Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:94/05.2BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IVA,
RITI,
SUJEITO PASSIVO,
ÓNUS DA PROVA
Sumário:Nos termos do art. 74.º da LGT cabe à AT o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos, e nessa medida, entendendo a AT que a Impugnante é um sujeito passivo de IVA, nos do art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RITI, e art. 2.º, n.º 1 do CIVA cabe-lhe demonstrar que aquela tinha a intenção, de iniciar de modo independente a atividade económica de “comércio de veículos automóveis” de forma independente, em seu nome, por sua conta, sob a sua responsabilidade, suportando o risco económico decorrente do exercício dessa atividade, o que deve ser confirmado por elementos objetivos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação apresentada por C..., da decisão de indeferimento proferida pelo Chefe de Finanças de Trancoso que recaiu sobre a reclamação graciosa n.º 19/98, veio deduzir IMPUGNAÇÃO Judicial contra a liquidação n.º 98193711 de 13-10-1998, no valor de € 6.885,12, respeitante a Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente ao ano de 1995, bem como contra a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa referida supra.

A Fazenda Pública apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:

«a) Laborou em erro de direito a douta sentença em virtude de ter dissertado à volta do artigo 1º alínea a) do RITI como tendo sido a norma de incidência objectiva ao abrigo da qual os factos em causa nos autos - sujeição a IVA da aquisição e da venda, pela impugnante, de três veículos usados adquiridos na então CEE -, foram objecto de tributação em IVA. Tendo a administração tributária feito o enquadramento dos factos ao abrigo dos artigos 1º alínea c) do RITI, 5/1 alíneas b) e c) do RITI e 53º do CIVA (no âmbito da incidência objectiva), e ao abrigo dos artigos 2/1 do CIVA e 2/1 alínea a) do RITI (no âmbito da incidência subjectiva) [e ainda ao abrigo dos artigos 12°, 17° e 22° do RITI, artigos 16° e 26° do CIVA e artigo 1° do D.L. 504-G/85, de 30112 (regime dos bens em 2ª mão)], à data em vigor.

b) Para além de laborar em erro de direito, violou ainda a douta sentença os artigos 1º alínea c) do RITI, 5/1 alíneas b) e c) do RITI e 53º do CIVA, artigos ao abrigo dos quais a administração fiscal fez o enquadramento ou subsunção dos factos em causa nos autos no âmbito da incidência objectiva.

c) Assim, conforme evidenciado no relatório de inspecção subjacente à liquidação adicional de IVA em causa nos autos, "o contribuinte é um sujeito passivo de IVA, nos termos do artº 2º, nº 1 CIVA e artº 2° nº 1 a) RITI que praticou AICB (aquisições intracomunitárias de bens) sujeitas a imposto especial as quais de acordo com o artº 1° nº 1 al. c) do RITI estão sujeitas a IVA. Como o sujeito passivo adquiriu veículos usados na CEE, que estão sujeitos a Imposto sobre veículos automóveis, não beneficia da isenção do artº 5° nº 1 b) do RITI. Além disso o volume de negócios do exercício ultrapassa os limites dos artigos 5° nº 1 e) e o limite do artº 53º do CIVA".

d) A impugnante foi, pois, considerada sujeito passivo de IVA porque praticou aquisições intracomunitárias sujeitas a imposto especial as quais estão sujeitas a IVA. Tais aquisições respeitaram a veículos usados na CEE que estão sujeitos a imposto sobre veículos automóveis, não beneficiando de isenção legal. Além disso, o volume de negócios do exercício ultrapassou em abstracto os limites legais contidos nos arts. 5º nº 1 al. c) do RITI e 53º do CIVA.

e) E, em consequência da impossibilidade de apuramento do lucro tributável da actividade do visado, recorreram os serviços de inspecção aos métodos indiciários indicados nos artigos 38º do CIRS e 52º do CIRC por remissão do artigo 31º do CIRS e explicitados desde logo em 7° das presentes alegações, tendo sido apuradas vendas não declaradas e consequente IVA em falta pela impugnante, relativamente ao ano de 1995, no montante de 1.380.342$00 (6.885,12€).

