Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:393/21.6BEBJA-S1
Secção:CA
Data do Acordão:04/21/2022
Relator:ALDA NUNES
Descritores:LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO DO ATO DE ADJUDICAÇÃO
ART 103ºA, Nº 4 DO CPTA, NA REDAÇÃO QUE LHE FOI DADA PELA LEI Nº 30/2021, DE 21.5
Sumário:Nos termos do art 103ºA, nº 4 do CPTA, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 30/2021, de 21.5, o efeito suspensivo automático deverá ser levantado se o juiz concluir, através da ponderação dos interesses em presença, que a sua manutenção consubstancia um prejuízo superior, para o interesse público ou para o interesse privado, aos que podem resultar do seu levantamento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório
Associação de Desenvolvimento Regional Portas do Património – APT recorre da decisão de 12.1.2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo do acto impugnado - decisão de 11.11.2021 que adjudicou a empreitada de Valorização e Conservação do Convento de Nossa Senhora da Conceição _ Museu Rainha Dona Leonor, em Beja, à empresa M… – Reabilitação d…, Lda.
As alegações de recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões:

1. A decisão recorrida assume a “… essencialidade da realização de obras públicas de valorização e conservação do Convento de Nossa Senhora da Conceição – Museu Rainha Dona Leonor, em Beja, que no caso é um interesse de carácter público”. (§ 1 1 de fls. 21 da decisão)
2. Porém, decide pelo não levantamento do efeito suspensivo automático do presente processo.
3. O que faz, por um lado, por considerar que tendo o estado de degradação do edifício e do acervo sido gradual, não se afigura que a suspensão perturbe o interesse público que a R. visa acautelar – precisamente, a integridade dos referidos edifício e acervo.
4. E que a sentença dos presentes autos será emitida em “parcas semanas”.
5. E, por outro, por considerar que, face às regras do financiamento, ao contrário do que a R. defendeu na sua contestação, o prazo para finalizar os trabalhos é 31.12.2023 e não 30.06.2023.
6. De onde conclui que a não manutenção do efeito suspensivo – com a subsequente realização dos trabalhos pela adjudicatária – causa uma situação de facto consumado irreversível.
7. De tal modo que não reputa como maiores os danos ao interesse público resultantes do não levantamento do efeito suspensivo, em relação aos que se produzirão na esfera jurídica das AA. com o seu levantamento.
8. Sucede que, de facto, o não levantamento do efeito suspensivo causará ao interesse público um prejuízo inevitável e irremediável, que se traduz em danos graves e definitivos no edifício do Museu e nas peças que compõem o seu acervo, cujo valor é incalculável.
9. O que se encontra atestado por avaliações técnicas efetuadas por entidades públicas, sendo uma delas a responsável pela tutela do património cultural da Região.
10. Avaliações estas juntas com a contestação e que a decisão em momento algum renega.
11. Por outro lado, é sabido que, infelizmente, mesmo em processos urgentes, o TAF de Beja não costuma emitir sentenças no prazo de semanas, mas sim de vários meses.
12. Sendo igualmente sabido que, seja quando for emitida a sentença, esta não transita imediatamente em julgado.
13. Podendo ainda ser recorrida.
14. O que facilmente levará a que apenas haja uma decisão definitiva daqui a muitos meses.
15. Finalmente, a decisão assume que o prazo final para efeitos de financiamento é de 31.12.2023, quando o prazo final é 30.06.2023, apenas podendo vir a ser 31.12.2023 em casos que a Autoridade de Gestão repute de “verdadeiramente excecionais”.
16. Ora, não constam do processo quaisquer dados de onde se possam inferir quais os critérios de eventual consideração de uma situação como de excecionalidade.
