Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:238/13.0BELRA
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/31/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
DECISÃO DE REJEIÇÃO DO RECURSO HIERÁRQUICO FACULTATIVO
DIREITO À SEGURANÇA SOCIAL
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO NA ACÇÃO CONDENATÓRIA
Sumário:I – A cumulação de um pedido impugnatório - do acto que denegou à A. o direito ao abono pré-natal e de família e respectiva decisão havida no âmbito de um recurso hierárquico facultativo – com um pedido de condenação do R. à atribuição daqueles abonos, alicerçados numa mesma razão de direito, deve ser entendida como estado feita em cumulação aparente e não real, nos termos dos art.ºs. 66.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do CPTA (na anterior versão, aqui aplicável);

II – Se em sede de recurso hierárquico facultativo se decidiu pela rejeição desse recurso, por extemporâneo, sem qualquer outro conhecimento, esse acto não é confirmativo do acto anterior em que se indeferiu a pretensão da A. para lhe serem atribuídos os abonos pré-natal e de família;

III – O direito à segurança social é um direito fundamental social cuja concretização prática exige uma intermediação legislativa. Essa intermediação, no caso, é feita pela Lei n.º 4/2007, de 16-01 e pelo Decreto-Lei n.º 176/2003, de 02-08. A invocação da denegação do direito ao abono pré-natal e de família configurará – em primeira linha – uma violação legal e não uma violação de norma constitucional;

IV - Estando em causa uma invalidade que leva à anulabilidade do acto de denegação dos indicados abonos, por aplicação conjugada dos art.ºs 58.º, n.º 3, 59.º, n.º 1, 3, al. a), 4, 66.º, n.º 2, 67.º, n.º 1, al. b), 69.º, n.ºs 2, 3, do CPTA, 144.º, do CPC (na anterior versão), o direito de acção da A. – relativamente à pretensão condenatória - estava sujeito a um prazo de caducidade de 3 meses;

V – Se à data da interposição do recurso hierárquico facultativo, aquele prazo de 3 meses já estava ultrapassado, verifica-se a caducidade do direito de acção da A. relativamente ao pedido de condenação para a atribuição dos indicados abonos
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Patrícia ………………………..
Recorrido: Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P.

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

Patrícia …………… interpôs recurso do despacho-saneador proferido pelo TAF de Leiria, que julgou verificada a excepção de inimpugnabilidade do despacho de 06-11-2012, do Presidente do Instituto da Droga e Toxicodependência, IP, (IDT), que indeferiu o recurso hierárquico facultativo interposto pela A. e Recorrente do despacho de 17-05-2012, do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo, que inferiu o pedido de atribuição de abono pré-natal e de família, julgamento proferido na acção administrativa especial movida contra a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP (ARSLVT).
Em alegações são formuladas pela Recorrente, as seguintes conclusões: “1º “Um direito social, como um todo, comporta direitos positivos e direitos negativos e, analogamente, um direito de liberdade integra também tanto direito negativos quanto direitos positivos.” (1)
2º “a qualidade de ser de um direito positivo não constitui qualquer óbice à afirmação de um direito como direito fundamental, para além de que é totalmente falho de sustentação considerar que os direitos de liberdade são direitos negativos e os direitos sociais direitos positivos.” (2)
3º Na legislação ordinária, designadamente a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro e a Leis de Bases da Segurança Social, o DL nº 176/2003, de 2/08, o direito ao abono de família para crianças e jovens é construído como um direito social que tem seu suporte nos artigos 63º e 67º da CRP.
4º A recorrente, pelos documentos entregues, quer no requerimento que deu inicio ao procedimento administrativo, quer no decurso desse procedimento administrativo, preenche os requisitos previstos na Lei.
5º Passando a ser titular de um direito subjetivo publico a esse beneficio. (3)
6º O ato impugnado é assim nulo.
7º Ao manter o ato impugnado a sentença agora impugnada violou os artigos 63º, 67º e 18º da Constituição da Republica Portuguesa.”

