Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1678/18.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/21/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:APRECIAÇÃO LIMINAR DO PEDIDO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL
ASILO
DECLARAÇÕES DO REQUERENTE
INFORMAÇÕES RELATIVAS AO PAÍS DE ORIGEM
Sumário:
I - Na fase liminar de apreciação do pedido de proteção internacional (asilo e autorização de residência por proteção subsidiária), em que se atende unicamente às declarações prestadas pelo requerente, a enunciação de questões pertinentes ou de relevância mínima deve ser aferida pelo confronto daquelas com a análise, ainda que perfunctória, de informações disponíveis sobre o respetivo país de origem.
II - Caso se verifique algum suporte e plausibilidade daquelas declarações em função dos dados disponíveis quanto àquele país, o pedido de proteção internacional não deve ser considerado infundado por se enquadrar no artigo 19.º, n.º 1, al. e), da Lei do Asilo, devendo antes seguir os termos previstos no artigo 18.º do mesmo diploma legal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I. RELATÓRIO
Vovo……………………… intentou ação administrativa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na qual peticionou a anulação do ato que considerou infundados os pedidos de asilo e o de autorização de residência por proteção subsidiária que apresentou e a condenação da entidade demandada a admitir o pedido de asilo do autor ou proteção subsidiária e, em consequência, emitir uma autorização de residência provisória, seguindo-se os demais termos legais previstos.
Alega, em síntese, que existem problemas políticos no seu país natal, a República Democrática do Congo, é militante de um partido opositor ao regime atualmente instituído, pelo que não pode regressar por temer de forma séria pela vida; encontra-se ali propagado o vírus mortal Ébola onde já fez 92 mortes, o que representa igualmente de forma grave um perigo para si e toda a sua família; deverá ainda aplicar-se o benefício da dúvida ao caso em apreço, pois não consegue fundamentar algumas das suas declarações, que são coerentes e plausíveis face à generalidade dos factos conhecidos.
Citada a entidade demandada, veio a mesma apresentar contestação, na qual sustenta que o carácter genérico dos factos alegados, aliado à falta de prova dos mesmos, adensam as dúvidas sobre a credibilidade do que invoca, impedindo a concessão do benefício da dúvida no presente caso; não apresentou quaisquer factos relacionados com a análise do cumprimento das condições para beneficiar de proteção internacional, pelo que tal pedido é infundado e não elegível para a proteção subsidiária.
Foi proferida sentença no dia 12/12/2018, que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a entidade demandada do pedido.
Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“I – Da decisão de mérito do pedido de asilo:
1.º Com base na factualidade apurada nos autos e do acervo de informação que tem vindo a público sobre a República Democrática do Congo, sobre o assassinato indiscriminado de civis, sobre a difícil situação político-económica e social e a crescente violência que ali se vive e da propagação da doença Ébola - que serão factos que a generalidade das pessoas, têm conhecimento, podendo, nessa medida, qualificar-se de factos notórios e do conhecimento geral (cf. art.º 412.º do CPC) – é manifesto que a decisão do SEF que subsumiu o pedido do A. e ora Recorrente no art.º 19.º,n. º 1, als. e) e h), da Lei n.º 27/2008, de 30.06, está errada.
2.º A simples existência dos supra-mencionados relatórios e respectivo conteúdo, associada ao relato do Recorrente e à circunstância de o recorrente ter dois filhos de tenra idade e esposa, para quem também pediu protecção subsidiária, são seguramente razões pertinentes e relevantes para o mencionado pedido de protecção.
3.º O relato inicial Recorrente quanto à situação político-social e económica da República Democrática do Congo foi sendo também corroborado nas notícias veiculadas nos órgãos de comunicação social, que de dia para dia vão apontando a situação daquele país como mais gravosa.
4.º Ora, atendendo ao concreto pedido do Recorrente, à sua situação familiar, ao conteúdo integral dos relatórios da UNHCR, da Human Rights Watch e da Amnistia Internacional indicados e ainda, às demais informações, que são públicas, sobre a República Democrática do Congo, haverá um erro manifesto na decisão do SEF de fazer subsumir o pedido do Recorrente na tramitação acelerada do art.º 19.º da Lei do Asilo.
5.º No caso, exigia-se ao SEF a apreciação do pedido do Recorrente ao abrigo do procedimento “normal” do art.º 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, procedendo a maiores averiguações acerca da actual situação político-económica e social da República Democrática do Congo.
6.º Caberia ao SEF, fazendo-se valer dos seus poderes oficiosos e inquisitórios, investigar acerca de toda a informação disponível sobre a situação político-económica-social da República Democrática do Congo e depois apreciar essa mesma situação considerando as circunstâncias concretas do Recorrente e do seu agregado familiar, para então integrar o conceito de protecção por “razões humanitárias”.
7.º Em suma, no caso ora em apreço e face ao supra exposto, deverá entender- se que a decisão do SEF, que enquadrou o pedido do Recorrente na als. e) e h) do n.º 1 do art.º 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, está manifestamente errada nos seus pressupostos de facto, padecendo de um vício de violação de lei, pois, no caso, as razões que são invocadas para o pedido de protecção subsidiária, para o recorrente, são pertinentes e relevantes.
8.º Ou seja, a decisão recorrida terá de ser anulada porque aplicou ao pedido da requerente, erradamente, o iter procedimental do art.º 19.º da Lei de Asilo, fazendo-o tramitar de forma acelerada, quando o mesmo havia de ter sido tramitado nos termos do art.º 18.º da referida Lei.
9.º Deverá, portanto, ordenar-se a revogação a decisão recorrida e anular o acto da Sra. Inspectora Coordenadora Superior do SEF, de 03-09-2018, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária formulado pelo Recorrente, para si e para os seus filhos, e determinar ao SEF a retoma do indicado procedimento, que deve ser tramitado nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, averiguando-se sobre a situação político-económica-social na República Democrática do Congo e ponderando-se a concreta situação da requerente do pedido de protecção subsidiária e dos seus filhos.”
O recorrido Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“9º
Com os fundamentos supra expostos, deve improceder o pedido de condenação do SEF de admissão do pedido de protecção internacional.
