Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2002/15.3BELSB-B
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2019
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS;
URGÊNCIA
Sumário:i) O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, destina-se a cobrir situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem.

ii) Só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja protecção seja urgente.

iii) Não se verificando a situação de especial urgência subjacente à necessidade da referida intimação, ónus de demonstração que impende sobre o requerente da intimação, falta um seu pressuposto de admissibilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Adelino ............... (Recorrente), intentou no TAF de Sintra contra a Guarda Nacional Republicana - Ministério da Administração Interna (Recorrido), por apenso à acção administrativa com o nº 2002/15.3 BELSB, intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, peticionando no final que:

a) O “Requerido” seja intimado a permitir a passagem à situação de reserva fora da efectividade de serviço no próximo dia 31.12.2018, com efeitos à data de 01.8.2015, e

-b)No mesmo prazo, seja o “Requerente” promovido ao posto de sargento-Chefe, para o efeito

c)Sejam as “entidades requeridas” intimadas a não lhe aplicarem as alterações decorrentes do DL30/2017, de 22 de Março e consequentes Despachos e NEPS emergentes dessas alterações estatutárias, bem como

d)Autorizar o “Requerente” a transitar para fora da efectividade de serviço na data em causa, adotando todas as formalidades necessárias para o efeito, de forma a ser previamente promovido ao posto de Sargento-Chefe, na modalidade de escolha.

Subsidiariamente, caso se entenda não estarem preenchidos os pressupostos para o uso da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias,

a)Seja efetuada a convolação da presente intimação numa providência cautelar, nos termos do disposto no artigo 110º-A do CPTA, na qual

a.1)-O “Requerido” seja condenado no mesmo pedido, embora a título provisório, feito no âmbito da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, ou noutras medidas que este Tribunal entenda mais adequadas, tudo com as devidas e legais consequências”.

Por sentença do TAF de Sintra de 25.01.2019 foi decidido julgar procedente a excepção da falta de idoneidade do presente meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, por falta de pressupostos legais e erro na forma do processo. Mais se decidiu não se proceder à convolação em processo cautelar, por falta dos pressupostos legais.

Não se conformando com o assim decidido, vem recorrer para este TCA, tendo as alegações de recurso que apresentou culminado com as seguintes conclusões:

A. O recorrente, militar na reserva, adido e de baixa, inconformado, vem interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 25/01/2019 que, no âmbito do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, instaurado contra a Guarda Nacional Republicana, julgou procedente a exceção da falta de idoneidade do presente meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, por falta de pressupostos legais e erro na forma do processo; e não se procede a convolação em processo cautelar, também por falta dos pressupostos legais; e abolve-se a Ré, GNR, da instância.

B. O recorrente requereu a apensação da intimação ao processo executivo pendente.

C. O objecto da intimação foi fixado com base nos títulos executivos, cujos direitos fundamentais requeridos se concretizaram em 05/10/2018 e 31/12/2018, não sendo uma violação continuada e sim pontual.

D. Não se discute a legalidade ou ilegalidade de nenhum acto administrativo.

E. No caso em apreço a acção principal comum não é visada nos presentes autos

F. O artigo 28.º do CPTA não impede que uma acção comum urgente interposta posteriormente não seja apensa a uma acção executiva pendente na sua defesa.

G. A regra de que o processo cautelar constitui meio contencioso instrumental ou dependente a apensar ou a ser apenso à respetiva acção principal (artigo 113.º do CPTA) por referência a esta e na que tiver sido intentada em primeiro lugar (artigo 28.º, n.º 2 do CPTA), só seria de ter em conta em convolação ou no caso de o Juiz julgar procedente o pedido subsidiário.

H. Por se terem formado dois títulos executivos, dados à execução, autonomizou-se o objecto de onde emerge o direito de interpor intimação urgente conexa.

I. O direito fundamental em causa é em regra anual e no caso findo a 31/12/2018.

J. Tendo sido requerida a apensação com o mesmo objecto e identidade de sujeitos, importa determinar da verificação dos pressupostos de conexão para esse efeito, cuja verificação é por demais evidente: a) a causa de pedir é a mesma e única ou os pedidos estão entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, por inscritas no âmbito da mesma relação jurídica material; b) a procedência do pedido principal urgente depende no essencial da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, ainda que fosse diferente a causa de pedir.

K. O tribunal a quo condenou, lendo-se a contrário, em objecto diverso do pedido.

L. Assim, o tribunal a quo ao ultrapassar o “ultra petitum” do n.º1 do artigo 609.º do CPC inquinou a Sentença de nulidade nos termos da alínea e) n.º1 do artigo 615.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, nesse sentido Ac. STJ de 26.10.2010 processo 447/2001.C1.S1.

M. Embora a apensação não mereça reparo, não tendo sido decretada a acção cautelar requerida, podem ser desapensados ambos os apensos da acção principal comum, passando a acção principal urgente a estar apensada à execução pois tem o mesmo objeto fixado.

N. Assim, não se entendendo, o Tribunal fez errada interpretação das normas em apreço, designadamente dos artigos 28.º, nº 2 segunda parte, 110.º-A, 111.º e 113.º do CPTA e 20.º, n.º4 CRP.

O. Confunde-se a pretensão requerida de sair da efectividade de serviço com a passagem à reforma; confunde-se o direito a estar de baixa com imposição de gozar férias; confunde-se o direito a ser avaliado com o direito em ser promovido (vagas 2008 e 2009); confunde-se o direito a ser promovido a Sargento-Chefe nas vagas de 2013; com o direito a ser avaliado a Sargento-Mor nas vagas de 2018; confunde-se demora ilegal à data por arquivamento do processo disciplinar que lhe deu causa quanto à promoção a Sargento-Chefe, com a demora lícita de avaliação ao posto seguinte de Sargento-Mor.

P. O recorrente está refém da sua Entidade Empregadora a GNR, como a requerente admite, ao referir que o não deixou transitar para a Reserva porque precisava do requerente, cuja necessidade foi impor-lhe condições, ofender a sua saúde física e psicológica.

Q. A recorrida vai ao ponto de convidar o recorrente a pedir abate aos quadros depois de 40 anos prestados ao Estado em contradição com a sua “necessidade” impondo a um “doente” que “goze ferias” e fique até lá na “efetividade” mas despacha os “saudáveis” para a reserva com 38 anos de serviço.

R. A sentença a quo não valora nem pondera devidamente os valores constitucionais em causa atento à urgência de evitar mais prejuízos ao recorrente.

S. Só o uso do presente instrumento legal garante eficazmente o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, até porque os restantes foram todos usados.

T. A douta sentença proferida omitiu os fundamentos e pressupostos que, a levaram a considerar ser de aplicar ao caso dos autos a aplicação de outra forma de processo.

U. Da leitura da mesma, apenas se conclui que o tribunal a quo, presumiu, sem mais, que o acto para o qual se requereu a intimação – passagem à situação de reserva fora da efectividade de serviço ao recorrente no dia 31/12/2018, assumindo em 07/01/2019 outras funções ou actividades - se incluía no âmbito dos actos impugnáveis por tal meio processual.

V. Ao decidir como decidiu, presumiu-se, ab initio, que o acto em apreço, estaria incluído, no âmbito de aplicação do meio processual adequado à impugnação de actos administrativos, não se tendo fundamentado quais as razões, de facto ou de direito, que levaram a considerar que tal acto se subsumia aos actos abrangidos pela acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, mesmo em face da evidência da preclusão do direito em menos de 15 dias se não for conhecido o mérito.

