Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3078/05.7BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IVA
TAXA REDUZIDA
EMPREITADA EM IMÓVEIS AFETOS A HABITAÇÃO
Sumário:Não estando prevista qualquer circunscrição na então verba 2.24. da lista anexa I do CIVA, no sentido de os adquirentes dos serviços terem de ser os proprietários ou os locatários do imóvel objeto da empreitada, é ilegal a liquidação, alicerçada exclusivamente nesse fundamento, que aplica a taxa normal e não a taxa reduzida IVA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 24.04.2015, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por Chaves........., SA, que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios, referentes aos períodos 0103 e 0112.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1º- A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta valoração e interpretação da matéria fáctica dada como provada, nem tão pouco uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes, em prejuízo da apelante. Na verdade,

2º- Quanto à questão controvertida, máxime aplicação, ou não, da taxa de 5% prevista na verba 2.24, da Lista I anexa ao CIVA, entendeu o respeitoso tribunal a quo, que a lei é clara ao estabelecer os pressupostos para a aplicação da taxa reduzida de 5%, e o destinatário dos serviços não é uma delas.

3º- Discordamos frontalmente da asserção retro transcrita e expendida pelo respeitoso tribunal a quo.

4º - Importa ter em atenção que a Impugnante, em momento algum prova que a A......... ACE seja a dona da obra, ou seja, a proprietária do imóvel, até porque isso seria absolutamente contraditório com a sua argumentação, pois no seu articulado (vide 24 da p.i.) diz que os defeitos foram denunciados pelos proprietários dos prédios, não sendo a A......... ACE, pois esta como construtora do edifício teria de os eliminar, portanto, provado está que a A......... ACE não é a proprietária do edifício, facto que, entende a fazenda Pública, por relevante, deveria constar dos factos provados, pelo que deve ser aditado.

5º- Ora, neste seguimento, importa também atender que a impugnante no seu articulado 13 da p.i., refere que “a impugnante só era legítima proprietária do terreno onde se encontram os edifícios”.

6º- Tal afirmação, por pertinente e desconsiderada, deveria ser sopesada, mormente aferindo- se em nome de quem licenciadas foram as obras.

7º- É por demais evidente que se a impugnante, enquanto "proprietária do terreno”, efectuou o pedido de licenciamento das obras em seu nome, esta terá de ser considerada a dona da obra, pelo que não poderá facturar trabalhos que ela própria leva a cabo a uma terceira entidade, quando ela é a dona da obra.

8º- Porém, mesmo que assim não fosse, e como resulta dos autos, não sendo nenhuma das sociedades intervenientes a proprietária dos imóveis, a actividade desenvolvida entre elas, mais não é que uma prestação de serviços no exercício de uma actividade profissional.

9º- Na verdade, face à redacção da verba 2.24 estão excluídos da aplicação da taxa reduzida as obras de construção e similares (acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis).

10º- Do mesmo modo, estão claramente afastadas do preceito as empreitadas sobre bens imóveis utilizados para o exercício de uma actividade profissional, comercial, industrial ou administrativa.

11º- Ora, a Impugnante não tem como objectivo a beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação da sua sede, ou imóvel sua propriedade, mas tão só a prestação e um serviço no âmbito da sua actividade profissional, uma vez que foi a construtora do edifício e actuando dentro das incumbências a que estava adstrita legalmente enquanto tal, ou seja, a sua actuação é meramente profissional, actuou no exercício de uma actividade profissional.

12º- Há pois duas entidades, a emitente e a emissora da factura a actuarem no âmbito da sua actividade profissional, comercial, industrial ou administrativa, e não na veste de consumidores finais.

13º- Face ao exposto, dúvidas não podem suscitar que aceitar-se a tributação da taxa reduzida, por aplicação da verba 2.24, da Lista I anexa ao CIVA, em vigor à data dos factos, seria subverter a ratio do antedito normativo.

