Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:166/13.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:PENHORA DE CRÉDITOS
INSUFICIÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS DA DEVEDORA ORIGINÁRIA.
Sumário:1) Ao cumprimento do ónus de demonstração da insuficiência patrimonial da devedora originária não basta a mera realização de penhoras de créditos aceites pelo devedor, dado que fica a dúvida razoável, que cumpre dissipar, sobre a existência e o montante dos créditos penhorados e, em consequência, sobre a real consistência do património da devedora originária, garante da dívida exequenda.
2) Considerando o montante da dívida exequenda e o montante dos créditos penhorados não contestados, forçoso se torna concluir que a insuficiência patrimonial não se mostra comprovada nos autos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
M…. interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 168/175 que julgou parcialmente procedente a oposição por si deduzida à execução fiscal nº115520090103… instaurada pelo serviço de finanças de Vila Real de Santo António contra “ V… e P…, Lda” e revertida contra a oponente para a cobrança coerciva de dívidas de coimas e encargos com os processos de contra-ordenações fiscais, de IRC/2008, 2009 e 2010, de IVA/2009, 2010 e 2011, de IRS [retenções na fonte] e de IMI dos anos de 2009 e 2010 [1ª e 2ª prestações], no valor total de €30.642,34.
Nas alegações de recurso de fls.194/211, a recorrente formula as conclusões seguintes:
i. Porque cabe à AT o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários pela dívida exequenda, revertendo a execução contra eles, cabe-lhe o ónus de provar que se verificam os pressupostos legais dos quais depende essa reversão, pela demonstração de que não existem bens penhoráveis do devedori. originário ou, existindo, que eles são fundadamente insuficientes para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

ii. A al. b) do art.º 153º do CPPT, complementando o n.º 2 do art.º 23º da LGT, esclarece que a fundamentação da insuficiência é feita com base nos valores que constam do auto de penhora e outros que a AT disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido, sendo certo que, para que a insuficiência se poder considerada demonstrada é necessário que os elementos em que assenta o juízo sobre ela permitam em termos lógicos, retirar essa conclusão, o que, normalmente, exigirá que seja feita uma averiguação - Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 5ª edição, Vol. II, pág. 49.
iii. Do probatório consta que foram efectuados pedidos de penhora, sendo que dois dos notificados, a saber, I…, S.A. e O F…, Lda., não responderam à notificação.
iv. Nos termos do nº 4 do artº773º do CPC, “se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora”.
v. O OEF bastou-se com a ausência de resposta, quando deveria ter executado aquelas sociedades, no sentido das mesmas procederem ao pagamento da quantia indicada, razão pela qual não se pode concluir pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.
vi. Do probatório verificamos que apenas se encontra provado que a ora recorrente exerceu de facto a gerência e esporadicamente em 2011 e 2012, nada constando desse exercício nos anos de 2009 e 2010.
vii. Face à inércia probatória de quem tinha o ónus da prova do exercício da gerência, ou seja, a AT, a oposição tem de ser julgada procedente quanto às dívidas de 2009 e 2010.

X
Não há registo de contra-alegações.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 232/236) no qual se pronuncia no sentido da recusa do provimento do presente recurso jurisdicional.

X

II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A. Em 23/12/2009, foi instaurado processo de execução fiscal com o nº11552009010…. e apensos contra a sociedade “V… e P…, Lda.” para coerciva das dívidas de Coimas, IVA dos períodos 2009/10, 2009/11, 2009/12, 2010/01, 2010/07, 2010/08, 2010/10, 2010/12, 2011/03T, 2011/06T, 201109T, dívidas de IRS- Retenções na Fonte dos períodos 2010/01, 2010/06, 2010/07, 2010/08, 2010/09, 2010/11, 2010/12, dívidas de IRC dos exercícios de 2008, 2009 e 2010, dívidas de IMI dos anos de 2009 – 1ª e 2ª Prestações e 2010 - 1ª e 2ª Prestações, no valor de €30.642,34. (cfr. fls. 1 dos autos e PEF’s juntos);
B. Em 09/01/2013, foi enviado à Oponente “Notificação: Audição-Prévia (Reversão)” (cfr. fls. 62 a 66 do PEF);
C. Em 30/01/2013, o Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António efectuou “informação” onde consta que a Oponente “não exerceu o direito de audição nos presentes autos” (cfr. fls.67 dos autos).
D. Em 30/01/2013, foi proferido despacho de reversão contra a Oponente, onde consta como Fundamentos da reversão:

(“texto integral no original; imagem”)
(cfr. fls. 68 do PEF);
E. A Oponente foi citada em 05/02/2013 (cfr. fls. 71 a 75 do PEF);
F. A Oponente foi nomeada gerente desde a constituição da sociedade “V e P…, Lda.”, em 30/10/1990 (cfr. fls. 73 a 76 dos autos);
G. Em 02/08/2011 e 29/02/2012, a Oponente, em representação da sociedade devedora originária “V… e P…, Lda.”, enviou cartas e email ao Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António Real com o assunto: “Pagamento de processos de execução fiscal” (cfr. fls. 77 a 80 dos autos);
H. No processo de execução fiscal 1155200901037242 e apensos foram efectuados os seguintes pedidos de penhora:
(“texto integral no original; imagem”)

(cfr. fls. 87 a 101 dos autos).

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Em sede de «Fundamentação do julgamento» consignou-se:
«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados e no PEF, cuja veracidade não foi posta em causa.»
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Em sede de «Factualidade não provada» consignou-se:
«Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
A. A dívida subjacente ao despacho de reversão referido em D. é de €30.642,34 – fls. 68 do PEF.
B. No que respeita ao pedido de penhora relativo a “I…., SA”, o montante solicitado é de €29.515.35 – fls. 257/verso.
C. No que respeita ao pedido de penhora relativo a “F…, Lda.”, o montante solicitado é de €29.515.35 – fls. 259/verso.
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2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 168/175, que julgou improcedente a oposição no que respeita às dívidas de IRS, IVA e IRC, ordenando a extinção da execução no que respeita à reversão por coimas.
2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida no que respeita aos vectores seguintes: i) demonstração da insuficiência de bens penhoráveis na posse da devedora originária, ii) demonstração da gerência efectiva por parte da revertida no período relevante.
2.2.3. No que respeita ao fundamento recursório referido em i), a recorrente alega nos termos seguintes:
i) Do probatório consta que foram efectuados pedidos de penhora, sendo que dois dos notificados, a saber: I…, SA e o F…, Lda., não responderam à notificação;
ii) Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 773.º, do CPC. “se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora”;
iii) O OEF bastou-se com a ausência de resposta, quando deveria ter executado aquelas sociedades, no sentido das mesmas procederem ao pagamento da quantia indicada, razão pela qual não se pode concluir pela insuficiência do património da devedora originária.
A este propósito da sentença consta o seguinte:
«Da factualidade assente, resulta que a Administração Tributária baseou-se em pedidos de penhora de bens, tendo, inclusive, feito a penhora e venda de um dos imóveis, segundo consta do probatório.
Mais resulta do probatório que a Oponente, em representação da sociedade devedora originária, redigiu várias cartas à Administração Tributária onde fica demonstrada a situação financeira negativa da sociedade, o que basta para demonstrar que o património social é insuficiente para a satisfação dos créditos que existem sobre a mesma.
Acresce que a Oponente, apesar de afirmar que enquanto não tiver excutido todo o património da devedora originária, não pode ordenar-se a reversão da execução, não identifica quaisquer bens da originária devedora que possam ser objecto de penhora ou quaisquer diligências úteis tendentes à identificação de eventuais bens de que a mesma seja proprietária, pelo que, improcede a Oposição quanto a este fundamento».
Vejamos.
2.2.4. A sentença recorrida é objecto de censura no que respeita ao segmento que julgou improcedente a oposição.
«A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão» (1).

