Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:43/08.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:2.ª AVALIAÇÃO
VALOR LOCATIVO – CCPIIA
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. A avaliação dos prédios urbanos tem em vista alcançar o valor patrimonial dos mesmos de acordo com os índices contidos nos artigos 113.º e segs. do CCPIIA. Caso o contribuinte ou a Administração Tributária não concordem com o resultado da 1.ª avaliação, podem requerer a 2.º avaliação, nos termos do artigo 279.º do CCPIIA.

II. Do teor dos actos de fixação de valores patrimoniais de um prédio urbano, importa que resultem expressos e justificados os factores/critérios que motivaram a fixação daqueles valores e não de quaisquer outros.

III. Os actos de 2.ª avaliação não se mostram suficientemente fundamentados, uma vez que não se mostram descritas as concretas razões porque foi atribuído a cada uma das fracções aqueles valores locativos e não outros, exigidos pelo artigo 125.º do CCIIA para alcançar o rendimento colectável.

IV. O facto do Louvado do Recorrido ter participado nos actos de avaliação não dispensa, nem limita o dever de fundamentação do acto avaliativo, nem permite extrair a conclusão que foi dado a conhecer o iter cognitivo e valorativo e que o acto se encontra devidamente fundamentado

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C...., contra os actos de fixação dos valores patrimoniais praticados pela comissão de avaliação, em sede de segunda avaliação, das fracções autónomas identificadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, 1, J, L, M, N, O, Q, R, S, T, V, X, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AL, AM, AN, AO, AP, AQ, AS, AT, AU, AV, AX, AZ, BA, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BH, BI, BJ, BL, BM, BN, BO, BP, BQ, BR, BS, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CB, CD, CE, CF, CG, CH, CI, CJ, CL, CM, CN, CO, CQ, CR, CS, CT, CV, CX, CZ, DB, DC, DD, DF, DG, DH, DM, DN, DO e DQ do prédio sito na Rua Dr……., nºs 8, 8 A e 8 B, e Praceta…….., 48, 48 A, 48 B e 48 C, inscrito na matriz sob o artigo nº 2….. da freguesia de S. Julião, concelho de Setúbal.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1 – Os atos de Avaliação, encontram-se devidamente fundamentados.

2 – No que concerne ao Valor Locativo, este foi determinado tendo em conta a “justa renda” pelo período de um ano em regime de liberdade contratual.

3 -Não se encontrado os prédios objeto de avaliação arrendados à data em que foram declarados no Serviço de Finanças, atendeu-se à regra 7. do Art.º 144 do CCPIIA, ou seja, por confronto com outros que se encontrem dados de arrendamento.

4 - O rendimento coletável foi obtido deduzindo do valor locativo a percentagem e encargos mencionados no Art.º 113 do referido código.

5 - Os atos de avaliação tiveram a participação do Louvado do Impugnante, o qual teve perfeito conhecimento da fundamentação em que se alpendrou o montante de imposto exigível.

6 - Pelo que, a douta Sentença fez uma incorreta interpretação e aplicação do Art.º 77 da LGT.


* * *

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação improcedente.»

3. O Recorrido não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÃO A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 684.º, nº s 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 do CPC (actuais artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do NCPC) ex vi artigo 281.º do CPPT.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que os actos de avaliação patrimonial (2.ªs avaliações) não se encontram fundamentados no que respeita ao parâmetro relativo ao valor locativo integrante do respectivo valor patrimonial de cada uma das fracções.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida julgou a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:

«A) Em 02/10/2003 deu entrada no Serviço de Finanças de Setúbal 2 o pedido de segunda avaliação, formulado por C...., relativo às fracções autónomas do prédio sito na Rua Dr……, inscrito na matriz sob o artigo nº 2… da freguesia de S. Julião, concelho de Setúbal, a seguir identificadas: A, B, C, D, E, F, G, H, 1, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AL, AM, AN, AO, AP, AQ, AR, AS, AT, AU, AV, AX, AZ, BA, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BH, BI, BJ, BL, BM, BN, BO, BP, BQ, BR, BS, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CB, CC, CD, CE, CF, CG, CH, CI, CJ, CL, CM, CN, CO, CP, CQ, CR, CS, CT, CU, CV, CX, CZ, DA, DB, DC, DD, DE, DF, DG, DH, DI, DJ, DL, DM, DN, DO, DP e DQ (cfr. fls. 16/23 do processo administrativo em apenso).

B) Em 17/12/2003 foram lavrados os termos de avaliação relativos às fracções autónomas referidas na alínea anterior (fls. 140/234 do processo administrativo apenso).

