Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06447/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/27/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS
REMUNERAÇÕES ACESSÓRIAS
RENDIMENTO EM ESPÉCIE
VEÍCULO AUTOMÓVEL
CÁLCULO DO RENDIMENTO
EQUIVALÊNCIA PECUNIÁRIA
Sumário:I. O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), tal como resulta do artigo 1º, nº1 do CIRS, incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias ali referidas, nas quais se inclui a Categoria A - rendimentos do trabalho dependente, estabelecendo ainda o nº 2 do dito preceito que “os rendimentos, quer em dinheiro, quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos.”
II. Em sede de categoria A, consideram-se rendimentos do trabalho dependente, entre o mais, as remunerações de membros dos órgãos estatutários de pessoas colectivas e entidades equiparadas (com excepção dos que neles participem como revisores oficiais de contas) e as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e que constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente a aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal –cfr. artigo 2º, nº3, b), 10 do CIRS (renumeração do nº4 do artigo 30º do OE para 2002, Lei nº 109-B/2001, de 27/12, a que correspondia o anterior nº 9).
III. Estando em causa, como remuneração acessória, a aquisição de um automóvel pelo trabalhador, a quantificação deste rendimento em espécie é regida pelo artigo 24º, nº 6 do CIRS (na redacção anterior à introduzida pelo nº2 do artigo 26º do OE para 2003, Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro), nos termos do qual a equivalência pecuniária dos rendimentos resultantes da aquisição de viaturas pelo trabalhador ou membro de órgão social corresponde à diferença positiva entre o respectivo valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel e o somatórios dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição do uso com a importância paga a título de preço de aquisição.
IV. O legislador fez uma opção clara sobre um critério de equivalência económica e, portanto, se, no momento de apurar o rendimento decorrente daquela concreta remuneração em espécie, não é possível lançar mão do critério para tal (porque, no caso, inexistem dados das associações do sector automóvel quanto ao valor de mercado do veículo), a Administração tem de conformar-se com tal inexequibilidade e abster-se de tributar, já que, nesta sede, não lhe é permitido socorrer-se de critérios que o legislador claramente não escolheu (e podia ter escolhido).
V. Deste modo, tendo a correcção que está na base da liquidação impugnada, relativa ao ano de 2001, assentado num critério sem cobertura legal - a AT comparou a desvalorização do veículo considerada pelo Impugnante - 89% - e a resultante da tabela de desvalorização prevista nos termos do DL nº 214/97, de 16/08, conjugado com a norma do Instituto de Seguros de Portugal (ISP) nº 14/97-R - 50%, - violou o disposto no artigo 24º, nº6 do CIRS, com a redacção à data aplicável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por ... , contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra os actos tributários de liquidação de IRS e juros compensatórios, respeitantes aos ano de 2001, emitidos com os nºs 2005 5004474996 e 2005 00002527765, respectivamente, no montante total de € 18.567,96, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

4.1. O valor calculado correspondia a 89% (oitenta e nove porcento), sendo de salientar o número de meses decorridos desde a aquisição da viatura Volvo com a matricula 12-23-NC, 28 meses.

4.2. O valor de venda acordado decorre do vínculo profissional que liga o ora impugnante à sociedade. Com efeito, é de todo inconcebível, que o valor de mercado do veículo automóvel da marca Volvo adquirido em 2001 por € 7.035,91 que havia custado em 1999 € 65.941,08, se desvalorizasse, no prazo de 2 anos, acima da desvalorização do mercado automóvel.

4.3. Foi tido em conta o valor de mercado considerado pelas Associações do sector automóvel, mas sim a tabela de desvalorização do valor seguro a que se refere o DL 214/97, sendo este um critério objetivo de análise de desvalorização de acordo com esta tabela, pois não existe previsão legal de critérios de desvalorização na lei o que resulta a possibilidade de serem aplicados critérios objetivos.

4.4. No entanto, as tabelas de desvalorização do valor do seguro a que se refere o DL n.º 214/97, temos que conjugá-la com a norma nº 014/1997 de 09/10 do Instituto de Seguros de Portugal, que é uma entidade credível, idónea e independente, onde ponto 1.4 dessa mesma norma refere que "as tabelas devem preferencialmente ser construídas sob a forma de dupla entrada conforme exemplos anexos, não vinculativos, sendo que cada empresa de seguros poderá construir várias tabelas por classes homogéneas de veículos".

