Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00151/04
Secção:CT- 2.º Juízo
Data do Acordão:11/03/2004
Relator:José Gomes Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRS
DUPLA TRIBUTAÇÃO
APLICABILIDADE DA CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
DL N.º48.497 DE 24/7/1968
RRATIFICAÇÃO EM 17/1/1969, DG Iª SÉRIE DE 3/9/1969
JULGAMENTO POR REMISSÃO
Sumário:I- Em decorrência do disposto no art. 14°, particularmente, ponto l), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre Portugal e o Reino Unido, aprovada para ratificação pelo DL. 48.497 de 24.7.1968 e ratificada em 17.1.1969 -DG. I Série de 3.9.1969, os rendimentos que a impugnante pagou, no decurso dos anos de 1996 e 1997, a dois cidadãos ingleses, ambos na qualidade de "Consultor" e residentes no Reino Unido, só neste Estado podiam ser tributados.

II- Na situação descrita, com referência a esses proventos não havia, em princípio, lugar a qualquer retenção na fonte e entrega de valores ao Estado Português, irrelevando, por isso, eventuais incorrecções cometidas no preenchimento de documentação entregue aos serviços tributários.

III)- É que o reconhecimento e funcionamento do regime mais favorável decorrente da existência de benefícios, maxime, fiscais, tem carácter meramente declarativo - art. 4° n.° 2 do EBF-, no sentido de que é implicante da demonstração dos pressupostos de que depende a atribuição da vantagem específica, independentemente, de poder ser ou não formalizada.

IV)- Assim, a possibilidade de a impugnante aplicar taxa de retenção de 15 e 20 % (em vez da de 25 %), ou, eventualmente, nada reter, apenas dependia da comprovação de que os indivíduos a que havia pago rendimentos (de trabalho independente), à data, tinham residência no Reino Unido.

V)- Uma vez feita tal prova, ainda que pelas vias exigidas pelas autoridades tributárias portuguesas, a usufruição do benefício de aplicação da taxa mais baixa (ou nenhuma) era imediata e sem poder ser sujeita a outros condicionalismos.

VI)- Embora em momento posterior, tendo a impugnante comprovado junto da AT os pressupostos de aplicação da benesse prevista em Convenção internacional, cujo primado e valor é, constitucionalmente, estabelecido - art. 8° C.R.P.- tem-se o benefício em causa por constituído no momento em que foram pagos os rendimentos aos residentes em país estrangeiro.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – P...– ENERGIA ELÉCTRICA, S.A ., com os sinais identificadores dos autos, impugnou judicialmente a liquidação do IRS e juros compensatórios relativos aos exercícios de 1996 a 1998.
O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Santarém julgou a impugnação procedente.
Inconformado com tal decisão, o Ex.mo REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
v A douta sentença de que se recorre não fez correcta interpretação do artigo 14° da Convenção sobre a Dupla Tributação entre Portugal e o Reino Unido.
v A impetrante celebrou com dois profissionais independentes não residentes, contratos de prestação de serviços.
v No que aos presentes autos releva, os pagamentos referentes a 1996 e 1997, efectuados a tais profissionais não respeitaram o mecanismo da retenção na fonte de 25%, exigido na alínea c) do n° 2 do artigo 74° do CIRS.
v Ao invés, procedeu a impugnante a uma retenção na ordem dos 15% em 1996 e 20% em 1997.
v Tal procedimento fiscal não tem suporte ou apoio jurídico - tributário.
v Para que pudesse ser accionada a Convenção sobre a Dupla Tributação sempre teria de à data do facto gerador da obrigação tributária, dispor a impugnante de certificação de residência fiscal relativamente aos dois "consultores", pôr forma a poder legalmente obviar ao cumprimento do estipulado na alínea c) do n° 2 do artigo 74° do Código do CIRS.
v Ora, não só não estava preenchido o pressuposto de aplicação da CDT, designadamente do disposto no seu artigo 14°, como e por outro lado, incumpriu a impetrante o disposto na c) do n° 2 do artigo 74° do CIRS, procedendo a retenção em taxa inferior à exigida em tal normativo.
v Neste âmbito, o procedimento correctivo levado a efeito pela Inspecção Tributária era o único que poderia salvaguardar o princípio da legalidade pelo qual se têm de nortear as instituições do Estado, mormente no campo tributário, a Direcção Geral dos Impostos.