C) Por sentença de 30/06/2006 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, proferida no processo nº 259/04.4BEALM, foram anuladas as avaliações constantes dos termos de avaliação referidos na alínea anterior (fls. 428/436 do p.a.).

D) Em 01/10/2007 foram lavrados pela comissão de avaliação os termos de avaliação relativos às fracções autónomas referidas em A), tendo sido atribuídos os seguintes valores patrimoniais às fracções autónomas:



(cfr. fls. 451/545 do p.a.).

E) Dos termos de avaliação referidos na alínea anterior consta o seguinte: “Face ao disposto no nº 1 do art. 8º do DL nº 442-C/88 de 30/11 que aprovou o Código da Contribuição Autárquica, a avaliação do prédio em apreço foi efectuada nos termos do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPHA). Teve-se em conta o parágrafo único do artigo 125.° do CCPIIA o qual estabelece que o valor locativo corresponde à justa renda pelo período de um ano em regime de liberdade contratual, sempre que se trate de prédios não arrendados. Não se encontrando o prédio em avaliação arrendado à data em que foi declarado neste Serviço de Finanças atendeu-se, ainda, à regra do artigo 144.° do CCPIIA a qual dispõe que o valor locativo dos prédios não arrendados determina-se por confronto com outros que se encontrem dados de arrendamento, em regime de liberdade contratual, de preferência da mesma localidade, e que melhor sirvam de padrão. Atendendo ao disposto no artigo 125.° do CCPIIA, o rendimento colectável foi obtido deduzindo do valor locativo a percentagem e encargos mencionados no artigo 113.° do referido Código. Na fixação da percentagem a deduzir tiveram-se em conta as características da construção, a localização e o estado de conservação do prédio urbano avaliado, bem como a época em que o mesmo foi edificado. Assim, na sequência da visita ao edifício do qual faz parte a fracção avaliada, constatou-se que o mesmo possui grandes áreas de circulação em caves (4 níveis de cave), corredores, átrios e acessos, o que obrigou à instalação de vários equipamentos electromecânicos (incêndios, ventilações, bombagens e elevadores). Foram ainda verificados níveis de qualidade e conforto razoavelmente elevados (climatização, ventilação, rede de incêndios e aspiração central entre outros). O edifício em questão possui uma excelente localização e uma óptima envolvente urbanística, com boas acessibilidades e transportes públicos frequentes, situando-se junto de equipamentos escolares, de comércio, de serviços, de cultura, de desporto e de recreio (estádio desportivo, campos de ténis, piscina e parque verde municipal). À data em que foi apresentado o pedido de avaliação, o edifício do qual faz parte a fracção avaliada, encontrava-se em muito bom estado de conservação e com acabamentos actuais, dada a sua conclusão recente. A comissão deliberou por maioria atribuir o valor patrimonial atrás indicado, tendo o louvado da parte declarado para este termo de avaliação o seguinte: que não aceita os valores propostos, mantendo os anteriormente por si apresentados”. (cfr. fls. 451/545 do processo administrativo).

F) As avaliações constantes dos termos referidos em D) foram efectuadas por uma comissão cujos peritos nomeados pela Direcção-Geral dos Impostos foram J.... e J…. (fls. 63 dos autos e 451 a 545 do processo administrativo apenso).

G) Os peritos referidos em F) integram a Lista de peritos regionais da propriedade urbana da Direcção de Finanças de Setúbal (fls. 65 dos autos).

H) Com data de 12/10/2007 foram remetidos a C...., sob registo e com aviso de recepção, os ofícios tendo em vista a notificação do resultado das avaliações constantes dos termos referidos em D) (fls. 546 a 736 do apenso).

I) Em 16/10/2007 foram assinados os avisos de recepção referidos na alínea anterior (fls.547 a 737 do processo administrativo apenso).


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A convicção do tribunal formou-se com base no teor de documentos juntos aos autos, bem como de documentos que integram o processo administrativo apenso, os quais se encontram expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.

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Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.»

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2. DE DIREITO

Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo Impugnante relativa aos actos de avaliação (2.ªs avaliações) praticados pelo Serviço de Finanças de Setúbal-2 para o prédio urbano sito na freguesia de S. Julião, concelho de Setúbal, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo .., fracções A, B, C, D, E, F, G, H, 1, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AL, AM, AN, AO, AP, AQ, AR, AS, AT, AU, AV, AX, AZ, BA, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BH, BI, BJ, BL, BM, BN, BO, BP, BQ, BR, BS, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CB, CC, CD, CE, CF, CG, CH, CI, CJ, CL, CM, CN, CO, CP, CQ, CR, CS, CT, CU, CV, CX, CZ, DA, DB, DC, DD, DE, DF, DG, DH, DI, DJ, DL, DM, DN, DO, DP e DQ, por as deliberações avaliativas não fundamentarem a fixação dos valores locativos.