4.5 Sendo certo, que esta “não vinculação” não compele que as empresas sigam estritamente as tabelas de desvalorização tendo um carácter orientador apenas, dando azo que a AT fizesse uma correção pois o valor de desvalorização era muito abaixo do valor real de mercado.

4.6. Não obstante, como se verá a aplicação da tabela de desvalorização do ISP é a única que poderia ser aplicada ao caso concreto dada a inexistência de outras tabelas de associações do sector automóvel. A aplicação da referida tabela cabe no entanto claramente quer no espírito, quer na letra da norma tributária.

4.7. A aplicação da tabela do ISP é perfeitamente enquadrável na previsão da norma do n 6 do artigo 24.° dado que como se sabe a actividade seguradora não é estranha ao sector automóvel e, sobretudo, porque a referida tabela traduz um método prático e eficaz de, em 2005, obter o valor de mercado de uma viatura reportado a 2001.

4.8. Sendo que a aquisição da viatura Volvo por € 7.035,91 está claramente sujeita a tributação em sede de IRS, categoria A e que o valor tributável foi correctamente apurado.

Termos em que, com mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida

Assim, se fará a costumada JUSTIÇA!”


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Não foram produzidas contra-alegações.

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Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

1. O impugnante desempenhava funções nos órgãos sociais da ... - ... , SGPS, S.A., em 2001, tendo adquirido nesse ano o veículo automóvel da marca Volvo, com a matrícula 12-23-NC, que pertencia ao activo imobilizado daquela sociedade;

2. A viatura em causa havia sido adquirida por aquela sociedade, em 31/03/1999, pela importância de € 65.941,08;

3. O impugnante veio a adquirir à sociedade, em 31/07/2001, a referida viatura pelo preço de € 7.035,91;

4. Os factos alinhados nos números anteriores foram detectados em acção externa de inspecção realizada à ... , relatando-se na informação nº53/ITR/2003, de 02/12/2003, a fls.46 do apenso instrutor, entre o mais que damos por integralmente reproduzido, o seguinte:

«1 - .. foram detectadas situações de atribuição de rendimentos em espécie que contudo não foram declarados, isto é, não incluídos na declaração de rendimentos prevista actualmente no nº 1 do artº 119º, do CIRS, relativa ao exercício de 2001.

2 - Da comparação da desvalorização atribuída pelo s.p., com a atribuída pela tabela de desvalorização prevista nos termos do DL nº214/97, de 16/08 e da norma do ISP nº 14/97-R, conclui-se que as viaturas foram alienadas por um valor inferior ao valor de mercado. De acordo com o nº 10 da alínea b) do nº3 do artº 2º do CIRS, constituem rendimentos de trabalho dependente: "A aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal".

3 - Face ao exposto e da análise efectuada conclui-se que foram originados rendimentos que não foram incluídos na declaração prevista no n°1 do art0119º do CIRS. Pelo que se afigura que os rendimentos declarados pelos contribuintes no anexo 1, deverão ser corrigidos dos montantes indicados, que resultam do diferencial entre o valor de mercado e o valor por que foram adquiridas, nos termos do nº6 do artº24° do CIRS.

(…)”.

5. Notificado para audição prévia, o impugnante exerceu tal direito em 19/05/2004 (fls.28 a 39 do apenso de reclamação graciosa);

6. Por despacho de 06/12/2005, do Sr. Director de Finanças Adjunto, exarado sobre informação dos serviços a fls.52 do apenso, foi alterado em € 25.934,63 o rendimento do impugnante com relação ao ano de 2001, de modo a incluir o benefício correspondente à aquisição da viatura (vd. também, fls.50 do apenso de reclamação graciosa),·

7. Nesse despacho e dando pronúncia sobre questões suscitadas pelo impugnante na audição prévia - para que foi notificado por ofício nº37396, de 15/06/2005 e a que respondeu em 05/07/2005 (fls.43 e 53 do apenso de reclamação), refere-se o seguinte: «Quanto à 1ª questão ... o Instituto de Seguros de Portugal é uma instituição independente e idónea, pelo que não existe motivo para que a Administração Pública não utilize as tabelas publicadas pelo referido Instituto, embora apresente situações que podem provocar desvalorização extraordinária. Quanto à 2ª questão, embora apresente situações que podem provocar desvalorização extraordinária, o contribuinte não apresentou quaisquer elementos que comprovem que o automóvel em questão sofreu desvalorização extraordinária».