14º- Assim, entendemos que deve ser aditado aos factos provados que a Impugnante não é a proprietária da obra e que actuou no âmbito da sua actividade profissional, comercial ou industrial.

15º- Acresce que, e para finalizar, as liquidações resultaram da diferença entre o Imposto liquidado na facturação operada pela Impugnante à empresa A......... ACE.

16º- Por sua vez o ACE, denominado A........., é constituído pelas empresas Chaves......... Lda., e T......... Lda., respectivamente nas proporções de 95% e 5%.

17º- A Impugnante facturou prestações de serviços à A........., à taxa de 5%, quando as deveria ter facturado à taxa de 17%, conforme previsto no artigo 16°, conjugado com os artigos 4º, al. c) do n.° 1 do artigo 18° e artigo 8º, todos do Código do IVA.

18º- Pelo que, in casu, estamos perante uma prestação de serviços, entre duas entidades, a Impugnante e a A..........

19º- Decorrendo da Lei e, acrescentamos nós, da doutrina administrativa, máxime ofício circulado, de 07/08/2000, que a taxa de 5% só seja aplicável, desde que os destinatários dos serviços sejam os respectivos proprietários ou locatários dos imóveis.

20º- Face a tudo quanto vai dito, as vicissitudes elencadas, estão comprovadas, e referenciadas, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo, pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo areópago decerto que teria sido outro.

21º- Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.

22º- Por conseguinte, salvo o devido respeito, que muito é, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.

23º- Com o devido respeito, que muito é, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.

24º- Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas”.

A Recorrida não contra-alegou.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir, delimitadas pelas conclusões das alegações do recurso (cfr. art.º 639.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT):

a) Há erro no julgamento da matéria de facto?

b) Há erro de julgamento de direito, por não ser aplicável a taxa reduzida de 5% prevista na então verba 2.24. da lista anexa I do Código do IVA, no caso de o destinatário das prestações de serviços não ser o proprietário ou locatário do imóvel?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 26.06.2001 foi emitida pela Impugnante, a favor de “A........., ACE”, a fatura nº …, com a seguinte descrição:

“Trabalhos realizados a vosso pedido de recuperação de empenas e fachadas fissuradas com pintura global e revisão aos telhados, reparações diversas em azulejos, mosaicos e sistemas de águas e esgotos, nos edifícios das Bandas 5, 6, 8 e 9 do Bairro.........em Algueirão.

Valor global------------------------------------------------------------------------45.000.000$00

IVA à taxa de 5% verba 2.24 da lista I anexa ao CIVA---------------------- 2.250.000$00”

(cfr. fls. 72 dos autos)

B) Em 22.08.2001 foi emitida por “António........., Lda” a favor da Impugnante, a fatura nº ……, no montante total de 4.893,21€, contendo IVA no montante de 711,00€, e referente à aquisição de diverso mobiliário de decoração (acordo cfr. fls. 131 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

C) Em 30.11.2001 foi emitida por “António........., Lda” a favor da Impugnante, a fatura nº ……, no montante total de 1.309,59€, contendo IVA no montante de 190,30€, e referente à aquisição de mobiliário de decoração (acordo e cfr. fls. 132 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

D) Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs 2005......... e 2004......... de 23.10.2000, foi realizada ação de inspeção à impugnante aos exercícios de 2001 e 2002, com âmbito geral (cfr. fls. 31 dos autos).

E) Em 22.03.2005 foi elaborado o Relatório Final da Ação de Inspeção, onde consta o seguinte:

“(…)

B -Imposto Sobre o Valor Acrescentado ( IVA)

O Sujeito Passivo está enquadrado no regime não isento, normal, mensal. As operações praticadas constituem prestações de serviços na área da construção civil.

Foi verificado o cumprimento das obrigações declarativas, nomeadamente, a entrega das declarações periódicas e declaração anual.

