Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1519/08.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DE ADMINISTRAÇÃO E DE GERENCIA E PODERES DE REPRESENTAÇÃO
Sumário:I - A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão através do qual a sociedade actua no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito (artigos. 260.º nº 1 e 409.º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais).

II – No âmbito da referida actuação e para o desenvolvimento das relações jurídicas inerentes, o gerente goza, simultaneamente, de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade.

III – Inscrevem-se na primeira das referidas situações (poderes de representação) os actos praticados pelo gerente nas relações da sociedade com terceiros, isto é, nas relações externas sendo comum afirmar-se possuírem tais actos eficácia externa. Inscrevem-se na segunda (poderes de administração) os actos por si praticados em nome da sociedade na sua relação com quem administra, ou seja, praticados nas relações internas da sociedade, possuindo tais actos eficácia meramente interna.

IV – Tendo o Oponente alegado e provado que era um terceiro, também sócio da devedora originária, que tomava as grandes decisões da empresa, designadamente que contratava os empregados, dava permissão para estes faltarem ou não ao serviço, aprovava o plano de férias, pagava os vencimentos, reunia com os fornecedores e decidia os negócios a celebrar, assinava todos os documentos, incluindo cheques, relativos à vida comercial da empresa e que, após a morte desse sócio, era o filho dele e um outro sócio quem tomavam as mesmas decisões, limitando-se o Oponente a trabalhar na fábrica, é forçoso concluir-se que eram aqueles quem geria de facto e de direito a devedora originária, quem detinham os podere de representação e de administração e, consequentemente, pela inexistência de fundamento para, contra o Oponente, como revertido, prosseguir a execução fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I – Relatório

Alexandre ............................., notificado do despacho de reversão contra si proferido pelo órgão de execução fiscal no processo de execução fiscal n.º............................., originariamente instaurado contra “V...................................................................Lda.”, deduziu a presente Oposição Judicial, invocando, nuclearmente, não ser, nem ter sido, desde a constituição desta sociedade, gerente de facto.

Não se conformando com o julgamento de procedência da Oposição, a Fazenda Pública recorreu para este Tribunal Central invocando contra o mesmo, conclusivamente, o seguinte:

«A. A questão controvertida consiste em aferir da legitimidade do Oponente, ora Recorrida, na execução.

B. Estão em causa a exigência de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado constituídas nos anos de 1993, 1994 e 1995, sendo o Oponente gerente de direito da sociedade devedora originária àquela data, como resulta dos autos, que deveria ter sido fixada na fundamentação da matéria de facto.

C. No período referido, vigorava o CPT, em cujo art. 13.º se previa o regime da responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias. (O CPT entrou em vigor em 1-7-1991, como se determina no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 154/901, de 23 de Abril, que o aprovou, e só deixou de vigorar, nesta matéria, com a entrada em vigor da LGT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, que entrou em vigor em 1-1-1999 (arts. 2.º, n.º 1, e 6.º, deste diploma).

D. A sociedade devedora originária possui personalidade jurídica, sendo a sua vontade manifestada e exteriorizada pelo gerente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 248º a 250º do Código Comercial e artigos 131º a 193º, 252º, 260º, 261º, 390º, 405º, 408º, 470º, 474º e 478º do Código das Sociedades Comerciais, conforme legislação em vigor à data dos factos tributários.

E. Sendo os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhe permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade.

F. Por força do já mencionado art.13.º do CPT, a responsabilidade subsidiária dos gerentes das sociedades de responsabilidade limitada não se basta com a gerência nominal ou de direito, exigindo-se também a gerência efectiva ou de facto no período a que se referem as dívidas, resultando claramente do texto da lei, que alude ao exercício do cargo.

G. Além de todos os elementos decisivos presentes nos autos, foi amplamente reiterado e aceite pelo Oponente, em sede de exercício do direito de audição, que o Oponente assumiu a função de gerente de facto.

H. Resulta ainda dos autos que o Oponente assinou inúmeros documentos que comprovam a gerência efectiva da sociedade, desde logo:

A Declaração de rendimentos Modelo 22, entregue em nome da sociedade devedora originária, em 12/10/1994;

• O Oponente como já referido, assumiu a gerência de facto no direito de audição prévia pelo que neste âmbito teve intervenção, juntamente com o seu irmão Eugénio ........, nas decisões que vincularam a sociedade perante terceiros, exercendo ativamente a sua gerência, tal como afirmado.