10º
O acto administrativo cuja revogação é requerida encontra-se legalmente enquadrado face ao disposto na Lei nº 27/2008, de 30 de junho.
11º
O conteúdo específico do interesse público em causa encontra completa e legitima identificação no procedimento prosseguido, que respeitou todas as garantias do Recorrente.
12º
Em suma, o Recurso deve ser considerado improcedente, uma vez que a sentença impugnada foi proferida nos termos e respeito dos princípios e normas aplicáveis.”
O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo que não se encontram demonstrados quaisquer factos concretos que permitam concluir pela verificação de uma situação de violência generalizada dos direitos do autor, sendo correta a conclusão de não estarem reunidos os pressupostos de facto enunciados no artigo 7º da Lei do Asilo, para que o pedido de autorização de residência, por protecção subsidiária, pudesse ser admitido, assim como não logrou demonstrar factos concretos que permitam a aplicação do artigo 3º, nº 1, da Lei nº 27/2008, de 30 de junho.
*
Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar:
- se padece do vício de violação de lei a decisão de enquadrar o pedido do autor/recorrente no art.º 19.º, n.º 1, als. e) e h), da Lei n.º 27/2008, de 3 de junho, e não no art.º 18.º do mesmo diploma legal.
Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir.
*

II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) – Vovo ……………………., chegou ao Aeroporto Internacional de Lisboa, no dia 25 de Agosto de 2018, proveniente de Belo Horizonte, no voo ……. - cfr. fls. 1-11 do processo administrativo (PA);
B) – Em 25 de Agosto de 2018, foi recusada ao Autor, ao cônjuge e dois filhos, a entrada em território nacional, por não serem titulares de documentos de viagem válidos - cfr. fls. 4-11 do PA);
C) – Em 26 de Agosto de 2018, o Autor apresentou pedido de protecção internacional, no Posto de Fronteira do Aeroporto Internacional de Lisboa - cfr. fls. 3 e 53-56 do PA);
D) – Em 26/08/2018,Vovo……………………… prestou declarações no SEF, no Gabinete de Asilo e Refugiados, nos termos do instrumento de fls. 67-70 do PA), que aqui se considera integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
“ (…) Aos 30 de agosto de 2018. pelas 10h00, no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, perante mim, Pedro ……………., Inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, compareceu o cidadão que se identificou como VOVO…………………….., melhor identificado nos autos, que, na presença do intérprete de língua lingala Mungedi ………………., respondeu da seguinte forma às questões que lhe foram colocadas relativas ao pedido de proteção internacional por si efetuado:
Pergunta (P). Que língua(s) fala?
Resposta (R). Lingala, um pouco de francês e um pouco de português.
P. Em que língua pretende efetuar esta entrevista?
R. Lingala
P. Tem advogado?
R. Não.
P, Sente-se bem, está confortável? Sente-se capaz de conversar comigo neste momento?
R. Sim.
P. Tem algum documento que comprove a sua identidade?
R. Tenho os cartões do partido, meu e da minha mulher, e as nossas certidões de nascimento.
P. Das crianças que o acompanham, não tem quaisquer documentos?
R. Não, porque não nos preparámos bem em Kinshasa. Um dia quando os bandidos foram a minha casa conseguiram destruir tudo o que tínhamos em casa.
P. Com que documento viajou para Portugal?
R. Viajámos todos com documentos angolanos.
P. Onde estão esses passaportes agora?
R. Foram destruídos, ainda no avião, para evitar o regresso.
P. Qual é a sua nacionalidade?
R. Sou da República Democrática do Congo (RDC).
P. Qual é o seu estado civil?
R. Casado tradicionalmente, com Eve ……………………., solteiro de documento.
P. Tem filhos?
R. Sim. Tenho três. Comigo estão Oziane…………… e Romly …………, nascidos em 16.01.2013 e 31 05.2016. O Romly nasceu no Brasil. Tenho uma menina, mais velha, que está no Congo. Tem 15 anos e ficou com o irmão mais velho da minha mulher.
P. Qual é a sua escolaridade?
R. Três anos na faculdade, de eletromecânica.
P. Estudou onde?
R. Em Kinshasa.
P. O que fazia na RDC?
R. Trabalhava numa agência de câmbios, e estudava ao mesmo tempo.
P. Professa alguma religião?
R. Cristão.
P. Sente pertença a algum grupo étnico?
R. Yanzi.
P. Na RDC vivia onde e com quem?
R. Vivia em Kinshasa, com a minha mulher, o meu irmão mais novo e o meu filho Oziana. A minha filha já estava a viver na província.
