Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:558/11.9BELRS
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:01/17/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores: DISPENSA DE PROVA
IRRECORRIBILIDADE
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
Sumário:1. Face ao preceituado nos art.ºs 113.º e 114.º do CPPT, o juiz tem a faculdade de, segundo juízos de oportunidade pessoais, poder dispensar a produção da prova testemunhal arrolada, se considerar, segundo o seu prudente juízo valorativo, que os autos disponibilizam, já e antes do momento azado à produção daquela (prova testemunhal) os elementos de facto necessários e bastantes à decisão de mérito a proferir, à luz das possíveis soluções de direito, o que significa que tal situação (de dispensa de produção de prova testemunhal arrolada), não consubstancia nenhuma violação de qualquer acto/formalidade imposta por lei, no caso a respectiva inquirição, já que é a própria lei que expressamente atribui ao juiz a faculdade de dela poder prescindir. E não se vislumbra compatível que, de um passo, se confira ao juiz o poder de não produzir prova requerida pelas partes litigantes, designadamente a testemunhal e, de outro e em simultâneo, se sancione a utilização de tal poder com um vício de forma fulminado com a nulidade.
2. Os administradores da Insolvência incorrem em responsabilidade subsidiária, a efectivar nos termos do art.º24.º da LGT, pela prática de actos relacionados com o exercício da sua actividade de administração e liquidação da sociedade insolvente;
3. Mas não respondem pelas dívidas vencidas ou liquidadas após a declaração judicial de insolvência mas constituídas anteriormente, pois essas nem respeitam ao exercício da sua actividade de A.I., nem integram os créditos sobre a massa insolvente
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre:

(i) Do despacho interlocutório da Mma. juiz do Tribunal Tributário de Lisboa datado de 09/03/2009 e exarado a fls.179, que nos autos de oposição deduzida por R………… à execução fiscal n.º……… contra ele revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “P….. – STCMI, Lda.” por dívidas provenientes de IVA e de IRC dos anos de 2006 e 2007, perfazendo o valor de 25.743,05 Euros, indeferiu a produção da prova testemunhal requerida na contestação;
(ii) da sentença final que nos mesmos autos julgou procedente a oposição à execução fiscal.

O Recorrente termina as alegações do recurso do despacho interlocutório com as seguintes «Conclusões:
"Texto integral com imagem"
O recurso foi admitido para subir com o que vier a ser interposto da decisão final.
Não foram apresentadas contra-alegações no recurso do despacho interlocutório.

O Recorrente termina as alegações do recurso da sentença final com as seguintes «Conclusões:

«A) In casu, com elevado respeito pelo respeitoso areópago a quo, na humilde perspectiva jurídico-factual da aqui Recorrente, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 24.º/n.º1, art. 23.º, n.º 1 e 2, e art. 26.º da LGT; art. 153.º, n.º 2 e art. 180.º, n.º 6 do CPPT,

B) assim como, deveria ter sido melhor valorado e considerado pelo respeitoso Areópago a quo, o acervo documental constante dos autos, maxime de fls. 38 e sgs. dos autos e fls. 78 a 80 dos autos,

C) E também, a factualidade dada como assente nas alíneas b), c) e d) do probatório.

D) Tudo, devidamente condimentado com o Princípio da Legalidade, o Princípio da Justiça, o Principio do Pro Actione, o Principio da prevalência da verdade material sob a verdade formal, conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que,

E) Se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pela Recorrida, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela inexistência de uma qualquer ilegitimidade do Oponente no âmbito da execução fiscal sub judice.

F) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado do item 15º ao 35.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.

G) Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o respeitoso Areópago a quo, preconizou erro de julgamento.

H) O sobredito “erro de julgamento” foi como que causa adequada para que fosse preconizada uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente.


NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui
douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada

JUSTIÇA!».

O Recorrido apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes «Conclusões:


».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso e manutenção do julgado.