W. Não tendo havido nenhuma deliberação do órgão da GNR a promover nos anos ultrapassados 2011, 2012, 2013, 2015 e 2016, nem avaliado foi sequer, nem nenhuma deliberação da Comissão Disciplinar ou do Conselho Superior da GNR competente que alterasse os resultados homologados e as listas de promoção, para ser promovido a Sargento-chefe e depois a Sargento-mor, que lhe dava direito a sair mais cedo para a Reserva fora da efectividade de serviço, não poderia o recorrente utilizar qualquer outro dos meios preventivos e urgentes previstos na Lei Processual Administrativa.

X. Como o ato administrativo deferido de passagem á reserva na efectividade de serviço formou ato administrativo inimpugnável em 18/11/2016, é nulo o acto administrativo que passados 6 meses, indefere em 24/08/2017 sem ser revogado o primeiro. (artigo 168.º do CPA)

Y. Tal ausência de fundamentos, de facto e de direito, consubstância a nulidade da mesma, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, b) do CPA aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

Z. O recorrente pretende que seja intimada a recorrida nos termos do n.º 5 do artigo 20.º da Constituição da República e artigos 109.º a 111.º do CPTA, a transita-lo para a reserva fora da efectividade de serviço em 31/12/218, para ter acesso a outras actividades em 2019.

AA. Esta é a única acção principal urgente e autónoma, intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, para acesso a outras profissões do militar na reserva fora da efectividade de serviço previstos nos artigos 47.º, n.º 2, 50.º, n.º 2 e 63.º, n.º 5 da CRP.

BB. A condição militar do recorrente consagra especiais direitos, designadamente nos campos da Segurança Social e carreiras. Cfr. alínea i) artigo 2.º e artigo 16.º da Lei n.º 11/89, de 1/6, aplicáveis a todos os militares as mesmas condições, artigo 13.º e 18.º da CRP.

CC. Pugnamos pelo meio processual supra, por adequado e célere do mérito da pretensão do recorrente, impondo à recorrida essa conduta indispensável a assegurar o exercício em tempo útil do direito, liberdade e garantia, o que uma providência cautelar não permite.

DD. Está em causa assegurar a satisfação de um direito, liberdade ou garantia de acesso a outras actividades e profissões do recorrente só alcançável fora da efetividade de serviço.

EE. Emerge do petitório que é indispensável a emissão de uma decisão de mérito para assegurar o respectivo exercício em tempo útil, devidamente explicado na causa de pedir.

FF. A jurisprudência e a doutrina defendem esta como a única “válvula de segurança” tutelar.

GG. Doutrina que defende in casu estarem em causa situações que exigem “um especial amparo jurisdicional”, que por ser inadequada, impossível, inútil ou insuficiente, a protecção jurídica que os demais meios conferem, mas cuja urgência, celeridade e definitividade impõem.

HH. No mesmo sentido Ac. do TCAS de 16.04.2015, proc. n.º 12003/15 “Em suma, o meio processual previsto no artigo 109.º do CPTA tem por escopo garantir uma tutela jurisdicional efetiva e célere quando estão em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais, de natureza pessoal, ou de direitos de natureza análoga, na medida em que o regime dos direitos liberdades e garantias também se aplica aos direitos fundamentais de natureza análoga, como decorre do artigo 17.º da CRP, e justifica-se quando seja necessária a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, desse direito, liberdade ou garantia, ou direito de natureza análoga, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar”.

II. Pelo que entende o recorrente, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, com errada interpretação do artigo 109.º do CPTA, ao julgar procedente a questão prévia de inadequação do meio processual que foi suscitada pela entidade recorrida, considerando assim o Processo de Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias de que o recorrente lançou mão, meio processual inadequado.

JJ. É evidente que a pretensão do recorrente configura tutela de especial urgência de direitos, liberdades e garantias fundamentais inscritos nos artigos 13.º, 18.º, 47.º, n.º 2, 50.º, n.º 2 e 63.º, n.º 5 da CRP e incertos na Lei n.º 11/89 de 1/6, designadamente na alínea i) artigo 2.º, n.º1 e 3 do artigo 11.º, 14.º por força do seu artigo 16.º aqui aplicável.

KK. Apesar de a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias o não exigir, o conteúdo do direitos acima mencionados, artigos 13.º, 18.º, 47.º, n.º 2, 50.º, n.º 2 e 63.º, n.º 5, da CRP emergem dos incluso no 59.º da CRP, entre o catálogo dos Direitos e Deveres económicos, sociais e culturais, tal como reconhecido por JORGE MIRANDA na sua anotação, facilmente o permitirá construir como um direito análogo a um direito, liberdade e garantia, nos termos do artigo 17.º da CRP.

LL. Em causa estão a violação dos direitos fundamentais acima mencionados, sempre sujeitos ao regime previsto no art. 18.º da CRP.

MM. Em especial, está em causa a vinculação administrativa ao regime de direitos fundamentais, prevista no artigo 18.º, n.º 1, em condições de proporcionalidade, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, bem como em condições de estabilidade, certeza, segurança e confiança jurídica, segundo o artigo 18.º, n.º 3 da CRP, até por a recorrida se vincular aos dois títulos executivos.

NN. Da mesma forma, em condições de igualdade, como prescreve o artigo 13.º da CRP como garante o princípio do Estado de Direito no artigo 2.º da CRP. Porquanto, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, em anotação ao art. 2º «Ao Estado incumbe não apenas respeitar os direitos e liberdades fundamentais, mas também “garantir a sua efectivação”. Daqui resulta o afastamento de uma concepção puramente formal, ou liberal, dos direitos fundamentais, que os restringisse às liberdades pessoais, civis e políticas e que reduzisse estas a meros direitos a simples abstenções do Estado.”

OO. Não se vislumbra como é que uma “acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo” com “providência cautelar” poderia acautelar em definitivo os direitos em causa, até por se impor no imediato uma decisão definitiva.

PP. Nenhum outro meio processual tem a virtualidade de tutelar o pedido em causa que não seja a escolhida acção de intimação para protecção desses direitos, liberdades e garantias, pois mesmo que provisoriamente se autorizasse a transição para a reserva fora da efectividade de serviço ao recorrente essa decisão pode ser revogado pela recorrida.

QQ. Assim, verificados os pressupostos legais de admissibilidade da intimação, deve improceder a excepção dilatória inominada da inadequação do meio processual.

RR. Estando em causa a tutela do direito à tomada de posse no cargo para que o recorrente foi convidado, assim viabilizando o seu respectivo exercício de funções, a qual se encontra agendada para uma concreta data muito próxima, mostra-se meio processual próprio e adequado, a presente intimação, prevista e regulada nos artigos 109.º e seguintes do CPTA. Ac TACSUL p.º10024/13 de CA 2.ºJuiso datado de 11.7.2013.

SS. Ao decidir em contrário o Douto Tribunal fez errada interpretação do artigo 109.º do CPTA e dos seus pressupostos, devendo a Sentença ser substituída por outra que considere o meio adequado e consequentemente determine a condenação da recorrida como na petição Inicial.

Juntou 4 documentos com o recurso.



O Recorrido não contra-alegou.


Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não emitiu pronúncia.


Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.