v Refira-se ainda e por outro lado, que à data da inspecção tributária efectuada, não se mostrava igualmente preenchido o pressuposto para o accionamento e consequente aplicação da referida CDT.
v Sempre sem conceder, caberá deixar claro que a manter-se o sentido da decisão proferida pelo Tribunal "a quo", sempre se estaria a abrir grave precedente no que respeita àquelas que são as obrigações contabilístico fiscais dos sujeitos passivos, nomeadamente a obrigação de relativamente a cada exercício, adequar o procedimento fiscal aos documentos que à data detém em sua posse, e que dão legitimidade a essa mesma actuação.
v Nos presentes autos, não só não dispunha a ora impugnante dos documentos necessários ao tempo em que foram postos à disposição os rendimentos em causa, como e por outro lado, apenas cinco anos após os exercícios a que respeitam, foram apresentados os certificados de residência, sendo que tal ocorreu já posteriormente à inspecção tributária efectuada à impetrante.
v Competia à impugnante, à data da colocação à disposição dos rendimentos, verificar qual a situação tributária do sujeito passivo do imposto e proceder em conformidade com o positivado na lei, o que como uma vez mais se afirma não foi de todo cumprido.
v Não agindo a impetrante em conformidade com o exigido nas normas tributárias, e não se verificando o pressuposto que permitisse accionar o mecanismo da CDT, sempre haverão de se considerar legais as liquidações ora impugnadas.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, considerando-se as liquidações legalmente efectuadas, revogando-se a douta sentença do Meritíssimo Juiz "a quo", substituindo-a por outra em que seja julgada totalmente improcedente a presente impugnação judicial.
Houve contra – alegações, assim concluídas:
i)- O presente recurso vem interposto da sentença que reconheceu à PEGOP o direito a beneficiar da de retenção de imposto prevista na Convenção Internacional para Evitar a Dupla Tributação celebrada com o Reino Unido aquando do pagamento de serviços a profissionais independentes não residentes, anulando as liquidações de imposto em que a Administração Fiscal lhe impunha o pagamento da diferença entre a taxa de retenção, por lapso, aplicada e a prevista no direito interno, uma vez que a PEGOP não teria observado os requisitos formais de que dependem aquelas reduções.
ii)- Não está em causa, nem no presente recurso nem no precedente procedimento administrativo, a verificação dos requisitos substantivos de que dependem as reduções da taxa de imposto previstas naquelas Convenções: a PEGOP provou, através de certificados fiscais emitidos pela autoridade tributária inglesa, que ambos os beneficiários preenchiam os requisitos de que depende o benefício da isenção, no momento a que se reportam os pagamentos.
iii)- A Fazenda Pública recorreu da sentença por entender que o exercício dos direitos emergentes das Convenções está sujeito a condicionalismos formais impostos por circulares, cuja inobservância determina a preclusão daqueles direitos.
iv)- A posição da Fazenda Pública é duplamente inaceitável: por um lado, defende, em clara violação do primado do direito internacional constitucionalmente consagrado, que o exercício dos direitos emergentes das CDTs depende de condicionalismos formais, de difícil ou impossível verificação na maior parte dos casos, não previstos nem autorizados pêlos seus textos; e por outro, que tais condicionalismos podem ser estabelecidos pela via de circulares, que não são fonte de direito nem podem vincular os particulares, fazendo tábua rasa do princípio da legalidade da actividade administrativa, igualmente com consagração constitucional.
v)- A sufragar-se a tese da Fazenda Pública, criar-se o absurdo de se determinar a recorrida ao pagamento de um imposto alegadamente em falta, para depois ter de se reconhecer às entidades beneficiárias dos rendimentos o direito ao seu reembolso, o que no mínimo, contraria os princípios da eficiência, da proporcionalidade e da economia processual.
vi)- Não prevendo os textos das Convenções quaisquer limitações de ordem formal, cabe apenas ao contribuinte provar, por qualquer meio em direito admitido, que os direitos emergentes das convenções podiam exercer-se, por estarem verificados os respectivos pressupostos, uma vez que não pode deixar de verificar-se o princípio da liberdade de prova.
vii)- A PEGOP provou que tais pressupostos se verificavam através da junção ao processo dos certificados de residência fiscal dos beneficiários, nos exercícios em causa, emitidos pelas respectivas autoridades tributárias.