Alega a Recorrente Fazenda Pública, em síntese, que a sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 77.º da LGT, por os actos de avaliação se encontram devidamente fundamentados no que concerne ao valor locativo, que este foi determinado tendo em conta a “justa renda” pelo período de um ano em regime de liberdade contratual, que o rendimento colectável foi obtido deduzindo do valor locativo a percentagem e encargos mencionados no artigo 113.º do CCPIIA e que os actos de avaliação tiveram a participação do Louvado do impugnante, o qual teve perfeito conhecimento da fundamentação.

Na sentença sob recurso concluiu-se que os actos de 2.ªs avaliações padecem de falta de fundamentação legal, alicerçada no seguinte discurso fundamentador:

(…) No caso em apreço, em sede de fundamentação, importa ter presente os dispositivos do próprio Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, na medida em que ali se determina que:

a) O valor locativo corresponde à justa renda pelo período de um ano em regime de liberdade contratual (artigo 125.°/ único);

b) O valor locativo dos prédios não arrendados determina-se por confronto com outros que se encontrem dados de arrendamento, em regime de liberdade contratual, de preferência na mesma localidade, e que melhor sirvam de padrão (artigo 144.°/7).

Das normas invocadas resulta que o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola introduz elementos próprios da fundamentação das deliberações avaliativas em causa. Ou seja, a boa fundamentação exigida pelas disposições gerais passa, também, pela observância de um factor específico pelo qual, e necessariamente, a fundamentação da deliberação avaliativa tem de passar: o confronto com o valor das rendas relativas a prédios arrendados, fixadas em regime de liberdade contratual, de preferência na mesma localidade, e que melhor sirvam de padrão.

Vejamos, agora, o teor das deliberações impugnadas.

“Face ao disposto no n.° 1 do art.° 8.° do DL n.° 442-C/88 de 30/11 que aprovou o Código da Contribuição Autárquica, a avaliação do prédio em apreço foi efectuada nos termos do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA). Teve-se em conta o parágrafo único do artigo 125.° do CCPIIA o qual estabelece que «o valor locativo corresponde à justa renda pelo período de um ano em regime de liberdade contratual», sempre que se trate de prédios não arrendados. Não se encontrando o prédio em avaliação arrendado à data em que foi declarado neste Serviço de Finanças atendeu-se, ainda, à regra 7. do artigo 144.° do CCPIIA a qual dispõe que «o valor locativo dos prédios não arrendados determina-se por confronto com outros que se encontrem dados de arrendamento, em regime de liberdade contratual, de preferência da mesma localidade, e que melhor sirvam de padrão». Atendendo ao disposto no artigo 125.° do CCPIIA, o rendimento colectável foi obtido deduzindo do valor locativo a percentagem e encargos mencionados no artigo 113.° do referido Código. Na fixação da percentagem a deduzir tiveram-se em conta as características da construção, a localização e o estado de conservação do prédio urbano avaliado, bem como a época em que o mesmo foi edificado. Assim, na sequência da visita ao edifício do qual faz parte a fracção avaliada, constatou-se que o mesmo possui grandes áreas de circulação em caves (4 níveis de cave), corredores, átrios e acessos, o que obrigou à instalação de vários equipamentos electromecânicos (incêndios, ventilações, bombagens e elevadores). Foram ainda verificados níveis de qualidade e conforto razoavelmente elevados (climatização, ventilação, rede de incêndios e aspiração central entre outros). O edifício em questão possui uma excelente localização e uma óptima envolvente urbanística, com boas acessibilidades e transportes públicos frequentes, situando-se junto de equipamentos escolares, de comércio, de serviços, de cultura, de desporto e de recreio (estádio desportivo, campos de ténis, piscina e parque verde municipal). À data em que foi apresentado o pedido de avaliação, o edifício do qual faz parte a fracção avaliada, encontrava-se em muito bom estado de conservação e com acabamentos actuais, dada a sua conclusão recente. A comissão deliberou por maioria atribuir o valor patrimonial atrás indicado, tendo o louvado da parte declarado para este termo de avaliação o seguinte: que não aceita os valores propostos, mantendo os anteriormente por si apresentados” (alínea E) do probatório).

Resulta da transcrição supra que a comissão teve presente a existência do comando contido no artigo 125.° do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola. A mesma comissão referiu, aliás, e expressamente, que se atendeu, «ainda, à regra 7ª do artigo 144.° do CCPIIA».