1.1. Questão Prévia (Da junção de documentos)

O Recorrente apresentou com as alegações de recurso 4 documentos. O primeiro respeita à Ordem de Serviço n.º ...../2018, cujo destinatário é o militar Joaquim ................; o segundo é cópia da 1.ª p. do Despacho nº ...../DJD/18 que respeita à instauração de processo disciplinar ao Recorrente; o terceiro é cópia da “Notificação” do despacho do Major-General do Comando Operacional, datado de 7.01.2019, e do relatório do instrutor no âmbito do processo disciplinar nº PD ...../16.CG; e o quarto é uma cópia da “Informação nº ...../RAG/17, sobre o assunto “Pedido de acumulação de funções apresentado pelo sargento-ajudante de administração militar NM ................, Adelino ..............., CG”.

Para a apreciação e decisão da presente questão prévia importa atentar no art. 651.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que dispõe que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Ou seja, a regra é a de que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância (v.g. quando a decisão proferida não era de todo expectável, tendo-se ancorado em regra de direito cuja aplicação ou interpretação as partes, justificadamente, não contavam).

Como se concluiu no ac. do STJ de 1.02.2011, proc. n.º 133/04.4TBCBT: “a junção de documentos na fase de recurso só colhe justificação – só não é impertinente e desnecessária – quando os mesmos visem a modificação da fundamentação de facto da decisão recorrida ou quando o objecto da decisão coloque ‘ex novo’ a necessidade de fazer a prova de factos com cuja utilização pelo julgador a parte não podia anteriormente contar”.

Ora, com os documentos juntos aos autos a parte pretende tão-somente atestar da bondade e prevalência da sua tese relativamente ao pedido que vem formulado e da adequação do meio processual. Pretende, também, segundo o que alega em 10.º da sua alegação, evidenciar uma ilegalidade na actuação da GNR, por incumprimento do disposto no art. 128.º, nºs 2 e 4, do CPTA.

No caso, nenhuma justificação ocorre para a pretendida junção, sendo que a invocação do art. 128.º, nºs 2 e 4, do CPTA, surge no presente processo, intentando como intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (cujo regime é o previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA), a despropósito.

Pelo exposto, acorda-se em não admitir a junção dos documentos requerida, devendo desentranhar-se os mesmos, a fim de serem devolvidos ao seu apresentante, condenando-se o Recorrente em custas incidentais.



I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia;

- Se a sentença é nula por falta de fundamentação; e

- Se a sentença recorrida errou ao não ter concluído pela propriedade do meio usado – intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.


II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual se reproduz ipsis verbis:

1) -O Autor [A], Adelino ..............., Sargento-Ajudante de Administração da GNR, nascido em 05/10/1963, reside na Rua ................, nº 4, Cascais –DOC fls 54 e 87/ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2) -Em 23 de Fevereiro de 1984, o Autor iniciou a prestação de serviço militar nas Forças Armadas, tendo ali passado à situação de disponibilidade em 28 de Fevereiro de 1986, vindo, depois, a ingressar na GNR em 4 de Janeiro de 1988 -DOC fls 9 e 10 do PA, apenso à acção com o Procº 2002/15.3BELSB, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3) -Em 31 de Dezembro de 2005, o Autor contava 25 anos e 6 dias de tempo de serviço -DOC fls 27 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4) -No ano de 2011, não ocorreram promoções, por força do disposto na Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2011).

5) -Por despacho proferido em 21 de Agosto de 2012 pelo comandante do CARI, foi mandado instaurar o processo disciplinar nº PD ...../12CG contra o Autor -DOC fls 57 a 63 do PA anexo à referida Ação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6) -Em 20 de Novembro de 2012, por despacho da mesma entidade, foi determinada a suspensão desse processo, até que fosse concluído o processo criminal instaurado pelos mesmos factos -DOC fls 67 a 81 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7) -Em 20 de Dezembro de 2012, no âmbito do procedimento promocional relativo ao ano de 2012, veio a ser proferido o Despacho nº ...../12-OG do comandante do CARI, que aprovou a lista definitiva de promoção ao posto de sargento-chefe do quadro de Administração Militar, na qual o Requerente constava na situação de demorado na promoção [nos termos do artigo 136-1-b), do EMGNR] --DOC fls 84 e 85 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8) -Em 20 de setembro de 2005, foi publicado o DL 159/2005, que consagrou um regime transitório e tabela anexa, por remissão do artigo 285, alínea d), do EMGNR; regime transitório este de passagem à reserva e reforma que foi revogado pelo artigo 81-2, da Lei 66-B/2012, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2013), com excepção dos militares que, em 31/12/2005, já reunissem condições de passagem à reserva e reforma.

9) -Na sequência, o comando da GNR estabeleceu orientações internas para a decisão dos pedidos de passagem à reserva ao abrigo do artigo 85-1-b) do referido Estatuto dos Militares GNR, tendo, assim, por determinação de 27 de Agosto de 2013 do Comandante-Geral, sido estabelecida a orientação de que: «a partir de 1 de Outubro de 2013, inclusive, só serão autorizados a passar à reserva os militares que completarem 36 anos de tempo de serviço e 55 anos de idade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do EMGNR», tendo em conta que: «os efectivos globais de militares se encontram deficitários em relação às necessidades da Guarda, realidade para a qual contribui a dificuldade de ingresso de novos militares, resultante do quadro de forte contenção orçamental, agravada pela passagem à reserva de um número considerável de militares, vicissitudes que implicam que a Guarda não tenha capacidade de repor tais perdas e que obrigam à adopção de medidas que concorram para garantir a regulação dos fluxos de saídas».

10) -Em 05 de Março de 2013, foi proferido despacho de arquivamento no Inquérito criminal nº 646/11.1PBCSC -DOC fls 86 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11) -Na sequência da decisão, acabada de referir, foi retomada a tramitação do processo disciplinar, que havia sido instaurado contra o A, e que se encontrava suspenso desde 20 de Novembro de 2012 -DOC fls 88 a 97 do PA anexo referido, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12) -Em 30 de Setembro de 2013, o Autor contava 33 anos, 11 meses e 5 dias de tempo de serviço, vindo a formular o pedido, adiante referido, de passagem à reserva em 30 de Abril de 2015, data em que contava 35 anos e 9 meses de tempo de serviço, já incluindo a percentagem de aumento estatutariamente previsto.

13) -Em 19 de Dezembro de 2013, no âmbito do procedimento promocional relativo ao ano de 2013, foi proferido o Despacho nº ...../13-OG do comandante do CARI, que aprovou a lista definitiva de promoção ao posto de sargento-chefe do quadro de Administração Militar, na qual o Requerente constava na situação de demorado na promoção, [nos termos do artigo 136-1-b) do EMGNR, por ter pendente o referido processo disciplinar nº ...../12.CG -DOC fls 102 e 104 do PA e fls 22 a 25 dos Docs juntos com a Opos, fls 97 a 100, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14) -Em 31 de Dezembro de 2013, foi proferido douto Acórdão no Processo n.º 560/12.3BESNT, deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a acção que o Autor interpusera e na qual peticionava o ingresso na categoria de oficiais e, cumulativamente, a promoção ao posto de sargento-chefe nas vagas dos anos de 2008, 2009 e 2010, cuja cópia consta de fls 54 a 63, DOC da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15) -Em 14 de Maio de 2014, foi instaurado contra o Autor o Processo Disciplinar nº PD ...../14/CG, no qual veio a ser proferido despacho de punição, de repreensão, em 17 de Março de 2015, pelo Comandante do Comando Operacional da GNR -DOC fls 110 a 115 do PA, e fls 26 a 30 dos Docs juntos com a Opos, fls 100 a 102, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16) -Em 30 de Abril de 2015, o Autor apresentou um requerimento, datado de 25 de Abril de 2015, a solicitar a transição para a situação de reserva, fora da efectividade de serviço, com efeitos desde 01 de Agosto de 2015 –DOC fls 1 do PA apenso ao Procº 2002/15.3 BELSB e fls 1 dos DOC juntos com a Opos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