TERMOS EM QUE ENTENDE QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE A DECISÃO REDCORRIDA COM TODOS OS EFEITOS LEGAIS
O Ex.mo Procurador - Geral Adjunto neste Tribunal Central emitiu parecer no sentido de que não deve ser dado provimento ao presente recurso por considerar que não assiste razão à recorrente Fazenda Pública, na medida em que a Sentença ora em crise fez uma correcta interpretação dos factos e aplicação e interpretação da lei e deve ser mantida na ordem jurídica.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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2 - Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
FACTOS PROVADOS
1.- A Ite encontrava-se, nos anos de 1996 a 1998, pelo exercício da actividade submetida ao CAE 40101, colectada em IRC (regime geral de tributação), área da RF de Abrantes".
2.- Na sequência de visita de fiscalização, foram analisados os elementos da escrita da Ite e com relação aos exercícios de 1996 e 1997, constatado, além do mais (prejudicada a respectiva indicação pelo âmbito restrito da discordância apontada pela Ite), que esta :
• procedeu "ao pagamento dos serviços prestados pôr (dois) profissionais independentes não residentes, tendo procedido à retenção na fonte à taxa de, respectivamente, 15 % e 20 % ...".
3. Com relação ao aludido em 2., os serviços de fiscalização apontaram e concluíram, devido a incorrecções no preenchimento das guias utilizadas para pagamento das retenções efectuadas aos profissionais independentes não residentes, dever ter sido, em todos os casos, aplicada a taxa de retenção de 25 %, prevista no art. 74° n.° 2 al. c) do CIRS.
4. Em resultado da sequente elaboração dos quadros de apuramento de fls. 27/28 - que aqui se têm por reproduzidos -, foram considerados em falta os valores totais de 1.137.320$00 (retenções referentes aos rendimentos pagos no exercício de 1996) e o de 638.255$00 {retenções referentes aos rendimentos pagos no exercício de 1997).
5. No seguimento e em 21.11.2001, foram efectuadas as liquidações adicionais de IRS, n.° ..., ... e ..., dos anos de 1996, 1997 e 1998, nos valores totais a pagar de, respectivamente, 1.763.221$00, 998.160$00 e 82.180$00, incluindo juros compensatórios/JC de 718.922$00, 325.050$00 e 24.015$00.
6. O termo do prazo de cobrança voluntária das liquidações em apreço fixou-se em 9. l. e 14. l .2002, respectivamente.
7. Datados de 30.8.1994 e 7.11.1994, a Ite celebrou os intitulados "Contrato de Prestação de Serviços", cujas cópias se encontram a fls. 9/14, dando-se aqui por integralmente reproduzido o conteúdo de cada um desses documentos.
8. Os contratos aludidos em 7. foram celebrados com, respectivamente, J... e I..., ambos na qualidade de "Consultor" e, igualmente, residentes no Reino Unido.
9. Nos moldes vertidos nos documentos fotocopiados a fls. 102/107, as autoridades tributárias inglesas certificaram que, respectivamente, pelo período de 6 de Abril de 1995 a 5 de Abril de 2001, I... era "residente do Reino Unido ao abrigo da Convenção Fiscal entre Portugal e o Reino Unido", e que o Sr. Robinson "se encontra registado para efeitos de impostos locais desde l de Abril de 1993 até 11 de Outubro de 1998 ...".
10.- Os documentos identificados em 9. foram emitidos em 19 e 22 de
Novembro de 2001.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Para a decisão da causa, sem prejuízo dos factos prejudicados pelos provados, dos sem interesse, das conclusões ou alegações de matéria de direito, aduzidas na p.i. e contestação, nada mais se provou.
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A convicção do Tribunal no estabelecimento deste quadro factológico fundou-se, em primeira linha, no teor da informação de fls. 58 segs. do PA, conjugado com o dos documentos que a acompanham, bem como no conteúdo da demais documentação disponível neste processo e no apendiculado PA, alguma já supra, circunstancialmente, referida.
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3.- As questões colocadas pela Recorrente foram decididas desfavoravelmente no Tribunal recorrido.