f) Também no sentido de, mais uma vez, rebater a argumentação da recorrida elencada na sua p.i., é de referir que a recorrida adquiriu durante o ano de 1995, na Alemanha, três veículos automóveis que introduziu em território nacional e vendeu no mesmo ano. De acordo com o disposto no artigo 1º do CIVA estão sujeitas a IVA "as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal". Refere ainda o artigo 2/1 alínea a) do CIVA que "são sujeitos passivos do imposto "as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços". Temos, pois, por verificados os pressupostos de incidência subjectiva ou pessoal e ainda objectiva porquanto a impugnante preenche a tipificação de pessoa singular que de modo independente e com carácter de regularidade - pelo menos no ano em questão, sendo esse o relevante pois a ele respeita a liquidação - exerceu actividade comercial onerosa. Quanto ao volume de negócios apurado, face aos valores apurados é manifesto que na globalidade a sua actividade importou uma grandeza superior aos 10.000€ a que se reporta o artigo 53º do CIVA.

g) Por outro lado é de salientar a interpretação no mínimo arrevesada (fazendo permanecer o impugnante para todo o sempre à margem da legalidade fiscal), que a impugnante faz deste artigo; pois que não se encontrando colectado e não tendo jamais entregue declaração de inscrição, deve sujeitar-se à obrigatoriedade de a apresentar. Mais, não colhe igualmente o argumento de que após tal declaração é que é devido imposto, pois é face ao facto tributário ocorrido que a mesma é apresentada e o tributo é aplicado. Não existe início de actividade, entrega de declaração ou entrega de imposto, encontrando-nos perante um não declarante puro.

h) Sustenta ainda a recorrida o afastamento da tributação em IVA formulando a tese de que particulares só efectuam pagamento no caso de veículos novos. Ora, conforme evidenciado à saciedade, a impugnante não pode ser considerada um particular tendo em conta as transacções que efectuou em espaço temporal reduzido e de modo oneroso. Assim, o seu enquadramento para efeitos de sujeição a IVA deriva da sua qualificação como sujeito passivo nos termos do artigo 2/1 alínea a) do CIVA. Não se lhe aplica o artigo 2/2 alínea a) do RITI na medida em que neste artigo estão em causa particulares que realizam aquisições intracomunitárias de meios de transporte novos e, como tal, são sujeitos a imposto mas não adquirem por essa via, aquela qualidade de sujeito passivo - note-se, com todas as características já enumeradas e que a impugnante integra.

i) Em conclusão, dada a sua necessária qualificação enquanto sujeito passivo de IVA e sujeito passivo de imposto por aquisições intracomunitárias de bens e por aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo - artigo 2/1 alínea a) do CIVA, artigo 2/1 alínea a) do RITI, artigo 1° alínea c) do RITI, artigo 5/1 alínea b) do RITI - e pelo facto de deter um volume de negócios superior aos 10.000€, nunca poderia beneficiar da derrogação do regime de sujeição ao imposto em questão, cfr. artigos 2/1 alínea a) e 5º do RITI e artigo 53° do CIVA.

j) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.»
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A recorrida, devidamente notificada para o efeito não contra-alegou.
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de direito uma vez que entende a fazenda Pública que se fez um enquadramento diferente daquele que foi feito pela AT, violando-se o disposto no art. 1.º, alínea c) do RITI, 5/1 alíneas b) e c) do RITI e 53.º do CIVA. Invoca que a Impugnante foi considerada sujeito passivo de IVA porque praticou aquisições intracomunitárias sujeitas a imposto sobre veículos automóveis não beneficia da isenção legal, para além de que o volume de negócios do exercício ultrapassou em abstrato os limites legais previstos nos artigos 5.º, n.º 1, al. c) do RITI e 53.º do CIVA, pelo que não poderia beneficiar da derrogação do regime de sujeição ao imposto.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1) A ora impugnante encontrava-se colectada na Repartição de Finanças de Trancoso desde o exercício de 1995, como trabalhadora independente [CAE: 80.421 – “Formação Profissional”] e enquadrada para efeitos de IVA, no regime de isenção do artigo 53.º do CIVA.
Cfr. fls. 15 da Reclamação Graciosa (RG) apensa

2) Pela ordem de serviço n.º 4036 de 02-06-1997, foi a ora impugnante alvo de acção inspectiva, levada a cabo pela Administração Tributária, por ter introduzido, no território nacional, três veículos automóveis usados, adquiridos noutros Estados Membros, tendo utilizado na passagem pela Alfândega o estatuto de particulares.
Cfr. fls. 15 da RG apensa