Com dispensa de vistos atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC),são estas as questões que importa resolver: (i) No recurso do despacho interlocutório: se o indeferimento da prova requerida na contestação violou o princípio do contraditório e impediu o Recorrente de fazer prova do por si alegado com interesse para a decisão da causa; (ii) No recurso da sentença: indagar do regime de responsabilidade aplicável ao Administrador da Insolvência por falta de pagamento das dívidas da sociedade insolvente relativas ao período da sua administração.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:
«FACTOS PROVADOS:

a) A presente oposição refere-se ao processo de execução fiscal n.º ….., instaurado pelo serviço de finanças de Lisboa-11, à sociedade P….. - STCMI Ld.ª para cobrança coerciva da quantia de € 25.743,05 (vinte e cinco mil, setecentos e quarenta e três euros e cinco cêntimos), relativa a dívidas de IVA e de IRC, dos anos de 2006 e 2007 - certidões de dívida, juntas a fls. 33 e segs. e informação de fls. 30 e 31 dos autos, cujos conteúdos aqui se dão por integralmente reproduzidos.

b) Por sentença, proferida em 11/06/2007, no processo de insolvência, que correu os seus termos no 2.º juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, sob o número 1202/06.1 TYLSB, foi a sociedade P…… - STCMI Ld.ª, declarada insolvente e, foi nomeado administrador da insolvência o ora oponente R……. - sentença junta a fls. 38 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

c) A dívida exequenda, identificada em a) foi revertida contra o ora oponente, na qualidade de devedor subsidiário, de acordo com o disposto nas alíneas a) e b), do n.º1, do artigo 24.º da LGT, “proveniente da sua nomeação de administrador judicial em processo de falência” - despacho de reversão, junto de fls. 78 a fls. 80 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

d) Concretamente, o despacho de reversão baseou-se no projecto de reversão antecedente, constituindo fundamentos da reversão efectuada, em síntese, os seguintes:
“Tendo todos os bens da insolvente sido apreendidos no âmbito do processo de insolvência e não havendo outros bens em nome da devedora originária, ora executada, que respondam pelo pagamento da dívida, estão pois verificadas as condições previstas nos termos do n.º2 do artigo 153.º do CPPT para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, de acordo com a legislação em vigor no momento do exercício do seu cargo e no momento de constituição de responsabilidade revertendo assim contra estes a execução (…)
1. Relativamente ao facto tributário
Verifica-se que o facto tributário ocorreu já na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), assim nos termos da alínea a) do n.º1 do seu artigo 24.º os gerentes e administradores serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas da sociedade, mediante prova de culpa a efectivar pela Administração Tributária.
2. Relativamente à obrigação de pagamento
Verifica-se que a obrigação de pagamento ocorreu já na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), assim nos termos da alínea b) do n.º1 do seu artigo 24.º os gerentes e administradores que exerçam, ainda que somente de facto, funções de gestão em pessoas colectivas ou equiparadas serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas da sociedade, cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Assim, em face da informação que antecede e considerando os momentos de constituição da responsabilidade subsidiária, ao conjugar estes com a legislação então vigente, temos que é (solidariamente responsável pelo pagamento das dívidas descriminadas em anexo:
R…… reponde pelo pagamento de (…) relativo ao seu período de gerência, proveniente da sua nomeação de administrador judicial em processo de falência, pela sentença n.º 1 202/07 de 11-06-2007 do Tribunal do Comércio de Lisboa – 2.º Juízo – Insolvente P…… STCMI Lda.
Face ao disposto no n.º4 do artigo 23.º e do artigo 60.º da LGT, proceda-se à notificação dos interessados para efeitos do exercício do direito de audição prévia (…)” – citado projecto de reversão, junto a fls. 52 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
*
4.2.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem com relevo para a decisão a proferir.
*

4.3.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, na análise dos documentos juntos aos autos, infra identificados, a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo teor não foi impugnado por qualquer das partes.

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i) Quanto ao recurso do despacho interlocutório exarado a fls.179

No caso vertente, a Mma. juiz decidiu não proceder à produção da prova testemunhal requerida na douta contestação (cf. fls.156), na consideração de que, com interesse para a decisão, não tinham sido articulados quaisquer factos carecidos desse meio de prova.

Como é sabido, a prova testemunhal, destina-se, em função da parte que a apresente, à demonstração, em juízo, dos fundamentos da acção ou da defesa.

Como resulta do acima exposto, o Recorrente sindica, desde logo, a decisão consubstanciada no despacho judicial de fls. 179 dos autos e, pelo qual, a Mm.ª juiz considerou dispensável a produção da prova testemunhal arrolada por aquele e com a qual, pretendia, nos termos das suas próprias alegações e conclusões (cf. Conclusão 9.ª), demonstrar factualidade invocada na contestação e habilitar-se à contraprova dos factos contra si alegados.

Crê-se, contudo, que não lhe assiste a razão.