E isso fundamentalmente porque o Sr. Juiz «a quo» entendeu que:
“Posta a factualidade que resultou provada, salvo o devido respeito, assiste razão à Ite quando defende a aplicação, "in casu", do disposto no art. 14°, particularmente, ponto l), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre Portugal e o Reino Unido, aprovada para ratificação pelo DL. 48.497 de 24.7.1968 e ratificada em 17.1.1969 -DG. I Série de 3.9.1969.
Em decorrência, os rendimentos que pagou, no decurso dos anos de 1996 e 1997, a J... e I..., ambos na qualidade de "Consultor" e, igualmente, residentes no Reino Unido, só neste Estado podiam ser tributados.
Se assim é, com referência a esses proventos não havia, em princípio, lugar a qualquer retenção na fonte e entrega de valores ao Estado Português, irrelevando, por isso, eventuais incorrecções cometidas no preenchimento de documentação entregue aos serviços tributários.
Quanto à possibilidade de a Ite não poder beneficiar do regime previsto no versado art. 14° (da Convenção) por não haver feito prova da residência dos beneficiários do rendimento em momento oportuno, importa assentar que, tal como resulta documentos fotocopiados a fls. 102/107, emitidos no ano de 2001, as autoridades tributárias inglesas certificaram que, respectivamente, pelo período de 6 de Abril de 1995 a 5 de Abril de 2001, I... era "residente do Reino Unido ao abrigo da Convenção Fiscal entre Portugal e o Reino Unido", e que o Sr. R..."se encontra registado para efeitos de impostos locais desde l de Abril de 1993 até 11 de Outubro de 1998...".
O reconhecimento e funcionamento do regime mais favorável decorrente da existência de benefícios, maxime, fiscais, tem carácter meramente declarativo - cfr. v.g. art. n.° 2 do EBF, no sentido de que é implicante da demonstração dos pressupostos de que depende a atribuição da vantagem específica, independentemente, de poder ser ou não formalizada. Ou seja, na situação versada, a possibilidade de a Ite aplicar taxa de retenção de 15 e 20 % (em vez da de 25 %), ou, eventualmente, nada reter, apenas dependia da comprovação de que os indivíduos a que havia pago rendimentos (de trabalho independente), à data, tinham residência no Reino Unido. Uma vez feita tal prova, ainda que pelas vias exigidas pelas autoridades tributárias portuguesas, se necessário com a possibilidade de corrigir e/ou ultrapassar eventual incumprimento de formalidades prescritas, a usufruição do benefício de aplicação da taxa mais baixa (ou nenhuma) era imediata e sem poder ser sujeita a outros condicionalismos.
Não obstante a omissão inicial, a Ite diligenciou e obteve os documentos fotocopiados a fls. 102 segs., onde as autoridades tributárias inglesas, certificaram que, entre outros, nos anos de 1996 e 1997, os dois consultores que havia contratado eram residentes do Reino Unido.
Embora em momento posterior, a Ite, beneficiária da utilização de taxas, sempre e em qualquer caso, inferiores a 25%, na tributação dos montantes que pagou a estes dois indivíduos, comprovou junto da AT os pressupostos de aplicação dessa benesse prevista em Convenção internacional, cujo primado e valor é, constitucionalmente, estabelecido -cfr. art. C.R.P.
Deste modo, tendo-se o benefício em causa constituído no momento em que foram pagos os rendimentos aos residentes em país estrangeiro, uma vez comprovados todos os pressupostos da sua relevância, em conformidade com as exigências das autoridades nacionais, os efeitos plenos daquele benefício também têm de reputar-se ao momento de tal pagamento, "in casu", os exercícios de 1996 e 1997.
Implicantemente, as liquidações adicionais impugnadas não podem subsistir dado serem ilegais; considerando-se, ainda, o lapso acusado a fls. 60 do PA, no que respeita à liquidação adicional de IRS, n.º..., do ano de 1998, no valor total a pagar de 82.180$00, incluindo juros compensatórios/JC de 24.015$00.”
Ora todo o decisório e respectiva fundamentação da sentença recorrida é confirmado inteiramente e sem declaração de voto por este Tribunal, pelo que, nos termos do artº 713º/5, 749° e 762°/1 da CPC, este se limita a negar provimento ao recurso e a remeter para os fundamentos da decisão impugnada.
Assim, se nega provimento ao recurso .
Sem custas por delas estar isenta a recorrente FªPª.
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Lisboa, 03/11/2004
(Gomes Correia)
(Casimiro Gonçalves)
(Ascensão Lopes)