A Recorrida ARSLVT nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “Bem andou a douta sentença recorrida ao julgar verificada a exceção de inimpugnabilidade contenciosa do despacho impugnado, não dando por verificada a nulidade invocada pela Recorrente decorrente da violação de direito fundamental prevista no artº 133-º/2-d) do CPA.
A - Os artigos 63° e 67.º da CRP que o Recorrente entende terem sido violados não consubstanciam direitos de natureza análoga aos direitos e liberdades e garantias, não beneficiando, por isso, da força jurídica estabelecida pelos artigos 17.° e 18.°, n.° 1 da CRP.
B - Os direitos á segurança social e à protecção da família incluem-se nos chamados direitos económicos, sociais e culturais, os quais conferem ao cidadão a faculdade de exigir do Estado uma prestação económica ou social, sendo, por isso, conhecidos como direitos prestacionais ou direitos positivos e impondo àquele uma obrigação de "facere".
C - Ao contrário do que acontece em regra com os direitos, liberdades e garantias, o seu conteúdo concreto não está suficientemente determinado ou densificado nos instrumentos de direito internacional ou nas Constituições nacionais, havendo necessidade de uma intermediação do legislador ordinário para o conformar.
D - Assim sendo, destas norma constitucionais pode-se apenas retirar a obrigação genérica do Estado garantir proteção aos cidadãos em situações de desemprego, doença, velhice, invalidez, viuvez, orfandade e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho e ainda de regular os benefícios sociais (abono de família) de harmonia com os encargos familiares, mas não o "como" e o "quanto" dos mesmos.
E - Daí que tenha sido, entretanto, aprovada a Lei de Bases da Segurança Social, bem como, a partir desta, uma série de outros diplomas legais, entre os quais se conta aquele que regula o direito subjetivo ao abono de família - Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto – que, entre outros, concretizam o direito à segurança social e, concretamente, o direito à proteção em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência.
F - Assim, a concretização da prestação que consubstancia o abono de família, depende da verificação das condições e requisitos que a Lei Ordinária (concretamente, o Decreto-Lei n.º 176/2003) estabelece em concretização do citado preceito constitucional.
G - O que significa que, a ter sido cometida alguma ilegalidade no processo de atribuição à Recorrente daquele abono, a mesma reportar-se-á à violação do direito subjetivo ao abono de família regulado no referido DL n.º 176/2003, o que, a verificar-se, apenas consubstanciará causa de anulação (e não nulidade) do ato - cfr. art.º 135.º do CPA.
H - Assim, e em conclusão, os arts.º 63.º e 67.º da CRP contêm direitos com natureza positiva perante o Estado e sem exequibilidade direta e não direitos, liberdades e garantias com natureza negativa e aplicabilidade direta.
I - O conteúdo essencial de um direito fundamental visado no art.º 133., n.º 2, al. d) do CPA reporta-se ao núcleo duro de um direito, liberdade e garantia (ou à ofensa chocante de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária), o que não é o caso, pelo que, dúvidas não restam de que a invocada nulidade não procede.
J - O disposto no art.º 34.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não tem qualquer aplicação ao caso subjudice não podendo fundamentar a verificação de nulidade por violação de direito fundamental assente em regras aplicáveis de direito internacional, aplicáveis na ordem jurídica nacional por via do disposto no art.º 8.º da CRP.
K - A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, complementa os sistemas nacionais sem os substituir.
L - Os Estados-Membros estão sujeitos aos seus próprios sistemas constitucionais e aos direitos fundamentais nele estabelecidos.
M - E conforme dispõe o artº 51.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, os Estados-Membros devem ter apenas em consideração a Carta quando as suas medidas nacionais aplicam o direito da União Europeia (Princípio da Subsidariedade).
N - Ora, contrariamente ao alegado, o DL n.º 176/2003 não se destina a transpor disposições do direito da UE, não estando em causa nos autos subjudice situação de aplicação do direito da União e, por conseguinte, de aplicação da referida Carta.
O - Pelo que, e em conclusão, a douta sentença recorrida não viola o disposto no artº 63.º, 67.º e 18.º da CRP nem tão pouco qualquer disposição constante da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ou de outro instrumento de direito internacional, pelo que deverá ser mantida na ordem jurídica.”

O DMMP apresentou a pronúncia de fls. 251 e 252, no sentido da improcedência do recurso.
Notificadas as partes desta pronúncia, nenhuma se manifestou.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Em aplicação do art.º 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs. 63.º, 67.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), por o abono pré-natal e de família que foi requerido pela A. e negado pelo acto ora impugnado ser um direito fundamental social, cuja violação gera a nulidade do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT e por a A. preencher os requisitos legais para usufruir de tal direito.