A partir daí a deliberação incidiu em áreas relativas a acessos interiores, níveis de qualidade e conforto, localização, envolvente urbanística, comercial e social, acessibilidades e estado de conservação. Nem uma palavra, portanto, quanto ao essencial: o valor das rendas relativas a prédios arrendados, fixadas em regime de liberdade contratual, de preferência na mesma localidade, que servissem de padrão no confronto que a lei exige. Ou seja, a comissão demonstrou conhecer o quadro legal, que expressamente invocou, mas não o observou na fundamentação exigível. Mostra-se, pois, evidente a falta de fundamentação das deliberações impugnadas, pelo que as deliberações impugnadas são anuláveis.

Vejamos, então.

No caso em apreço, como foi, e bem, decidido pela 1.ª instância, aplica-se o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola (CCPIIA), uma vez que as avaliações foram requeridas em 02/10/2003, o artigo 8.º do Dec.-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o Código da Contribuição Autárquica, manteve em vigor as regras de avaliação dos prédios ínsitas no CCPIIA, e por o regime das avaliações contido mo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aprovado pelo n.º 1, do artigo 2.º do Dec.-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que entrou em vigor em 01/12/2003, apenas é aplicável a pedidos entrados no dia seguinte à sua entrada em vigor (cfr. artigos 32.º, n.ºs 1 e 2 do Dec-Lei n.º 287/2003).

A avaliação dos prédios urbanos tem em vista alcançar o valor patrimonial dos mesmos de acordo com os índices contidos nos artigos 113.º e segs. do CCPIIA. Caso o contribuinte ou a Administração Tributária não concordem com o resultado da 1.ª avaliação, podem requerer a 2.º avaliação, nos termos do artigo 279.º do CCPIIA.

Do teor dos actos de fixação de valores patrimoniais de um prédio urbano, importa que resultem expressos e justificados os factores/critérios que motivaram a fixação daqueles valores e não de quaisquer outros.

A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer ou não o contribuinte destinando-se, acima de tudo, a permitir-lhe o controlo do acto.

O artigo 77.º n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) estatui a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de fiscalização tributária (cfr. artigos 268.º, n.º 3 da CRP e 125.º, n.º 1 do CPA).

Pretende-se, pois, que a fundamentação, ainda que sucinta, seja não só suficiente para esclarecer o contribuinte mas, principalmente, que possibilite o controlo do acto.

Significa que o contribuinte deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram á decisão, uma vez que, só na posse dos factos concretos considerados pelos louvados que fizeram vencimento pode argumentar se eles se verificam ou não, discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma.

Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

Assim tem julgado o STA, por jurisprudência pacifica e reiterada, no que é atinente à fundamentação dos actos tributários, designadamente, por acórdão de 09/09/2015, prolatado no processo n.º 01173/14, que com a devida vênia se transcreve o seguinte excerto:

«É sabido que a falta ou insuficiência de fundamentação do acto, vício de natureza formal (e não substancial), se verifica quando o respectivo acto não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório. Sendo que a falta ou insuficiência de fundamentação não se confunde com o vício decorrente de erro sobre os pressupostos (este ocorre quando, apesar de o autor do acto ter dado a conhecer as razões em que suporta a decisão, tais razões não são, todavia, apropriadas ou suficientes ou demandavam diversa solução).

Este direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, decorria já do art. 1º, nº 1, als. a) e c) do DL nº 256-A/77, de 17/6 e tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP - art. 268º (Vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss.) - tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA, no art. 21.º do CPT (em vigor à data dos factos) e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário).

E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
E caso a fundamentação seja feita por forma remissiva (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta), estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo: este acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (Cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02.)

Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13).
E a violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede do adequado meio processual.» (disponível em
www.dgsi.pt/).

Prosseguindo.

No que respeita ao “valor locativo” a atender na avaliação de prédio não arrendado, de acordo com o disposto no artigo 125.º do CCPIIA, corresponde à “justa renda pelo período de um ano em regime de liberdade contratual”, e na determinação dessa “renda justa” concorrem factores objectivos ou objectivávies, como o confronto com outros que se encontrem dados de arrendamento, em regime de liberdade contratual, de preferência na mesma localidade, e que melhor sirvam de padrão (artigos 133.º e 144.º, regra 7.ª do CCPIIA).

Na situação dos autos, conforme resulta da factualidade assente, mais concretamente dos termos de avaliação (fls. 451 a 545 do processo administrativo) a que se referem as alíneas D) e E) do probatório, não pode deixar de resultar que os actos de 2.ª avaliação não se mostram suficientemente fundamentados, uma vez que não se mostram descritas as concretas razões porque foi atribuído a cada uma das fracções aqueles valores locativos e não outros, exigidos pelo artigo 125.º do CCIIA para alcançar o rendimento colectável.