17. Pelo que é abusivo e – atento a perspetiva do interesse público que a R. pretende acautelar – temerário dar-se por adquirido que a presente situação será assim tida pela Autoridade de Gestão.
18. Ademais, a decisão tem – erradamente – em conta que o que releva para efeitos de financiamento é o final dos trabalhos, quando não é assim.
19. Na verdade, o que releva é a total quitação de todas as despesas da empreitada, o que só acontecerá inevitável (e legalmente) muito após o fim dos trabalhos, cuja realização em tempo já de si questionável.
20. Pelo que evidente se torna que, ao contrário do que expressamente se diz na decisão recorrida, mesmo atenta a natureza urgente do presente processo, a manutenção do seu efeito suspensivo certamente impedirá a conclusão do projeto de financiamento (e não dos trabalhos, o que, para o efeito, em nada releva) no prazo legal.
21. Assim inviabilizando o financiamento e, consequência direta, a realização dos projetados e urgentes trabalhos.
22. Caso o efeito suspensivo seja levantado, a obra será executada pela concorrente adjudicatária, dando-se assim uma situação de facto consumado irreversível.
23. Sucede que o que será irreversível é que o consórcio que as AA. constituem seja colocado na situação de adjudicatário e, em consequência, que leve a cabo os trabalhos da empreitada.
24. Porém, não haverá qualquer irreversibilidade ou impossibilidade no que toca à compensação das AA. pelos danos que esta situação eventualmente lhe possa causar.
25. Pois que, sendo os trabalhos realizados por terceiros, em caso de vencimento na ação (o que se admite por mera hipótese e sem conceder), sempre as AA. poderão exigir indemnização por todos os prejuízos que vierem a sofrer.
26. Porém a eventual irreversibilidade dos efeitos do levantamento não é essencial à sua ponderação.
27. O efeito suspensivo é levantado não quando inexista qualquer efeito irreversível, mas sim quando, “…devidamente ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”. (n.º 4 do art.º 103.º-A CPTA)
28. No caso, conforme se julga ter deixado provado, o prejuízo causado ao interesse público em causa com o não levantamento do efeito suspensivo é a impossibilidade de realização dos trabalhos e a existência de prejuízos irreparáveis no edifício e no acervo museológico.
29. Sendo que o prejuízo causado ao interesse privado em causa é a não realização dos trabalhos da empreitada e, assim, a não obtenção dos lucros esperados.
30. Sucede que os danos causados ao referido interesse público serão irreparáveis.
31. No entanto, os prejuízos que eventualmente vierem a ser causados ao interesse privado podem de forma simples e célere ser compensados, por via de uma indemnização.
32. Tudo pelo que os prejuízos que resultam da manutenção do efeito suspensivo da presente ação se mostram muito superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
33. O que, com os dados de que dispunha e validou, deveria ter sido constatado pela decisão recorrida, assim levantando o efeito suspensivo em causa.
34. Ao não fazê-lo, violou a decisão recorrida o disposto no n.º 4 do art.º 103.º-A do CPTA.
35. Em consequência do que deve ser revogada e substituída por outra que levante de imediato o efeito suspensivo dos presentes autos.

Não foram apresentadas contra-alegações de recurso.

Neste Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º do CPTA, não emitiu pronúncia.

Com dispensa dos vistos legais, atento o seu carácter urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

Objeto do recurso:
A questão suscitada pelo recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduz-se em apreciar se a decisão recorrida errou ao ter concluído que não se verificavam os pressupostos previstos na lei, no art 103º-A, nº 4 do CPTA, para o levantamento do efeito suspensivo automático, com o que indeferiu o mesmo pedido incidental.