• A testemunha Luísa .................................................. que trabalhou como funcionária no escritório da sociedade, revelou no seu depoimento que o Oponente para além de ser o responsável na fábrica (e portanto encabeçando um importante papel no fator de produção), reunia com os irmãos na tomada de decisões da sociedade em Assembleia, aliás conforme demonstrado no documento junto aos autos, a acta n.º 41 que aprova o relatório da gerência, balanços e demonstrações de resultados da sociedade, relativos ao ano de 1993.

I. O recente Ac. do TCA Norte de 15-05-2014, Proc. nº 00273/07.8BEMDL estipula o seguinte: “A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).” (sublinhado nosso)

J. Como se expõe no Acórdão citado, “ (…) a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.”

K. Na mesma esteira, veio o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu Acórdão de 06-10-2009, Proc. nº 03336/09 prescrever que “O facto do Oponente ter assinado os referidos documentos, mesmo que eles eventualmente constituam os únicos documentos em que ele apôs a assinatura como representante legal da sociedade, é o suficiente para que se considere que praticou actos de gerência pois, tal como se expende no acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 20 de Junho de 2000, proferido no recurso nº 3468/00, «Não explicitando a lei no que consiste a gerência, vem a doutrina e a Jurisprudência referindo que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes praticam actos de disposição ou de administração, de acordo com o objecto social da sociedade, em nome representação desta, vinculando-a perante terceiros, atentos os contornos normativos que dela é feita nos artºs 252º, 259°. 260º e 261º do Cód. Sociedade. Com. - (cfr., entre outros, os Acs. do STA de 4-2-81, in AD 236º; de 3-10-85, in AD 237° e Acs. T.T. 2ª Instância de 12-11-91, (n CTF 365°, pág. 259 e de 24-6-84, in CTF 376º, pág. 257).” (sublinhado e negrito nosso)

L. Estipulando aquele Tribunal no mesmo Acórdão ainda o seguinte “ (…) não pode afirmar-se que o oponente haja tido comportamento diligente de controlo, tanto mais que há o entendimento maioritário deste Tribunal, de que a passagem de cheques ou outros documentos necessários ao giro comercial pelo gerente nomeado, consubstancia actos de gerência efectiva e que a sua assinatura, em branco ou não, é insuficiente para ilidir a presunção do art. 24º da LGT, sendo tida como um acto de gerência negligente e censurável.”

M. A lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto,

N. O Oponente, ao assinar documentos da sociedade na qualidade de representante legal, estava a exteriorizar a vontade da sociedade, vinculando-a, estava a representá-la perante terceiros.

O. Como já foi referido, e surge como primordial reforçar, além das testemunhas terem reforçado que a posição do Oponente consistia em dirigir a fábrica e que portanto era muito raro verem o Oponente no escritório, é claramente manifesto que após a morte do Dr.º António ........ havia necessidade de assinar documentos, e portanto naquelas circunstâncias, existia intervenção do Oponente juntamente com o Sr. Alexandre ........, que intervinham ambos investidos das funções de gerente, o que por si só demonstra que a Fazenda Pública logrou mostrar que o Recorrido não era um mero executante.

P. O Oponente exerceu tanto poderes de administração/gestão, praticando actos com eficácia interna, como também poderes de representação, atenta a prática comprovada de actos que têm eficácia sobre terceiros.

Q. Pelo que, de acordo com todo o supra exposto, afere-se, indubitável e infalivelmente, que o Oponente exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária, tendo em conta toda a prova produzida e os diversos elementos juntos aos autos, ficando assim plenamente demonstrada a imputabilidade pelo pagamento das dívidas durante o período do seu cargo.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente.

Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.»

O Recorrido, pese embora tenha sido notificado da interposição do recurso, não contra alegou.

Pra a Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, o recurso não merece provimento por a apreciação de facto e direito realizada pelo Tribunal a quo não ser merecedora de censura.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

II – Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.°, n°1, do Código de Processo Civil) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n°2 do Código de Processo Civil) esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 635.°). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir, desde logo, se ocorre o apontado erro de julgamento sobre a matéria de facto no que respeita à identificação do “gerente de facto” da devedora originária e, reconhecido que seja, se, com base no novo julgamento, deve ser revogada a sentença que, por virtude daquele erro, concluiu pela ilegitimidade do Recorrido.