3) Em 10-07-1997, a ora impugnante foi ouvida em auto de declarações pela Administração Tributária, tendo declarado que, «Em princípio foi para própria utilização. Depois vendeu-os, mas não tem ideia a quem foi»
Cfr. fls. 20 da RG apensa

4) Em 11-07-1997, foi a ora impugnante notificada para proceder à apresentação do seguinte:
• Facturas das aquisições intracomunitárias de veículos efectuadas no exercício de 1995 e explicar comprovadamente os meios utilizados nos seus pagamentos;
• Facturas de vendas dessas viaturas, ou justificar comprovadamente a sua existência em stock;
• Livros de escrituração das operações inerentes aos referidos veículos.
Cfr. fls. 21 da RG apensa

5) Nesse mesmo dia 11-07-1997, a ora impugnante informou não possuir os documentos solicitados e mencionados na alínea antecedente.
Cfr. fls. 21 da RG apensa

6) Em 11-07-1997, foi a ora impugnante notificada para, no prazo de 15 (quinze) dias proceder à substituição do anexo B da sua declaração de rendimentos modelo 2 do exercício de 1995.
Cfr. fls. 22 da RG apensa

7) Em 24-07-1997, foi elaborado o RELATÓRIO FINAL da acção inspectiva mencionada em 2), o qual consta de fls. 15 a 19 da RG apensa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com recurso a métodos indirectos, fundado nos seguintes elementos:

• O preço da AICB constantes das facturas ou documentos equivalentes, ou na falta destes no valor declarado pelo contribuinte ou no declarado pela Alfândega.
• As despesas documentadas e indicadas pelo contribuinte
• O preço de vendas das facturas ou documentos equivalentes e na falta desta no preço da venda declarado pelo contribuinte, no caso deste se afastar muito do preço de mercado, utilizávamos, dentro dos parâmetros da razoabilidade o preço de mercado aproximado.

8) Os valores utilizados para cálculo do resultado apurado pela Administração Tributária foram os seguintes:





Cfr. fls. 17 da RG apensa

9) Das correcções efectuadas pela Administração Tributária, resultou o apuramento de IVA em falta no valor total de Esc. 1.380.342$00, sendo imputado ao período de 95-03 (T) o montante de Esc. 823.207$00 e ao período de 95-06 (T) o de Esc. 557.135$00.
Cfr. fls. 11 e 18 da RG apensa

10) Em 06-02-1998, foi a ora impugnante notificada da decisão de fixação da matéria colectável, com recurso a métodos indirectos, referente ao ano de 1995.
Cfr. fls. 10 [e respectivo A/R] da RG apensa

11) Em 04-03-1998, a ora impugnante apresentou junto do SF de Trancoso a reclamação nos termos do artigo 84.º do Código de Processo Tributário, constante de fls. 8 a 9vº, da RG apensa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, não tendo os vogais da impugnante e da Fazenda Pública chegado a acordo.
Cfr. resulta dos autos, maxime da alegação da RG apensa [artigo 2]

12) Em 19-08-1998, a ora impugnante apresentou junto do SF de Trancoso a reclamação graciosa que consta de fls. 2 a 4 da RG apensa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

13) Em 13-10-1998, foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º 98193711, referente ao ano de 1995, no montante de € 6.885,12, com data limite para pagamento em 31-12-1998.
Cfr. fls. 3 do processo administrativo (PA) apenso

14) Em 04-07-2003, em sede de reclamação graciosa foi proferido o PROJECTO DE DECISÃO constante de fls. 35 a 40 da RG apensa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

15) A ora impugnante não foi notificada do teor do PROJECTO DE DECISÃO mencionado na alínea antecedente.
Cfr. resulta dos autos, designadamente da RG apensa

16) Sobre o PROJECTO DE DECISÃO mencionado em 14), recaiu DESPACHO exarado em 06-01-2005, pelo Chefe de Serviço de Finanças de Trancoso [em substituição], donde constava o seguinte:
«Vem o contribuinte C..., NIF 1..., com domicílio em Trancoso, reclamar da liquidação de IVA de 1995, na importância de (1380.342$00), € 6885,12.