«O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;
b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido»(2).
«Nesta sede, à A. Fiscal incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes. Só no caso de a Fazenda Pública fazer a prova do preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão»(3).
A questão suscitada pela presente intenção recursória centra-se sobre o cumprimento do ónus da prova da insuficiência do património da devedora originária por parte da exequente. A recorrente sustenta que o presente ónus não foi observado, porquanto, no que respeita aos créditos, encabeçados no lado passivo, por “I…., SA” e por “F…, Lda.”, perante a falta de resposta dos devedores, o exequente não encetou qualquer diligência no sentido da apreensão dos mesmos, o que contraria o disposto na lei (artigo 773.º/4, do CPC) e depõe no sentido do incumprimento do ónus da demonstração da insuficiência patrimonial da devedora originária. Por seu turno, a sentença recorrida considera que, seja atendendo aos pedidos de penhora documentados nos autos, seja com base nos requerimentos dirigidos pela oponente à AT, em nome da sociedade devedora originária, forçoso se torna concluir no sentido da demonstração da insuficiência patrimonial da segunda.
A questão de saber se o exequente cumpriu ou não com as diligências necessárias à inventariação do património do devedor originário, com vista à emissão do juízo sobre a insuficiência patrimonial, na presença de créditos, objecto de penhora, mas não contestados, não é despicienda no caso, considerando que a dívida exequenda é de €30.642,34 e os pedidos de penhora, elencados pela exequente, assumem, cada um, o valor de €29.515.35.

Vejamos.

«A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, efectuada preferencialmente por via eletrónica, emitida pelo órgão de execução fiscal, de que todos os créditos do executado até ao valor da dívida exequenda e acrescido ficam à ordem do órgão de execução fiscal, observando-se o disposto no Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações (…)»(4).

«Se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora»(5).

No caso, tendo sido efectuadas as penhoras de créditos em causa (6), os quais não foram contestados pelo seu devedor, e atendendo ao montante da dívida em cobrança coerciva (7), suscita-se a questão de saber se cabe à exequente realizar diligências subsequentes tendentes à apreensão do montante do crédito e à sua colocação à ordem da execução. E, no caso não terem sido realizadas tais diligências, quais as consequências a extrair para o cumprimento do ónus da prova que recai sobre a exequente da demostração da insuficiência do património da devedora originária.
A demonstração da insuficiência patrimonial é feita «com base nos valores que constam do auto de penhora e outros de que a administração tributária disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido (juros de mora e custas). No entanto, para a insuficiência se considerar demonstrada, é necessário que os elementos em que assenta o juízo sobre ela permitam, em termos lógicos, retirar essa conclusão»(8).
Em face da aceitação da dívida, e «[l]ogo que a dívida se vença, o devedor que não a haja contestado é obrigado:

a) A depositar a respectiva importância em instituição de crédito à ordem do ão ou, nos casos em que as diligências de execução seagente de execuçjam realizadas por oficial de justiça, da secretaria;
b) A apresentar o documento do depósito ou a entregar a coisa devida ao agente de execução ou à secretaria, que funciona como seu depositário»(9)
.
Do probatório resulta que as penhoras de créditos efectuadas nos autos não originaram a apreensão subsequente dos montantes das dívidas, cujos créditos não foram contestados. De onde se extrai que as diligências necessárias à comprovação da situação de insuficiência patrimonial da devedora originária não foram efectuadas.
Por outras palavras, não basta ao cumprimento do ónus de demonstração da insuficiência patrimonial da devedora originária, a mera realização de penhoras de créditos, quando estes foram aceites pelo devedor, dado que fica a dúvida razoável, que cumpre dissipar, sobre a existência e o montante dos créditos penhorados e, em consequência, sobre a real consistência do património da devedora originária, garante da dívida exequenda.
Considerando o montante da dívida exequenda e o montante dos créditos não contestados, objecto de penhora, forçoso se torna concluir no sentido de que a insuficiência patrimonial não se mostra comprovada nos autos, pelo que não foi observado o disposto nos artigos 23.º/2, da LGT e 153.º/2, do CPPT.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a oposição, no que respeita às dívidas de impostos, com base no presente fundamento.
Fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição, na sua totalidade.
Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)



(1º. Adjunto)


(2º. Adjunto)


(1) artigo 23.º, n.º 2, da LGT
(2) Artigo 153.º, n.º 2, do CPPT
(3) Acórdão do TCAS, de 06.04.2017, P. 456/13.1BELLE

(4) Artigo 224.º, n.º 1, do CPPT.
(5) Artigo 773.º, n.º 4, do CPC.
(6) Alínea h), j) e k) do probatório.
(7) Alínea i), do probatório.
(8) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, Vol. III, p. 65.

(9)Artigo 777.º, n.º 1, do CPC.