8. Na notificação do despacho de 06/12/2005, do Sr. Director de Finanças Adjunto, de alteração do rendimento declarado, fez-se constar « ... após análise da resposta à audição prévia enviada por V. Exa. em 19/05/2004 ... » (fls.52 do apenso de reclamação graciosa);

9. Em resultado da alteração ao rendimento declarado e com referência ao ano de 2001 foi efectuada a liquidação adicional de IRS nº 2005 5004474996, de l3/12/2005 e de Juros Compensatórios nº 2005 2527765, no montante global € 263.675,52 com data limite de pagamento em 25/01/2006 (demonstração de liquidação e de compensação, fls. 26 e 60 a 64 do apenso de reclamação graciosa);

10. Em 24/05/2006, o impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação (fls.2 do apenso de reclamação);

11. A reclamação foi indeferida por despacho de 21/01/2008, do Sr. Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, exarado na informação dos serviços a fls.88 do atinente apenso e com a fundamentação dela constante, bem como do parecer nela exarado, que se dão por integralmente reproduzidos;

12. O impugnante foi notificado através de mandatário da decisão da reclamação em 25/01/2008 (oficio e aviso de recepção, a fls.98/99 do apenso de reclamação);

13. A impugnação foi enviada ao tribunal tributário sob registo postal em 11/02/2008, conforme carimbo aposto pelos CTT no sobrescrito de remessa, a fls.41.

Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada”.


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Ao abrigo do disposto no artigo 662, nº1 do CPC [anterior 712º, nº1, al. a)], adita-se a seguinte matéria de facto que também resulta provada documentalmente:

14 – As alterações e correcções aos rendimentos declarados resultaram, após a consideração do estorno da liquidação resultante da declaração de 2001, no valor a pagar de € 18.567,96, conforme resulta do documento de demonstração de acerto de contas, nº 2005 00001283871, junto a fls. 39 dos autos.

2.2. De direito

Vistas as conclusões da alegação de recurso, seguro é dizer que a discordância da Fazenda Pública relativamente ao decidido pelo Tribunal Tributário de Lisboa reside na circunstância de na sentença posta em crise se ter considerado ilegal o método utilizado pela Administração Tributária para quantificar o rendimento em espécie consubstanciado na aquisição, em 2001, por parte do Impugnante à ... (sociedade onde aquele desempenhava funções nos órgãos sociais), de um veículo automóvel adquirido por esta em 1999.

O veículo automóvel em causa, da marca Volvo, com a matrícula 12-23-NC, foi adquirido pela ... em 31/03/99, por € 65.491,08, tendo sido vendido (pela empresa) ao Recorrido, em 31/07/01, pelo montante de € 7.035,91.

Para calcular o referido rendimento, a Administração comparou a desvalorização do veículo considerada pelo Impugnante - 89% - e a resultante da tabela de desvalorização prevista nos termos do DL nº 214/97, de 16/08, conjugado com a norma do Instituto de Seguros de Portugal (ISP) nº 14/97-R - 50%. Aplicando estas percentagens à situação sub judice, temos, pois, que a Administração considerou o valor médio de mercado de € 32.970,54 (50% de € 65.491,08), o que comparado com o montante de € 7.035,91, resultou num valor corrigido de € 25.934,63.

Esta actuação correctiva teve como enquadramento jurídico-fiscal o disposto no artigo 2º, nº3, alínea b), nº10 e o artigo 24º, nº 6, ambos do CIRS.

Na sentença recorrida veio a reconhecer-se razão ao Impugnante, ora Recorrido, por se entender, em síntese, que o critério utilizado para o cálculo do valor médio de mercado do veículo em causa não tinha suporte legal, o que feria o acto de liquidação daí decorrente de ilegalidade, determinante da sua anulação. Para assim concluir, o Tribunal a quo expendeu o seguinte discurso argumentativo que, em parte, se reproduz:

“(…)

No caso, o impugnante não contesta estar-se perante remuneração acessória em espécie e, como tal, no âmbito da incidência objectiva do imposto de rendimento, mas apenas e só o método utilizado pela Administração tributária para quantificar essa remuneração acessória.