O processo é o meio próprio, a reclamação tempestiva (cf. Artº 70º do CPPT), e o reclamante tem legitimidade para o acto (Cf. Artº 68º do CPPT).

Em face da informação prestada pela Divisão de Inspecção Tributária da DDF-Guarda de fls. 35 a 40, com a qual concordo, indefiro o pedido.

Notifique-se o contribuinte, informando-o que poderá recorrer hierarquicamente ou impugnar judicialmente.

(…)

Pelo Director de Finanças, por delegação de competência (Artº 75º do CPPT – Despacho de 10-9-99 – DR. II série, nº 246 de 21/10/99).»
Cfr. fls. 41 da RG apensa

17) Em 07-01-2005, foi a ora impugnante notificada do despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa por si apresentada.
Cfr. fls. 42 a 44 da RG apensa

18) Em 24-01-2005, a impugnante apresentou junto do SF de Trancoso a presente impugnação.
Cfr. fls. 3 dos autos

19) Consta do Aviso (extracto) n.º 15 348/99 (2.ª série), publicado no Diário da República – II Série, n.º 246, a 21-10-1999, o seguinte:
«Para os devidos efeitos se publica a delegação de competências do director de Finanças da Guarda, tal como se indica:

1.1 – No chefe de divisão José Augusto da Rocha Lourenço:
(…)
1.1.7 – Decisão das reclamações graciosas e aplicação do agravamento, nos termos dos artigos 99.º e 101.º do CPT, nos processos de valor superior a 1000 contos;
(…)
1.3 – Nos chefes das repartições de finanças:
1.3.1 – Decisão das reclamações graciosas e aplicação do agravamento, nos termos dos artigos 99.º e 101.º do CPT, nos processos cujo valor não ultrapasse 1000 contos;
(…)»
Cfr. fls. 9 dos autos
***
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
***

O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos bem como nos constantes dos PA e RG apensos, os quais não foram impugnados.»

*

Com base na matéria de facto supra, o Meritíssimo Juiz do TAF de Castelo Branco julgou procedente a Impugnação Judicial, entendendo que a AT, conforme lhe competia nos termos do art. 74.º, n.º 1 da LGT, não provou a quem a Impugnante adquiriu os veículos automóveis em questão, se a sujeito passivo de IVA ou se a particulares, sendo que disso dependia a tributação das aquisições nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do RITI, secundando o acórdão do STA de 21/12/2012, proc. n.º 0482/09, em cujo sumário se pode ler que “Recai sobre a Administração Tributária o ónus da prova da qualidade de sujeito passivo de IVA, agindo como tal, do vendedor interveniente nas transacções intracomunitárias.”

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, entendendo que a sentença enferma de erro de julgamento de direito desde logo porque fez um enquadramento diferente daquele que foi feito pela AT, violando-se o disposto no art. 1.º, alínea c) do RITI, 5/1 alíneas b) e c) do RITI e 53.º do CIVA. Invoca ainda que a Impugnante foi considerada sujeito passivo de IVA porque praticou aquisições intracomunitárias sujeitas a imposto sobre veículos automóveis que não beneficia da isenção legal, para além de que o volume de negócios do exercício ultrapassou em abstrato os limites legais previstos nos artigos 5.º, n.º 1, al. c) do RITI e 53.º do CIVA, pelo que não poderia beneficiar da derrogação do regime de sujeição ao imposto.

Apreciando.

Conforme resulta do relatório de ação de inspeção, a Impugnante encontra-se inscrita desde 1995 como trabalhadora independente, CAE 80421 “formação profissional” e está enquadrada para efeitos de IVA, no regime de isenção do art. 53.º do CIVA.

A AT apurou relativamente ao exercício de 1995, que a Impugnante, enquanto sujeito passivo de IVA, adquiriu veículos usados na “CEE” que estão sujeitos a imposto sobre veículos automóveis, e, por conseguinte, não beneficia da isenção do art. 5.º, n.º 1, alínea b) do RITI. Por outro lado, também entendeu que a Impugnante não beneficia da isenção, por o seu volume de negócios ultrapassar os limites do artigo 5.º, n.º 1, c) “(AICB – valor global sem IA 4.800$00) e o limite do art. 53.º do CIVA (volume de negócios de 9.426.348$)”.