17) -Em 30 de Abril de 2015, na data em que formulou o pedido de passagem à reserva o A contava 35 anos e 9 meses de tempo de serviço -DOC fls 28 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

18) -Em 01 de Agosto de 2015, data que indicou para a passagem à reserva, o A contava 36 anos e 15 dias de tempo de serviço e tinha 51 anos, 9 meses e 27 dias de idade -DOC fls 29 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

19) -Em 22 de Maio de 2015, o Autor foi notificado, em audiência prévia, da intenção de indeferimento dessa pretensão, com o fundamento de que «os efectivos globais de militares se encontram deficitários em relação às necessidades da Guarda, realidade para a qual contribui a dificuldade de ingresso de novos militares, resultante do actual quadro de forte contenção orçamental, agravada pela

passagem à reserva de um número considerável de militares, vicissitudes que implicam que a Guarda não tenha capacidade de repor tais perdas e que obrigam à adopção de medidas que concorram para garantir a regulação do fluxo de saídas» -DOC fls 2 e 3 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

20) -O Autor apresentou pronúncia, em audição prévia, na sequência da qual os Serviços do R elaboraram a Informação nº ...../15/RRRA, da Direcção de Recursos Humanos do Comando da Administração dos Recursos Internos [DRH/CARI] da GNR, no sentido de que as alegações do A não alteravam o sentido do projecto de decisão, que seria de manter; e onde consta que o ora Autor, «à data de 01AGO15, (…) contará com 36 anos e 14 dias de serviço e 51 anos, 9 meses e 26 dias de idade, não se verificando as condições exigidas para a transição para a situação de reserva», pelo que não satisfaz «as condições previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do EMGNR» -DOC fls 4 e 23 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

21) -Em 29 de Junho de 2015, o Sr Comandante-Geral da GNR, proferiu despacho, mediante o qual indeferiu, em concordância com a Informação acabada de mencionar, o requerimento do A; o qual veio a ser levado ao conhecimento do A em 11/08/2015 -DOC fls 24 a 26 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

22) -Por determinação do Sr Comandante-Geral, que foi difundida a todo o dispositivo da GNR no ano de 2013, a todos os militares que não contassem 36 anos de serviço até 30/09/2013 e requeressem a passagem à reserva até essa data ao abrigo da alínea b) do artigo 85, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (EMGNR), aprovado pelo DL 297/2009, de 14/10, não seria deferida essa pretensão, considerando que «os efectivos globais de militares se encontram deficitários em relação às necessidades da Guarda, realidade para a qual contribui a dificuldade de ingresso de novos militares resultante do actual quadro de forte contenção orçamental, agravada pela passagem à reserva de um número considerável de militares, vicissitudes que implicam que a Guarda não tenha capacidade de repor tais perdas e que obrigam à adopção de medidas que concorram para garantir a regulação dos fluxos de saídas» -DOC fls 30 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

23) -Na determinação do tempo de serviço efectivo considerado para efeitos de passagem à situação de reserva, –30/09/2013-, onde se inclui o tempo de serviço prestado pelo A nas Forças Armadas (na Marinha), o Reu teve em conta que o Autor perfazia um total de 33 anos, 11 meses e 5 dias, acima referidos, incluindo o acréscimo das percentagens legalmente previstas -DOC fls 31 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

24) -Em 01 de Agosto de 2015, dada acima referida, da pretendida transição para a reserva, o Autor tinha 51 anos de idade, pois nasceu em 5 de Outubro de 1963.

25) -Em 19 de Julho de 2016, a Secretaria-Geral da GNR informou que o Autor tinha pendente o processo disciplinar nº ...../16/CG -DOC fls 31 dos Docs juntos com a Opos, fls 102, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

26) -Em 09 de setembro de 2016, foi mandado arquivar o processo disciplinar nº ...../12. por despacho do Comandante-Geral -DOC fls 32 a 33 dos Docs juntos com a Opos, fls 102v e 103, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

27) -Em 13 de Maio de 2016, o Comando da Administração dos Recursos Internos (CARI) da GNR enviou às diversas Unidades dessa força de segurança, através da mensagem de correio eletrónico nº ...../RRRA/16, a informação de que os militares constantes na lista anexa, que anteriormente tinham apresentado requerimentos de passagem à reserva, deveriam ser notificados do seguinte:

«É intenção, caso seja apresentada manifestação de vontade expressa nesse sentido, e ainda no âmbito do presente procedimento, mas em prejuízo de o poder fazer posteriormente, de deferir o pedido de passagem à situação de reserva, ficando na efectividade de serviço, até completar 55 anos de idade e 36 de serviço militar (ou, no caso de ter o posto de coronel, sargento-mor, ou cabo-mor, até completar 38 anos de tempo de serviço militar)» -DOC fls 2 e 3 dos Docs juntos com a Opos, fls 87, 88vº/ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

28) -Em 30 de Maio de 2016, o Autor foi notificado pessoalmente do teor dessa comunicação, -DOC da Opos, a fls 88vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

29) -Em 31 de Maio de 2016, na sequência, o ora A apresentou o requerimento de fls 89, ao R, no qual requereu «a sua passagem à situação de reserva na efetividade do serviço, desde 31.12.2016, mantendo-se nesta situação até completar 55 anos de idade» -DOC fls 4 e 5 da Opos, fls 88v e 89, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

30) -O requerimento acabado de referir foi deferido por despacho de 21 de Novembro de 2016 do Comandante-Geral da GNR, exarado na Informação nº ...../RRRA/16, determinando a transição do Requerente para a situação de reserva, na efectividade de serviço, com efeitos desde 31 de Dezembro de 2016 -DOC fls 6 a12, da Opos, fls 89vº/ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

31) -A decisão de deferimento, acabada de referir, foi levada ao conhecimento do A no dia 29 de Novembro de 2016 -DOC fls 13 dos Docs juntos com a Opos, 93/ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

32) -Em 09 de Junho de 2017, a Secretaria-Geral da GNR informou que, em 17 de Abril de 2017, foi instaurado contra o Requerente o processo disciplinar nº ...../17/CG -DOC fls 34 dos Docs juntos com a Opos, fls 103v, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

33) -Em 24 de novembro de 2017, em face da pendência dos referidos processos disciplinares nº ...../16/CG e ...../17/CG, e das condições gerais de promoção, a Direcção de Justiça e Disciplina elaborou a Informação nº ...../17, na qual foi exarado o despacho de 27 de Novembro de 2017, pelo Comandante-Geral, que determinou que o A se mantivesse na situação de demorado na promoção ao posto de sargento-chefe para as vagas do ano de 2013 -DOC fls 35 a 41 dos Docs juntos com a Opos, fls 104 a 107, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

34) -Em 06 de Agosto de 2018, o R solicitou aos Serviços da Secretaria-Geral da Guarda a confirmação dos dados respeitantes aos militares que se encontravam na situação de reserva na efectividade de serviço e que atingiam 55 anos de idade no período de 01 a 31 de Outubro de 2018, para transitarem para a situação de reserva nas datas que foram indicadas para cada um, após o gozo da licença de férias a que tinham direito a 01 de Janeiro de 2018, entre os quais o Autor -DOC fls 14 a 16 dos Docs juntos com a Opos, fls 93 e 94, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