Estabelece o art°24°, do CIRS (redacção anterior à introduzida pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com entrada em vigor em 01/01/2003), na parte em que se apoiou de direito a Administração tributária para efectuar a correcção:

« 1 - A equivalência pecuniária dos rendimentos em espécie faz-se de acordo com as seguintes regras:

(…)

6 - No caso de aquisição de viaturas pelo trabalhador ou membro de órgão social, o rendimento corresponde à diferença positiva entre o respectivo valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel e o somatórios dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição do uso com a importância paga a título de preço de aquisição.

(…)”

Para quantificação do rendimento em espécie ou benefício auferido, o primeiro ponto será a determinação do que será o valor de mercado considerado pelas associações do sector; e, não se desconhecendo a utilização de vários indicadores que servem para efeitos de companhias de seguros, de revistas da especialidade, etc., a verdade é que não são esses os que a lei refere, mas sim, os que as associações do sector automóvel venham a acordar entre si. E acompanhando o que se escreveu em “Fisco”, 99/100, a págs.89/90, enquanto não houver tais valores e os mesmos sejam publicitados para efeitos de eficácia externa a norma não poderá ser aplicada na prática.

No caso em apreço, tendo a Administração tributária utilizado a tabela de desvalorização prevista no DL nº 214/97, de 16 de Agosto e Norma ISP nº014/97, de 09110, para proceder à avaliação da remuneração acessória em causa, incorreu em erro nos pressupostos.

Com a escolha de um critério não consentido por lei na quantificação da matéria tributável, a actuação da Administração tributária não se pautou por critérios de legalidade estrita, como lhe impunha o disposto no art°55°, da LGT, estando o impugnado acto tributário de liquidação inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos, determinante da sua anulabilidade …”

O entendimento sufragado na sentença posta em crise merece, adiante-se, a nossa concordância, não sendo de acolher, como explicaremos, as razões invocadas pela Fazenda Pública em sentido diverso.

Vejamos, então, os motivos que nos levam concluir pelo desacerto da correcção efectuada pela Administração Tributária.

O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), tal como resulta do artigo 1º, nº1 do CIRS, incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias ali referidas, nas quais se inclui a Categoria A - rendimentos do trabalho dependente. O nº 2 do dito preceito estabelece que os rendimentos, quer em dinheiro, quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos.”

Em sede de categoria A, consideram-se rendimentos do trabalho dependente, entre o mais, as remunerações de membros dos órgãos estatutários de pessoas colectivas e entidades equiparadas (com excepção dos que neles participem como revisores oficiais de contas) e as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e que constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente a aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal – cfr. artigo 2º, nº3, b), 10 do CIRS (renumeração do nº4 do artigo 30º do OE para 2002, Lei nº 109-B/2001, de 27/12, a que correspondia o anterior nº 9).

Considerando o caso em análise, e tal como resulta da posição assumida pelas partes, inexiste controvérsia sobre a qualificação, como rendimento do trabalho dependente, da remuneração acessória correspondente à aquisição, em 2001, pelo impugnante à ... , por € 7.035,91, do automóvel que, em 1999, havia sido adquirido pela empresa por €65.491,08.

Isto dito, entramos na questão que, efectivamente, opôs as partes e que, agora, leva a Fazenda Pública a divergir do decidido pelo Tribunal Tributário – a quantificação do rendimento.

Sobre o concreto aspecto da quantificação deste rendimento em espécie rege o artigo 24º, nº 6 do CIRS (na redacção anterior à introduzida pelo nº2 do artigo 26º do OE para 2003, Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro), nos termos do qual a equivalência pecuniária dos rendimentos resultantes da aquisição de viaturas pelo trabalhador ou membro de órgão social corresponde à diferença positiva entre o respectivo valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel e o somatórios dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição do uso com a importância paga a título de preço de aquisição.

Como decorre dos autos, no caso, e na falta do referido valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel, para o ano de 2001, a Administração Tributária lançou mão da tabela de desvalorização do valor do seguro a que se refere o DL n.º 214/97, conjugadamente com a norma nº 014/1997, de 09/10, do Instituto de Seguros de Portugal, tendo concluído pela desvalorização de 50%.