Concluiu-se, então, que a Impugnante deveria ter entregue a declaração de alterações do art. 31.º, n.º 1 do CIVA, porque “desenvolve a atividade de “comércio de veículos automóveis” – CAE 50 100”.

Portanto, a AT entende que a Impugnante é um sujeito passivo de IVA, nos termos do n.º 1, do art. 2.º do CIVA e art. 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI), que praticou aquisições intracomunitárias de bens (“AICB”) sujeitas a imposto especial que de acordo com a alínea c), do n.º 1, do art. 1.º do RITI estão sujeitas a IVA.

Efetivamente, tal como alega a Recorrente Fazenda Pública, resulta da fundamentação do relatório de inspeção que a correção assentou no entendimento de que as operações praticadas pela Impugnante estão sujeitas a IVA ao abrigo da alínea c), do n.º 1, do art. 1.º do RITI.

Não obstante, importa salientar que a Impugnante vem invocar, desde logo em sede de reclamação graciosa, que não praticou uma aquisição intracomunitária, porque adquiriu, na qualidade de particular, os veículos a particulares. Ora, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa aprecia-se esta questão no sentido de que a Impugnante não demonstrou que as aquisições tenham sido feitas a particulares, e nessa medida, conclui, que praticou aquisições intracomunitárias sujeitas a IVA nos termos da alínea a), do n.º 1, do art. 1.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI).

Portanto, a Impugnante coloca em causa o enquadramento jurídico efetuado pela AT invocando que não praticou aquisições intracomunitárias sujeitas a IVA nos termos da alínea a), do n.º 1, do art. 1.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI), porque adquiriu, na qualidade de particular, os veículos automóveis usados, também a particulares.

Ou seja, por outras palavras, a Impugnante invoca que não reveste a qualidade de sujeito passivo de IVA, nos termos do n.º 1, do art. 2.º do CIVA e art. 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI).

No Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA de 21/12/2012, proferido no proc. n.º 04827/09, seguido pela sentença recorrida, entendeu-se, relativamente ao regime da alínea a) do art. 1.º do RITI, que é sobre a AT que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca (art. 74.º da LGT), designadamente dos pressupostos de aplicação do art. 1.º al. a) do RITI, sumariando-se que “Recai sobre a Administração Tributária o ónus da prova da qualidade de sujeito passivo de IVA, agindo como tal, do vendedor interveniente nas transacções intracomunitárias.”

Ora, ainda que o caso discutido no acórdão não seja idêntico ao dos autos, como invoca a Recorrente, pois a fundamentação assentou na alínea c), do n.º 1 do art. 1.º do RITI, e não na alínea a) daquele mesmo preceito legal, ainda assim, essa jurisprudência aplica-se ao caso dos autos, mutatis mutandis, nomeadamente, quanto às regras da distribuição do ónus da prova entre o contribuinte e a AT, relativamente às normas de incidência de IVA.

Deste modo, e sufragando aquela jurisprudência, nos termos do art. 74.º da LGT cabe à AT o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos, e nessa medida, entendendo a AT que a Impugnante é um sujeito passivo de IVA, nos do art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RITI, e art. 2.º, n.º 1 do CIVA (incidência subjetiva) e que deveria ter sido liquidado IVA na aquisição de 3 viaturas usadas na Alemanha, nos termos da alínea c), do n.º 1, do art. 1.º do RITI (incidência objetiva), cabe-lhe demonstrar a verificação de todos os pressupostos da tributação, nomeadamente, os pressupostos das normas de incidência subjetiva e incidência objetiva que invocou para sustentar a correção.

A respeito do regime jurídico aplicável, importa destacar que o DL n.º 290/92, de 28 de dezembro procedeu à adaptação do regime jurídico do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à Diretiva do Conselho n.º 91/680/CEE, de 16 de Dezembro que altera e complementa a Diretiva n.º 77/388/CEE, de 17 de Maio (Sexta Diretiva). A transposição da Diretiva fez-se, principalmente, através de um texto legislativo autónomo - o Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI).