Na análise à contabilidade do Sujeito Passivo foram detectadas as seguintes infracções:

FALTA DE LIQUIDAÇÃO 2001 = € 26.935,08

Conta 72.1.1. Prest. Serviços- Mercado Nacional 0106 = € 26.935,08

Foi detectada nesta rubrica a Factura N° …, datada de 26/6/2001, emitida em nome da A........., ACE, no valor de 45.000.000$00, com a designação: " Trabalhos realizados a vosso pedido de recuperação de empenas e fachadas fissuras com pintura global e revisão aos telhados, reparações diversas em azulejos, mosaicos e sistemas de águas e esgotos, nos edifícios das bandas 5, 6, 8 e 9 do Bairro ......... em Algueirão ". Nesta operação procedeu à liquidação de IVA à taxa de 5%, no valor de 2.250.000$00, com o enquadramento na Lista Anexa I ao Código do IVA, verba 2.24. -

A verba anteriormente citada foi aditada ao Código do IVA pelo nº 4 do artigo 44° da Lei nº 3 -B/2000, de 4 de Abril, com entrada em vigor no dia 01 de Julho de 2000. O âmbito de aplicação da norma engloba os serviços - efectuados em imóvel ou parte de imóvel que, não estando licenciado para outros fins, esteja afecto à habitação.

Imóvel ou parte de imóvel afecto à habitação é o que esteja a ser utilizado como tal no início das obras e que, após a execução das mesmas, continue a ser efectivamente utilizado como residência particular.

As operações que se enquadram na verba 2.24, da Lista Anexa - I, são aquelas que têm como destinatários os proprietários ou os locatários dos imóveis.

A A........., ACE é um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), constituído em 95% pela Chaves......... SA e em 5% pela T......... Lda, com o objecto da promoção e construção de habitação social. De sublinhar que, de acordo com a norma que regula a criação dos ACEs, é vedada a possibilidade a estes de deterem bens imóveis, com Excepção do imóvel onde se localiza a sua sede, Os imóveis referidos na factura, nomeadamente o edifício banda 8, foram edifícios de habitação construídos pela pelo Sujeito Passivo, a promoção e venda foi realizada pela A......... ACE em anos anteriores a 2000.

De acordo com o exposto, a operação que consta na factura supra referida, constitui uma prestação de serviços entre duas entidades, nos termos do artigo 4° do Código do IV A, tributável nos termos do artigo 16°, à taxa de 17% nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18°, exigível nos termos do artigo 8°, todos do Código do IVA.

Pelo exposto, propõe-se que a liquidação do IVA da Factura N° … seja corrigida para 7.650.000$00 ( 45.000.000$00x17% ), resultando uma liquidação adicional de IVA de 5.400.000$00 ( € 26.935,08 ) ( Anexo - 10/10 ).

DEDUÇÃO INDEVIDA 2001 = € 901,26

Conta 24.3.2.3.2.1 IVA-Ded.-OBS-Tx. Normal- M Nacional 0112 = 901,26

O Sujeito Passivo procedeu à dedução de IVA relativo às facturas contabilizadas com o diário 10, documento 70 de 31/12/2001, mencionadas do ponto III-A-2.2 deste relatório, relativas à aquisição de bens que não foram utilizados na realização de operações tributáveis. Foram deduzidos indevidamente os valores de 38.148$00 e 142.539$00, ( valor total = 180.687$00 € 901,26) por infracção ao artigo 20° do Código do IVA.

IV - Infracções Verificadas

(…)

V - Direito de Audição ( artigo 60° da LGT e do RCPIT )

Foi notificado o Sujeito Passivo a 07/03/2004 para no prazo de 10 dias exercer seu Direito de Audição. Até à data do presente relatório não foi recebido nos Serviços de Inspecção Tributária o exercício desse direito” (cfr. fls. 28 a 39 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

F) Em 15.06.2005 foram emitidas em nome da Impugnante as liquidações adicionais de IVA com os nºs ......... e ........., respeitantes aos períodos de 0103 e 0112, nos montantes de 26.935,09€ e 901,26€ e as liquidações de juros compensatórios com os nºs ......... e ......... nos montantes de 5.289,61€ e 145,02€ (cfr. fls. 17 a 23 dos autos).

G) A presente impugnação judicial considera-se apresentada em 29.11.2005 (cfr. fls. 133 dos autos)”.

II.B. Refere-se, ainda, na sentença recorrida:

“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo, e na posição factual expressa pelas partes nos seus respetivos articulados.

A prova testemunhal produzida nos autos em absolutamente nada contribuiu para a matéria de facto relevante, tendo-se revelado um depoimento meramente conduzido pelo mandatário da Impugnante, sem respostas espontâneas e diretas, em nada relevando para a decisão d emérito dos presentes autos”.




III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro no julgamento da matéria de facto

Considera a Recorrente que o Tribunal recorrido errou o seu julgamento de facto, entendendo que deve ser aditado aos factos provados que a Impugnante não é a proprietária da obra e que atuou no âmbito da sua atividade profissional, comercial ou industrial.

Atento o disposto no art.º 640.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC);

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC), sendo de atentar nas exigências constantes dos n.ºs 2 e 4 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que a Recorrente, identificando os factos que pretende ver aditados, não cumpre, não obstante, os demais ónus a seu cargo, designadamente no tocante à identificação dos concretos meios de prova em que funda a sua pretensão.

Ademais, refira-se que a factualidade em causa não é controvertida, como resulta do relatório de inspeção tributária (RIT), cujo teor foi, na parte relevante, transcrito pelo Tribunal a quo, como melhor se aferirá infra. Como tal, os alegados aditamentos carecem de relevância.

Face ao exposto, indefere-se o alegado pela Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento no tocante à aplicação de taxa reduzida de 5%

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, entendendo que, in casu, a taxa de IVA a aplicar seria a taxa normal, uma vez que os destinatários dos serviços deveriam ser os proprietários ou locatários de imóveis.

Vejamos.

A Sexta Diretiva IVA (Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de maio de 1977), no seu art.º 12.º, n.º 3, previa a existência de uma taxa normal de IVA, que, no período compreendido entre 2001 e 2005, não poderia ser inferior a 15%, e a faculdade de os Estados-Membros aplicarem uma ou duas taxas reduzidas, não inferiores a 5% (cfr. Diretiva 92/77/CEE, do Conselho, de 14 de dezembro de 1992).

Nesse seguimento, o legislador nacional consagrou três taxas para o território continental, que, por referência a 2001, se situavam nos 17% (taxa normal), 12% (taxa intermédia) e 5% (taxa reduzida), como resulta do disposto no art.º 18.º, n.º 1, do Código do IVA (CIVA).

O elenco das importações, transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a taxa reduzida ou a taxa intermédia estão elencados, respetivamente, na lista anexa I e na lista anexa II do CIVA.

Assim, é de chamar, in casu, à colação a verba 2.24. da lista anexa I do CIVA, nos termos da qual estão sujeitas a taxa reduzida:

“2.24 - As empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afetos à habitação, com exceção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas em bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, minigolfe, campos de ténis ou golfe e instalações similares.

A taxa reduzida não abrange os materiais que constituam uma parte significativa do valor do serviço prestado”.

Esta verba foi aditada à lista anexa I pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril (Orçamento do Estado para 2000), consagrando-se no n.º 5 do art.º 44.º deste diploma que tal redação entraria em vigor a 1 de julho de 2000 e cessaria a respetiva vigência a 31 de dezembro de 2002. A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, prorrogou a vigência da referida verba até 31 de dezembro de 2003, e a Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, voltou a aditá-la. Com o DL n.º 102/2008, de 20 de junho, que, designadamente, alterou e republicou o CIVA, passou a constar da verba 2.27.

Sobre o âmbito desta verba 2.24., a Administração Tributária (AT) emitiu orientações administrativas, de entre as quais, atento o período de imposto ora em apreciação, se destaca o Ofício Circulado da Direção de Serviços do IVA n.º 30025, de 07.08.2000.

Na referida orientação, a AT verteu a sua interpretação, nos termos da qual:

A taxa reduzida tem aplicação, quer o dono da obra seja o proprietário ou o locatário.

Nos casos em que o dono da obra é um condomínio, este é também beneficiário da taxa reduzida, desde que a obra seja realizada em imóvel afecto à habitação e o condomínio esteja abrangido pela isenção do nº 23 do artº 9º do CIVA.

Feito este introito, e como já se referiu supra, considera a Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, em virtude de a, à época, verba 2.24. implicar que o destinatário da prestação de serviços seja proprietário ou locatário.

Entendeu o Tribunal a quo não conter a mencionada verba 2.24. qualquer delimitação subjetiva, motivo pelo qual carece de sustentação a interpretação restritiva defendida pela FP.

Antes de mais refira-se que, como bem se salienta na decisão recorrida, a única questão controvertida é meramente atinente a alegados pressupostos subjetivos, atenta a circunstância de a correção efetuada pela AT se fundar apenas e somente no facto de a “A........, ACE” não ser a proprietária nem a locatária dos imóveis identificados na fatura. Daí que careça de pertinência o alegado em torno da propriedade do imóvel e/ou do terreno, sendo certo, ademais, que é feita uma confusão conceptual entre os conceitos de proprietário e de “dono da obra”, conceitos que não são sinónimos, como resulta de uma análise de qualquer regime jurídico atinente a empreitadas (cfr., v.g., os art.ºs 1207.º e ss. do Código Civil). Carece ainda de pertinência o alegado em torno das empreitadas sobre bens imóveis utilizados para o exercício de uma atividade profissional, comercial, industrial ou administrativa, dado que, como nunca foi posto em causa pela AT, os imóveis em causa estavam afetos a habitação.

Assim, a verificação dos pressupostos objetivos da verba 2.24. nunca foi posta em causa pela AT, nem a existência de obras efetuadas pela Recorrida a pedido da A........., ACE. Daí que não possa ser apreciado o alegado em torno da necessidade de aferir do pedido de licenciamento das obras e, no limite, do caráter de dona da obra da própria impugnante, porquanto trata-se de questão que a AT nunca pôs em causa no momento oportuno, ou seja, em sede de ação inspetiva.

Como resulta do RIT, o ACE foi promotor e vendedor dos edifícios em causa, destinados a habitação, não sendo, no entender da AT, enquadráveis na verba 2.24. em virtude de as prestações de serviços não se destinarem aos proprietários ou locatários dos imóveis.

Feita esta circunscrição, desde já se adiante que não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, nos termos do art.º 9.º, do Código Civil:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Como referido por Baptista Machado(2), “[t]radicionalmente estes factores interpretativos são-nos apresentados como sendo essencialmente dois: a) o elemento gramatical (…) e b) o elemento lógico. Este último, por seu turno, aparece-nos subdividido em três elementos: a) o elemento racional (ou teleológico), b) o elemento sistemático e c) o elemento histórico. // (…) [O] elemento gramatical (…) e o elemento lógico (…) têm sempre que ser utilizados conjuntamente…”.

Partindo dos cânones interpretativos sumariamente mencionados, refira-se que, tal como mencionado pelo Tribunal a quo, a verba 2.24. não contém qualquer delimitação de cariz subjetivo.

Do seu teor resulta, sim, que estão abrangidas as empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afetos à habitação, com exceção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas em bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, minigolfe, campos de ténis ou golfe e instalações similares.

Da leitura do teor desta verba resulta que os requisitos são exclusivamente de cariz objetivo: o tipo de empreitada e o destino dos imóveis. O preenchimento destes requisitos, como já se referiu, nunca foi posto em causa.

Não resulta, pois, que haja qualquer limitação da aplicação da verba 2.24. a situações em que seja adquirente das prestações de serviços o proprietário ou o locatário nem que esse mesmo adquirente tenha de ser o consumidor final. Daí que, aliás, careça de pertinência ao alegado quanto ao facto de a prestação de serviços ter sido feita pela Impugnante no exercício de uma atividade profissional. Nem se alcança o pretendido ao referir-se que “a Impugnante não tem como objectivo a beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação da sua sede, ou imóvel sua propriedade, mas tão só a prestação e um serviço no âmbito da sua actividade profissional”. Sublinhamos: a prestação dos serviços nos termos objetivamente previstos na verba 2.24. nunca foi posta em causa pela AT.

Da análise de outras situações elencadas na lista anexa I verifica-se que, em determinados casos, o legislador pretendeu fazer delimitações subjetivas, o que claramente ficou expresso na letra da lei.

A título meramente ilustrativo, e por referência à redação do CIVA em 2001, estão claramente definidos os destinatários das prestações de serviços a que se referem, por exemplo, as verbas 2.6., 2.7., 2.8., 2,17. ou 2.20. todas da lista anexa I.

Já noutros casos, como o da verba 2.24., não há qualquer delimitação de cariz subjetivo, o que implica que não possa ser efetuada uma interpretação restritiva que não encontra qualquer acolhimento da letra da lei.

O facto de a interpretação defendida pela Recorrente encontrar acolhimento na orientação administrativa a que já se fez menção em nada altera o que foi referido.

Com efeito, à data a possibilidade de emissão de orientações genéricas por parte da AT (atualmente prevista na LGT, no seu art.º 68.º-A) decorria desde logo do disposto no art.º 55.º do CPPT, nos termos do qual:

“2 - Somente as orientações genéricas emitidas pelas entidades referidas no número anterior vinculam a administração tributária.

3 - As orientações genéricas referidas no n.º 1 devem constar obrigatoriamente de circulares administrativas e aplicam-se exclusivamente à administração tributária que procedeu à sua emissão”.

O objetivo subjacente à emissão destas orientações genéricas é dotar os contribuintes de um instrumento que os esclareça sobre a interpretação que a AT faz num determinado caso, conferindo segurança adicional em termos de previsibilidade da atuação administrativa.

Estas orientações genéricas, vinculando a AT na sua atuação, não vinculam os sujeitos passivos e, pretendendo-se interpretar uma norma, não podem ir além disso mesmo, da interpretação(3).

Ora, a orientação administrativa em apreço, nos termos em que foi interpretada pelos serviços inspetivos, circunscreve os beneficiários da taxa reduzida aos proprietários ou locatários dos imóveis, sem que haja qualquer circunscrição na lei a esse respeito e ao arrepio do disposto no art.º 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “[o]s impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

Cumpre ainda referir que o alegado em torno do facto de o ACE ser constituído, em parte, pela Recorrida, carece de qualquer pertinência, desde logo por em momento algum ter sido extraída qualquer conclusão dessa circunstância e por nunca ter sido de modo algum posta em causa a existência da prestação de serviços – aliás, tanto a AT a aceita que a correção efetuada foi tão somente no sentido da aplicação da taxa normal e não da taxa reduzida.

Assim, não sendo postos em causa os pressupostos objetivos previstos na verba 2.24. da lista anexa I do CIVA e não contendo esta mesma verba qualquer circunscrição de cariz subjetivo, nada há apontar à sentença recorrida, carecendo de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 25 de junho de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)


_____________________________________
(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2) Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 181 a 185. V. ainda o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, n.º P000232007.
(3) Cfr., a este propósito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.03.2013 – Processo: 00997/12.8BEPRT: “Atento o primado da lei sobre as orientações administrativas (princípio da legalidade), as regras estatuídas nas circulares da Administração Tributária, têm que respeitar o quadro normativo legislativo de referência – normas jurídicas primárias –, que lhe é prevalente. E quando aquelas estabelecem um sentido normativo que não tem acolhimento na norma legislativa que pretensamente é interpretada, estão afinal a derrogá-la e a criar norma jurídica inovatória inválida”.