35) -Em 21 de Setembro de 2018, em resposta a essa solicitação, a Secretaria-Geral prestou, a seguinte informação da qual consta que:

«O Sargento-Ajudante S..... tem JSS marcada para dia 27 de Setembro de 2018, nos termos da determinação do Exmo Major-General Comandante do CARI (Informação ................-2018-DRH de 23JAN18), uma vez que se encontra de baixa desde 04AGO16. Apurou-se ainda que o militar tem 74 dias de férias por gozar (1 dia relativo ao ano de 2015, 15 dias referentes a 2016, 30 dias referentes a 2017 e 28 referentes ao ano em curso). Após a JSS, e em tempo, será dada informação a essa Repartição, da conclusão da mesma, com informação da data exata da passagem à reserva fora da efectividade de serviço, após o gozo das férias, ou à reforma» -DOC fls 18 dos Docs juntos com a Opos, fls 95 e 96, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

36) -Em 27 de Setembro de 2018, o A foi presente à Junta Superior de Saúde, a qual deliberou o seguinte: «Parcialmente apto para o serviço, dispensado de trabalho no exterior e escala a título definitivo» -DOC fls 19 dos Docs juntos com a Opos, fls 96, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

37) -Em 08 de Outubro de 2018, o A entrou de «baixa» médica, que mantém até à presente data, conforme certificados de incapacidade temporária para o trabalho que apresentou -DOC fls 20 dos Docs juntos com a Opos, fls 96vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

38) -Em 21 de Outubro de 2018, o Autor solicitou informação sobre a situação de demora na promoção, a qual lhe foi prestada através da nota nº I................-201811-DRH, de 21 de Novembro de 2018 -DOC fls 42 a 46 dos Docs juntos com a Opos, fls 107v a 109v, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

39) -Em 24 de Outubro de 2018, foi elaborada certidão, na qual consta que até essa data o A não devolveu a notificação referente ao teor da Nota nº I................-201801-DRH, de 23 de Janeiro de 2018, difundida pelas Unidades da GNR relativamente aos procedimentos a adoptar quando da transição para a situação de reserva, nomeadamente que os militares terão de gozar as férias previamente à data de transição para a situação de reserva fora da efectividade de serviço -DOC fls 21 dos Docs juntos com a Opos, fls 97, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

40) -O direito a férias dos militares da GNR está previsto no artigo 176 do actual EMGNR, tendo sobre o mesmo sido objecto da Norma de Execução Permanente (NEP) nº 1.06.01, de 2 de Novembro de 2017, dos Serviços do Réu.

41) -Perante dúvidas de operacionalização do gozo dos dias de férias por militares que pretendam e reúnam condições para transitar para a situação de reserva fora da efectividade de serviço, o Réu, através dos seus serviços do CARI, difundiu a seguinte orientação, através da nota a fls 55 a 59, DOC juntos com a Opos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual ora se destaca:

«(…) 3.b. Quando em virtude de a transição ocorrer por imposição legal, seja decorrente dos limites estipulados no artigo 82º ou no artigo 83º, ambos do EMGNR, o militar deve até à data em que ocorrer a transição, gozar as férias vencidas a 01 de janeiro do ano de transição, ou nos casos em que o hiato temporal não o permita, gozar o número máximo de dias de férias vencidas a 01 de janeiro do ano de transição;

c.Na eventualidade de o militar manifestar interesse em permanecer na reserva na efetividade de serviço, o referido na alínea anterior, não tem aplicabilidade em virtude de neste contexto existir possibilidade de se verificar o gozo das férias vencidas à data da transição para a situação de reserva;

d.Por outro lado, nas situações em que o militar recorre à situação de baixa, deve-se ter em consideração o seguinte: 1. De acordo com o plasmado no nº 2 do artigo 171º do EMGNR, o militar em causa deve ser “… proposto pelo respetivo comandante, a uma junta médica que avaliará a sua aptidão física e psíquica para o desempenho das suas funções, conforme o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 174 (…);

4.Quanto à passagem à reserva ou reforma nos termos do referido no número anterior, deve-se ter em consideração o seguinte: a) o nº 1 do artigo 67º do EMGNR refere que “A situação de reserva é aquela para a qual transita do ativo o militar da Guarda, verificadas que sejam as condições estabelecidas no presente Estatuto, mantendo-se no entanto disponível para o serviço.”; b) por outro lado, o nº 2 do artigo 6.º do EMGNR refere que “O militar da Guarda na reforma não pode exercer funções no âmbito das atribuições da Guarda (…).

5.Pelo exposto no número anterior, tendo em conta que o militar na situação de reserva deve manter-se disponível para o serviço, entende-se que quando o militar deixar de possuir a necessária aptidão física ou psíquica deixa de estar no activo e passa à reforma; (…)

a.De acordo com a NEP/GNR –1.05.01, de 05 de dezembro de 2016, o militar será interpelado pela DRH/CARI, através das respetivas Unidades, mediante notificação, para cessar a efetividade de serviço, e operacionaliza-se após o militar terminar o gozo dos dias de férias a que tem direito (…);

b.Quando um militar não tem possibilidade de gozar as férias, até à data estabelecida no despacho para a transição, o mesmo não poderá transitar à situação de reserva fora da efetividade, ou seja, o Despacho que impõe o hiato temporal de permanência em efetividade de serviço não pode ter uma leitura dissociada da NEP/GNR – 1.05.01, nomeadamente em face da forma de materialização da cessação da efetividade (…).».

42) -Em 07 de Dezembro de 2018, o Comandante-Geral, proferiu despacho na Informação n.º ...../18, de fls 110/ss, pelo qual determinou que o Autor se mantivesse na situação de demorado na promoção ao posto de sargento-chefe -DOC fls 47 a 52 dos Docs juntos com a Opos, fls 110 a 112v, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

43) -O Autor intentou, ainda, o processo cautelar nº 2800/14.5BELSB, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pedindo que a administração fosse condenada a praticar o acto de promoção, referente a 2008 e 2009, tendo sido proferida Sentença que julgou «totalmente improcedente o presente processo cautelar de decretamento das providências cautelares requeridas de condenação da Autoridade Requerida a promover o ora Requerente desde 2008, a repor os vencimentos com o quadro normativo em vigor em março de 2011».

44) -O Autor (com a nota 11.60) não foi avaliado nas vagas de 2008 (nota mínima 11,20).

45) -O Autor não foi avaliado nas vagas de 2009, cuja nota mínima era 11,30 e tinha 11,60.

46) -Nas vagas de 2010, a nota mínima foi de 11,80 e a GNR reconheceu 11,60.

47) -Em 21/12/1996 o A foi louvado e não corrigido a subir a nota para 11,80.

48) -Em 10/12/2018, o A deu entrada em juízo à presente acção [nova PI] –fls 29 a 31.

49) -Em 2015, o A instaurou a acção, com o Procº 2002/15.3 BELSB, por apenso à qual instaurou a presente acção de intimação que daquela foi mandada desapensar.

50) -Em 16/05/2012, o A instaurou a ação AE, com o Procº 560/12.3BELSB, cujo Acórdão que a julgou improcedente, junto a fls 54/ss, foi proferido a 31/12/2013.

Factos alegados e não provados, com interesse para a presente decisão: não há.



II.2. De direito

O Recorrente começa por suscitar a nulidade da sentença por excesso de pronuncia (conclusões K. e L. do recurso), concluindo que: “[o] tribunal a quo condenou, lendo-se a contrário, em objecto diverso do pedido. // Assim, o tribunal a quo ao ultrapassar o “ultra petitum” do n.º1 do artigo 609.º do CPC inquinou a Sentença de nulidade nos termos da alínea e) n.º1 do artigo 615.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, nesse sentido Ac. STJ de 26.10.2010 processo 447/2001.C1.S1.

É manifesto que não lhe assiste razão e, salvo o devido respeito, nem sequer se alcança apoio para semelhante alegação.

Com efeito, a sentença recorrida analisou prioritariamente a questão da propriedade do meio usado pelo ora Recorrente, vindo a concluir que nenhuma urgência existia que justificasse a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Julgou, após apreciar a materialidade subjacente e estabelecendo que a intimação só se justificava em situações de especial urgência, para situações excepcionais, verificada a falta de idoneidade do presente meio processual, por falta dos pressupostos legais do artigo 109.º, nº 1, do CPTA.

Como facilmente se percebe, a decisão recorrida em nada ultrapassou os termos da questão a decidir, antes apreciando e decidindo a matéria de execpção.

Diz-se que há excesso de pronúncia quando o tribunal conhece de questões de que não pode conhecer por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir, ou quando vai além do elenco legal de conhecimento oficioso, ou, ainda, por conhecer em quantidade superior ou objecto diverso do pedido vazado na petição. E nada disto sucedeu.

Improcede, assim, o recurso nesta parte.

Continua o Recorrente, suscitando a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação (conclusão Y. do recurso). Alega a ausência de fundamentos de facto de direito e como vem invocado o art. 668:º do CPC, temos por seguro que tem por referência a sentença recorrida.

Também aqui o recurso terá que improceder, o que se apresenta, aliás, também como manifesto.

O artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC comina a nulidade da sentença quando a esta falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

Esta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão, por forma a persuadir os destinatários e a comunidade jurídica em geral; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada.

Ora, basta ler a sentença recorrida para constatar que a decisão proferida encontra respaldo quer na factualidade elencada no respectivo probatório, quer na aplicação de um quadro normativo que identifica e que serviu de base ao dispositivo.

Acresce que só a absoluta falta de motivação da decisão gera a nulidade em causa, já não a insuficiente ou deficiente fundamentação.

Pelo que improcede o recurso, igualmente, nesta parte.

Por fim, imputa o Recorrente erro de julgamento à sentença recorrida, por nesta não se ter concluído pela aplicação do art. 109.º do CPTA ao caso dos autos.

Vejamos o que se disse na sentença recorrida:

“2.1.A questão do regime transitório, que é recorrente, e que está subjacente à pretensão do A na presente acção, já estava latente no Acórdão deste tribunal, na AAE Procº 560/12, proposta pelo A, cujo coletivo de juízes integramos. Com efeito, o DL 159/2005, de 20/09, consagrou um regime transitório [e sua tabela anexa], por remissão do artigo 285, alínea d), do EMGNR, de passagem à reserva e reforma, que veio a ser revogado pelo artigo 81-2, da Lei 66-B/2012, de 31/12 [LOE/2013], excecionando os militares que, em 31/12/2005, reunissem condições de passagem à reserva e reforma.

O ora A vem, desta feita, dizer que em 05/12/2018 fez 55 anos de idade e 39 de serviço; quanto a outros o R permitiu transitar com um dos requisitos tempo, o de 38 anos de serviço sem a condição idade 55 anos [54/ss da PI]; os despachos foram aplicáveis aos demais sem descriminações; o DL 30/2017, reforça os requisitos 55 anos e 36 de serviço; mas, o seu pedido foi feito ao abrigo artigo 85 do DL 297/2009 [EMGNR] para o que bastam 36 anos.

Todavia, „o A não quer [55/ss da PI] que se lhe aplique os novos diplomas, incluindo o DL 30/2017, pois a lei vigente em 2015, „requerida na acção Procº 2002/15.3BELSB, tinha a condição prevista no artigo 85-1-b) do DL 297/2009, que são direitos adquiridos de que não prescinde, ou seja, bastava-lhe ter os 36 anos de serviço, independentemente da idade.

Por isso, alega, não requereu a passagem á reserva ao abrigo do artigo 81, do DL 30/2017, que não vigorava à data do pedido e não prevê os direitos adquiridos objecto da acção Procº 2002/15.3BELSB, de que este foi apenso. E „não pode aceitar as alterações ao pedido com base no DL 30/2017, “pois as partes convencionaram a data de transição para fora da efectividade de serviço” no ano em que o A completasse 55 anos e 36 de serviço, o que aconteceu em 05.10.2018, sendo, assim, o limite do prazo em 31.12.2018.

Além disso, refere, a Sentença dos autos e Despachos [DOC 1 e 2 (apenso A)], não seriam títulos executivos conforme “Sentença Cautelar Procº 560/12.3BESNT, junta” [a sentença junta não é cautelar, é um Acórdão do colectivo de juízes na acção Procº 560/12.3BESNT [cfr fls 54 e probatório]. E não tendo transitado [61/ss, da PI] para fora da efectividade de serviço a 05.10.2018, extingue-se o direito de acção de impugnar os novos despachos que lhe vedam o acesso à reserva e de ser promovido em 90 dias, conforme nº 2 do artigo 58º, do CPTA, pelo que, estão em risco de se extinguirem os direitos fundamentais do A, se não transitar para fora de efectividade de serviço em 31.12.2018, motivo da urgência de decisão de mérito nestas duas questões (promoção 2013 e reserva 2018).

Em suma, o Autor instaurou a presente acção de intimação, se bem se entende, para, através dela, impedir que lhe seja aplicado o DL 30/2017, e outros novos diplomas, alegando que, em 2015, era aplicável o artigo 85-1-b) do DL 297/2009, e que isso constitui direito adquirido para transitar fora da efetividade, porque lhe bastavam os 36 anos de serviço, independentemente da idade que então tinha. [sublinhado nosso]

No fundo, o que subjaz a este e outros raciocínios do A, expressos na PI, é, afinal de contas, a questão da aplicação das leis no tempo, e da alegada interpretação feita pelo R.

Ora, as questões que o A traz, a par desta, não são de todo adequadas à presente acção.

2.2.Importa, pois, analisar os pressupostos da intimação e o erro na forma do processo.

Sendo a intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias um processo urgente [artigo 36, CPTA], este processo tem regulação específica nos artigos 109/ss, do CPTA.

O artigo 109, do CPTA/2015, regula os pressupostos desta intimação, estabelecendo que:

«1-A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º.

2-A intimação também pode ser dirigida contra particulares, designadamente concessionários, nomeadamente para suprir a omissão, por parte da Administração, das providências adequadas a prevenir ou reprimir condutas lesivas dos direitos, liberdades e garantias do interessado.

3-Quando, nas circunstâncias enunciadas no nº 1, o interessado pretenda a emissão de um ato administrativo estritamente vinculado, designadamente de execução de um ato administrativo já praticado, o tribunal emite sentença que produza os efeitos do ato devido.» [todos os destaques dos textos legais entre “comas” e outros textos sem ressalva em contrário são sempre nossos].

O Autor interpôs a presente acção em 10/12/2018, e, em 2015, interpusera já a acção, com o Procº 2002/15.3 BELSB, por apenso à qual instaurou a presente intimação, da qual foi desapensada e redistribuída, como acima se viu.

Todavia, nenhuma urgência premente, prevista neste preceito legal, se vislumbra, sendo que, como já deriva do acima acabado de referir, e resulta do artigo 12, do CC, não é pela circunstância de o A querer ou não querer que se lhe aplique ou não aplique determinada lei, no caso, o DL 30/2017, ou outras novas que surjam, que a lei é ou não aplicável.

A aplicação retroativa ou não das leis tem de resultar de disposição expressa do legislador, sendo que, por regra, as leis regem apenas para o futuro, nos termos do artigo 12, do CC, vigorando o princípio, que dali também de algum modo emerge, do tempus regit actum, segundo o qual a legalidade ou ilegalidade dos atos/decisões se afere pelo quadro factual e legal vigente à data da sua prática.

Tendo o A interposto em 2015, a acção administrativa de anulação e condenação com o Procº 2002/15.3 BELSB, por apenso à qual interpôs a presente intimação, de resto na sequência de outras acções, como resulta do supra exposto, perde toda a pertinência a propositura da intimação ora em presença.

Não se vislumbra, no caso do A, qualquer indispensabilidade da prolação de uma decisão de mérito, imperiosa, para a proteção de direitos, liberdades e garantias do mesmo. Antes parece que o A procura, pela via do processo de intimação, obter a anulação e condenação que ainda não obteve naquela acção administrativa que corre termos nesta TAF.

Ora, com o devido respeito, esta não é a forma legalmente correta de o A impugnar o ato e de obter as pretensões que já deduziu naquela acção.

A circunstância de ter em curso no TAF a acção administrativa de anulação e condenação com o Procº 2002/15.3 BELSB, é logo sintomático, da inadequação do recurso à intimação para protecção de direitos liberdades e garantias.

Para assegurar os seus alegados direitos, liberdades e garantias, o A interpôs essa acção, como forma de obter a tutela efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

A aplicação das leis no tempo não traduz um direito adquirido e fundamental para o caso.

O facto de a lei entrar em vigor em determinada data ou de em 31/12/2018, alegadamente terminar a data limite que alega, não constitui qualquer direito adquirido nem ofende qualquer direito liberdade e garantia, nem qualquer dos direitos constitucionais à carreira e à progressão nela. Como se disse, ao seu caso há-de ser aplicado o regime legal pertinente.

Também não se vislumbra a pertinência da hipótese de eventual caducidade do direito de acção de impugnação de actos, sendo que pela referida acção já os impugnou, e quanto a atos futuros, os mesmos, a existirem, terão de seguir o seu respetivo regime impugnatório.

Como ensinam MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, o artigo 109-1, do CPTA, faz depender a concessão da intimação do «preenchimento de requisitos formulados em termos intencionalmente restritivos»; para que a intimação possa ser utilizada, é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício. E «pressupõe que o requerente concretize na petição (…): a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, (…); e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa» não relevando «por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia (…). (…) Mas não faz, a nosso ver, sentido que o processo de intimação possa ser utilizado quando esteja em causa uma violação continuada ou já concretizada de um direito fundamental, ou quando tenham entretanto transcorrido os prazos de que o interessado dispunha para reagir pela via processual normal (designadamente, através do pedido de impugnação de ato administrativo (…)».

A utilização da intimação não está sujeita a prazo de caducidade, mas, só se justifica se esse for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência. Não faz sentido que o processo de intimação possa ser utilizado quando esteja em causa uma violação continuada ou já concretizada de um direito fundamental, liberdade ou garantia, como resulta do acórdão do STA de 30/11/2010, Procº 673/10, citado por aqueles Autores, ob cit, e, entre muitos outros, os Acórdãos do STA, de 30/10/2008, Procº 878/08, e de 07/10/2009, Procº 884/09, citados pelo Réu.

No caso concreto, tendo a acção administrativa de anulação de atos e condenação, com o Procº 2002/15.3 BELSB, sido instaurada em 2015, e tendo por objecto os mesmos direitos e interesses que nesta acção, –inicialmente apensa àquela--, temos de concluir, logo por aqui, por manifestamente evidente, que, a existir violação do direito fundamental, liberdade ou garantia, como o A alega, tal violação já ocorre de forma continuada e concretizada, pelo menos, desde 2015. [sublinhado nosso]

Tendo o A impugnado os atos através da referida ação e pedido a condenação na realização da sua pretensão, para tutela dos seus alegados direitos, revela-se temerária e inconsequente a alegação de que esta intimação seria o único meio, o meio «indispensável», para, em tempo útil, assegurar «o exercício de um direito, liberdade ou garantia», por não ser possível uma providência cautelar, pois, nenhum exercício de direito em tempo útil, premente, inadiável, está em questão, nomeadamente por via da entrada em vigor do DL 30/2017, ou de outras futuras novas leis.

A intimação só se justifica em situações de especial urgência. E constitui uma válvula de salvaguarda, para situações excecionais, sendo, portando, de utilização excecional.

Trata-se de um processo declarativo, que, tal como sucede com os demais processos especiais urgentes regulados no Título III, do CPTA, se destina a apreciar e decidir o mérito dos litígios que se suscitem no domínio material a que se refere o artigo 109, CPTA. Como processo de intimação, ele dirige-se à emissão de uma sentença de condenação.

Em face do sentido literal do artigo 109-1, CPTA, para que a intimação possa ser utilizada, é necessário, com referem aqueles ilustres Autores in ob loc cit, que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta e necessária a assegurar esse exercício. O preceito não distingue e abrange todo e qualquer tipo de direitos, liberdades e garantias, não havendo que distinguir entre direitos, liberdades e garantias pessoais e direitos, liberdades e garantias patrimoniais.

Mas, como ensinam aqueles Autores, “a aplicabilidade direta dos preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, resultante do artigo 18-1, da CRP, não é equivalente a exequibilidade imediata, sucedendo que o exercício efectivo da generalidade dos direitos, liberdades e garantias está dependente de regulação legislativa”.

E citando JORGE REIS NOVAIS, “o pressuposto da existência de um direito, liberdade ou garantia para efeitos de justiça administrativa define-se, portanto, em função destes critérios: há lugar para recorrer à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias desde que, verificados os restantes pressupostos, se trate de um direito fundamental em sentido material, portanto, um direito da maior relevância material, e, além disso, tenha um conteúdo normativo tão precisamente determinado (pela Constituição e/ou pela lei) que permita a intervenção do juiz administrativo sem perda ou afetação da separação de poderes própria do Estado de Direito”.

Ora, e com se demonstra pelo já exposto, nenhuma situação de urgência se verifica.

Em face de tudo o exposto, julgo verificada a falta de idoneidade do presente meio processual, por falta dos pressupostos legais do artigo 109-1, do CPTA.

O assim decidido é de manter.

Nos termos do art. 109.°, n.° 1 do CPTA: “[a] intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.°.”

Este meio processual constitui um processo autónomo que implica a emissão duma decisão definitiva e destina-se a dar cumprimento à exigência ditada pelo art. 20.°, n.° 5 da CRP que diz que para “defesa dos direitos liberdades e garantais pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”. Visa-se com o mesmo a concretização de um direito a processo célere e urgente com vista a uma eficaz e atempada protecção jurisdicional contra ameaças ou atentados aos direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, mas o legislador não visou uma duplicação dos mecanismos contenciosos utilizáveis, porquanto o que ressalta dos mesmos comandos é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente como resulta da conjugação do art. 20.°, n.° 5 com o art. 268.°, n.°s 4 e 5 ambos da CRP.

Daí que para se poder usar deste mecanismo, como já salientou a jurisprudência (cfr. i.a. o recente ac. do STA de 13.03.2019, proc. nº 01317/18.3BELSB), terão que respeitar-se os seguintes pressupostos:

i) A necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia;

ii) Que o pedido se refira à imposição de uma conduta positiva ou negativa à Administração ou a particulares;

iii) Que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma ação administrativa normal (comum ou especial).”

Daqui resulta, assim, que a regra é o recurso às formas de tutela principal não urgente para efectivação e defesa de direitos, liberdades e garantias, ficando a tutela principal prevista, enquanto forma de impugnação urgente, nos arts. 109.° e s. do CPTA reservada apenas para as situações em que aquela via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício em tempo útil e a título principal do direito, liberdade ou garantia que esteja em causa e cuja defesa reclame uma intervenção jurisdicional (idem, o ac. do STA citado).

É que este processo de intimação urgente definitiva permite ao juiz, no domínio de direitos, liberdades e garantias, decidir legitimamente a questão de fundo de modo definitivo, nos casos em que as situações concretas de urgência verdadeiramente o mereçam e o exijam pelo que impõe a absoluta necessidade de emissão de uma decisão de mérito pelo facto de uma medida cautelar se revelar, num certo caso, como impossível ou insuficiente.

Daí que “quando a questão, ainda que seja relativa a direitos, liberdades e garantias, possa provisoriamente ser composta por via judicial - acção administrativa/providência cautelar, ou via administrativa, estas devam ser as escolhas preferidas em detrimento da ação de intimação como a em presença.

Sendo assim a subsidiariedade e indispensabilidade da intimação para assegurar o exercício em tempo útil de um direito fundamental são pressupostos evidentes já que este meio se traduz numa válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas como diz José Vieira de Andrade in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, Coimbra, 2006, 8ª edição, págs 275 e seguintes” (idem).

No caso que nos ocupa, a situação subjacente à propositura da presente intimação não contém uma regulação ex nuovo. Esta já vem detrás, tendo o ora Recorrente proposto em 2015 a acção que originou o processo nº 2002/15.3BELSB (por apenso à qual instaurou a presente intimação, da qual foi oficiosamente desapensada e redistribuída)., como acima se viu.

Ora, conforme ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., 2017, p. 885): “a utilização da intimação não está sujeita a prazo de caducidade (cfr. acórdão do TCA Sul de 2 de julho de 2009, Processo n.2 5139/09), mas, a nosso ver, só se justifica se esse for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência. Como assinala FERNANDA MAÇÃS, quando, no n.2 1, se fala numa "decisão de mérito indispensável...", não se está a fazer apelo a uma ideia de "irreversibilidade ou iminência da lesão", pelo que, "em termos correntes e normais", é suficiente "a invocação da necessidade de assegurar o pleno e útil exercício do direito, liberdade e garantia em causa"(l089). Mas não faz, a nosso ver, sentido que o processo de intimação possa ser utilizado quando esteja em causa uma violação continuada ou já concretizada de um direito fundamental (…)”.

Acresce que o fundamento maior do Recorrente reside na alegada circunstância de ser impossível o acesso à reserva fora da efectividade de serviço na data pretendida, o que exaure de forma determinante o respectivo impacto e correspondente reparação do direito violado pela Administração ao não o ter promovido tempestivamente (cfr. art. 27 da p.i.).

Porém assim não será, dado que a obter ganho de causa na acção que oportunamente propôs, sempre a Demandada estará obrigada, por força do caso julgado, à reconstituição da situação actual hipotética. A execução do julgado anulatório constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação, praticando os actos e operações necessárias à reintegração da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal anulado não tivesse sido praticado (situação hipotética actual) – cfr. o acórdão deste TCAS de 16.04.2015, proc. nº 11925/15 (por nós relatado).

Por fim, mesmo a entender-se que os pedidos formulados, ou parte deles, ainda seriam possíveis de integrar as situações jurídicas tuteladas no art. 109.º do CPTA, sempre se considera que não estamos perante uma situação de especial urgência. Dos autos não resulta evidenciado, nem o Requerente e ora RECORRENTE o demonstra, uma situação de imprescindibilidade – nenhum facto concreto vem alegado -, de que a regulação jurídica pretendida e que se consubstancia numa decisão de mérito da causa, careça absolutamente da utilização deste meio processual.

Donde, mesmo transferindo a discussão para a imprescindibilidade do uso do meio processual, certo é que o ponto da discussão está na existência de uma situação de urgência, sua exigência e respectiva qualificação adjectiva.

Na verdade, importava a concretização quanto ao requisito da ocorrência de uma situação, no caso concreto, de grave ameaça ou violação do direito, liberdade e garantia em causa, que só pudesse – possa – ser reparada através do processo urgente de intimação. Como também ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha (ob. cit. p. 883): “Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia que tenha assento constitucional; impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a condenar a Administração (através de um processo célere e expedito) a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício desse direito” (neste exacto sentido o acórdão deste TCAS de 16.12.2016, proc. n.º 1453/16.0BELSB, por nós relatado).

De resto o STA decidiu já no ac. de 30.10.2008, proc. no 878/08 que: “O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal e não de um processo cautelar a que só é legitimo recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia cuja protecção seja urgente e que esta não seja possível ou não seja suficiente através da propositura de uma acção administrativa especial associada a um pedido de decretamento da correspondente providência cautelar”. Tal como aí se disse em posição que importa evidenciar: “(…) sem a urgência e sem a indispensabilidade desta decisão, o meio mais adequado para os referidos efeitos será a propositura de uma acção administrativa, comum ou especial, visto ela ser o meio normal de defesa contra os actos administrativos ilegais”.

Ou seja, só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela judiciária não se mostra possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia invocado é que deve entrar em cena o processo de intimação.

Como salienta VIEIRA DE ANDRADE a propósito do requisito da parte final do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA (cfr. A Justiça Administrativa (Lições), 7.ª ed., Coimbra, 2005, p. 263): “em rigor, a expressão legal quer mostrar o carácter excepcional da intimação, confirmando a remissão para a acção normal (não urgente) daqueles casos em que, estando embora em causa o exercício de um direito, liberdade e garantia, a decisão de fundo não seja urgente – pois que eventuais perigos de lesão, mesmo que de lesões imediatas e irreversíveis, podem ser resolvidos nesses processos normais através de providências cautelares”.

E terá que dizer-se que de nenhum passo o ora Recorrente concretizou quais os factos que estão na base da imprescindibilidade da imediata regulação jurídica pretendida e que justificaria uma decisão de mérito urgente.

Nada mais vindo no recurso questionado pelo Recorrente, nada mais cumpre apreciar.

Pelo que terá o recurso que improceder integralmente.



III. Conclusões

Sumariando:

i) O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, destina-se a cobrir situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem.

ii) Só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja protecção seja urgente.

iii) Não se verificando a situação de especial urgência subjacente à necessidade da referida intimação, ónus de demonstração que impende sobre o requerente da intimação, falta um seu pressuposto de admissibilidade.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste tribunal central administrativo sul em:

- Não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados pelo Recorrente no âmbito do presente recurso, devendo proceder-se à sua devolução, o que se determina; e

- Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas incidentais a cargo do Recorrente, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal.

Lisboa, 9 de Maio de 2019



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Pedro Marchão Marques


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Alda Nunes


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José Gomes Correia