O regime da Diretiva do Conselho n.º 91/680/CEE, de 16 de Dezembro, baseia-se no estabelecimento de um novo facto gerador do imposto, a saber, a aquisição intracomunitária de bens, que permite transferir a receita fiscal para o Estado-Membro onde ocorre o consumo final dos bens entregues (v. acórdão de 14 de novembro de 2010, X, C-84/09, n.º 22 e jurisprudência referida, e ainda, acórdão de 14/6/2017, SANTOGAL M-COMÉRCIO E REPARAÇÃO DE AUTOMÓVEIS, C-26/16 , n.º 37).

No que diz respeito à interpretação de uma disposição do direito da União, importa ter presente que o TJUE tem afirmado reiteradamente que há que ter em conta não só os seus termos, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C-156/98, n.º 50, e de 19 de abril de 2018, Firma Hans Bühler, C-580/16, n.º 33, e mais recentemente, de 19/12/2018, AREX CZ, C-414/17, n.º 40).

Por outro lado, importa ter presente que a Diretiva IVA entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007, e revogou a Sexta Diretiva sem lhe introduzir alterações de fundo. Uma vez que as disposições pertinentes da Diretiva IVA têm um alcance substancialmente igual ao das disposições pertinentes da Sexta Diretiva, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva IVA é igualmente aplicável no que se refere à Sexta Diretiva (v. Acórdão de 12/11/2020, SONAECOM, C-42/19, parágrafo 29, e jurisprudência aí citada).

Deste modo, no caso dos autos, estando em causa o art. 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, importa considerar a interpretação do TJUE do art. 4.º da Sexta Diretiva, sendo a este respeito elucidativo os parágrafos 26 a 28, do acórdão de 12/10/2016, NIGL E O., C-340/15, no qual, remetendo-se para jurisprudência anterior se reitera que “por força do artigo 4.º, n.º 1, da Sexta Diretiva e do artigo 9.º da Diretiva IVA, entende-se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma atividade económica, independentemente do fim ou do resultado dessa atividade (…) Os termos utilizados no artigo 4.º , n.º 1, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva e no artigo 9.º , n.º 1, da Diretiva IVA, designadamente a expressão «qualquer pessoa», dão da noção de «sujeito passivo» uma definição muito ampla, centrada na independência no exercício de uma atividade económica, no sentido de que todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, mesmo as entidades destituídas de personalidade jurídica, que, objetivamente, preencham os critérios que figuram nessa disposição, devem ser consideradas sujeitos passivos de IVA (…). Para verificar a independência do exercício de uma atividade económica, há que verificar se a pessoa em causa desenvolve as suas atividades em seu nome, por sua conta e sob a sua própria responsabilidade e ainda se é ela que suporta o risco económico decorrente do exercício dessas atividades (…)”.

Por outro lado, o TJUE entende que as atividades económicas na aceção da Sexta Diretiva podem consistir em vários atos consecutivos, sendo que as atividades preparatórias devem ser imputadas às atividades económicas. O tribunal deixa claro que é necessário que a pessoa “tenha a intenção, confirmada por elementos objetivos, de iniciar de modo independente uma atividade económica e que, para esse fim, efetue as primeiras despesas de investimento deve ser considerada um sujeito passivo” – cf. Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, parágrafo 18 e jurisprudência referida, e mais recentemente, acórdão de 12/11/2020, SONAECOM, C-42/19, parágrafo 33).

Portanto, aplicando aquela jurisprudência ao caso dos autos, a AT deveria ter provado que a Impugnante exerceu a atividade económica de “comércio de veículos automóveis” de forma independente, em seu nome, por sua conta, sob a sua responsabilidade e que é ela que suporta o risco económico decorrente do exercício dessa atividade. Como vimos, para que a Impugnante seja considerada um sujeito passivo de IVA o tribunal exige que a pessoa “tenha a intenção, confirmada por elementos objetivos, de iniciar de modo independente uma atividade económica”.

Ora, in casu, os elementos coligidos pela AT não são suficientemente objetivos para que se possa concluir com consistência que a Impugnante tinha a intenção de iniciar de modo independente uma atividade económica.


A AT entendeu que a Impugnante exerceu em 1995 uma atividade comercial de “comércio de veículos automóveis”, exclusivamente com base no facto de a Impugnante ter adquirido 3 veículos automóveis usados no mesmo exercício. Efetivamente, esta aquisição que se situa temporalmente num único exercício não revela uma intenção da Impugnante de iniciar de modo independente aquela atividade económica, de modo a que se possa concluir que estamos perante um sujeito passivo de IVA nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do CIVA, e art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RITI.