Em defesa desta actuação, refere a Recorrente que este é um critério objectivo de análise de desvalorização, que o ISP é uma entidade credível, idónea e independente, e que, aliás, a aplicação da tabela de desvalorização do ISP é a única que poderia ser aplicada ao caso concreto dada a inexistência de outras tabelas de associações do sector automóvel, sendo que tal utilização cabe claramente quer no espírito, quer na letra da norma tributária (leia-se, no nº6 do artigo 24º do CIRS), pois que a actividade seguradora não é estranha ao sector automóvel e, sobretudo, porque a referida tabela traduz um método prático e eficaz de, em 2005, obter o valor de mercado de uma viatura reportado a 2001.

Porém, nenhum destes argumentos convence.

Sem prejuízo de o critério resultante da aplicação da apontada tabela de desvalorização do valor do seguro poder ser considerado um critério objectivo, a verdade é que não foi o critério escolhido pelo legislador.

À data dos factos, repete-se, o artigo 24º, nº 6 do CIRS referia-se expressamente ao valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel. Portanto, a lei, na redacção aplicável, era clara, sendo, para nós inequívoco, diga-se, que no conceito de associações do sector automóvel não se inclui o Instituto de Seguros de Portugal, autoridade nacional responsável pela regulação e supervisão, quer prudencial, quer comportamental, da actividade seguradora, resseguradora, dos fundos de pensões e respectivas entidades gestoras e da mediação de seguros – cfr. DL nº 251/97, de 26/09 e DL nº 289/01, de 13/11.

Como é evidente, não têm aqui o menor interesse considerações relativas à credibilidade, idoneidade e independência do ISP, uma vez que, repete-se, a referida tabela de desvalorização do valor do seguro não é aqui aplicável, não por o ISP não ser uma entidade credível, idónea e independente, mas sim, e apenas, porque o legislador determinou que, in casu, fosse considerado, para os efeitos visados, o valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel.

Portanto, é, para a resolução do caso, indiferente que, como refere a Fazenda Pública, aquela tabela fosse um método prático e eficaz de, em 2005, obter o valor de mercado de uma viatura reportado a 2001, pois que aquilo que importa averiguar é do critério legal e não daquele que os serviços de inspecção consideraram ser o mais prático, em face da inexistência de valores médios fornecidos pelas associações do sector automóvel.

Note-se, de resto, que o legislador fiscal, não desconhecendo a existência do DL n.º 214/97 (que institui regras destinadas a assegurar uma maior transparência nos contratos de seguro automóvel que incluam coberturas facultativas relativas aos danos próprios sofridos pelos veículos seguros) e, bem assim, a norma nº 014/1997 de 09/10, do ISP (que regulamenta o DL nº 214/97, de 16/08. Fixa os critérios a adoptar pelas seguradoras na elaboração de tabelas de desvalorização a aplicar ao capital, de danos próprios de veículos automóveis), jamais elegeu como critério para aferir da equivalência económica do rendimento em espécie aqui em análise a tabela de desvalorização resultante daquele diploma e norma, pelo que não podia a Administração, em sede inspectiva/correctiva, eleger como critério um qualquer outro sem assento na lei.

O Tribunal não ignora o argumento avançado pela Recorrente quanto à inexistência, no ano em causa, do valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel, pretendendo-se, se bem interpretamos, justificar a opção feita, pois que, como também aponta a EMMP, “não pode a AT ficar dependente, em matéria de tributação, de tomadas de posição de associações do sector, sendo certo que os critérios e métodos adoptados respeitaram ainda assim as orientações de entidades ligadas ao sector automóvel como são as seguradoras e o Instituto de seguros de Portugal”.

Não obstante, a verdade é que o legislador fez uma opção clara sobre um critério de equivalência económica e, portanto, se, no momento de apurar o rendimento decorrente daquela concreta remuneração em espécie, não é possível lançar mão do critério para tal (porque, no caso, inexistem dados das associações do sector automóvel quanto ao valor de mercado do veículo), a Administração tem de conformar-se com tal inexequibilidade e abster-se de tributar, já que, nesta sede, não lhe é permitido socorrer-se de critérios que o legislador claramente não escolheu (e podia ter escolhido).