Diga-se que, nesta matéria, o que se conhece é a orientação jurisprudencial vertida no Acórdão do STA de 10/07/2010, tirado no proc.º025998, que entende que, em casos como o dos autos, estaremos perante a ocorrência de vício formal de nulidade, a coberto do disposto no art.º 201.º, do CPC/61 (corresponde ao actual 195.º), aplicável subsidiariamente, ex vi do 2.º, alínea e) do CPPT.

Contudo, e com o devido respeito, que muito é, por quem defende tal entendimento, propendemos, no entanto, no sentido de que, em situações como a vertente (em que foi prolatada sentença sem produção da prova testemunhal arrolada por qualquer das partes e, nomeadamente, pela Fazenda Pública), não ocorre qualquer vício de forma.

E não ocorre, porque, desde logo e liminarmente, para que assim fosse, era, por força do art.º 201.º, do CPC, para aqui convocável, a nosso ver, necessário que tal diligência fosse imposta, no sentido de inexoravelmente vinculadas, ou no dizer do preceito, prescrita por lei, para além de poder influir no exame ou na decisão da causa; Ou seja, e ao que aqui releva, para além de ter de se tratar de formalidade omitida cuja ausência não assegure, no dizer do Prof. A. dos Reis, in “Comentário ao CPC”, vol. II, págs.481 e seguintes, “(...) a instrução , a discussão e o julgamento regular do pleito”, assim devendo ser entendida a exigência de que a “(...) irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa” tem, ainda, de se tratar de formalidade imposta por lei , no sentido de a verificação de tal formalidade não estar, em circunstância alguma, sujeita a avaliação, segundo critérios de oportunidade, por parte do juiz.

Ora, no que a esta matéria diz respeito e como resulta, ao que aqui releva, indiscutível, face ao preceituado nos artigos 113.º e 114.º do CPPT, o juiz tem a faculdade de, segundo juízos de oportunidade pessoais, poder dispensar a produção da prova testemunhal arrolada, se considerar, segundo o seu prudente juízo valorativo, que os autos disponibilizam, já e antes do momento próprio à produção daquela (prova testemunhal) os elementos de facto necessários e bastantes à decisão de mérito a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

E, assim sendo, temos por manifesto que, tal situação (de dispensa de produção de prova testemunhal arrolada), não consubstancia nenhuma violação de qualquer acto/formalidade imposta por lei, no caso a respectiva inquirição, já que é a própria lei que expressamente atribui ao juiz a faculdade de dela poder prescindir; E não se vislumbra compatível que, de um passo, se confira ao juiz o poder de não produzir a prova requerida pelas partes litigantes, designadamente a testemunhal e, de outro e em simultâneo, se sancione a utilização de tal poder com um vício de forma fulminado com a nulidade.

Mas e por maioria de razão, esta mesma linha argumentativa leva a que se conclua, ainda também e, por outro lado, que o despacho em questão, não é recorrível autonomamente com fundamento em erro de julgamento.

É evidente que aquela conclusiva avaliação do juiz e que suporta a sua decisão de prescindir da inquirição das testemunhas arroladas pode estar inquinada de erro, isto é, pode ter considerado, à luz das soluções jurídicas que postule como possíveis ao caso em apreciação, que os factos invocados não eram susceptíveis de prova testemunhal (ou que os elementos provados já disponíveis eram bastantes e suficientes), sem que tal tenha, efectivamente, aderência à realidade.

Mas então, o que ocorrerá, a nosso modo de ver, não será nenhum vício de forma, ou de fundo, do despacho que prescinda da produção da prova testemunhal mas, antes e de facto, daquela última natureza (de fundo), consubstanciado em erro de julgamento, mas da decisão final que venha a ser proferida, nessa medida inquinando o seu valor doutrinal da decisão proferida, por carecida da prova prescindida; Por isso que, a nosso modo de ver, o recurso a interpor pela parte que se sinta prejudicada, não será do despacho judicial que se limite a prescindir da produção da prova testemunhal, mas antes da decisão subsequente que se mostre inquinada, na sequência daquela de não inquirição de testemunhas, por erro de julgamento quanto à matéria de facto, ou seja e no caso que aqui nos ocupa, da decisão final de mérito.