Tanto mais que a Impugnante sempre alegou que a aquisição das viaturas foi na qualidade de particular, e não no exercício de uma atividade comercial, e na verdade, nem sequer se encontra coletada para o exercício dessa atividade. Efetivamente, no exercício de 1995, a Impugnante era trabalhadora independente, com o CAE 80421, “Formação Profissional”.

Por outro lado, ainda no âmbito da ação de inspeção a Impugnante afirmou que “em princípio, adquiriu os veículos para utilização própria. Mas depois vendeu-os…”. A AT a este respeito nada mais apurou de modo a contrariar tais alegações.

Portanto, ao contrário do que se entendeu na ação de inspeção o facto de a Impugnante ter adquirido três viaturas que acabou por vender a terceiros, sendo que essa aquisição não se repetiu em exercícios anteriores ou posteriores, não consubstancia um indício objetivo consistente do exercício de uma atividade comercial, e muito menos com “caráter de habitualidade”, como entende a AT, para que se possa sustentar que é um sujeito passivo de IVA, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do CIVA, e art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RITI.

Por outras palavras, a aquisição das viaturas no contexto da informação constante do relatório de inspeção é insuficiente para que a AT tenha concluído que a Impugnante “desenvolve a atividade de “comércio de veículos automóveis” – CAE 50 100”, e consequentemente, entender que deveria ter entregue a declaração de alterações do art. 31.º, n.º 1 do CIVA, e que é um sujeito passivo de IVA nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, para o qual remete o art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RITI.

Repare-se que é a partir desta “presunção” de exercício de atividade de comércio de veículos que a AT alicerça toda a fundamentação do relatório de inspeção, nomeadamente que “o seu volume de negócios ultrapassa os limites do artigo 5.º, n.º 1, c) “(AICB – valor global sem IA 4.800$00) e o limite do art. 53.º do CIVA (volume de negócios de 9.426.348$)”, e nessa medida conclui-se, que é sujeito passivo de IVA nos termos da alínea a), do n.º 1, do art. 2.º do CIVA e art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RITI, que praticou aquisições intracomunitárias de bens (“AICB”) sujeitas a imposto especial que de acordo com a alínea c), do n.º 1, do art. 1.º do RITI estão sujeitas a IVA.

Sucede que, tal como bem se salienta no acórdão do STA supra citado “(…) a actuação da AT não se esgota, aqui, numa simples correcção da matéria tributável: tal actuação acaba por redundar em presunção de um dos pressupostos do próprio facto tributário aqui em causa, apesar de, por ser ela a pretender a liquidação do imposto, sobre ela recair o ónus da prova dos factos constitutivos desse direito à liquidação (diferente seria, porventura, a conclusão, caso estivéssemos perante liquidação de IRC).”.

In casu, considerando que a Impugnante laborava na área de formação profissional, não se encontrando coletada para a atividade comercial, e que a aquisição das 3 viaturas usadas em causa nos autos foi efetuada apenas no ano de 1995 (sendo as únicas aquisições apuradas), entende-se que os elementos coligidos pela AT não são suficientemente objetivos para que se possa concluir com a consistência necessária que a Impugnante tinha a intenção de iniciar de modo independente uma atividade económica, e, portanto, que aquelas aquisições consubstanciam o exercício de uma atividade comercial independente praticada de forma reiterada, na aceção da alínea a), do n.º 1, do art. 2.º do CIVA, não se podendo concluir que a Impugnante é um sujeito passivo de IVA, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do CIVA, e art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RITI.


Pelo exposto, improcedem os fundamentos do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida, pese embora com a fundamentação supra.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)


Nos termos do art. 74.º da LGT cabe à AT o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos, e nessa medida, entendendo a AT que a Impugnante é um sujeito passivo de IVA, nos do art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RITI, e art. 2.º, n.º 1 do CIVA cabe-lhe demonstrar que aquela tinha a intenção, de iniciar de modo independente a atividade económica de “comércio de veículos automóveis” de forma independente, em seu nome, por sua conta, sob a sua responsabilidade, suportando o risco económico decorrente do exercício dessa atividade, o que deve ser confirmado por elementos objetivos.

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com a presente fundamentação.

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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 15 de abril de 2021.
A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora
A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy