invocados pelos próprios Autores.

12)Já quanto aos fundamentos de direito, resulta evidente quais os preceitos ao abrigo dos quais a Mm.ª Juíza a quo baseou a sua decisão.

13)Se algum pormenor tiver falhado, tal facto não determinaria a nulidade da sentença, mas apenas, caso assim se entenda, um erro a ser corrigido.

14)Identificam finalmente os Autores, na sentença recorrida, dois erros de julgamento: as decisões de indeferimento do pedido de ressarcimento dos danos emergentes e respetivos juros; e (2) dos lucros cessantes e respetivos juros.

15)Não houve, no entanto, qualquer erro de julgamento, até porque (a) não poderiam os AA. retirar qualquer proveito da exploração urbanística do terreno já que, situando-se o mesmo em REN, a construção sempre esteve vedada; (b) Os AA. nunca indicaram nenhum facto de onde se pudesse extrair quais os lucros que obtinham e quais os que deixaram de obter com a impossibilidade de acederem ao terreno; e (c) o montante a atribuir em sede de justa indemnização pela expropriação (que se renovou) inclui já o valor da utilização económica normal do terreno pelo que, como bem se referiu na sentença, a atribuição de indemnização por esta parcela seria duplicar o valor indemnizatório.

*

A AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, I.P. (sucessora legal do Instituto da Água, I.P.), contra-alegou e concluiu assim:

I. O tribunal "a quo", efetuou uma correta valoração da prova produzida na audiência de julgamento, bem como dos documentos constantes do processo.

II. A sentença especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a improcedência de cada um dos pedidos formulados pelos autores na petição inicial.

III. A sentença não pode ser considerada nula, pois tratou todos os pedidos formulados no petitório, especificando expressamente os factos e o direito aplicável.

IV. Ao decidir como decidiu absolvendo a APA, I.P.,bem andou o tribunal "a quo pois, como se viu, a Á..............SA, por protocolo celebrado, assumiu o pagamento de todas as despesas decorrentes do processo.

V. Como referido, decorre do nº 1 do artigo 10º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação controvertida, que neste caso, é a A..............SA.

VI. Pretendem ainda, os autores, ora recorrentes, ser ressarcidos por eventual construção e venda que efetuariam na parcela, o que como se viu, não era possível, pois, a parcela está abrangida pelos regimes da Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional, que impedem qualquer construção.

VII. Assim, além da sentença não estar ferida de nulidade, também não pode ser assacada á mesma erros de julgamento, por violação do disposto nos artigos 22º, 62º, 199º e 226º da Constituição da República Portuguesa.

VIII. Bem andou o tribunal "a quo' ao absolver a ré APA, pois, como se viu, toda a responsabilidade por despesas com a expropriação, ficaram a cargo da Á................SA, estando garantido aos autores, ora recorrentes o pagamento a que tiverem direito.

IX. A APA não é titular da relação controvertida, na medida em que a Barragem de Odelouca e o túnel Odelouca Funcho são da exclusiva responsabilidade da Á............. SA.

*

Cumpridos que estão neste tribunal superior os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

Delimitação do objeto do recurso:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal “a quo”, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso. Esta alegação apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de Direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas; sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo.

Assim, cumpre a este tribunal apreciar e resolver o seguinte:

- Nulidade da sentença, por falta de fundamentação,

- Erros de julgamento de Direito quanto aos cits. pedidos sob c), d) e f) e quanto à responsabilidade do Estado.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

1) Os AA. são proprietários do prédio denominada de “H…… dos P…..”, com área de 421,6220 hectares, sito na freguesia de Alferce, município de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o n.º 11…. (dado como provado com base em documento junto pela A..............., SA no requerimento de 20.03.2015);

2) Por despacho do Senhor Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza n.º 22013/2001, de 8 de Outubro de 2011, publicado no Diário da República, II Série, n.º 247, de 24.10.2011, foi declarada a utilidade pública da expropriação de parcelas de terreno necessárias à construção da Barragem de Odelouca – 1.ª fase, a desenvolver pelo município de Monchique, a favor do Instituto das Águas (dado como provado com base em www.dre.pt);

3) Na Certidão de teor do prédio rústico “H……. P……” resulta a sua divisão em “eucaliptal”, “construção Rural”, “mato”, “montado sobro serra”, “cultura arvense de sequeiro” e “leitos de curso de água”, em nome de H……….. (dado como provado com base em documento junto com o requerimento de Á..........................., SA, de 20.03.2015);

4) Na Certidão de teor de prédio urbano com o artigo matricial n.º 80… consta que na localidade de “Pachecos.” existe “prédio urbano térreo destinado a armazém, composto por 1 só compartimento e logradouro”, em nome de H…….. (dado como provado com base em documento junto com o requerimento de Á............, SA, de 20.03.2015);

5) Na Certidão de teor de prédio urbano com o artigo matricial n.º 80… consta que na localidade de “Pachecos” existe “prédio urbano térreo destinado a adega, composto por 2 divisões e logradouro”, em nome de H……… (dado como provado com base em documento junto com o requerimento de Á…......................., SA, de 20.03.2015);

6) Na Certidão de teor de prédio urbano com o artigo matricial n.º 80… consta que na localidade de “Pachecos” existe “prédio urbano térreo, composto por 3 quartos, cozinha, ramada e 2 palheiros”, em nome de H……… (dado como provado com base em documento n.º 8 do processo administrativo em CD)

7) A declaração referida na alínea antecedente foi renovada por despachos publicados no Diário da República, II Série, de 6 de março de 2003 e de 12 de abril de 2004 (dado como provado com base em www.dre.pt);

8) Nos terrenos abrangidos pela declaração referida nas alíneas antecedentes constava a parcela n.º 3…, com área de 1.009.520m2, a destacar do prédio referido em A) (dado por provado por acordo – artigo 5.º da PI e artigo 14.º da contestação do Estado Português);

9) Em 03.05.2002, o Instituto das Águas tomou posse administrativa da parcela n.º 3…, tendo sido lavrado o respetivo auto (dado como provado por acordo – artigo 7.º da PI e artigo 14.º da Contestação do Estado Português);

10) Através de Protocolo de 22.12.2006, celebrado entre o Instituto das Águas – INAG e Á..............., SA, no qual consta, nomeadamente, que “A Á…................... assumirá as despesas ainda não pagas relativamente às expropriações, bem como à contratação dos serviços necessários para a sua efetivação” e que “A Barragem de Odelouca e o túnel Odelouca- Funcho passarão a integrar as infraestruturas afetas à concessão do Sistema, sendo a respetiva propriedade detida pela Á……..............”. (dado como provado com base em documento junto com a contestação do Estado Português);

11) Em 30.03.2007 foi proferida sentença pelo Tribunal Judicial de Monchique no Processo n.º 43/04.5TBMCQ, ação intentada pelos Autores e pelo INAG relativa à decisão arbitral, com o seguinte dispositivo:

(dado como provado com base em fls. 56 e seguintes do PDF, volume II do Processo n.º 43/04.5TBMCQ);

12) Os aqui Autores interpuseram recurso jurisdicional de decisão acima referida para o Tribunal da Relação de Évora que, em 08.05.2008, decidiu o seguinte:

(dado como provado com base em fls. 6 e seguintes do PDF do volume III do Processo n.º 43/04.5TBMCG);

13) Em 01.04.2011, Á….................................., SA proferiram Resolução de expropriar com o seguinte teor:


“Texto integral com imagem”

(dado como provado com base nas fls. 10 e seguintes do PDF com a contestação das Á……...................., SA – a fls. 218 dos autos virtuais);

14) Por ofícios de 04.04.2011, os Autores foram notificados do despacho referido na alínea antecedente (dado como provado com base nos documentos n.ºs 15 a 18 do processo administrativo – CD);

15) Por despacho do Secretário de Estado do Ordenamento do Território de 16.08.2012, com o n.º 11912, publicado no Diário da República, II Série, n.º 174, de 02.09.2012, foi declarada a utilidade pública e atribuído o carácter urgente à expropriação da parcela de terreno n.º 3… (dado como provado com base em www.dre.pt e junto aos autos por requerimento do E. P. de 16.10.2012);

16) Em 16.01.2013, foi elaborado o Auto de vistoria “Ad perpetuam rei memoriam” da parcela n.º 3… (dado como provado com base no documento n.º 1… do processo administrativo – CD, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

17) Em 20.02.2013 foi elaborado o auto de posse administrativa da parcela n.º 3… (dado como provado com base no documento n.º 1… do processo administrativo – CD);

18) Em 22.04.2013 foi elaborado o Relatório de Avaliação – arbitragem, na qual fixou-se o valor da justa indemnização em 244.378,69 e consta, nomeadamente, que “De acordo com o auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” a parcela está incluída na Planta de PDM – Ordenamento – Espaço Natural de Grau II, Espaço florestal e barragem de Odelouca, Planta de PDM – condicionantes – Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN)” (dado como provado com base em documento n.º 1… do processo administrativo – CD);

19) A ocupação pelos Réus da parcela n.º 3… impediu os AA. de usar, fruir e dispor livremente do terreno (dado por provado por acordo – artigo 27.º da PI e artigo 14.º da contestação do E. P.).

