Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:309/10.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRS
RESIDÊNCIA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I. O conceito de «residência por dependência», acolhido no artigo 16° nº 2 do CIRS, não pode sobrepor-se ao conceito convencional de residência constante do artigo 4.º da Convenção contra a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha, dada a supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário consagrada nos artigos 8.º da CRP e 1/1 da LGT.
II. Os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por A... contra as liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios, no montante global de € 152 047,72, relativas ao exercício de 2005, e da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa delas apresentado.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

I. O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória de procedência da impugnação, deduzida da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, apresentada contra a liquidação de IRS n° 2009 5..., relativa ao ano de 2005, consubstanciada na nota de cobrança n° 2009 1..., no valor de € 152.047,72 e com a qual a Administração Tributária não se conforma.
II. Concretizando, a decisão em crise declarou a ilegalidade do ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2005, considerando provado que o impugnante era residente em Espanha e em Portugal, conclusão após a qual procedeu à aplicação do critério constante na alínea a) do n.° 2 do artigo 4.° da Convenção entre Portugal e a Espanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, decidindo assim que o impugnante não teria de ser tributado em sede de IRS, no território nacional.
III. O thema decidendum consiste em saber o Impugnante deve ser considerado como residente em Espanha, em 2005 e qual o Estado a quem cabe a tributação dos rendimentos auferidos pelo Impugnante.
IV. Entende, porém, a Fazenda Pública com o devido respeito por diversa opinião, que o douto decisório incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e por ser inaplicável o disposto nos artigos 4° e 15° da CDT celebrada entre Portugal e Espanha. Senão vejamos,
V. O documento designado “certificado de retenciones e ingresos a cuenta sobre pagos a no residentes”, emitido em 31-12-2005 pelo clube de futebol “RCD E...” (Ponto 4 dos factos provados) é um certificado de retenções, pagos a não residentes.
VI. O documento com a denominação “certificado de retenciones e ingresos a cuenta del impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas”, referente ao Impugnante e ao ano de 2005, emitido em 20-03-2006, pelo clube de futebol “V... Club de Futebol, SAD”, configura uma declaração das retenções na fonte efetuadas aos rendimentos auferidos pelo impugnante junto da instituição emitente (Ponto 5 dos factos provados), não se podendo extrair do mesmo que os rendimentos lhe foram pagos, na qualidade de residente no Estado da fonte dos rendimentos.
VII. Da informação, emitida pela Direção de Serviços das Relações Internacionais, em 11-05-2009, consta que o sujeito passivo foi notificado, ao abrigo do artigo 128.° do CIRS, para a apresentação do documento original válido, emitido ou autenticado pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos, que identifique o valor e natureza dos rendimentos auferidos, bem como o correspondente montante de imposto pago, a título final no ano de 2005, não tendo o sujeito passivo apresentado qualquer resposta-(Ponto 11 dos factos provados).
VIII. Inexiste assim nos autos qualquer documento fiscal que ateste a liquidação e pagamento de imposto sobre os rendimentos auferidos no Estado da fonte dos rendimentos.
IX. O documento emitido em 24-09-2009, pelo “Registro Central de Extranjeros em la Comisaría Provincial de Valencia”, certifica uma situação de registo do Recorrido perante entidades policiais de Espanha (Ponto 14 dos factos provados), sendo desprovido de qualquer teor fiscal.
X. O documento emitido em 17-06-2010 pela “Agencia Tributaria-Dependencia de Gestión Tributaria- Sección No Residentes” declara, de harmonia com a informação fornecida pelo “R..., S.A.D”, a retenção na fonte, no ano de 2005, ao contribuinte não residente A..., residente em Moçambique, no valor de € 36.122,41, referente ao rendimento auferido de € 144.489,65,
XI. Tendo este certificado sido emitido para efeitos de justificação perante as autoridades fiscais do país de residência do contribuinte, o pagamento de impostos sobre o rendimento em Espanha, a título de retenção na fonte.
XII. Verifica-se assim que este documento, que serviu de base aos factos dados como provados no ponto 17 foi emitido pela Seção de Não Residentes do Departamento de gestão Tributária da Agencia Tributaria, a contribuinte não residente em Espanha, com residência em Moçambique, atestando um valor de retenção na fonte parcial (o valor total de retenção na fonte efetuada em 2005 ascende a € 99.157,97- Documento n.° 13).
XIII. Do teor dos documentos ora referidos e que serviram como meios de prova de factos, extraem-se outros factos de extrema relevância para a apreciação da matéria controvertida e que não foram carreados para a matéria de facto e, consequentemente, não foram valorados pela douta sentença proferida.
XIV. E da valoração destes elementos de facto, constantes dos documentos de forma expressa e clara, permitiram determinar que o impugnante não era residente em território espanhol e fixar o valor total das retenções na fonte efetuadas em Espanha.
XV. Na verdade, afigura-se-nos que, cada um dos documentos acima referidos, deveriam ter analisados e valorados na sua globalidade como meio de prova de determinados factos, não se afigurando razoável retirar dos mesmos (documentos) factos isolados, desconsiderando o teor dos restantes factos que se encontram expressamente declarados nos documentos.
XVI. No que concerne aos factos não provados, é nosso entendimento, salvo o devido respeito por melhor opinião, que deveria ter sido considerado como facto não provado, a apresentação de declaração de rendimentos de IRS de 2005 em território espanhol, bem como a respectiva liquidação e pagamento de imposto, como aliás o próprio recorrido reconhece expressamente nos artigos 22° a 24° da sua p.i.
XVII. Do exposto, decorre a existência de erro na apreciação da prova, porquanto a decisão recorrida dá por provado, factos que se encontram em contradição com o teor dos documentos ínsitos nos autos.
XVIII. De referir que, só muito após a notificação da liquidação de IRS em causa, o impugnante passou a defender que tinha residência em Espanha no ano em causa, sem nunca fazer prova que neste país foi tributado como residente, como lhe competia.
XIX. A Convenção celebrada entre Portugal e a Espanha para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento (no n° 1 do artigo 4° da CDT) remete a definição do conceito convencional de residência para a legislação interna dos estados contratantes, não contendo a própria CDT qualquer definição conceitual do mesmo.
XX. Sendo certo que, o conceito da convenção de “residente” implica, não apenas que o sujeito passivo tenha residência no Estado, mas ainda que o mesmo seja considerado nesse Estado como residente para efeitos de tributação.
XXI. Para aferir a residência em território português, o art.° 19° da LGT estabelece que o domicílio fiscal do sujeito passivo é, para as pessoas singulares, o local da residência habitual e o art.° 16, n.° 1, al.s a) e b) do CIRS, determinam como se adquire o estatuto de residente em território português (por permanência em território nacional por período superior a 183 dias ou pela intenção de residência manifestada pelos que, embora tendo permanecido menos tempo, disponham em Portugal, em 31 de Dezembro, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e habitar como residência habitual).
XXII. O recorrente não juntou quaisquer documentos, emitidos pelas autoridades tributárias espanholas, que permitam concluir que o impugnante está sujeito a imposto em Espanha, imposto esse calculado e devido pelo impugnante na qualidade de residente nesse Estado.
XXIII. Atento o exposto, considera a Fazenda Pública, com o devido respeito, existir erro de julgamento, por erro na valoração da prova existente nos autos, que não permite a obtenção das conclusões em que se alicerça a decisão proferida.
XXIV. Relativamente à aplicação do Direito, entendemos que a situação concreta não se subsume às normas jurídicas aplicadas na douta sentença proferida, que pressupõe que o recorrido era residente em território espanhol, facto que não ficou demonstrado e é contrariado pelos documentos juntos aos autos,
XXV. Não tendo ficado demonstrado que o recorrido era residente em território espanhol, fica inquinado o percurso percorrido na douta sentença a quo, para determinar o Estado com competência para a tributação dos rendimentos do recorrido,
XXVI. Pois que inexiste a premissa que o recorrido era residente em Portugal e em Espanha, que é utilizada na douta sentença a quo para determinar, em sede de aplicação da Convenção entre Portugal e a Espanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento [CDT], qual o país com competência para a tributação em sede de IRS.
XXVII. De igual modo, a premissa da existência de uma habitação própria e permanente à disposição do impugnante em ambos os Estados Contratantes da CDT, carece de base factual, pois que não foi alegada ou produzida qualquer prova, nada constando dos factos provados, no que concerne à existência de habitação própria permanente do impugnante em território espanhol, pois a existência de uma morada em território espanhol não configura o preenchimento do conceito de habitação própria e permanente.
XXVIII. Não obstante, considerou a douta sentença a quo que, no caso sub judice, estávamos perante uma situação de “dupla residência”, a qual constituiu o ponto de partida para a adoção do critério de desempate (previsto do número 2 do artigo 4° da CDT), de determinação do centro de interesses vitais do impugnante, que se determinou situar- se em território espanhol, onde o mesmo trabalhava.
XXIX. Contudo, a conclusão que o centro de interesses vitais do impugnante se situava em Espanha não tem suporte factual, inexistindo nos factos provados qualquer referência a esta matéria, porquanto também quanto a este ponto nenhuma prova foi produzida.
XXX. Sendo certo que, dos elementos contantes da declaração de IRS do impugnante, do ano de 2005, além da declaração de residência em território nacional, consta a existência de habitação própria e permanente, a existência de 3 dependentes, rendimentos obtidos em território português e a realização de despesas de saúde e de educação- Ponto 6 do Factos Provados.
XXXI. Sendo certo que, nada é alegado ou demonstrado pelo impugnante relativamente às relações pessoais do impugnante em território espanhol, sendo a douta sentença proferida omissa quanto a tal matéria.
XXXII. Relativamente à aplicação do disposto no artigo 15° da CDT celebrada entre Portugal e Espanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, esta não se afigura possível, na medida em que o exercício de funções como atleta profissional não se enquadra no conceito de profissões dependentes ali previsto,
XXXIII. E porque o artigo 17° da CDT celebrada entre Portugal e Espanha, determina como se realiza a tributação dos rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante, na qualidade de desportista, como é o caso do recorrido.
XXXIV. No que concerne à condenação da AT, no pagamento de pagamento de juros indemnizatórios, desde a data de pagamento do imposto até à data de processamento da respectiva nota de crédito, em virtude da decisão de procedência total da impugnação a favor do sujeito passivo, consiste num erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a sentença viola o disposto na alínea c) do n° 3 do artigo 43° da LGT,
XXXV. O qual determina que, nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, nos termos do n° 3, al. c) do artigo 43° da Lei Geral Tributária.
XXXVI. Daí que se possa concluir que esta norma do artigo 43°, n° 3 c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão, como é o caso dos presentes autos.
XXXVII. Tal entendimento é sufragado pela jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do CT) e expressa no Acórdão de 10-24-2018 no Proc. n.°099/18.3BALSB e no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 28-01-2015, no processo n° 0722/14.
XXXVIII. Por fim, o direito a juros indemnizatórios previsto no n° 1 do artigo 43° da LGT, derivado de anulação de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro (sobre os pressupostos de facto ou de direito) imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
XXXIX. No caso em apreço, estamos perante uma situação de entrega de declaração de IRS, pelo sujeito passivo, referente ao ano de 2005, no qual este se declarou residente em território nacional e que gerou a liquidação impugnada, não tendo aquele apresentado qualquer documento suscetível de demonstrar a sua condição de residente em Espanha, de molde a afastar a sua tributação em território nacional.
XL. Neste enquadramento, se o ato de liquidação é anulado por força de uma ilegalidade que não implica uma errada definição da situação tributária, isto é, de uma ilegalidade que não implica forçosamente que a prestação tributária seja legalmente indevida, não pode falar-se em direito a juros indemnizatórios à luz do artigo 43° da LGT.
XLI. Pelo exposto, a Fazenda Pública entende que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito, não valorou devidamente os elementos de facto constantes dos documentos que serviram como meio de prova a factos dados como provados,
XLII. Bem como procedeu à aplicação do Direito, sustentada em factos que não integram os factos provados, o que conduziu a erro de julgamento em matéria de facto e de direito, com a aplicação do disposto nos artigos 4° e 15° da CDT celebrada entre Portugal e Espanha, em violação do preceituado no artigo 74° da LGT e a violação do disposto no n° 3, al. c) do artigo 43° da LGT.
XLIII. Em suma, a douta sentença proferida a quo fez, a nosso ver, relativamente à questão aqui tratada, uma incorrecta valoração da prova documental que a fundamenta, incorrendo assim em erro de julgamento de facto e de direito, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências, mantendo-se na ordem jurídica a decisão impugnada e, consequentemente, liquidação em causa.
XLIV. Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: (i) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e por ao caso ser inaplicável o disposto nos artigos 4.° e 15.° da CDT celebrada entre Portugal e Espanha; (ii) se se verifica erro de julgamento na condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira, no pagamento de pagamento de juros indemnizatórios, desde a data de pagamento do imposto até à data de processamento da respetiva nota de crédito, em virtude da decisão de procedência total da impugnação a favor do sujeito passivo.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. Em meados de 2004 o Impugnante, no âmbito da sua carreira como futebolista profissional, juntou-se ao plantel do "V...", clube da primeira divisão espanhola de futebol;

2. Em 03 de Junho de 2005, o Impugnante tinha registado, no “Cadastro único” da Direcção-Geral dos Impostos, “País de Residência Espanha” - cfr. cadastro, a fls. 20 do Procedimento de Reclamação Graciosa [PRG] apenso ao suporte físico dos autos;

3. Em meados de 2005, o Impugnante passou a representar o clube "RCD E...”, clube da primeira divisão espanhola de futebol, o que fez até meados de 2007;

4. No dia 31 de Dezembro de 2005, o clube "RCD E...” emitiu “certificado de retenciones e ingresos a cuenta sobre pagos a no residentes”, referente ao Impugnante e ao ano de 2005 - cfr. declaração, a fls. 138 do processo administrativo tributário [PAT] apenso ao suporte físico dos autos;

5. No dia 20 de Março de 2006, o clube " V... Club de Futbol, SAD” emitiu “certificado de retenciones e ingresos a cuenta del impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas”, referente ao Impugnante e ao ano de 2005 - cfr. declaração, a fls. 138 do processo administrativo tributário [PAT] apenso ao suporte físico dos autos;

6. No dia 22 de Novembro de 2006, o Impugnante apresentou “Declaração Modelo 3 IRS Via Internet”, referente ao ano de 2005, onde indica “número de dependentes não deficientes: 3”; “Residência fiscal: Continente”; “Rendimentos obtidos em território português: 136,00”; “despesas de saúde [...]: 79,71”; “despesas de educação [...] 1.735,62”; “juros e amortização de dívidas [...] com imóveis para habitação própria e permanente 9.549,84”; “Seguros de acidentes pessoais [...] 681,70"; "rendimentos obtidos no estrangeiro - 541.121,48 Imposto pago no estrangeiro 135.280,38" - cfr. declaração, a fls. 173 a 178 do PAT apenso ao suporte físico dos autos;

7. No dia 24 de Novembro de 2006 foi emitida a liquidação 2006 50..., consubstanciada no documento 2006 00..., no valor de € 74.868,95 - cfr. documento, a fls. 9 do PRG apenso ao suporte físico dos autos;

8. No dia 08 de Janeiro de 2007 foi carimbado, na Repartição de Finanças de Benavente, requerimento do Impugnante, pelo qual "vem reclamar da Liquidação de IRS N0 2006 00... efectuada em 22 de Novembro de 2006, relativa ao ano de 2005", uma vez que "é residente em ESPANHA desde Agosto de 2004, onde obteve todos os seus rendimentos, como agente desportivo (praticando Futebol Profissional), respectivamente, no V... CLUB DE FUTBOL,SAD, e no RCD E..., como tal em ESPANHA é que teria de fazer o seu IRS correctamente, e não em Portugal, como foi feito indevidamente" e que deu origem ao processo 197020070... - cfr. reclamação, a fls. 2 do PRG apenso ao suporte físico dos autos;

9. Em 10 de Dezembro de 2007, foi enviado ao Impugnante o ofício 6005, cujo assunto era "Processo de reclamação graciosa n° 1970.2007.0... - notificação de indeferimento" - cfr. ofício, a fls. 49-A do PRG apenso ao suporte físico dos autos;

10. No dia 22 de Dezembro de 2008 foi carimbado, no serviço de finanças de Benavente, requerimento do Impugnante pelo qual este "vem [...] suscitar a utilização do instituto da REVISÃO OFICIOSA dos actos tributários de liquidação" - cfr. petição, a fls. 153 do PAT apenso ao suporte físico dos autos;

11. No dia 11 de Maio de 2009 foi elaborada informação pela "Direcção de Serviços das Relações Internacionais", onde se lê que "foi o sujeito passivo [...] notificado, ao abrigo do artigo 128.° do Código do IRS (obrigação de comprovar os elementos das declarações) para a apresentação do documento original válido, emitido ou autenticado pela respectiva autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos, que discrimine a natureza e montante do rendimento auferido, bem como o correspondente montante de imposto pago, a titulo final e total, para os anos de 2005 [...] o sujeito passivo não respondeu a esta notificação [...] para efeitos de correcção da liquidação de IRS do ano de 2005, devendo ser retirado o crédito de imposto por dupla tributação internacional anteriormente atribuído" - cfr. informação, a fls. 146 do PAT apenso ao suporte físico dos autos;

12. No dia 03 de Julho de 2009 foi carimbado, na DF de Lisboa, requerimento de "Direito de Audição" apresentado pelo Impugnante - cfr. direito de audição, a fls. 147 do PAT apenso ao suporte físico dos autos, e que se dá por integralmente reproduzido;

13. Pelo despacho de 18 de Setembro de 2009, aposto na informação 2113/09, da Direcção de Administração II da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi negado "provimento ao pedido de revisão nos termos do n.° 4 do art.° 78.° da LGT" referido em 10) - cfr. despacho, a fls. 3 do procedimento de revisão oficiosa apenso ao suporte físico dos autos;

14. Em 24 de Setembro de 2009 foi emitido, pelo "Registro Central de Extranjeros em la Comisaría Provincial de Valecia”, certificado em como o Impugnante estava inscrito no "Registro Central de Extranjeros de la Dirección General de la Policía y de la Guardia Civil, como residente comunitário com caracter permanente em Espanã, desde” 15 de Outubro de 2004 - cfr. certificado, a fls. 92 do suporte físico dos autos;

15. O despacho referido em 13 foi enviado ao Impugnante pelo ofício 14121, de 11 de Novembro de 2009, do serviço de finanças de Benavente - cfr. ofício, a fls. 21 do procedimento de revisão oficiosa apenso ao suporte físico dos autos;

16. No dia 105 de Fevereiro de 2010 foi enviada a Tribunal, pelo registo postal RC434859960PT, a petição inicial do presente processo - cfr. envelope, a fls. 100 do suporte físico dos autos;

17. No dia 17 de Junho de 2010 foi emitido, pela "Agencia Tributaria”, certificado dos valores que foram retidos, ao Impugnante, em 2005, em Espanha - cfr. certificado, a fls. 140 do suporte físico dos autos.

Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, quaisquer outros factos.

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes e indicada a seguir a cada um dos factos.
Os factos 1) e 3) decorrem da alegação do Impugnante, corroborada pela informação disponível na internet [nesse sentido, os sítios Transfermarkt - https://www...., estando ainda em confluência com os documentos juntos aos autos, mormente os referidos em 4), 5) e 14).
Não se desconhece que a informação retirada da Internet não é sempre fidedigna, devendo a sua utilização estar rodeada de cautelas. No entanto, no presente caso, foram consultadas fontes tidas como idóneas, verificando-se que os dados obtidos são congruentes entre si e com os demais documentos constantes dos autos, o que permitiu a fixação dos sobreditos factos.


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, ao abrigo do preceituado no artigo 662/1, do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), adita-se ao probatório os seguintes factos:

18. Do documento identificado na alínea 17, transcreve-se:
«Imagem no original»

(…)

19. Em 2009.12.07, foi emitida a liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2005, nº 2009 5..., com valor a pagar de € 226 916,67, constante de fls. 36/97 de doc. nº 003645775 registado em 17-02-2010 às 10:36:46 que aqui se dá por integralmente reproduzida; da demonstração da liquidação transcreve-se:
«Imagem no original»

20. Com data de compensação de 2009.12.15, foi emitida a demonstração de acerto de contas, com saldo a pagar de € 152 047,72 e data limite de pagamento de 2010.01.20, constante de fls. 35/97 de doc. nº 003645775 registado em 17-02-2010 às 10:36:46 que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se transcreve:
«Imagem no original»


21. Na mesma data foi emitida a demonstração de liquidação de juros, constante de fls. 37/97 de doc. nº 003645775 registado em 17-02-2010 às 10:36:46 que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se transcreve:
«Imagem no original»


II.2 Do Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação apresentada pelo Impugnante, ora Recorrido alegando que, ao contrário do decidido, se tem de considerar que no ano em causa este tinha domicílio fiscal em Portugal, porquanto ao caso não era aplicável o disposto nos artigos 4° e 15° da CDT celebrada entre Portugal e Espanha.

Depois, e quanto à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira, no pagamento de pagamento de juros indemnizatórios, além de não ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro (sobre os pressupostos de facto ou de direito) imputável aos serviços, não poderia ter sido condenada ao pagamento de juros contados desde a data de pagamento do imposto até à data de processamento da respetiva nota de crédito, mas apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.

Vejamos, pois, em primeiro lugar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, porquanto face à factualidade provada e com a devida aplicação do regime jurídico, deveria ter decidido de modo diverso.

A tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares centra-se no conceito de residência: não o conceito de domicílio que resulta da declaração dos contribuintes, e que consta do cadastro, mas o de residência. Dividem-se os contribuintes entre residentes e não residentes, entendendo-se por residentes aqueles que permaneçam no território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, ou que disponham de habitação em condições que façam supor a intenção de manter e ocupar como residência habitual (artigo 16º CIRS).

Além de os conceitos de domicílio e residência no plano fiscal não coincidirem inteiramente com a sua aceção civilista, para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributária de cada Estado é, também ela, distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de atos relativos à situação fiscal do contribuinte (1)

Para considerar o Impugnante como não residente em Portugal, mas em Espanha, a sentença recorrida analisou o disposto no artigo 16º CIRS e os artigos 4º e 15º da Convenção entre Portugal e a Espanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 49223, publicada no DR, n.º 207, de 1969.09.04.

O Impugnante, ora Recorrido, constava no Cadastro como não residente em Portugal desde 3 de Junho de 2005, mas em Espanha, país onde exercia atividade como jogador profissional de futebol e auferia rendimentos desde meados do ano de 2004, tendo nomeado representante fiscal.

Foi ele, todavia, que preencheu e entregou a declaração de rendimentos de modelo oficial em Portugal, mas será essa opção suficiente para ser considerado residente em Portugal para efeitos de tributação? Tanto mais que posteriormente pediu a revisão do ato tributário de liquidação precisamente com esse fundamento?

Para responder a esta questão diz a sentença recorrida, na parte que aqui interessa:

Como decorre do probatório, o Impugnante constava do cadastro da DGCI como residente em Espanha desde 03 de Junho de 2005, já ali residindo no ano anterior [factos provados 1) e 14)].
Analisado apenas este dado, o Impugnante terá de ser considerado residente em Espanha, uma vez que ali permaneceu mais que os necessários 183 dias [não sendo aplicável a alínea a) do sobredito artigo 16°].
Por outro lado, e conforme já referido, o Impugnante prestou serviço, como atleta de futebol profissional, nas épocas desportivas de 2004/2005 a 2005/2006, em Espanha, designadamente na "V..., SAD” e na "R…, SAD” .
(…)
Tendo em conta o lapso de tempo e o tipo de funções em causa, é incontornável que o Impugnante, naqueles anos, residiu em Espanha, ali dispondo de habitação própria e permanente [uma vez que o regime de treinos, diário, de um futebolista profissional, a isso obriga].
Resulta também dos autos que o Impugnante declarou possuir, em território nacional e no ano de 2005, habitação própria e permanente, podendo ser considerado, por essa via, residente em Portugal.
Atento o sobredito circunstancialismo, entraríamos na previsão do número 2 do artigo 4.° da CDT, de "dupla residência", cuja dilucidação se faria através do conceito de centro de interesses vitais, sendo "considerada[o] residente do Estado Contratante com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas".
Sobre esta matéria, veja-se a decisão 332/2016-T do CAAD, que apreciou uma situação similar à presente [ainda que no ano de 2014]: "Embora a definição de residente seja feita com recurso aos critérios estabelecidos pela lei interna de cada Estado, como refere Rui Duarte Morais "[a]s convenções internacionais sobre dupla tributação aceitam tal competência (...) limitando-se a estabelecer regras de «desempate» que permitem qualificar um contribuinte como residente em (apenas) um dos Estados contratantes quando ambos (por força das divergências entre as respetivas leis) o considerem como tal." (Cf. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Coimbra: Almedina, 2016, 3.a Edição, p. 12.). O artigo 4° da CDT procura, precisamente, resolver situações de dupla residência, em que alguém tem "contactos prolongados com mais de uma ordem jurídica" (Cf. J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2007, pp. 339-340), através de diversas regras especiais (de desempate) cuja aplicação determinará a residência em apenas um dos Estados que reclamam a residência fiscal de um determinado sujeito passivo. Nos termos do n.° 2 do art. 4.° do CDT, "[q]uando, por virtude do disposto no n° 1, uma pessoa singular for residente de ambos os Estados Contratantes, a situação será resolvida como se segue: "Será considerada residente do Estado Contratante em que tenha uma habitação permanente à sua disposição (...)". A este respeito sempre será de referir que, durante o ano fiscal, o Requerente dispôs de uma habitação permanente tanto em Portugal como em Espanha. Na verdade, pelo menos a partir da celebração do Contrato de Arrendamento o Requerente passou a dispor de uma habitação permanente em Portugal, dispondo simultaneamente de uma residência à sua disposição em Espanha, como aliás, procurou demonstrar no art. 73.° do pedido de pronúncia e na prova testemunhal.
Continua o artigo dizendo que "Se tiver uma habitação permanente à sua disposição em ambos os Estados, será considerada residente apenas do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais);" Ora, tendo em atenção o período relevante - o ano de 2014 - não será possível identificar um único centro de interesses vitais, mas dois centros de interesses vitais sucessivos: em Espanha, enquanto aí residia e trabalhava, em Portugal a partir da sua transferência - desportiva e pessoal - para o Porto ocorrida em Julho. Do que se trata no caso sub judice é de uma sucessão, uma substituição de um Estado por outro, não podendo ser identificado, em 2014, um mas dois centros de interesses vitais.
Dispõe então a al. b) do n.° 2 do art. 4 da CDT que: a) Se o Estado em que tem o centro de interesses vitais não puder ser determinado (...) será considerada residente apenas do Estado Contratante em que permaneça habitualmente;
A este respeito, salienta o comentário 17. ao art. 4.° do Modelo de Convenção Fiscal Sobre o Rendimento e o Património que "(...) em caso de dúvida quanto ao local onde o interessado tem o seu centro de interesses vitais, faz inclinar o prato da balança para o lado do Estado em que permanece com maior frequência. Para este efeito, devem ser tomadas em consideração as estadas efectuadas pelo interessado não apenas na sua habitação permanente no Estado em causa, mas também em qualquer outro ponto dentro do mesmo Estado.". Durante o ano de 2014 o Requerente passou mais tempo em Espanha do que em Portugal, quer por força da data em que mudou efetivamente a sua residência para Portugal, quer por força das deslocações regulares que foi efetuando a Espanha no mesmo período (de acordo com a prova testemunhal). [...] Assim sendo, não obstante concluirmos que o Requerente reside, para efeitos fiscais em Portugal, por aplicação da lei doméstica Portuguesa (al. b) do n.° 1, do art. 16.° do Código do IRS), consideramos, contudo, que a CDT celebrada entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha obstam a que Portugal possa tributar os rendimentos auferidos pelo Requerente, na medida em que resolve o conflito positivo de residências fiscais a favor de Espanha. Ou seja, no ano de 2014 o Requerente é considerado residente fiscal em Espanha e não-residente fiscal em Portugal."
Ora, compulsados os autos, mostra-se claro que, no ano de 2005, as relações económicas se mostravam mais estreitas com o Estado Espanhol, onde residiu e trabalhou durante a totalidade do ano, onde já residia no ano anterior e ali permaneceu, até, nos anos seguintes. De igual forma, não se encontram demonstrados nos autos quaisquer relações, pessoais ou económicas, com o Estado Português, para além das constantes da declaração do Impugnante.
Quanto ao artigo 17.° da CDT, que permite que "Não obstante o disposto nos artigos 14º e 15°, os rendimentos obtidos pelos profissionais do espectáculo, tais como artistas de teatro, cinema, rádio ou televisão e músicos, bem como pelos desportistas, provenientes das suas actividades pessoais exercidas nessa qualidade, podem ser tributadas no Estado Contratante em que essas actividades forem exercidas", implicaria que estivéssemos face a uma situação de um residente em Portugal que obtivesse rendimentos, decorrentes da pratica desportiva, vindos de Espanha. Como já se disse, não é esta a situação aplicável, uma vez que se considera o Impugnante como residente em Espanha, país de onde advieram os seus rendimentos.
Assim sendo, há que considerar o Impugnante como residente, no ano de 2005, em Espanha, pelo que, através da aplicação do artigo 15° da CDT, cabe a este Estado a tributação do Impugnante, e não ao Estado Português.

Nesta parte, a sentença recorrida encontra-se bem fundamentada e não merece a censura que lhe foi feita, tendo seguido a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo, da qual citamos o recente Acórdão do Pleno da Seção do CT, de 2020.03.04, Proc nº 01679/13.9BALSB, onde se decidiu que o conceito de «residência por dependência», acolhido no artigo 16.° n.º 2 do CIRS, não pode sobrepor-se ao conceito convencional de residência constante do artigo 4.º da Convenção contra a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Itália (aprovada para ratificação pela Lei n.º 10/82, de 1 de Junho), dada a supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário consagrada nos artigos 8.º da CRP e 1º, nº 1 da LGT.

Tal como se escreveu naquele aresto, não se verificavam no ano em causa [2005] e em relação ao Recorrido, nenhum dos critérios de que a lei fiscal portuguesa – artigo 16.º n.º 1 do Código do IRS -, faz depender a atribuição da qualidade de residente para efeitos de IRS, sendo esses critérios, e não quaisquer outros (como o da alegada “residência por dependência ”, ou o decorrente do preenchimento como residente da declaração de IRS), os atendíveis, embora com limitações, para efeitos de aplicação do n.º 1 do artigo 4.º da Convenção contra a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Itália (aprovada para ratificação pela Lei n.º 10/82, de 1 de Junho).

Sendo certo que cotejando os artigos da Convenção celebrada entre Portugal e Itália com os da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha, estes. têm redações em tudo idênticas

No caso em análise não se verificam, pois, os critérios de atribuição da qualidade de residente em território nacional ao Impugnante, ora Recorrido.

Em face do exposto e da jurisprudência que emana do citado Acórdão STA, improcederá nesta parte o recurso e é de confirmar a sentença recorrida que julgou ilegal a atribuição da qualidade de residente em território português que a Autoridade Tributária imputou ao Recorrido e na qual fundou a sua pretensão de tributar os rendimentos do trabalho dependente por ele auferidos em Espanha no ano de 2005, em violação dos artigos 4/1 e 15º da Convenção entre Portugal e a Espanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.

Sem necessidade de analisar os demais fundamentos do recurso, porque dependentes de o Impugnante, ora Recorrido, ser considerado residente em território nacional para efeitos de tributação em sede de imposto sobre o rendimento.


Vejamos agora quanto à condenação da Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios, com a qual não se conforma agora.

Com efeito, em caso de procedência parcial ou total de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do contribuinte, a Autoridade Tributária e Aduaneira está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

Na verdade, visto o disposto no artigo 100º da LGT, a anulação judicial do ato tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos ex tunc, tudo se passando como se o ato anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efetuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação atual hipotética, o que justifica a obrigatoriedade do imposto que tiver sido pago e ao pagamento dos juros indemnizatórios, previstos no artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).

Nos termos do citado artigo 43/1 da LGT, são devidos juros compensatórios quando: (i) haja um erro num ato de liquidação de um tributo; (ii) que o erro seja imputável aos serviços; (iii) a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; (iv) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida em montante superior ao legalmente devido.

Alega a Recorrente que não ficou demonstrado nos autos que houve erro imputável aos serviços.

Ora, o erro, de facto ou de direito, para gerar dever de pagamento de juros indemnizatórios, terá de ser imputável aos serviços, como aduz.

No caso em apreço, foi o próprio Contribuinte que entregou a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2005, pelo que, em princípio, estaria, como defende a Recorrente, afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, no momento em que foi praticado aquele primeiro ato de liquidação que determinou a quantia a pagar.

Todavia, posteriormente foi pedida a revisão do ato tributário pelo Contribuinte.

Assim, após a impugnação administrativa, o erro passa a ser imputável à Administração Tributária depois do indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, a partir do momento em que em que o praticou.

Nos termos do nº 3, alínea c) do já citado artigo 43º LGT, são devidos juros indemnizatórios, quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária.

Defende ainda a Recorrente que a serem devidos juros indemnizatórios estes apenas serão contados desde a data em que se completou um ano sobre a formulação do pedido de revisão, nos termos do citado n° 3, al. c) do artigo 43° da Lei Geral Tributária (cf. conclusão XXXV).

Concluindo, depois, que a norma do artigo 43/3.c) consagra um regime especial quanto aos juros indemnizatórios em situações de revisão, como é o caso dos presentes autos (cf. conclusão XXXVI).

E que tal entendimento é sufragado pela jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do CT) da qual cita os Acórdãos de 10-24-2018 no Proc. n.°099/18.3BALSB e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 28-01-2015, no processo n° 0722/14 (cf. conclusão XXXVII).

É, na verdade, esse o entendimento jurisprudencial reiterado, com o qual concordamos e de que citamos o recente Ac. do Pleno da Seção do CT, de 2020.11.04, no Proc nº 038/19.4BALSB, no sentido de que os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto.

No caso, o pedido de revisão oficiosa da liquidação foi apresentado em 22 de dezembro de 2008, pelo que são devidos juros indemnizatórios, decorrido um ano sobre essa data e até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor do sujeito passivo.

A sentença recorrida na parte em que decidiu que o Impugnante tem direito a juros indemnizatórios, contados desde a data de pagamento do imposto até à data de processamento da respetiva nota de crédito, não se pode manter e deve ser revogada.

Tem, pois, razão a Recorrente sobre esta questão da contagem dos juros.


Sumário/Conclusões:

I. O conceito de «residência por dependência», acolhido no artigo 16° nº 2 do CIRS, não pode sobrepor-se ao conceito convencional de residência constante do artigo 4.º da Convenção contra a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha, dada a supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário consagrada nos artigos 8.º da CRP e 1/1 da LGT.
II. Os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento parcial ao recurso, revogar a sentença recorrida relativamente à forma de contagem dos juros e confirmar no demais.

Custas pela pelas partes, na proporção do decaimento, com dispensa da taxa de justiça pelo Recorrido por não ter alegado.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 29 de abril de 2021

Susana Barreto

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(1) XAVIER, Alberto, DIREITO FISCAL INTERNACIONAL, 2ª Edição, Almedina, 2011, pág. 281