A decisão recorrida julgou verificada a excepção de inimpugnabilidade do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT e, por essa razão, absolveu da instância a ARSLVT.
Para o efeito, a decisão recorrida entendeu que o despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, enquanto decisão proferida no âmbito de um recurso hierárquico facultativo, que rejeitou por extemporaneidade, era um acto secundário, meramente confirmativo do acto primário, de que se recorria hierarquicamente, designadamente do despacho de 17-05-2012, do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo, que inferiu o pedido de atribuição de abono pré-natal e de família. De seguida, na decisão recorrida analisam-se os eventuais vícios do ato confirmado (o único que se considerou susceptível de impugnação contenciosa), considerando-se que nenhum dos vícios que vinham imputados ao acto confirmado conduzia à nulidade, mas, ao invés, entendeu-se só poder eventualmente existir uma situação redunduzivel ao desvalor da anulabilidade. Nessa decisão entendeu-se, ainda, que a pretensão da A., tal como vinha formulada na PI, abrangia um pedido de condenação à atribuição do abono pré-natal e de família, para além das invocações impugnatórias, julgando-se aqui aplicável o prazo previsto no art.º 69.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA – de 3 meses – para a apresentação de uma acção de condenação à prática do acto devido. Conclui-se, depois, pela ultrapassagem deste prazo à data da apresentação da presente acção.
Neste enquadramento, vem agora a Recorrente invocar um erro decisório por o direito que visava efectivar através desta acção ser um direito fundamental social, que diz ter sido violado pelo despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, reconduzindo-se a uma nulidade.
Assim sendo, apresentado o recurso nestes termos, ficou o mesmo delimitado à parte da decisão que apreciando a invocação da violação do conteúdo essencial do direito fundamental à segurança social e do correlativo direito ao abono pré-natal e de família, entendeu que tal invocação era passível de gerar a anulabilidade do acto impugnado e não a sua nulidade e nesse seguimento julgou verificada a excepção de inimpugnabilidade do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, não conhecendo do mérito do pedido condenatório.
Vejamos.
Na presente acção a A. e ora Recorrente formula dois pedidos: um impugnatório – de “revogação” do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, que indeferiu o recurso hierárquico facultativo do despacho de 17-05-2012, do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo, que inferiu o pedido de atribuição de abono pre-natal e de família – e outro condenatório – para ser o R. e ora Recorrido condenado a conceder-lhe os abonos pré-natal e de família que diz ter direito.
Trata-se, porém, não de uma cumulação real de pedidos mas, antes, de uma cumulação aparente, porquanto os art.ºs. 66.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do CPTA (na anterior versão, então aplicável) determinam que quando esteja em causa um pedido condenatório o objecto do processo é essa mesma pretensão e não o acto de indeferimento expresso. Por conseguinte, no caso em apreço, há entender que o pedido impugnatório está “consumido” pelo condenatório – pois cumula-se com este de forma meramente aparente e não real.
Assim sendo, a excepção da impugnabilidade do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, nunca seria razão suficiente para o não conhecimento da acção, pois o que importaria apreciar seria sempre a caducidade do direito de acção da A. e Recorrente para a formulação da pretensão condenatória, ainda que alicerçada num prévio acto de indeferimento.
Como acima se mencionou, na decisão recorrida analisou-se não só a questão da (in)impugnabilidade do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, mas, ainda, da questão da (in)tempestividade do direito de acção, considerando-se ultrapassado o prazo previsto no art.º 69.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA. Porém, nessa mesma decisão não se identificou o tipo de cumulação de pedidos, nem se discerniu as duas excepções, decidindo-se, a final, apenas pela verificação da excepção da impugnabilidade do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT (quando o que se havia de ter decidido era pela verificação da caducidade do direito de acção da A.).
Há, portanto, que assinalar um primeiro erro na decisão sindicada, quando julgou verificada a exceção de impugnabilidade do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, ao invés de entender pela caducidade do direito de acção da A. com relação ao pedido condenatório – que consumia aquele pedido impugnatório.
Depois, também não se acompanha a decisão recorrida quando entendeu que o despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, era um acto confirmativo do despacho de 17-05-2012, do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo.