*

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Tendo presente o já exposto, passemos à análise do recurso de apelação.

A.

O tribunal a quo entendeu o seguinte:

“Os Autores formulam pedidos indemnizatórios correspondentes aos seguintes danos:

- Prejuízos causados pela ocupação do terreno, a liquidar em execução de sentença;

- Lucros cessantes resultantes do não aproveitamento económico do terreno em causa, a liquidar em execução de sentença, e respetivos juros que se venceriam sobre o produto da venda do imóvel em causa;

- Despesas judiciais e honorários;

- Juros sobre a indemnização. À data da prática dos últimos factos já vigorava o atual regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

Para que exista responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, torna-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos: facto ilícito, culpa (presumindo-se a culpa leve na prática de factos ilícitos), dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

Vejamos.

2.1. Da INDEMNIZAÇÃO PELOS LUCROS CESSANTES

Os AA. alegam que a ocupação do terreno em causa pelos RR impediu o respetivo aproveitamento urbanístico, nomeadamente através da construção de qualquer edifício, o que impediu os AA de vender a um bom preço para construção, tendo deixado de receber os juros sobre o preço pelo qual teriam vendido o terreno ou sobre os proventos que resultariam do seu aproveitamento económico.

Vejamos.

Verifica-se a existência de ocupação sem título do terreno entre a declaração de caducidade da declaração de utilidade pública e o início do novo processo expropriativo, ou seja, foi praticado um facto ilícito pelas Á..........., SA, sendo que se presume a culpa leve (Cf. artigo 10.º do Regime de Responsabilidade Civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas).

Quanto à VERIFICAÇÃO DOS DANOS, cumpre referir o seguinte.

Em relação ao aproveitamento urbanístico, através da construção de edifício e sua venda, ou seja, os lucros cessantes, estes não se verificam em virtude de decorrer do Probatório que a parcela n.º 3… encontra-se abrangida pela Reserva Agrícola Nacional e pela Reserva Ecológica Nacional, nas quais é interdita a construção de edifícios (Cf. artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 166/2008 de 22 de Agosto, com alterações).

“(…): o lucro cessante pressupõe que o lesado era titular, no momento da lesão, de uma situação jurídica que lhe proporcionava o direito a um ganho, que, por virtude do facto lesivo, se frustrou. A prova do lucro cessante não coincide propriamente sobre os ganhos, que se deixaram de obter, mas sobre a titularidade da situação jurídica que permitiria obtê-los, podendo conjeturar-se, por isso, alguma relativa certeza sobre a ocorrência do dano.” (Cf. pp. 100, do “Regime da Responsabilidade Civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, anotado”, de Carlos Alberto Fernandes Cadilha).

De realçar que os Autores irão, no âmbito do procedimento expropriativo, receber uma indemnização com vista a ressarcir o prejuízo que para os mesmos advém da expropriação, não podendo serem ressarcidos duas vezes pelos mesmos danos.

Termos em que não se verifica o requisito da responsabilidade civil – dano, e por isso deverão ser julgados improcedentes os pedidos formulados em c) e d) das Conclusões da PI.

*

2.2. Indemnização pelos PREJUÍZOS CAUSADOS PELA OCUPAÇÃO DO TERRENO

Os Autores alegam que têm o direito a serem indemnizados em quantia correspondente ao valor dos rendimentos que teriam auferido e dos prejuízos que não teriam sofrido se o seu terreno não tivesse sido ocupado ou se lhes tivesse sido oportunamente paga a justa indemnização devida pela expropriação do seu prédio (CC e artigo 1.º da Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, artigo 22.º e 271.º da CRP).

Quanto à não fruição do terreno, resulta do Probatório que, entre a declaração de caducidade da declaração de utilidade pública e a emissão da Declaração de utilidade pública, os Autores ficaram impedidos de fruir o terreno, por ocupação do mesmo, sem título jurídico, pela Á........, SA.

Pelo que, ocorrendo um facto ilícito – ocupação sem título do terreno durante aquele período, presumindo-se a culpa leve, verificando-se o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, conclui-se que se encontram verificados neste aspeto os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.