P. Tem outra família na RDC?
R. Tenho os meus pais, irmãos, tios e tias. Tanto em Kinshasa como na província.
P. Quando conheceu a sua mulher?
R. Temos já uma filha de quinze anos. Conhecia-a há mais de 15 anos, em Kinshasa.
P. E vivem juntos desde quando?
R. Ficámos juntos desde que o primeiro rapaz nasceu.
P. O casamento tradicional quando foi celebrado?
R. Foi a minha família, principalmente o meu pai. Foi em 2014, em Kinshasa.
P. Foi uma festa?
R. Não, foi só entregar o que a tradição pede.
P. Quem estava lá então?
R. Eu e a minha mulher, os meus pais, o irmão mais velho dela, o médico.
P. Por que se encontra a pedir protecção internacional?
R. O primeiro motivo é por ter participado numa manifestação nos dias 19, 20, e 21 de janeiro de 2015. Esse foi o primeiro motivo para sair do meu país. Saímos para nos manifestar, porque o presidente ................ queria mudar a constituição da república, queria fazer passar um referendo. Na marcha estava com um amigo do meu bairro, também colega de estudo. Depois chegou a polícia, começou a tentar desmobilizar as pessoas. Como nós não queríamos obedecer a polícia começou a disparar tiros. O meu amigo levou um tiro na cabeça. Conseguimos levar o corpo rapidamente dele, dalí. Se não o tivéssemos feito a polícia levava-o e dava o corpo como desparecido. A polícia veio atrás de nós, que estávamos a fugir com o corpo, apanhou-nos e levou-nos detidos. Meteram-nos num carro de polícia com os mortos naquela manifestação. Levaram-nos para um campo militar chamado kokolo. Entrámos dia 19 ao meio dia, ficámos lá dias 19, 20 e 21, até no dia 24 me chamarem para ser identificado. Pediram-me nome e endereço e outros dados de identificação. Um dos polícias militares que me estavam a identificar eu já sabia quem era, era um coronel chamado ………….. O outro, major, eu não conhecia. Continuei preso e no dia 26, pelas sete da tarde, o major apareceu, deu-me uma tshirt branca, levou-me para fora do campo e disse que eu me podia ir embora. Ele disse-me que me deixava ir embora por causa do nome do meu pai, que era um nome que eles conheciam. Não fui para casa directamente. Passei em casa da minha tia primeiro, e fiquei lá uns três dias. Depois ouvi que eles foram-me procurar a minha casa, pois eu tinha entregue o meu endereço. Aí decidi ir para a província, para a família da minha esposa. A minha esposa continuou em Kinshasa, mas estava incomodada com a polícia a ir lá a toda a hora, à minha procura. Não sei porque me procuravam, mas podia ser por eu ter visto muitas pessoas mortas no dia da manifestação. Foi por este motivo que abandonei a RDC.
P. Libertaram-no pelo nome do seu pai porquê?
R. Não sei, mas quando dei a minha identificação, o major perguntou duas vezes se eu era da província de ...................... Foi o meu anjo, não sei.
P. Onde se refugiou na província?
R. Na província de ...................., na casa do irmão mais velho da minha mulher.
P. Já disse que não sabe porque o procuravam, mas consegue imaginar porque razão o terão libertado para logo após o irem procurar?
R. Não sei porque aquele major não me deu muita explicação sobre o motivo que levou à minha libertação. Acho que foi pela minha etnia, e por o meu pai ter sido uma pessoa conhecida. Aquela libertação não foi oficial. Os colegas dele pensam se calhar que eu fugi, porque não foi uma libertação.
P. O seu pai era conhecido porquê?
R. Na época do Mobutu ele estava no estado, na província de ............. era presidente de um grande clube, desportivo.
P. Como se chama esse clube?
R. M……………………...
P. Os seus companheiros, que transportavam o corpo do vosso amigo e que consigo foram detidos, o que lhes aconteceu?
R. Ficaram detidos. Desde que saí do Congo não mais voltei, não sei o que aconteceu com eles.
P. Participou nessa manifestação por ter ligações a algum partido político na RDC?
R. Sim, eu participei por apoiar o presidente do ............, Ethiene …………... O outro motivo é porque sou congolês, tinha que me manifestar.
P.A que se referem as iniciais ...........?
R. União pela democracia e progresso social.
P. Fazia parte desse partido desde quando?
R. Desde que estava na universidade que apoiava nesse partido, por a sua ideologia poder fazer avançar o país.
P. Em que ano se filiou no partido? Passou a ter um cartão partidário?
R. Em 2014 filiei-me no partido, antes disso já era simpatizante.
P. Tinha funções específicas dentro do partido?
R. Não, era um militante como qualquer outro.
P. Para além do protesto no qual surgiram os seus problemas, teve outras participações em actividades políticas?
R. Participava nas reuniões do meu partido no meu bairro.
P. Então, apenas participação naquele protesto que referiu?
R. Sim, manifestação foi só essa.
P. Exatamente quais eram as causas da manifestação de janeiro de 2015?
R. A marcha foi marcada para não permitir que o presidente Joseph……….. alterasse a constituição. Ele estava a tentar levar ao parlamento a alteração da constituição que permitiria ao presidente cumprir um terceiro mandato.
P. Consegue descrever a bandeira, os símbolos, as imagens do ............?
R. Bem, tem um traço, dos dois lados, e tem uma coisa tipo uma faca, não sei dizer muito bem.
P. E as cores do partido?
R. Tem as cores da bandeira da RDC, amarelo, vermelho e azul.
P. No seu bairro onde era a sede da .............?
R. No bairro de Masina……….., …………….. 42, 222.
P. Para além do presidente, que outros nomes de personalidades do partido consegue referir?
R. Havia o Félix ……………, o secretário geral é JC …………...
P. E a nível local, em Kinshasa, quem liderava o partido?
R. Quando eu estava lá era o senhor David ………………...
P. Quando deixou então a RDC?
R. Abandonei o Congo a 10 de fevereiro de 2015.
P. Para onde foi?
R. Fui para Angola, com a minha mulher e o meu filho.
P. Como viajou para Angola?
R. De carro, para evitar o controlo.
P. Ficou quanto tempo em Angola?
R. Fiquei em Angola cerca de um ano.
P. E de Angola foi para onde?
R. Fomos para o Brasil.
P. Para o Brasil utilizaram os documentos angolanos?
R. Sim.
P. Como obtiveram os documentos angolanos?
R. Através de amigos do irmão mais velho da minha esposa, que também pagou os documentos.
P. E as viagens, como as pagou?
R. Foi ele também que nos ajudou.
P. Em Angola o que fez durante o ano que ali permaneceu?
R. Não tinha um trabalho, não tinha documentos em Angola, não fazia nada.
P. Vivia onde e com quem em Angola?
R. Primeiro ficámos em casa do médico amigo do irmão da minha mulher. Depois vivemos em Golf2, Luanda. Com a minha mulher e o meu filho.
P. Ficaram quanto tempo em casa desse médico?
R. Quase dois meses.
P. Depois em Golf2 era um apartamento, uma casa, o que era?
R. Era uma vivenda, só com um quarto.
P. A casa de banho era dentro de casa?
R. Não fora.
P. Porque deixaram Angola com destino ao Brasil?
R. Porque desde o início que o nosso destino não era Angola. O objectivo de ter os passaportes era precisamente para sair de lá. Assim, tivemos a facilidade de ir para o Brasil, calhou na altura que a minha mulher estava grávida.