Conforme a factualidade provada, o despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, limitou-se a rejeitar o recurso hierárquico facultativo interposto, por o julgar extemporâneo (cf. facto f). Assim sendo, tal despacho não se pronunciou sobre o mérito da questão da atribuição dos abonos e sobre o seu indeferimento, havido por decorrência do despacho de 17-05-2012, do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo. Nessa mesma medida, o despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, não confirmou, reafirmando, o antes decidido. Diversamente, o despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, em nada alterou o anterior despacho do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo, mantendo-o intocável na ordem jurídica. Trata-se de um despacho que não inovou em relação à decisão de não atribuição dos abonos, é certo, mas que também não confirmou tal decisão anterior, repetindo nos fundamentos e no sentido o antes decidido. Portanto, o despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, não é verdadeiramente um despacho confirmativo do despacho de 17-05-2012, do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo.
Nesta lógica, quando a A. e ora Recorrente invoca a existência de um vício de violação do conteúdo essencial do direito à segurança social, consagrado no art.º 63.º da CRP, ter-se-á que entender que imputa tal vício ao despacho de 17-05-2012, do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo, que denegou os pedidos de abono e não ao despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, que não chegou a a pronunciar-se sobre tais pedidos.
Aqui chegados, acompanha-se a decisão recorrida quando considerou que o invocado vício de violação do conteúdo essencial do direito à segurança social não era passível de conduzir à nulidade do despacho de 17-05-2012, do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo, permitindo a interposição de uma acção condenatória sem dependência de prazo (cf. art.sº 58.º, n.º1, 66.º, n.º 2, 67.º, n.º 1, al. b), 69.º, n.ºs 2 e 3, do CPTA e 134.º do CPA, nas anteriores versões, aqui aplicáveis).
O direito à segurança social é um direito fundamental social cuja concretização prática exige uma intermediação legislativa. Essa intermediação, no caso, é feita pela Lei n.º 4/2007, de 16-01 e pelo Decreto-Lei n.º 176/2003, de 02-08. Assim sendo, o art.º 63.º da CRP não é uma norma exequível por si mesma, que autorize a invocação directa e imediata pelos particulares, frente ao Estado, de posições jurídico-subjectivas, salvo nos casos de garantia de um mínimo de existência.
Na situação concreta dos autos não está em causa a defesa de um mínimo de existência, não sendo invocável o princípio da dignidade da pessoa humana.
Logo, o acto de denegação do invocado direito ao abono pré-natal e de família configurará – em primeira linha – uma violação legal e não uma violação de norma constitucional. Consequentemente, a invocada violação do direito à segurança social é antes de mais uma violação do regime legal que prevê a atribuição dos abonos pré-natal e de família e não uma violação directa do conteúdo essencial de um preceito constitucional.
Aliás, apreciadas as invocações da A. e Recorrente depreende-se que a mesma não alicerça a sua causa de pedir directamente na norma constitucional, mas, sim, nos preceitos legais que lhe atribuem os abonos que requereu, alegando que preenche aquelas mesmas condições que estão legalmente estipuladas. Ou seja, aquilo que a A. e Recorrente diz ser uma violação do conteúdo essencial do direito à segurança social é, afinal, a violação do seu direito aos abonos pré-natal e de família, tal como estão legalmente previstos.
Por conseguinte, porque a violação constitucional só poderá ocorreria indirectamente - por falta de intermediação legislativa ou pela interpretação desconforme com os preceitos constitucionais das normas legais aqui aplicáveis - a alegada denegação do direito aos abonos pré-natal e de família, só poderá justificar a existência de um vício que gera a anulabilidade do acto que procede a essa mesma denegação e não a uma nulidade por violação directa do preceito constitucional.
Logo, estando em causa uma invalidade que só poderá levar à anulabilidade do acto de denegação dos indicados abonos, por aplicação conjugada dos art.ºs 58.º, n.º 3, 59.º, n.º 1, 3, al. a), 4, 66.º, n.º 2, 67.º, n.º 1, al. b), 69.º, n.ºs 2, 3, do CPTA, 144.º, do CPC (na anterior versão), o direito de acção da A. – relativamente à pretensão condenatória - estava sujeito a um prazo de caducidade de 3 meses, a contar da notificação da decisão de indeferimento do pedido de atribuição dos abonos – que ocorreu em 18-05-2012 (cf. facto d). Entretanto, verifica-se que tal prazo ficou suspenso a partir de 15-07-2012 e até 01-09-2012, por força das férias judiciais, retomando a contagem a partir dai, terminando o prazo de 90 dias (correspondente aos 3 meses convertíveis em dias de calendário), em 02-10-2012. Portanto, em 12-10-2012, aquando da remessa do recurso hierárquico facultativo (cf. facto e), já se havia extinguido o prazo para a A. reagir contra a decisão de indeferimento do pedido de abono e para formular o correspondente pretensão ao acto devido.