“Ex abundanti” sempre se dirá que o recurso sempre estaria votado ao insucesso com os fundamentos invocados de preterição dos princípios do inquisitório, do contraditório e da igualdade das partes, pois os recursos visam atacar os fundamentos da decisão impugnada e se esta refere que “não se vislumbra na douta contestação da Fazenda Pública factos que careçam de ser confirmados mediante depoimento testemunhal, atenta a prova documental já junta aos autos” (cf. fls.179), ao Recorrente impunha-se indicar quais os factos articulados na douta contestação que, afinal, careciam dessa prova adicional ou que factos articulados pela parte contrária pretenderia contraditar com a inquirição das testemunhas por si arroladas, não se mostrando bastante a prova documental dos autos.

O que não pode é ser genericamente afirmado, como faz o Recorrente, que o indeferimento da prova testemunhal é per si uma violação do inquisitório, do contraditório e da igualdade das partes, pois não é pelo facto de o Tribunal ajuizar que não há factos alegados carecidos de produção de prova testemunhal que o inquisitório e o contraditório são postergados bem como o princípio da igualdade, além de que o Recorrente teve oportunidade de se pronunciar em alegações sobre a prova que foi produzida no âmbito do processo e não há ausência de conhecimento do que se processou e produziu no âmbito da oposição.

Consequentemente, forçoso se impõe concluir pela improcedência do recurso interposto do despacho interlocutório exarado a fls. 204 do processo físico.

Com interesse e na linha do aqui decidido, podem ver-se, entre outros, os Acórdãos do TCA Norte de 07/06/2018, tirado no proc.º 00295/12.7BEVIS (Rel. Pedro Vergueiro) e do TCA Sul, de 01/06/2004, tirado no proc.º 01313/03 (Rel. Eugénio Sequeira) e de 29/09/2009, tirado no proc.º 03077/09 (Rel. Lucas Martins).

ii) Quanto ao Recurso da Decisão de Mérito

Mostram os autos e o probatório que foi instaurada contra a sociedade “P…… – STCMI, Lda.” execução fiscal por dívidas, nomeadamente, de IVA e IRC dos anos de 2006 e 2007, no montante de 25.743,05€.

Entretanto, por sentença de 11/06/2007 do Tribunal do Comércio de Lisboa foi, a sociedade executada, declarada insolvente e nomeado administrador da Insolvência o ora oponente/Recorrido, R…….. .

Por despacho executivo de 01/09/2010 exarado a fls.78/80 dos autos, as dívidas reverteram contra o oponente/Recorrido, em suma, no entendimento de que “nos impostos ora exigidos em execução fiscal, o período de pagamento coincide com o exercício pleno, cabal e efectivo por quem exercia o cargo de administrador.
Assim sendo, o incumprimento da sua obrigação de pagamento, resultou numa alteração da situação tributária da sociedade, que conduziu posteriormente à instauração dos processos de execução fiscal.
Conclui-se, pois, que as responsabilidades e obrigações, devem ser pontualmente cumpridas pelas entidades [pessoas] que assumirem o compromisso para o qual foram nomeadas, facto esse que possibilita a reversão contra os administradores da insolvência, fundamentada nos termos consagrados na LGT – art.º24.º, n.º1 al. a) e b).
Pelo exposto, em cumprimento da lei, não poderá deixar de ser accionado contra o requerente a responsabilidade subsidiária através do instituto da reversão”.

Da citação (cf. fls.81), constam expressamente como fundamentos da reversão, os seguintes: «Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º23.º/ n.º2 da LGT)».
«Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, inda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes na insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo [art.º24.º/n.º1/a) LGT].»



A sentença não validou a reversão ancorada no douto parecer do Ministério Público em que propugnara pela ilegitimidade substantiva do oponente para a execução, tendo discreteado assim:

«Retornando agora aos autos e, tal como refere o Digno Magistrado do Ministério Público, para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas (artigo 22.º, n.º2 da LGT).
Ora, apenas a responsabilidade subsidiária, que é a regra em processo tributário, é efectuada por reversão no processo de execução fiscal, dependendo de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis subsidiários (artigo 23.º, n.º1 e n.º2 da LGT), sendo os responsáveis subsidiários das sociedades os seus administradores e gestores, que respondem, nos termos previstos no artigo 24.º da LGT.
Já os liquidatários das sociedades ou administradores da insolvência não respondem de acordo com o preceito contido no artigo 24.º da LGT, dispositivo que não lhes é aplicável “por identidade de razões”, pois que, a responsabilidade dos liquidatários e administradores de insolvência é decalcada pelo disposto no artigo 26.º da LGT e é, em princípio, uma responsabilidade solidária.
Não releva para os autos a responsabilidade subsidiária prevista no artigo 181.º, n.º2 do CPPT, pois que, não vem invocado nem provado que, o ora oponente, na qualidade de administrador da insolvência, não requereu a avocação dos processos de execução ao processo de insolvência.
Ora, aquela responsabilidade solidária, com a do devedor principal, afastará a responsabilidade subsidiária prevista no artigo 23.º, n.º2 e 24.º da LGT (neste sentido vide Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa em “Lei Geral Tributária anotada e comentada” Áreas Editores, 4.º Ed.ª, 2012, pág. 257).
Não é, contudo, o administrador da insolvência responsável solidariamente em conjunto com o devedor principal, pelo simples facto do exercício daquele cargo, conforme analisaremos infra.
Efectivamente, ao Administrador da insolvência, após a declaração judicial de insolvência, compete administrar os bens da massa insolvente, mantendo-se os órgãos sociais em funcionamento, conforme dispõem os artigos 81.º e 83.º do CIRE.
Pelo que, apenas no caso de não satisfação das dívidas fiscais, a responsabilidade do liquidatário/ administrador da insolvência é uma responsabilidade solidária, em conjunto com o devedor principal (artigo 26.º, n.º1 da LGT).
Contudo, quando a liquidação ocorra em processo de falência, os liquidatários devem satisfazer os débitos fiscais em conformidade com a ordem prescrita na sentença de verificação e graduação dos créditos, aí proferida, pelo que, a responsabilidade do administrador da insolvência se consubstancia no não pagamento das dívidas fiscais, de acordo com o prescrito na referida sentença de verificação e graduação de créditos.
Ora, conforme consta do probatório, a responsabilidade imputada ao ora oponente, na qualidade de administrador da insolvência não lhe foi imputada, de acordo com o disposto no artigo 26.º da LGT, por não ter satisfeito os débitos fiscais de acordo com a ordem prescrita na sentença de graduação de créditos, ou ainda de acordo com o disposto no artigo 181.º, n.º2 do CPPT, por não ter requerido a avocação dos processos de execução fiscal.
O que consta do probatório é que foi imputada ao administrador da insolvência, uma responsabilidade subsidiária, ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º1, alíneas a) e b) da LGT, por o OEF ter entendido que, o administrador da insolvência exerceu, de facto, a administração da sociedade, quando foi nomeado para o cargo de administrador da insolvência.
Contudo e salvo o devido respeito, os preceitos contidos nos vários números do artigo 24.º da LGT são aplicáveis apenas aos membros dos corpos sociais das sociedades (administradores e gerentes e membros dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas), bem como aos responsáveis técnicos (técnicos oficiais de contas), caso se encontrem preenchidos os pressupostos contidos no referido preceito.
Não é aplicável o regime da responsabilidade subsidiária, contida no artigo 24.º da LGT ao administrador da insolvência, pelo que, tal como refere o Digno Magistrado do Ministério Público o despacho de reversão padece de ilegalidade, violando o disposto nos artigos 23.º, n.ºs 1 e 2, 24.º, n.º1 e 26.º da LGT.
Assim, uma vez que a reversão fundada na responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.º da LGT se não aplica ao administrador da insolvência, por força do regime contido no artigo 26.º daquele diploma legal, o ora oponente é parte ilegítima na execução.
Procede, pois, a oposição.».

Ou seja, no entendimento da Mma. juiz recorrida o regime de responsabilidade subsidiária previsto no n.º1 do art.º24.º da LGT não se aplica aos administradores da insolvência.

Vejamos o que se nos oferece dizer sobre tal questão.

A Administração tributária, tanto quanto alcançamos, não prescinde do cumprimento das obrigações fiscais, declarativas e de pagamento, do devedor insolvente.

Compreende-se a sua posição. A declaração de insolvência constitui um dos fundamentos de dissolução das sociedades (art.º141.º, n.º1, alínea e) do CSC).

Dispõe o n.º1 do art.º146.º do mesmo CSC que «Salvo quando a lei disponha de forma diversa, a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, nos termos dos artigos seguintes do presente capítulo, aplicando-se ainda, nos casos de insolvência e nos casos expressamente previstos na lei de liquidação judicial, o disposto nas respectivas leis de processo».

Estabelece o n.º2 do mesmo preceito que a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica.

As sociedades em liquidação podem praticar operações tributáveis em IVA e IRC (art.º15.º da LGT), bem como ser confrontadas com créditos fiscais constituídos anteriormente mas só exigíveis após a dissolução, já para não falar das obrigações declarativas reportadas a actividade e operações tributáveis anteriores e posteriores à dissolução (art.73.º, do CIRC).