De resto, vale a pena lembrar que este constrangimento – resultante, afinal, de não ser tributada uma remuneração em espécie que, nos termos da lei, é inequivocamente um rendimento do trabalho dependente sujeito a IRS – reflecte, sem dúvida, uma das preocupações recorrentes do legislador fiscal quando confrontado com a enorme dificuldade prática de tributar determinados rendimentos em espécie. Neste sentido, veja-se o acórdão do TCAN, de 19/09/03 (proc. nº 01135/04 Viseu), que fazendo apelo ao estudo elaborado por Maria dos Prazeres Rito Lousa, intitulado “Aspectos Gerais Relativos à Tributação das Vantagens Acessórias”, publicado na Ciência e Técnica Fiscal, nº 374, Abril-Junho de 1994, páginas 9 e seguintes, refere que:

«Nesta ordem de ideias, dir-se-á que são hoje genericamente susceptíveis de tributação as remunerações acessórias, mas que, por força da enorme indeterminação na forma de as calcular, na prática tal tributação não se efectiva ou efectiva-se de forma muitas vezes arbitrária, à luz de critérios fixados pela Administração Fiscal, que, por isso mesmo, estabelecem uma enorme incerteza para os contribuintes e ferem ou podem ferir o princípio constitucional da legalidade tributária, reconduzindo à ilegalidade e inconstitucionalidade tais formas de tributação.

De facto, a questão que se coloca é tão-somente a de saber com que critérios é que se determina a matéria colectável, já que não bastará saber que remunerações acessórias fazem parte do elenco da incidência objectiva do imposto. Evidentemente, se um contribuinte recebe uma determinada importância em dinheiro a título de remuneração acessória, não se descortina dificuldade em tributá-lo, como é óbvio. Todavia, se se tratar, por exemplo, da utilização de uma viatura automóvel cedida pela empresa ou do direito de propriedade sobre esta ao fim de certo tempo de utilização da mesma, os critérios para a conversão da remuneração em espécie em escudos dificilmente se coadunam e adaptam, pelo que a tributação se torna muito complexa e, sobretudo, passível de ser arguida de inconstitucional e, certamente por isso, como veremos, na proposta de lei em análise procura dar-se resposta concreta a esta questão.

Estas razões fazem com que a tributação, entre nós, dos chamados benefícios acessórios seja ténue e pontuada de enormes indecisões, como, aliás, é patente pelas sucessivas alterações legislativas e autorizações não convertidas em lei. Tal facto acaba por proporcionar uma objectiva desigualdade entre contribuintes já que para um determinado espectro destes acaba por não haver tributação, no pressuposto de que uma parte, ou a totalidade das remunerações acessórias, escapam a tributação, enquanto para a generalidade dos contribuintes essa questão não se põe, porquanto não beneficiam desses pagamentos em espécie.

(…)

“A insuficiência das disposições normativas em matéria de vantagens acessórias, para que também contribuiu a lacuna existente ao nível das regras da sua quantificação, redundou em dificuldades administrativas na aplicação concreta do disposto na lei e manietou a actuação dos serviços da Administração Fiscal que se remeteu a uma atitude de tolerância perante certas práticas dos contribuintes.

“Essa situação acabou por traduzir-se, em termos concretos, num certo afastamento entre o preceituado na lei e sua execução de tal modo que a tributação de algumas vantagens acessórias se fazia a título de excepção e não como regra. E a benevolência fiscal desempenhou decisivamente um papel importante desta forma de retribuição do trabalho”.

Esta constatação da dificuldade na efectiva tributação deste rendimento em concreto e o interesse em ultrapassar tal contrariedade (obstando a que a tributação esteja dependente de associações do sector automóvel), reflecte-se, aliás, na alteração que este nº6 do artigo 24º do CIRS sofreu, deixando a lei de se referir ao valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel para passar a referir-se, actualmente, ao respectivo valor de mercado, considerando-se como tal (cfr. nº7 do artigo 24º do CIRS) o que corresponder à diferença entre o valor de aquisição e o produto desse valor pelo coeficiente de desvalorização constante de tabela a aprovar por portaria do Ministro das Finanças.

Em suma, e sem necessidade de nos alongarmos mais, há que concluir, com a sentença recorrida, que a correcção que está na base da liquidação impugnada assentou num critério sem cobertura legal, pelo que a mesma é violadora do artigo 24º, nº6 do CIRS, com a redacção à data aplicável. Por conseguinte a correcção aos rendimentos do trabalho dependente, no montante de € 25.934,63, não pode manter-se, como bem se decidiu em 1ª instância.

Daqui decorre, naturalmente, a improcedência de todas as conclusões da alegação de recurso, impondo-se negar provimento ao mesmo.

3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 27 de Março de 2014.


(Catarina Almeida e Sousa)

(Benjamim Barbosa)

(Anabela Russo)