“A mera privação do uso constitui dano autónomo de natureza patrimonial, indemnizável nos termos dos artigos 483º e 566º do Código Civil.” (in Acórdão do TR Guimarães, de 11-07-2013, Processo n.º 362/08.1TBMNC.G1).

De referir que é apenas responsável a Ré Á……, SA em virtude do Protocolo celebrado, em 22.12.2006, com o INAG e constante do Probatório, através do qual as responsabilidades relativas à expropriação de terrenos passaram para a A……, SA.

Termos em que deverá a A……., SA ser condenada a pagar uma indemnização por ter impedido desde 08.05.2008 (data do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora a julgar procedente a exceção de caducidade da declaração de utilidade pública) até à emissão da Declaração de utilidade pública, em 02.09.2012, a fruição do terreno pelas Autoras, indemnização a liquidar em sede de execução da sentença. Assim, pedido formulado na al. b) deverá ser julgado procedente.

Os Autores requerem a aplicação de uma SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA ao abrigo do n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil.

Neste âmbito do Acórdão do STA, de 18-10-2012, Processo n.º 045899A, Relator: Adérito Santos, foi defendido o seguinte entendimento: “A sanção pecuniária compulsória, prevista no CPTA, tem natureza idêntica à da lei civil (art. 829-A, cit.), visando, tal como esta (Vd. relatório do DL 262/83, de 16.6, onde se refere que a sanção pecuniária compulsória visa, além do mais, «o reforço da soberania dos tribunais, o respeita pelas suas decisões e o prestígio da justiça»), assegurar a efetividade das decisões judiciais (art. 3/2 (Artigo 3º (Poderes dos tribunais administrativos):

1 – …

2 – Por forma a assegurar a efetividade da tutela, os tribunais administrativos podem fixar oficiosamente um prazo para o cumprimento dos deveres que imponham à Administração e aplicar, quando tal se justifique, sanções pecuniárias compulsórias. 3 – …) do CPTA).

Todavia, para além das relevantes diferenças entre elas, importa aqui notar que o CPTA estabelece, para a sanção pecuniária compulsória administrativa, um regime específico que, diversamente do que sucede com a invocada disposição daquele art. 829-A do CCivil, não contempla a possibilidade da respetiva aplicação para obter o cumprimento de sentenças de condenação em quantia certa, cuja execução, aliás, vem regulada (arts 170 a 172 CPTA) em capítulo subsequente ao preceito onde se estabelece o regime geral da sanção pecuniária compulsória (art. 169) (V., a este propósito, R. Esteves de Oliveira, Processo executivo: algumas questões, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2005, Coimbra Editora, pp 264, ss.).

Perante o que é de concluir que, ao contrário do que agora pretende o Recorrente, não tem aplicação no processo administrativo a disposição daquele nº 4 do art. 829-A do CCivil, que estabelece uma taxa adicional de 5% aos juros de mora devidos por incumprimento de sentença condenatória de pagamento em dinheiro corrente.

A este propósito, e na ausência de expressa previsão legal dessa aplicação, relativamente à Administração, deve fazer-se uma interpretação estrita da lei, na medida em que, como bem nota Vieira de Andrade (Vd. A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., 433. ), «estão em causa consequências gravosas para o património de particulares, sujeitas, por isso, a reserva de lei determinada (artigo 205º, nº 3, da Constituição)». Tenha-se presente que – tal como também salienta o mesmo Autor – uma das especificidades, que apresenta, no mundo administrativo, a sanção pecuniária compulsória, se manifesta na circunstância de não recair sobre o Estado ou os entes públicos, mas sobre os «titulares dos órgãos incumbidos da execução» (art. 169/1 do CPTA), ou seja, de não recair sobre o património do “devedor”, mas sobre o património do indivíduo que “representa” o devedor ou lhe administra os bens e interesses.”

Termos em que não sendo aplicável o artigo 829.º-A, n.º 4 do CPC no processo administrativo, improcede o pedido formulado na al. f) das Conclusões da PI.”.

B.

Vista a fundamentação jurídica da sentença recorrida, apreciemos o mérito deste recurso.

B.1. SOBRE A NULIDADE DA SENTENÇA:

Os recorrentes alegam que a sentença é nula por não ter fundamentação (jurídica) (i) quanto ao pedido sob d) (pagar aos AA. a quantia correspondente aos juros que se venceriam sobre o produto da venda do imóvel em causa, ou sobre os proventos que os AA. aufeririam do seu aproveitamento económico) e (ii) quanto ao pedido ao abrigo do art. 829º-A/4 do Código Civil (sanção pecuniária compulsória).

Está em causa o art. 615º-1-b) do Código de Processo Civil: a falta total de fundamentação, de facto ou jurídica, das questões ou pedidos a julgar.

Ora, como é notório na transcrição acabada de fazer, os recorrentes não têm razão, porque o Tribunal Administrativo de Círculo, por um lado, a propósito da 1ª questão, referiu-a e só admitiu a indemnização por privação do uso do imóvel, e, por outro lado, a propósito do outro pedido, assentou expressamente no cit. acórdão do STA de 18-10-2012, processo n.º 045899 A.

Improcede, assim, esta questão.

B.2. SOBRE OS ERROS DE JULGAMENTO:

Entendem os recorrentes que têm direito (i) a indemnização por danos emergentes (e juros) e (ii) a indemnização por lucros cessantes (e juros), tal como na p.i., em virtude da ocupação ilegal - ou sem título - do seu terreno por parte das entidades públicas ocupantes, não desde a data da declaração judicial (8-5-2008) de caducidade da declaração de utilidade pública da expropriação, mas sim desde a data da ocupação pública sem título do seu terreno.

O período em questão seria desde a ocupação (3-5-2002) até à data da nova DUP (2-9-2012), a qual não está aqui em discussão.

B.2.1. A partir da declaração de utilidade pública, os direitos do proprietário ficam limitados e o processo expropriativo prossegue – deve prosseguir normalmente - os seus termos para fixação do quantum indemnizatório.

Por outro lado, a renovação da declaração de utilidade pública não tem efeitos retractivos.

A caducidade da declaração da utilidade pública de uma expropriação opera ope legis e os interessados readquirem os seus direitos sobre os imóveis expropriados, nas condições e com a plenitude que tinham à data da publicação da declaração de utilidade pública.

No caso dos autos, a declaração da utilidade pública foi declarada caduca e, por isso, a entidade pública responsável haveria que restituir, livre e desocupada, a parcela do prédio.

Assim, ocupada por um ente público uma parcela de terreno de um particular sem que se tenham utilizado todos os meios expropriativos ao dispor da Administração, obtendo-se apenas a declaração de utilidade pública, está-se perante a preterição de atos e formalidades impostos pela lei como condições de existência e validade da transferência dos direitos, com a inerente violação do direito de propriedade do respetivo dono.

Na verdade, a obtenção da declaração de utilidade pública, com a inerente cobertura de legalidade, apenas retira ao desapossamento o carácter de usurpação grosseira (Ac. do STJ de 29-04-2010, proc. nº 1857/05.4TBMAI.S1).

É que, com a DUP, não se opera desde logo a transferência da propriedade do bem expropriado, já que, como refere OLIVEIRA ASCENSÃO (“A Caducidade da Expropriação no Âmbito da Reforma Agrária”, in “Estudos Sobre Expropriações e Nacionalizações”, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989, pág. 38), o efeito da declaração de utilidade pública é, tecnicamente, o de sujeição à expropriação, ficando os bens onerados em termos reais, sendo o titular impotente para evitar a atuação potestativa por parte dos órgãos públicos.

No mesmo sentido aponta MARCELLO CAETANO, quando refere que, “por efeito da declaração de utilidade pública da expropriação de determinado imóvel, o proprietário fica vinculado ao dever de o transferir, mediante indemnização, para a entidade a favor de quem a declaração foi feita; e, portanto, cessou para ele o direito de livre disposição que é característico da propriedade.” (Manual de Direito Administrativo, 9ª Ed., Tomo II, Coimbra Editora, Lda., 1972, pág. 1003).

Pelo que se acaba de expor, deve-se concluir que a ilicitude referida à ocupação do terreno dos AA se reporta, naturalmente, à data da ocupação do mesmo, da sua privação de uso e fruição (o dano emergente do facto ilícito), e não à data em que o tribunal judicial constatou e declarou como ocorrida a caducidade da DUP resultante da inércia da expropriante.

Assim, a procedência do pedido indemnizatório formulado na alínea b) deve ser reportada ao período de 03.05.2002 (dia do início da privação do uso e fruição do terreno) até a data referida na sentença, de 02.09.2012.

A este propósito, a sentença objeta que haveria uma dupla indemnização, uma vez que há uma nova DUP, datada de 02-09-2012.

Mas não tem razão, porque a justa indemnização expropriativa na sequência da nova DUP de 2012 não é, nem poderá ser, a indemnização pela privação ilícita do uso do terreno entre 03-05-2002 e 02-09-2012 resultante da ocupação do mesmo sem título por parte das entidades públicas em questão. Há agora um novo procedimento expropriativo.

São realidades diferentes:

-uma indemnização, a presente, cabe simplesmente nos arts. 483º ss e 562º ss do Código Civil e, especialmente, no RRCEEP/2007,

-ao passo que a outra indemnização, a expropriativa, originada agora com a DUP de 2012 caberá na regulação específica do Cód. das Expropriações (arts. 23º ss) e na Constituição (art. 62º-2: a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização).

Segundo o nº 1 daquele art. 23º, a justa indemnização expropriativa não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

Esta segunda e futura indemnização não deverá incluir aquela, pois as duas indemnizações têm causas, tempos, naturezas e regimes jurídicos distintos.

Por isso, não há uma dupla indemnização.

Neste ponto os recorrentes têm razão.

B.2.2. O Tribunal Administrativo de Círculo não condenou em juros.

Mas, sendo a cit. ocupação sem título entre 03-05-2002 e 02-09-2012 um ato ilícito no âmbito extracontratual, são devidos juros de mora nos termos dos arts. 559º, 805º-3 e 806º do Código Civil, pois, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora. Como peticionado pelos AA.

Neste ponto também, os recorrentes têm razão.

B.2.3. Os recorrentes pretendem ainda a aplicação dos juros previstos no nº 4 do art. 829º-A do Código Civil.

Mas, quanto à sanção pecuniária compulsória prevista no consabido art. 829º-A do Código Civil, concordamos com o Tribunal Administrativo de Círculo, que citou, aliás, um aresto STA, como vimos.

No contencioso sujeito ao CPTA, como este é, vale a figura específica da sanção pecuniária compulsória regulada nos arts. 3º-2 e 169º do CPTA, e não o cit. art. 829º-A do Código Civil.

E isso sem prejuízo do especifica e desenvolvidamente previsto nos arts. 170º a 172º do CPTA, em sede de pagamento de quantia certa, que é e será o caso presente.

Neste ponto, portanto, os recorrentes não têm razão.

B.2.4. Por outro lado, ao contrário do alegado pelos recorrentes, o Tribunal Administrativo de Círculo não tinha de aferir juros sobre proventos perdidos, simplesmente porque tais proventos, ainda que não quantificados, não constam do probatório.

Neste ponto também, os recorrentes não têm razão.

B.2.5. Os recorrentes insistem ainda quanto a serem compensados pelo não aproveitamento económico-urbanístico do terreno e pela perda rendimentos futuros de exploração das culturas do terreno.

Falamos de lucros cessantes (pressupondo que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, são os prejuízos que advieram ao lesado por ter não aumentado, em consequência da lesão, o seu património) e juros respetivos.

Mas do probatório não consta factualidade integrável em lucros cessantes, designadamente não aproveitamento económico-urbanístico do terreno ou perda rendimentos futuros de exploração das culturas do terreno.

Neste ponto também, os recorrentes não têm razão.

B.2.6. E, finalmente, como referiu a sentença, a responsabilidade indemnizatória não cabe ao Estado, mas sim à empresa pública A………, por via do cit. protocolo. Aqui, o responsável não o é por via dos invocados (pelos recorrentes) arts. 199º e 266º da Constituição sobre a entidade Estado, mas sim porque a empresa A….. adquiriu, como cessionária, toda a posição jurídico-patrimonial, ativa e passiva, do Instituto de Águas, hoje A.P.A.

Neste ponto também, os recorrentes não têm razão.

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III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da Constituição, os juizes do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em conceder provimento parcial ao recurso, revogar a sentença relativamente apenas ao pedido sob b) e juros de mora, e, assim, julgar procedente o pedido indemnizatório formulado na alínea b) do petitório reportado ao período de 03.05.2002 a 02.09.2012, condenando-se a A…….. SA a pagar aos Autores as indemnizações referidas, a liquidar em sede de execução de sentença, ao que acrescem os juros de mora à taxa legal desde a citação da A……, SA, até integral e efetivo pagamento.

Custas pelos Autores e pela Ré A………, SA, em ambas as instâncias, em partes iguais – cfr. n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, e n.º 1 do artigo 6.º e Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 04-07-2019


Paulo H. Pereira Gouveia

Catarina Jarmela

Paula de Ferreirinha Loureiro