Com efeito, na fundamentação constante dos termos de avaliação (cfr. alínea E) do probatório) referem-se as normas do CCPIIA aplicáveis e descreve-se o prédio avaliado, mas nada se diz sobre o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido de molde a apurar os valores enumerados na fixação do valor patrimonial e não outros, pelo que não se pode afirmar que o Recorrido, enquanto destinatário da decisão avaliativa, tenha ficado ciente das razões que levaram os louvados a atribuir os valores patrimoniais.

Ora, o Recorrido no requerimento de pedido de 2.ª avaliação discordou do resultado da 1.º avaliação, tendo proposto outos valores locativos para as fracções em causa, através de uma relação de outros imóveis arrendados na cidade de Setúbal.

Porém, nos termos de avaliação dos autos, não só se indicam as razões para a quantificação do valor locativo, como também nada é dito sobre as rendas anuais que se praticam na zona da situação das fracções avaliadas, e outrossim também nada se disse sobre o afastamento dos valores locativos propostos pelo Recorrido.

Sobre esta matéria pronunciou-se o Acórdão do TCAS de 17/12/2009, prolatado no processo n.º 03283/09, cujo discurso fundamentador seguimos de perto e com a devida vénia transcrevemos as conclusões:

1. Quer a 1.ª avaliação, quer a 2.ª, de per si, encontram-se sujeitas a fundamentação suficiente, clara e congruente, não sendo esta última um acréscimo ou complemento da 1.ª, mas autónoma e distinta e efectuada por louvados diferentes;
2. O acto de 2.ª avaliação de prédio urbano destinado a hotel para apuramento do seu rendimento colectável, para efeitos de alteração da inscrição na matriz, encontra-se sujeito a fundamentação (formal);
3. Tal fundamentação deve externar os elementos em que se baseou o seu valor locativo, tais como o do confronto com outros que estabeleceram valores idênticos e que melhor possam servir de padrão, redes viárias, sinais de conforto, etc.;
4. Tal fundamentção deve dar a conhecer a um destinatário normal, que se supõe seja o administrado, o itinerário cognoscitivo e valorativo que permitiu alcançar aquele resultado e não qualquer um outro.

(disponível em www.dgsi.pt/)

Desta forma, os actos avaliativos impugnados não se encontram devidamente fundamentados sob a vertente formal, inquinando de anulação os resultados alcançados, ou seja, as 2.ªs avaliações efectuadas.

Assim, bem andou a Mma. Juiz a quo ao decidir que as deliberações impugnadas padecem de falta de fundamentação.

Alega a Recorrente, por último, que os actos de avaliação tiveram a participação do Louvado do Impugnante, o qual teve perfeito conhecimento da fundamentação dos valores patrimoniais.

Contudo, o facto do Louvado do Recorrido ter participado nos actos de avaliação não dispensa, nem limita o dever de fundamentação do acto avaliativo, nem permite extrair a conclusão que foi dado a conhecer o iter cognitivo e valorativo e que o acto se encontra devidamente fundamentado (vide neste sentido ac. do TCAS de 24/06/2021 e ac. do TCAN de 15/11/2013, proc. 00122/03-Porto, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional, sendo de confirmar a sentença recorrida.


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Conclusões/Sumário:

I. A avaliação dos prédios urbanos tem em vista alcançar o valor patrimonial dos mesmos de acordo com os índices contidos nos artigos 113.º e segs. do CCPIIA. Caso o contribuinte ou a Administração Tributária não concordem com o resultado da 1.ª avaliação, podem requerer a 2.º avaliação, nos termos do artigo 279.º do CCPIIA.

II. Do teor dos actos de fixação de valores patrimoniais de um prédio urbano, importa que resultem expressos e justificados os factores/critérios que motivaram a fixação daqueles valores e não de quaisquer outros.

III. Os actos de 2.ª avaliação não se mostram suficientemente fundamentados, uma vez que não se mostram descritas as concretas razões porque foi atribuído a cada uma das fracções aqueles valores locativos e não outros, exigidos pelo artigo 125.º do CCIIA para alcançar o rendimento colectável.

IV. O facto do Louvado do Recorrido ter participado nos actos de avaliação não dispensa, nem limita o dever de fundamentação do acto avaliativo, nem permite extrair a conclusão que foi dado a conhecer o iter cognitivo e valorativo e que o acto se encontra devidamente fundamentado


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 8 de Julho de 2021.


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A Relatora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)

(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).