Quanto à apresentação daquele recurso hierárquico e à pronúncia havida no seu âmbito, não servem para fazer renascer um novo prazo para a apresentação da correspondente acção, quando se visa reagir contra aquele primeiro indeferimento.
Como acima se mencionou, o indeferimento da pretensão da A. e Recorrente ocorreu com o despacho de 17-05-2012, do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo. O despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, não confirmou, reafirmando, o antes decidido. Portanto, a interposição de um recurso hierárquico facultativo após o prazo de caducidade do direito de acção relativamente a um anterior acto de indeferimento, não serve para abrir uma nova via contenciosa para pedir uma condenação a algo que extravasa o que foi conhecido no âmbito deste último recurso hierárquico. O anterior acto de indeferimento do pedido de abonos formulado pela A. e ora Recorrente firmou-se na ordem jurídica e tornou-se caso decidido. Estando firmado tal acto, uma vez precludido o prazo para reagir contra esse indeferimento e para pedir a condenação do R. e Recorrido a atribuir os abonos pré-natal e de família à A., não é por via da reacção contra o acto que rejeitou o recurso hierárquico facultativo que a A. pode fazer renascer o seu direito de acção.
Em suma, a A. e Recorrente poderia ainda reagir contra o despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, que rejeitou o recurso hierárquico interposto, mas por vícios próprios desse acto e não por vícios que só podem ser imputáveis ao acto anterior, que denegou o pedido de atribuição de abonos.
Na decisão recorrida não se conheceu acerca da invocação dos vícios que seriam próprios do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, designadamente do erro na rejeição desse recurso por não estar precludido o prazo para a sua interposição. Essa omissão de conhecimento não é fundamento do presente recurso, pelo que não há agora que conhecer dessa questão.
De notar, ainda, que a questão da caducidade do direito de acção relativamente à pretensão condenatória, por estar ultrapassado prazo de 3 meses, que vem indicado no art.º 69.º, n.º 2, do CPTA, foi suscitada pelo R. e Recorrido na contestação – tal como o foi a excepção da inimpugnabilidade do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, por falta de lesividade - e foi alvo da resposta da A. e Recorrente de fls. 163 a 167, que assim exerceu o seu contraditório.
Em conclusão, não estando agora em causa a impugnação do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT, por vícios que lhe sejam próprios, mas tão-somente a formulação de uma pretensão condenatória, que tem por base o despacho de 17-05-2012, do Delegado Regional de Lisboa e Vale do Tejo, que já formou caso decidido, terá de claudicar o presente recurso.
Confirma-se, assim, a decisão recorrida quando julgou ultrapassado o prazo para a A. e ora Recorrente reagir contenciosamente peticionando a condenação do R. e Recorrido a atribuir-lhe os abonos pré-natal e de família, considerando-se que tal ultrapassagem implica a verificação da excepção de caducidade do direito de acção e não a excepção de inimpugnabilidade do despacho de 06-11-2012, do Presidente do IDT.
Nestes termos, em substituição, julgar-se-á verificada a excepção de caducidade do direito de acção da A. e Recorrente para requerer a condenação do R. e Recorrido a atribuir-lhe os abonos pré-natal e de família.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso e em substituição julgar procedente a questão da caducidade do direito de acção da A. e Recorrente para requerer a condenação do R. e Recorrido a atribuir-lhe os abonos pré-natal e de família, absolvendo o R. e Recorrido da presente instância;
- custas pela Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2,do CPTA).

Lisboa, 31 de Janeiro de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)
(1) Jorge Reis Novais, Direitos Sociais, Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto direitos fundamentais, AAFDL editora, 2017, 2ª edição, p. 141
(2) Jorge Reis Novais, obra citada, p. 149
(3) Jorge Reis Novais, obra citada, p. 389 “Com efeito, se a lei ordinária obriga a Segurança Social a atribuir-me uma dada pensão de um determinado montante preenchidos que sejam requisitos pré-estabelecidos e eu preencho esses requisitos, então passo a ser titular de um direito subjetivo publico à referida pensão e o controlo judicial da eventual violação desse direito fundamental positivo nada tem de constitucionalmente ou juridicamente controverso.”