III - Fundamentação de facto

Consta da sentença recorrida como provada a seguinte factualidade:

A) Através da Certidão de Dívida n.º .............. de 1995, do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo foi instaurado, em 28.08.1995 no Serviço de Finanças de Lisboa-…, o processo de execução fiscal n.º n.º............................., contra a sociedade devedora originária “V...................................................................Lda.” no montante de €151.140,10 (cf. Fls. 1 do PEF apenso aos autos)

B) Pelo Averbamento n.º........................ da Conservatória de Registo Comercial de Lisboa, foi constituída a sociedade “V...................................................................Lda.” (cf. Fls. 1 PEF apenso aos autos).

C) O Contrato de Sociedade celebrado em 01.02.1990, designa como sócios:

- António ....................., Alexandre ............................., Eugénio ..................... e Maria .................................................., competindo a gerência aos três primeiros, bastando a assinatura de um gerente para obrigar todos os atos da sociedade (cf. Fls. 2 verso do PEF apenso aos autos).

D) Em 05.06.2008 o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-… emitiu despacho de preparação de Reversão da Dívida exequenda contra Alexandre ............................., tendo este exercido o direito de audição prévia, em 20.06.2008 (cf. Fls. 17 e 25 do PEF apenso aos autos.

E) Em 08.08.2008 a sociedade devedora originária efetuou o pedido de Adesão de Pagamento da Dívida exequenda, ao abrigo do Dec. Lei n.º 225/94 de 5 de Setembro (cf. Fls. 31 do PEF apenso aos autos).

F) Por Despacho datado de 11.08.2008 o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa- …, procedeu à citação dos responsáveis subsidiários por reversão da divida exequenda, nos termos do art.º160 do CPPT, sem indicar no respetivo documento qualquer fundamento da reversão (cf. Fls.146 dos autos e 43 e 48 do PEF apenso aos autos).

G) Era o Dr. António ........ que era licenciado em economia que estava ligado à contabilidade, à gestão e tomava as grandes decisões da empresa, contratava os empregados, pagava os vencimentos, dava permissão para faltarem ou não ao serviço e planeava as férias e reunia com os fornecedores (cf. Depoimento das testemunhas)

H) Os Cheques e os documentos relativos à empresa eram sempre assinados só pelo Dr. António ........ (cf. Depoimento das testemunhas).

I) Após a morte do Dr. António ........, as competências referidas em G) e H) passaram para o Sr. Eugénio ........ e para o filho daquele – Pedro ........ (cf. Depoimento das testemunhas)

J) A Sr. Alexandre estava sempre na fábrica que ficava fisicamente longe dos escritórios da sede da empresa e só lá ia para levar e trazer trabalho (cf. Depoimento das testemunhas)

K) A petição de oposição judicial deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-…, em 11.09.2008, onde foi registada com o número 14594, cf. fls. 4 dos autos;

3.1. Mais ficou exarado na sentença recorrida que “Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão e queA decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, na posição assumida pelas partes nos articulados, bem como da prova testemunhal produzida em audiência, tendo o depoimento das testemunhas, Luísa .................................................. funcionária da contabilidade, Maria ....................................................... funcionária da seção da facturação e Ângelo ......................, motorista, todos funcionários da sociedade devedora originária «V.............. Lda.», relevado, sobretudo na medida em que confirmaram os factos dados como provados nas alíneas G) a J) ou seja, que era o Dr. António ........ quem dirigia, representava e obrigava a sociedade devedora originaria, limitando-se oponente a cumprir as suas orientações e a trabalhar na fabrica que se situava fisicamente em lugar diferente da sede. Mais relevou o seu depoimento na medida em que afirmaram, que após a morte do Dr. António ........ foi o Sr. Eugénio ........e o Filho do DR. António ........ que ficaram à frente da sociedade e nunca viram o oponente tomar decisões sobre a empresa

3.3. Alteração da matéria de facto:

- Por manifesto lapso de escrita

Consta da matéria de facto – alínea E – que “ Em 08.08.2008 a sociedade devedora originária efetuou o pedido de Adesão de Pagamento da Dívida exequenda, ao abrigo do Dec. Lei n.º 225/94 de 5 de Setembro (cf. Fls. 31 do PEF apenso aos autos).”

Ora, obviamente, a empresa em questão não podia ter apresentado tal pedido, com tal fundamento, desde logo porque, nessa data, não só não existia juridicamente (como melhor resultará da factualidade a aditar ao probatório) como não estava, há muito, em vigor o diploma em referência.

De resto, como nitidamente ressalta de documento constante dos autos e para cujo teor o Tribunal remete como suporte da sua convicção, esse pedido de adesão foi realizado a 30 de Novembro de 1994.

Assim, altera-se a mencionada alínea do probatório, a qual passa a deter a seguinte redacção:

E. Em 30-4-1994, a sociedade devedora originária efetuou o pedido de Adesão de Pagamento da Dívida exequenda, ao abrigo do Dec. Lei n.º 225/94 de 5 de Setembro (cf. Fls. 31 do PEF apenso aos autos).”;

- Altera-se a redacção da alínea F) do probatório, por ser manifestamente conclusiva a redacção que lhe foi atribuída, a qual passará a deter a seguinte redacção:

“F) Do “DESPACHO” de reversão consta, designadamente, o seguinte “ (…) Os contribuintes alegam que o único gerente da empresa era o Sr. António ..................... No entanto, o Sr. António ....................., faleceu em 1993/10/28 e, a esmagadora maioria das dívidas da devedora originária são posteriores à sua morte. A empresa V.............. aderiu em 1994/11/30 ao DL 225/94, de 5/9, tendo efetuado pagamentos prestacionais no âmbito daquele decreto-lei entre as datas de 1994/11/30 e 1995/06/30, pelo que está provado que a empresa exercia a sua atividade após o falecimento daquele sócio. Os contribuintes alegam que não exerceram a gerência de facto da V.............., mas disseram exatamente o oposto quando, no âmbito do direito de audição para reversão das dívidas no processo executivo .........................., apresentaram o seu direito de audição (ponto 7), em 2003/07/11, entradas 15707 e 15708, constantes de fls. 26 e fls. 35 daqueles autos, agora apensos ao processo principal ........................... Nos termos do art. 13º doCPT, a responsabilidade subsidiária opera-se pelas dívidas tributárias cujo facto se tenha verificado no período de exercício do cargo, e está provado que os contribuintes exerciam a gerência da V.............., visto que a assumiram em 2003 e, que a empresa continuava a laborar após o falecimento do sócio António ........ (…)” (cfr. fls. 144 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)

3.4. Por se mostrar absolutamente relevante para a apreciação do mérito da causa e do recurso jurisdicional, acorda-se em aditar ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, a seguinte matéria de facto quês e mostra documentalmente comprovada:

L) Na sequência do pedido de adesão mencionado em E) - pagamento, em 36 prestações mensais do IVA, no valor total de Esc. 16.670.897$00 – foram pela então sociedade requerente liquidadas prestações entre 30-11-1994 e 30-6-1995 (cfr. fls. 31 a 35 do processo administrativo apenso e fls. 56 a 58 dos autos e 144 dos presentes autos, aqui se dando os respectivos teores por integralmente reproduzidos).

M) Em data não concretamente apurada mas seguramente durante o segundo semestre do ano de 1994, foi instaurado Processo Especial de Recuperação de Empresa, no qual foi proferido despacho de prosseguimento, transitado em julgado a 12-12-1994 (cfr. (cfr. certidão de fls. 120 a 123, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida).

N) Por sentença do Tribunal do Comércio de Lisboa, transitada em julgado a 20-9-1995, foi declarada a falência da empresa “ V............................................................................, Lda.” (cfr. certidão de fls. 120 a 123, já dada por reproduzida).

O). O Oponente foi citado, a 22 de Agosto de 2008, na qualidade de revertido, para proceder ao pagamento, no prazo de 30 dias, da quantia em dívida no processo de execução fiscal, relativa a IVA, no montante de € 242.569,10 (cfr. fls. 146 e 147 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

P.) A dívida exequenda reporta-se a IRC de 1991, IVA de 1993, 1994 e 1995 (e respectivos juros compensatórios) e coima fiscal de 1995 (cfr. fls. 125 e 126 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

IV – Fundamentação de direito

Os presentes autos, como resulta dos pontos I e II supra, tiveram origem na apresentação, pelo ora Recorrido, de uma Oposição a um processo de execução fiscal após neste ter sido citado como revertido e para proceder ao pagamento de dívidas relativas a IRC do ano de 1991, IVA dos anos de 1993 a 1995 e Coima Fiscal do ano de 1995.

Já deixámos dito e relembramos que foi apenas um, no essencial, um fundamento de facto invocado: não obstante constar como sócio gerente da sociedade devedora originária desde a sua constituição, nunca foi seu gerente de facto (concretizando que funções não exercia), limitando-se a trabalhar na fábrica, onde também era director de produção, estando a gerência de facto e de direito cometida ao seu irmão António ........, até à morte deste, sendo que, após essa ocorrência, e ainda por força de um negócio por aquele realizado e de que decorreram elevados prejuízos para a sociedade e para todos os sócios, a empresa entrou em situação económica gravidade, que determinou, inclusive, a sua declaração de falência logo no inicio do ano de 1995.

É neste condicionalismo de facto e partindo do pressuposto da sua verificação que o Oponente termina por concluir que o pagamento que lhe está a ser exigido é ilegal uma vez que a responsabilidade subsidiária por dívidas da sociedade está dependente, nos termos do preceituado no artigo 24.º da Lei Geral Tributária, daquele exercício de facto da função de gerente de facto.

O Tribunal de 1ª instância entendeu assistir-lhe razão, como se vê da leitura da sentença, partindo do pressuposto, por um lado, que a Fazenda Pública se quedara pela invocação, como fundamento de reversão, da presunção de gerência de facto que resulta da gerência de direito. E, por outro, por ter ficado provado que quem exercia efectivamente as funções de gerente era António ........ (irmão do Oponente) e que, após a morte deste, essas funções tinham sido assumidas pelo filho daquele e por um outro sócio.

A Fazenda Pública não se conforma com o julgado, insistindo que a gerência era de facto e de direito dos três sócios, António, Eugénio e Alexandre ........, sendo o primeiro responsável pela área financeira, o segundo pela área comercial e o terceiro pela área de produção, e que, após a morte de António ........, no último trimestre do ano de 1993, foram os segundos que, conjuntamente com o filho do falecido António, assumiram também a gestão da área financeira.

Mais alega neste recurso que a posição que defende resultou provada dos “ inúmeros documentos” que comprovam essa gerência efectiva, designadamente da “Declaração de rendimentos Modelo 22, entregue em nome da sociedade devedora originária em 12 de Outubro de 1994 e, ainda, do facto de o Oponente ter confessado ser gerente de facto em sede de audição prévia e, por fim, do depoimento da testemunha Luísa .................................................... “que trabalhou como funcionária no escritório da sociedade, revelou no seu depoimento que o Oponente para além de ser o responsável na fábrica (e portanto encabeçando um importante papel no fator de produção), reunia com os irmãos na tomada de decisões da sociedade em Assembleia, aliás conforme demonstrado no documento junto aos autos, a acta n.º 41 que aprova o relatório da gerência, balanços e demonstrações de resultados da sociedade, relativos ao ano de 1993.”

Diga-se, antes de mais, que discordamos do primeiro pressuposto de que parte o Meritíssimo Juiz, sendo evidente da transcrição que efectuamos do despacho de reversão (conforme factualidade corrigida no probatório – alínea E) que no caso sub judice a Administração Tributária, fundamentou, invocando até de forma bastante alargada, os factos de que, se verificados, se poderia extrair a conclusão da verificação de um efectivo exercício de gerência por parte do Recorrido e, também, do enquadramento jurídico que legitimaria a exigência do seu pagamento.

Todavia, os termos em que a impugnação da matéria de facto vem apresentada não respeita, do ponto de vista formal, as exigências impostas pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil: não são indicados concretamente os factos incorrectamente julgados, não são especificados os factos que deveriam ser dados como provados e, no que respeita ao depoimento da testemunha indicada, não foram indicadas as concretas passagens da gravação do seu depoimento em que tais afirmações alegadamente terão sido produzidas, limitando-se a adiantar aquela que é a conclusão que desse depoimento extrai [tudo, conforme se mostra imposto, de forma bem rigorosa no n.º 1, als. a), b) e c) e n.º 2, do citado preceito e diploma].

E não obstante seja claro que o legislador elegeu claramente a rejeição liminar como a sanção decorrente da não observância dessas exigências, não procedemos a essa rejeição na delimitação do objecto do recurso, excluindo-a desse objecto, por duas ordens de razões. A primeira é a de que ainda é suficientemente perceptível das conclusões de recurso (conjugadas com as alegações) que a Recorrente pretende que se dê como provado que o Recorrido exercia as funções inerentes a um gestor de produção, fazendo equivaler estas funções às de gerente de facto da sociedade e, consequentemente, que se elimine dos factos apurados (depreende-se) toda a factualidade de que é possível extrair-se a conclusão de que a gerência de facto estava cometida em exclusivo a António ........ e, após o falecimento deste, ao seu filho, Pedro ......... A segunda porque no que respeita à conclusão que extrai dos documentos, ainda é possível a este Tribunal de recurso aferir da sua pertinência tendo em vista a eventual alteração do julgamento, limitando, assim, aquela sanção-rejeição no que respeita à pretendia alteração por recurso à prova testemunhal ((“Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”).

Em suma, embora com um rigor ou técnica processual bem longe do que seria legalmente desejável, a Recorrente preencheu minimamente aquelas exigências quanto às alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil no que respeita á prova documental, impondo-se, por isso, nessa parte, a sua apreciação.

Posto isto, analisemos então, sem deixarmos de, desde já, adiantar, que não lhe pode ser reconhecida razão, como singelamente resulta do facto de não existir nos presentes autos nenhuma declaração Modelo 22 apresentada e assinada pelo Recorrido, nem qualquer “acta n.º 41” que demonstrasse a sua presença em qualquer reunião.

Aliás, em matéria documental - e pese embora a generalizada confusão emq eu o processo administrativo se encontra organizado (ou não organizado) e as inúmeras vezes em que diversos documentos se encontram repetidos –analisados todos os documentos, inclusive os que serviram de suporte à factualidade vertida no probatório, não é possível concluir-se que o Recorrido requereu, pessoalmente ou em nome da sociedade, qualquer medida – pagamento em prestações de dívidas fiscais ou de apresentação a medida de recuperação de empresa em nome desta.

Pelo contrário, o que resulta dos factos apurados e dos mesmos documentos, é que era efectivamente António ........, até à sua morte, que geria de facto e de direito a sociedade devedora originária, tomando todo o tipo de decisões que a nível interno e externo vinculavam a sociedade, como seja a contratação de empregados, finalização de negócios e ordens finais de pagamentos. E que, após a morte deste, essas funções de gerência de facto foram assumidas, de facto, por Pedro ........, e de facto e de direito por Eugénio ........ (factos suportado pelos depoimentos e por diversos documentos, incluindo o pedido de adesão ao plano de pagamento em prestações subscrito por Eugénio ........ e pelos cheques por este assinados tendo em vista o pagamento daquelas prestações).

Em suma, resulta do probatório precisamente o que a Recorrente defendeu em recurso: que era António ........ (entre a data de constituição da sociedade e até finais de 1993) e Pedro ........ e Eugénio ........ (a partir daquela última data e até à declaração de falência - 1995) quem gozavam de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade”, actuando em conformidade com esses poderes nas relações internas e nas relações externas, ou seja, exercendo poderes de administração ou gestão e poderes de representação.

Não estando, assim, provado que o Recorrido no período de tempo compreendido entre 1991 (IRC) e 1995 (IVA e Coima) exerceu as funções de gerente de facto, não merece censura a sentença jurídica que, convocando o quadro jurídico consagrado no artigo 13.º do Código de Procedimento Tributário, declarou o Recorrido parte ilegítima e determinou, quanto a si, a extinção da execução fiscal a que deduziu Oposição.

V- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso, em manter na ordem jurídica, com os fundamentos de facto e de direito expostos no ponto IV deste acórdão, a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2019


(Anabela Russo)

(Ana Pinhol)

(Benjamim Barbosa)