Por outro lado, estabelece o n.º1 do art.º81.º do CIRE que «Sem prejuízo do disposto no título X [Administração pelo devedor], a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência», dispondo o seu n.º4 que «O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência».

Como decorre do art.º47.º, n.º1 do CIRE, “Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência…”.

Assim, estando em causa créditos fiscais vencidos ou liquidados após a declaração de insolvência da sociedade devedora, mas cujo facto constitutivo é anterior, os mesmos não podiam ser reclamados no processo falimentar, nem a AT exigir o seu pagamento por conta da massa insolvente em detrimento dos restantes credores (cf. art.º180.º, n.º6 do CPPT).

Ora, só com relação a obrigações fiscais (art.º31.º da LGT), declarativas ou de pagamento, em falta, que se prendem com a própria actividade de administração e liquidação da massa insolvente (no fundo, dívidas da massa insolvente), se pode sustentar a aplicabilidade do regime de responsabilidade subsidiária, previsto no art.º24.º da LGT, ao Administrador da Insolvência, pois é ele quem de direito e de facto administra a insolvente, nessa medida, preenchendo em abstracto os pressupostos da responsabilidade subsidiária previstos no art.º24.º, n.º1 da LGT (cf. art.º51.º, n.º1 alíneas c) e d) do CIRE e Ac. do TRG, de 12/07/2016, tirado no proc.º334/12.1IDBRG.G1, em cujo sumário pode ler-se: «Estando em causa a venda de bens móveis apreendidos à ordem do processo de insolvência, sobre a qual o arguido liquidou e recebeu dos compradores, o IVA, venda essa que ocorreu em data posterior à declaração de insolvência, estava o arguido obrigado a declarar e a entregar à autoridade tributária o valor do IVA que liquidou e recebeu dos compradores dos bens vendidos, seja através da declaração periódica apresentada, seja através da declaração imediata de acto isolado, mediante o modelo P2».

Dispõe o n.º3 do art.º26.º da LGT que “Quando a liquidação ocorra e processo de falência, devem os liquidatários satisfazer os débitos fiscais em conformidade com a ordem prescrita na sentença de verificação e graduação dos créditos nele proferida», parecendo sustentar-se na sentença que pela violação desse preceito os liquidatários responderiam pessoal e solidariamente pelas importâncias em falta, nos termos do seu n.º1.

Mas salvo o devido respeito, não é disso que tratam os autos, pois o que está em causa não é qualquer liquidação desconforme com a sentença de graduação, mas sim, o eventual incumprimento de obrigações declarativas ou de pagamento coincidentes com o período de exercício do cargo de Administrador da Insolvência, gerador de débitos fiscais que podem nem sequer ter sido reconhecidos como dívidas da massa insolvente.

Repetindo o que acima deixamos escrito, é nosso entendimento que o regime de responsabilidade subsidiária previsto no art.º24.º, n.º1 da LGT, apenas é de aplicar aos administradores da insolvência por créditos fiscais emergentes da sua própria actividade de administração e liquidação dos bens da massa.

Regressando aos autos, a verdade é que os mesmos não informam qual é o facto constitutivo das obrigações revertidas de IVA e IRC reportadas ao ano de 2007 (realçando-se que o oponente refere reportar-se a dívida de IVA ao 4.ºT/2007, portanto, a período posterior à da sentença declarativa de insolvência, de 11/06/2007 – (cf. art.º26.º da douta P.I.).

É pois mister que os autos baixem à 1.ª instância, devido a deficit instrutório, para averiguar tal facto, e, em resultado dessa diligência e de outras que eventualmente venham a revelar-se necessárias, seja proferida nova sentença de acordo com a orientação jurídica preconizada por este Tribunal.

Este recurso merece provimento, tendo a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento ao concluir que o regime de responsabilidade subsidiária previsto no art.º24.º, n.º1 da LGT não tem aplicabilidade aos Administradores da Insolvência, resolvendo-se a sua responsabilidade nos termos do disposto no art.º26.º da LGT.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

i) Negar provimento ao recurso do despacho interlocutório;
ii) Conceder provimento ao recurso da sentença final, revogar a mesma e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, para instrução e nova decisão de acordo com a solução jurídica preconizada por este tribunal.

Sem custas.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2019



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Vital Lopes




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Patrícia Manuel Pires




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Joaquim Condesso