P. No Brasil como correram as coisas?
R. Lá nasceu o nosso filho, comecei a trabalhar, como segurança, em diversos locais. No dia dois de janeiro de 2017 os bandidos entraram na minha casa, porque eu morava numa favela, de São Paulo, Itaquera. Não estava em casa eu, nesse dia, só a minha mulher e os meus filhos, e ela foi violada. Naquela favela, mesmo que você ligue à polícia, ela não vai aparecer. Também os moradores daquela favela, se acontece algum problema entre eles, não aparece a polícia. Quando os bandidos entraram ela foi violada e roubaram tudo o que havia de bom lá em casa. A partir daí já a minha mulher ficou com problemas de tensão altas, eu também deixei de gostar do Brasil, e foi o motivo pelo qual decidimos abandonar o Brasil.
P. A sua mulher teve tratamento hospitalar?
R. Sim. Até fizemos queixa na polícia, mas não nos ligaram nada, porque nos descriminam muito, por sermos pretos.
P. Mas no hospital ficou internada?
R. Não, passou só um dia no hospital. Antibióticos e exames.
P. No Brasil tinha algum título de permanência?
R. Não, continuava a usar, o documento de angola. O meu mais novo tinha documento brasileiro.
P. Onde vivia exactamente, uma casa, um apartamento?
R. Dividíamos a casa com outro vizinho, na parte de trás, no terreno mas não em casa.
P. Como era essa casa?
R. Tinha uma sala, dois quartos e cozinha.
P. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, na RDC?
R. O ......................
P. Alguma vez foi alvo de perseguição por motivos de raça, credo religioso ou pertença étnica na RDC?
R. Não.
P. Alguma vez desenvolveu na RDC alguma atividade em favor da democracia, libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana?
R. No ...................
P. Já alguma vez cumpriu pena de prisão?
R. Não.
P. Já alguma vez foi condenado por um crime?
R. Não.
P. Tem algum problema com as autoridades judiciais, policiais ou com o Estado da RDC?
R. Além dos que referi já tinha um problema com a polícia.
P. Que problemas tinha?
R. Na época do Kabila pai, em 2001, fui num grupo de amigos de faculdade tentar parar o cortejo da viatura do presidente. Na altura queríamos pedir que as propinas da faculdade fossem mais baixas.
P. E o que lhe aconteceu nessa altura?
R. Fui detido, depois de uma semana na esquadra fui identificado e libertado.
P. Foi a tribunal?
R. Não.
P. Então não foi acusado de nada, teve mais algum pro causa disso?
R. Não.
P. Para confirmar, disse que se filiou no ........... em 2014, correto?
R. Sim. Não sei o mês exato, talvez no final do ano.
P. O cartão de militante que apresentou foi emitido em 2012, como explica isso?
R. A maneira como funciona o partido. Como não tem possibilidade financeira imprimem os cartões todos e fica a faltar só o nome do militante, dai a data ser antiga.
P. Solicitou asilo noutro país que não Portugal?
R. Nunca.
P Porque não solicitou asilo em Angola ou no Brasil?
R. Porque em Angola somos discriminados por sermos do Congo, no Brasil porque logo que chegámos com a minha esposa grávida acreditávamos que podíamos ser legalizados, mas afinal não.
P. Mas no Brasil não pediu asilo porquê?
R. Já com os documentos angolanos não me sentia à vontade de pedir asilo com esses documentos, e os documentos estavam quase a caducar. Também porque Brasil não era o destino, não era o sítio no qual eu desejava viver e instalar-me com a família.
P. Qual era o destino então.
R. Com crianças queria também um local onde tivesse condições económicas que não encontrei desde que saí da RDC.
P. Tem família ou amigos em Portugal ou noutros países da Europa?
R. Tenho um familiar do meu pai, em França.
P. Para além da ida para Angola, Brasil e desta viagem que agora realizou, já tinha saído do Congo?
R. Nunca, foi a primeira vez.
P. Teme regressar à RDC?
R. Sim.
P. Porquê?
R. Porque o problema com o governo não acaba, eles são os mesmos que estão lá.
P. Mesmo passados mais de dois anos, acha que ainda o procuram?
R. Sim, as manifestações de dia 19 fizeram muitos mortos, naquele dia os outros que foram detidos até hoje alguns continuam detidos.
P. Tem alguma prova dos factos que alega?
R. Não tenho nenhuma.
P. Sobre a paternidade dos seus filhos, consegue fazer chegar alguma prova?
R. Não, mas são meus filhos.
P. Alguma vez solicitou visto para viajar para a Europa?
R. Não, nunca fui a uma embaixada.
P. Deseja acrescentar alguma coisa?
R. Peço que o governo português me ajude a mim e à minha família.
P. Em Portugal, é-lhe concedido apoio durante todo o procedimento de asilo por uma ONG designada Conselho Português para os Refugiados (CPR). No final do procedimento, é necessária a sua autorização para a informar o CPR da decisão que venha a ser tomada no seu caso. Autoriza?
R. Sim.
E mais não disse, nem lhe foi perguntado, lidas declarações em língua lingala, língua que compreende e na qual se expressa, o achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente com todos os intervenientes, pelas 11:50, hora a que findou este ato
Declaro ter sido informada que o meu pedido de proteção vai ser analisado por um único Estado Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento CE n.º 604/13 do Conselho de 26.06, designarem como responsável.
Mais declaro, dar o meu consentimento, quando tal seja necessário, para que seja solicitado a outro Estado Membro os motivos invocados no pedido e respetiva decisão, de acordo com o artigo 34.º, do Regulamento acima citado. Afirmo nada mais ter a acrescentar e que todas as declarações aqui prestadas são verdadeiras. O presente questionário foi-me lido na língua lingala, que compreendo e corresponde ao meu depoimento. (…)” - cfr. fls. 65-70 do PA);
E) – No Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, em 03/09/2018, foi elaborada a Informação n.º 1185/GAR/18, que aqui se considera integralmente reproduzida e de que se extrai o seguinte:
“ (…) 6. Dos factos invocados
1. A 25.08.2018 foi o cidadão estrangeiro indocumentado detetado no aeroporto de Lisboa aquando do controlo documental de voo proveniente de Belo Horizonte, Brasil.
2. Na mesma data foi o cidadão estrangeiro alvo de recusa de entrada, por não ser titular de documento de viagem válida.
3. A 26.08.2018, quando já instalado no Centro de Instalação Temporária do referido aeroporto aguardando voo de regresso à origem, solicitou o cidadão estrangeiro proteção internacional às autoridades portuguesas.
4. Nos termos do disposto n.º 3, do artigo 13.º da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05, foi dado conhecimento ao Conselho Português para os Refugiados (CPR) da apresentação daquele pedido de proteção.
5. Em cumprimento do disposto no n.º 1, do artigo 16.º da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei n.º 26/14 de 05.05, foi o requerente ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, tendo prestado as declarações constantes nos autos, que se transcrevem:
(…)
6. O requerente apresentou como única prova de sustentação do mérito do seu pedido de proteção um alegado cartão de membro de partido político da República Democrática do Congo, encontrando-se identidade e nacionalidade do requerente suficientemente indiciadas por via da língua em que se exprime e conhecimentos específicos do país de nacionalidade alegado.
7. Da apreciação da admissibilidade do pedido
Em resumo, declarou o requerente ser nacional da República Democrática do Congo (RDC), casado tradicionalmente com Eve………………….. [PPI 813/18] ter três filhos, sendo acompanhado neste momento por dois deles bem como pela mulher, cristão de etnia Yanzi, ter três anos de frequência universitária, em electromecânica.
Declara ter abandonado a RDC por ser membro da .........., desde o ano de 2014, partido que identifica como .............................................., e ter sido detido pela polícia quando participou em marcha antigovernamental em 19 de janeiro de 2015. Esse protesto foi marcado por violência e a morte, pelas autoridades, de diversos manifestantes, sendo que ele foi detido quando tentava levar o corpo de um dos manifestantes.
Esteve preso durante uma semana sendo libertado por um major da polícia que justificou tal libertação, não oficial, pela etnia e nome de família do requerente. Depois disso refugiou-se na província mas, sendo procurado por diversas vezes na sua casa, em Kinshasa, decidiu abandonar a RDC, com a sua família.
A 10 de fevereiro de 2015 partiu para Angola, onde logrou obter documentos angolanos para si, mulher e dois filhos mais novos, viajando, cerca de um ano depois para o Brasil, onde permaneceu até viajar para Portugal em agosto de 2018.
Decidiu abandonar o Brasil depois de a sua casa ter sido assaltada e a mulher violada pelos meliantes. Não solicitou a proteção internacional em nenhum dos referidos países, uma vez que em Angola os congoleses não são bem vindos e o Brasil também não era o destino final pretendido.
Acredita ser ainda procurado pelas autoridades da RDC por ter estado na referida manifestação e ter constatado a morte de muitas pessoas, pela polícia.
Nunca foi membro de qualquer organização religiosa, militar, étnica ou social nem tão pouco foi alvo de perseguição por motivos de raça, credo religioso ou pertença étnica no seu país de nacionalidade. Para além da marcha em que participou jamais desenvolveu qualquer atividade em prol da democracia, libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos humanos, declarando ainda não ter quaisquer problemas, para além dos referidos, com as autoridades policiais, judiciais ou com o Estado da RDC.
Antes de qualquer outra consideração importa aferir da credibilidade dos factos materiais em conformidade com as recomendações do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO, a partir da sigla inglesa) em matéria de Credibilidade. Denote-se que, na análise dos pedidos de asilo, o ónus da prova recai em igual proporção sobre o requerente e sobre a autoridade nacional, neste caso o SEF. Compete ao SEF fazer a pesquisa e análise de informação relativa a cada caso em concreto, mas, em igualdade de responsabilidade, recai também sobre o requerente a submissão de todos os dados materiais relevantes.
No entanto, na esmagadora maioria dos casos de pedido de asilo, os requerentes não submetem qualquer prova documental relevante probatória das suas situações nos países de origem, como se constata no presente. Daí a particular dificuldade em aferir da autenticidade das situações apresentadas. A consciência desta dificuldade, de que todos têm noção, tem recorrentemente sido uma forte motivação para o uso abusivo da Lei de Asilo, como facilitador de grandes fluxos de imigração ilegal. Esta dificuldade prende- se com o facto de que o principal, e muitas vezes único elemento probatório são apenas as próprias declarações do requerente. É por isso, muito importante, aferir da credibilidade das declarações dos requerentes.
Ora, para que um relato seja considerado suficientemente credível é necessário que seja em primeiro lugar "internamente credível", isto é, terá de apresentar suficiência de detalhes, especificidade bem como consistência e coerência. Constata-se que tal não ocorre no relato em apreço, que não ofereceu ao examinador cenário de credibilidade, sendo pautado por incongruências diversas.
Desde logo, apresentou o requerente como prova principal da sua filiação em movimento político da oposição da RDC um alegado cartão de membro da ........., .........................................., afirmando ser membro daquele partido desde o ano de 2014.
Confrontado com o facto de no referido cartão, cf. cópia constante a fls. 73 dos autos, constar 2012 como ano de emissão justificou que tal menção era impressa fixa, e só depois eram preenchidos os dados referentes ao portador. Tal não abona a favor da veracidade do referido cartão de membro.
Consultadas as informações disponíveis sobre os cartões de membro da ..........., constata-se que de todos os cartões deverá constar o estado das quotas do portador, tendo em conta que é sobretudo através dos militantes que o partido se financia. Tal menção não consta do documento apresentado pelo cidadão.
Por outro lado, questionado sobre quais os símbolos do partido, patentes em bandeiras, cartazes, e, inclusive, no cartão de membro pelo requerente apresentado, não conseguiu o mesmo descrevê-los, limitando-se a referir dois traços e uma faca. Tal desconhecimento não é condizente com alguém que se diz simpatizante do partido desde os tempos da universidade e militante desde o ano de 2014.
Do confronto das declarações do cidadão estrangeiro com as da sua mulher, EVE …………. PPI 813/18, resulta nova incongruência, quando se reportam aos factos que os terão levado a recentemente abandonar o Brasil. Questionado, respondeu o requerente que depois da violação de que a mulher havia sido alvo esta não havia permanecido internada no hospital, regressando a casa no mesmo dia. Já a mulher afirmou ter ficado internada por um período de três dias. Não obstante tais factos não serem tidos em conta na presente análise, não dizendo respeito ao país de nacionalidade dos requerentes, são aqui aduzidos por virem reiterar a falta de credibilidade veiculada pelo discurso do requerente.
Para além da demonstrada falta de credibilidade do relato do requerente, considera-se igualmente pouco verosímil a descrição da sua libertação, após ter sido detido pelas autoridades na sequência de participação em protesto antigovernamental, apenas para ser novamente procurado pela polícia. Os motivos alegados para tal perseguição são igualmente ténues, tendo participado numa única manifestação antigovernamental. Se é certo que o mês de janeiro de 2015 foi marcado por violentos protestos que se saldaram em mais de uma dezena a 40 de mortos, conforme se aceitem os números fornecidos pelo governo da RDC ou por outros observadores, o papel menor desempenhado pelo requerente não justificaria o antagonismo e a perseguição de que se diz alvo por parte das autoridades.
Constata-se igualmente uma falta de premência na proteção agora solicitada, tendo em conta a falta de atualidade dos factos a que o cliente se reporta, bem como ao facto de não ter solicitado asilo em nenhum dos países onde habitou/transitou, depois de abandonar a RDC em fevereiro de 2018.
Afigura-se-nos assim que o requerente se está a fazer valer de factos amplamente divulgados sobre a situação política na República Democrática do Congo, para justificar a seu pedido de proteção internacional. Tal leva a crer que subjacente ao pedido de proteção apresentado, estejam outros motivos que não se enquadram nas disposições que regulam o direito de asilo em Portugal. Com efeito, o Manual de Procedimentos da Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR)4, refere no seu ponto 62 que, "Um migrante é uma pessoa que, por outras razões que não as mencionadas na definição, deixa voluntariamente o seu país para se instalar algures. Pode ser motivado pelo desejo de mudança ou de aventura, ou por razões familiares ou outras razões de carácter pessoal. Se é motivado exclusivamente por razões económicas, trata-se de um migrante e não de um refugiado".
Como tal, não sendo notória qualquer medida individual de natureza persecutória de que tenha sido vítima ou receando vir a sê-lo, em consequência de atividade por ele exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana no seu país de nacionalidade, inexiste razão atendível para a concessão do estatuto de refugiado ao requerente, verificando-se que os fundamentos do atual pedido de proteção não se enquadram no espírito da Lei de Asilo portuguesa ou na Convenção de Genebra. De igual modo, também não foi pelo requerente invocado, de forma considerada fundamentada, receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer atividade individual suscetível de provocar um fundado receio de perseguição, na aceção do artigo 3.º da Lei n.º 27/08, de 30.06 com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/14 de 05.05.
Face ao exposto, entende-se que o requerente não apresentou quaisquer factos relacionados com a análise do cumprimento das condições para beneficiar de proteção internacional, pelo que se julga o presente pedido infundado por incorrer na alínea e) do n.º 1, do artigo 19.º, da Lei 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.
8. Da apreciação da admissibilidade da Autorização de Residência por Protecção Subsidiária
O artigo 7.º da Lei n.º 27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pela 26/2014 de 05.05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3.º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por protecção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
Face ao alegado no número anterior, também aqui em sede de análise da autorização de residência por proteção subsidiária, não é de admitir que o requerente, atento o seu caso individual, sinta algum constrangimento na sua esfera pessoal pelas razões que possam levar à concessão de proteção, prevista no regime subsidiário na Lei de Asilo.
Das declarações do requerente não se pode concluir que esteve ou pode vir a estar exposto a uma violação grave e sistemática dos seus direitos fundamentais, tornando a sua vida intolerável no seu país de origem.
Não indicou qualquer ato persecutório ou ameaças que configurem terem existido situações sistemáticas de violação dos direitos humanos ou se encontrar em risco de sofrer ofensa grave.
Assim pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para protecção subsidiária, por incorrer na alínea e) do n.º 1, do artigo 19.º, da Lei n.º 27/08 de 30.06, alterada pela Lei n.º 26/14 de 05.05.
9.Proposta
Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de protecção internacional infundado, por se enquadrar na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14, de 05.05.
Assim, submete-se à consideração do Exmo. Sr. Director Nacional do SEF a proposta acima, nos termos na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º, e n.º 4 do artigo 24.º ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/14 de 05.05. (…)» – cfr. fls. 79-89 do PA).
F) – A Inspectora Coordenadora Superior, em substituição do Director Nacional do SEF, em 3 de Setembro de 2018, proferiu relativamente ao pedido de protecção internacional formulado pelo Autor a seguinte decisão:
“ (…) «Processo de Proteção Internacional N.º 812W/18
De acordo com o disposto na alínea e) do n.º 1, do artigo 19.º, e no n.º 4 do art.º 24º, ambos da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de Maio, com base na informação n.º 1185/GAR/18 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado pelo cidadão que se identificou como, VOVO ………………………., nacional da República Democrática do Congo, infundado.
Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, considero o pedido de autorização de residência por proteção subsidiária, apresentado pelo cidadão acima identificado, infundado.
Notifique-se o interessado nas termos do n.º 5 do art.º 24.º da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/14 de 05 de Maio. (…) – cfr. fls. 90 do PA);
G) – A decisão referida na alínea antecedente foi comunicada ao Autor em 4 de Setembro de 2018, tendo-lhe sido lida em língua lingala e entregue uma cópia da mesma e da Informação referida em G) – cfr. fls. 91 do PA).”

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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A questão a decidir neste processo, tal como vem delimitada pelas conclusões das alegações de recurso, cinge-se a saber se padece do vício de violação de lei a decisão de enquadrar o pedido do autor/recorrente no art.º 19.º, n.º 1, als. e) e h), da Lei n.º 27/2008, de 3 de junho, e não no art.º 18.º do mesmo diploma legal.
Sendo essa a única questão suscitada, vejamos o que a propósito se fundamentou na decisão recorrida:
Ainda que se possa admitir uma satisfação mitigada do ónus da prova as declarações do Autor, como enunciamos, não permitem que a sua situação seja abrangida ou subsumida ao princípio do benefício da dúvida, que deve ser concedido quando exista manifesta dificuldade de prova dos factos invocados e documentos apresentados pelo requerente de asilo/autorização de residência por protecção subsidiária, desde que as declarações prestadas pareçam credíveis, o que no caso sub iudice não ocorre.
Idêntico raciocínio e argumentos devem ser aduzidos para, nos termos das disposições legais aplicáveis, considerar inaplicável in casu a protecção subsidiária prevista no artigo 7.º, como veremos infra.
Em síntese, o Autor não logrou convencer o Tribunal da ameaça real de se encontrar numa das situações a que se refere o artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 27/2008, pelo que, tem de improceder a acção quanto à admissibilidade do pedido de asilo, concluindo-se que o pedido é infundado, pois, verifica-se a situação referida na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da citada Lei n.º 27/08 de 20.08.”
E quanto à autorização de residência por proteção subsidiária:
“[N]o caso dos autos é manifesto que [o fundado receio de perseguição ou risco de sofrer ofensa grave] não se verifica, pois, não está minimamente indiciada sequer a eventual insegurança que o Autor possa sentir se tiver de regressar à RDC.
Na verdade, o Autor não logrou convencer o Tribunal que foi alvo de alguma represália, ameaça ou perseguição por parte Polícia ou outra.
Sendo certo que como vimos os factos relatados pelo Autor não permitem concluir que o mesmo careça de proteção internacional, pois, não foram alegados pelo A. factos credíveis que nos permitam concluir que se o Autor regressar ao país de que é nacional – RDC – corre o risco de sofrer ameaça grave contra a vida ou integridade física.
Vejamos o direito aplicável e relevante para a solução do caso em apreciação.
A Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (Lei do asilo, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio), veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as Diretivas nºs 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e implementar a nível nacional o Regulamento (UE) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.
Consta do respetivo artigo 3.º o seguinte:
“1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
3 - O asilo só pode ser concedido ao estrangeiro que tiver mais de uma nacionalidade quando os motivos de perseguição referidos nos números anteriores se verifiquem relativamente a todos os Estados de que seja nacional.
4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.”
O artigo 5.º densifica o que se deve entender por ‘atos de perseguição’:
“1 - Para efeitos do artigo 3.º, os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.
2 - Os atos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as seguintes formas:
a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual;
b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória;
c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias;
d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória;
e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º;
f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores.
3 - As informações necessárias para a tomada de decisões sobre o estatuto de proteção internacional não podem ser obtidas de tal forma que os agentes de perseguição fiquem informados sobre o facto de o estatuto estar a ser considerado ou que coloque em perigo a integridade física do requerente ou da sua família em Portugal ou no Estado de origem.
4 - Para efeitos do reconhecimento do direito de asilo tem de existir um nexo entre os motivos da perseguição e os atos de perseguição referidos no n.º 1 ou a falta de proteção em relação a tais atos.”
De acordo com o artigo 6.º, n.º 1, podem ser considerados como agentes de perseguição o Estado, os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território, e agentes não estatais, se ficar provado que o Estado e os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição.
O artigo 7.º prevê as situações de ‘proteção subsidiária’ como segue:
“1 - É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.”
No que concerne ao procedimento temos que:
- presume-se que qualquer pedido de proteção, ainda que implícito, é um pedido de proteção internacional, conforme o disposto na alínea s) do n.º 1 do artigo 2.º - artigo 10.º, n.º 1.
- na apreciação dos pedidos de proteção internacional deve ser determinado, em primeiro lugar, se o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de refugiado e, caso não preencha, se é elegível para proteção subsidiária - artigo 10.º, n.º 2.
- os pedidos de proteção internacional apresentados às autoridades de outros Estados membros que procedam a controlos fronteiriços ou de imigração em território nacional são apreciados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) - artigo 10.º, n.º 3.
- os requerentes de proteção internacional são autorizados a permanecer em território nacional até à decisão sobre a admissibilidade do pedido – artigo 11.º, n.º 1.
- este direito de permanência não habilita o requerente à emissão de uma autorização de residência - artigo 11.º, n.º 2.
Segundo o artigo 15.º, constituem ‘deveres dos requerentes de proteção internacional’:
- apresentar todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional, nomeadamente:
a) Identificação do requerente e dos membros da sua família;
b) Indicação da sua nacionalidade, país ou países e local ou locais de residência anteriores;
c) Indicação de pedidos de proteção internacional anteriores;
d) Relato das circunstâncias ou factos que fundamentam a necessidade de proteção internacional;
e) Permitir a recolha das impressões digitais de todos os dedos, desde que tenha, pelo menos, 14 anos de idade, nos termos previstos no Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo à criação do sistema 'Eurodac' de comparação de impressões digitais;
f) Manter o SEF informado sobre a sua residência, devendo imediatamente comunicar a este serviço qualquer alteração de morada;
g) Comparecer perante o SEF quando para esse efeito for solicitado, relativamente a qualquer circunstância do seu pedido.
- deve ainda o requerente, juntamente com o pedido de proteção internacional, apresentar os documentos de identificação e de viagem de que disponha, bem como elementos de prova, podendo apresentar testemunhas em número não superior a 10.
Nos termos do artigo 16.º, n.º 1, “[a]ntes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão.”
O artigo 18.º, com a epígrafe ‘apreciação do pedido’, prevê o seguinte:
“1 - Na apreciação de cada pedido de proteção internacional, compete ao SEF analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível.
2 - Na apreciação do pedido, o SEF tem em conta especialmente:
a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação;
b) A situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;
c) Se as atividades do requerente, desde que deixou o seu país de origem, tinham por fim único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades o podem expor a perseguição ou ofensa grave, em caso de regresso àquele país;
d) Se é razoável prever que o requerente se pode valer da proteção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania;
e) A possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente:
i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
ii) Tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.
3 - Constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, exceto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.
4 - As declarações do requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito, a não ser que estejam reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido;
b) O requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes;
c) As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis;
d) O pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido;
e) Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.”
Já o artigo 19.º da Lei do Asilo prevê as situações em que a apreciação do pedido de proteção internacional não é submetido a instrução nem à apreciação do pedido de acordo com os critérios do artigo 18.º, devendo ser sujeito a tramitação acelerada por o pedido ser considerado infundado:
“1 - A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:
a) O requerente induziu em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade ou nacionalidade suscetíveis de terem um impacto negativo na decisão;
b) É provável que, de má-fé, o requerente tenha destruído ou extraviado documentos de identidade ou de viagem suscetíveis de contribuírem para a determinação da sua identidade ou nacionalidade;
c) O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de proteção;
d) O requerente entrou ou permaneceu ilegalmente em território nacional e não tenha apresentado o pedido de proteção internacional logo que possível, sem motivos válidos;
e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária;
f) O requerente provém de um país de origem seguro;
g) O requerente apresentou um pedido subsequente que não foi considerado inadmissível nos termos do artigo 19.º-A;
h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;
i) O requerente representa um perigo para a segurança interna ou para a ordem pública;
j) O requerente recusa sujeitar-se ao registo obrigatório das suas impressões digitais de acordo com o Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo à criação do sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais.”
Ora, a decisão administrativa amparou-se na citada alínea e), para fundamentar a tramitação acelerada a que sujeitou o pedido do recorrente, e não também na alínea h) referida nas alegações de recurso.
Estaria, pois, em causa ter o requerente apenas invocado questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária.
Vejamos o que por ele é invocado, socorrendo-nos das declarações prestadas ao SEF:
- participou numa manifestação contra medidas do Presidente da República em 19 de janeiro de 2015, estava com um amigo que levou um tiro na cabeça e, ao tentar retirar o corpo, foi detido pela polícia, sendo levado para um campo militar, onde esteve até dia 26, quando um major, que conheceria o seu pai, o deixou sair;
- passou a viver em casa de familiares e fora de Kinshasa, por ser procurado em sua casa, desconhece porquê, poderia ser por ter visto muitas pessoas mortas no dia da manifestação, o que o levou a abandonar a RDC em fevereiro de 2015;
- refere ter ligações ao partido político .............., que apoiava desde que entrou na universidade, por a sua ideologia poder fazer avançar o país;
- diz que se filiou em 2014 e participava nas reuniões do partido no seu bairro (apesar do cartão de militante indicar o ano de 2012 e não ter indicação do titular);
- antes de vir para Portugal, passou por Angola e pelo Brasil.
Ora, ainda que das declarações prestadas pelo recorrente se retirem algumas contradições, como a entidade recorrida assinala, não se descortina que apenas tenham sido invocadas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária.
Tenha-se aqui em consideração que se exige nesta sede ao Estado que aprecia o pedido de asilo uma cooperação ativa com o requerente, havendo que recolher junto de diversas fontes não estatais – como o ACNUR, a EASO ou outras organizações de defesa de direitos humanos - as informações mais atuais e necessárias para apreciar aquele pedido (cf. Ana Rita Gil, “A garantia de um procedimento justo no Direito Europeu de Asilo”, CEJ - O contencioso do direito de asilo e proteção subsidiária, 2016, págs. 242/243).
Por outro lado, no preenchimento do conceito de perseguição para efeitos de atribuição do direito de asilo, impõe-se fazer-se uma abordagem holística, olhando para a situação como um todo, admitindo-se que as motivações económicas, relacionadas com a pobreza ou a falta de oportunidades, também concorram para a motivação do requerente, o que não afastará a existência de atos de perseguição se existirem motivações fortes do ponto de vista da ofensa grave, intencional e discriminatória aos direitos fundamentais do requerente que justificam a necessidade de proteção internacional (cf. Andreia Sofia de Oliveira, “Introdução ao Direito de Asilo”, op. cit., págs. 52/53).
No caso vertente estamos ainda numa fase liminar de apreciação do pedido, em que se atendeu unicamente às declarações prestadas pelo recorrente, considerando-se na decisão impugnada que apenas tinham sido enunciadas pelo requerente questões não pertinentes ou de relevância mínima.
Contudo, uma análise ainda que muito perfunctória do passado recente na República Democrática do Congo permite dar algum suporte ao invocado pelo recorrente, no que respeita à existência de confrontos com motivação política, atos violentos de repressão das forças de segurança e serviços oficiais de inteligência contra ativistas e opositores políticos, e a sua prisão, bem como o encerramento de meios de comunicação social, vejam-se a título de exemplo:
http://www.ecoi.net/local_link/318338/443518_en.html;
https://www.hrw.org/africa/democratic-republic-congo;
http://www.refworld.org/docid/54c796864.html.
Não estão, pois, em causa questões não pertinentes ou de relevância mínima.
Porque assim é, não se pode manter a decisão da Direção Nacional do SEF, ao considerar o pedido de proteção internacional infundado, por se enquadrar na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, ao invés de correr os seus termos de acordo com o respetivo artigo 18.º.
Vejam-se ainda, decidindo neste sentido quanto a situações semelhantes, os acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 28/02/2018, proc. n.º 1915/17.2BELSB, de 19/04/2018, proc. n.º 2749/16.7BELSB, e de 08/11/2018, proc. n.º 1087/18.5BELSB, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/).
Termos em que se impõe concluir pela revogação da decisão recorrida e pela anulação da decisão da Direção Nacional do SEF, datada de 3 de setembro de 2018.
Mais cumprirá determinar à entidade recorrida que retome o indicado procedimento, que deve ser tramitado nos termos previstos no artigo 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, averiguando-se sobre a situação política-económica-social na República Democrática do Congo e ponderando-se a concreta situação do requerente do pedido de proteção subsidiária e do respetivo agregado familiar.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e assim:
- revogar a sentença recorrida;
- anular a decisão da Direção Nacional do SEF de 03/09/2018;
- determinar ao SEF que retome o indicado procedimento, que deve ser tramitado nos termos previstos no artigo 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, averiguando-se sobre a situação política-económica-social na República Democrática do Congo e ponderando-se a concreta situação do requerente do pedido de proteção subsidiária e do respetivo agregado familiar.
Sem custas, atento o disposto no artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho.

Lisboa, 21 de março de 2019.
(Pedro Nuno Figueiredo)


(Carlos Araújo)


(Sofia David)