Fundamentação
De facto:
Com relevo para a decisão do incidente o tribunal a quo julgou indiciariamente provados os seguintes factos, com base na posição assumida pelas partes e na prova documental constante do processo administrativo:

1. Em 22/01/2021, foi realizada uma vistoria conjunta por técnicos da Direção Regional de Cultura do Alentejo e da Câmara Municipal de Beja – cf. documento 1 junto com a Contestação da Entidade Demandada;

2. Em 02/02/2021, na sequência da vistoria referida no ponto anterior, foi elaborado um relatório, subscrito por técnicos da Direção Regional de Beja, da Proteção Civil de Beja e da Câmara Municipal de Beja, cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido, e nos termos do qual se concluiu o seguinte:





























- cf. documento 1 junto com a Contestação da Entidade Demandada;

1. Em 06/04/2021, foi publicado o anúncio de procedimento nº 4423/2021, no Diário da República nº 66/2021, II Série, de 06-04-2021, com a abertura do Concurso Público para Adjudicação da Empreitada da Obras Públicas de “Valorização e Conservação do Convento de Nossa Senhora da Conceição – Museu Rainha Dona Leonor, em Beja”, tendo como valor base do procedimento, o montante de €. 1.436,000,00 – cf. documento 1 junto com a PI;

2. Em 29/04/2021, e na sequência do início do procedimento pré-contratual referido no ponto anterior, as Autoras, em consórcio, apresentaram a sua proposta, no valor de € 1.183.096,09 (um milhão, cento e oitenta e três mil, noventa e seis euros e nove cêntimos), ao qual acrescia IVA à taxa legal em vigor – cf. documentos 4 e 5 juntos com a PI;

3. Em 06/06/2021, o Júri do procedimento emitiu o Relatório Preliminar de Análise das propostas recebidas, decidindo pela exclusão da proposta das Autoras, e pela

adjudicação da Empreitada à M… – Reabilitação d…, Lda. – cf. documento 6 junto com a PI;

4. Em 19/07/2021, as Autoras exerceram o direito de audiência prévia – cf. documentos 7 e 8 juntos com a PI;

5. Em 10/09/2021, o Júri do procedimento apresentou o Relatório Final de Análise das Propostas, submetido em 11/11/2021, tendo decidido pela manutenção da proposta de adjudicação constante do Relatório Preliminar à concorrente e ora Contrainteressada, M… – Reabilitação d…, Lda., não tendo dado provimento às reclamações apresentadas, nomeadamente, pelas Autoras – cf. documentos 7 e 9 juntos com a PI;

6. Em 11/11/2021, a decisão referida no ponto anterior foi notificada aos concorrentes através da plataforma eletrónica utilizada pela Entidade Adjudicante Safe – cf. documento 9 junto com a PI;

7. Em 17/12/2021, foi proferido um relatório pela Direção Regional de Cultura do Alentejo, relativa à empreitada de valorização e conservação do Convento da Conceição, Beja – Museu Rainha D. Leonor, nomeadamente sobre a situação de risco iminente de danos à integridade material do património, tendo sido referido o seguinte:





























- cf. documento 2 junto com a Contestação da Entidade Demandada;

1. A data limite para a elegibilidade do Quadro Comunitário de Apoio Portugal 2020 é 31/12/2023 – cf. documento 6 junto com a Contestação da Entidade Demandada.

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:

Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, como referido em cada ponto do probatório».

O Direito

O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo do acto impugnado na acção de contencioso pré-contratual intentada pelas autoras «V… & L…, Lda» e «M…, Lda»: decisão de adjudicação no âmbito do concurso público de Empreitada de Obras Públicas de «Valorização e Conservação do Convento de Nossa Senhora da Conceição – Museu Rainha Dona Leonor, em Beja».

A questão de fundo que se discute no presente recurso é a da correta interpretação e aplicação ao caso dos autos do artigo 103º-A do CPTA na redação que lhe foi dada pela Lei nº 30/2021, de 21.5 (entrada em vigor em 20.06.2021 – cfr art 27º, nº 3). Mais concretamente, a questão controvertida prende-se com o âmbito da ponderação de interesses que o nº 4 daquele artigo impõe como condição do levantamento do efeito suspensivo automático previsto no nº 1.

O nº 4 do art 103º-A do CPTA dispõe agora que: o efeito suspensivo é levantado quando, devidamente ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.

A Lei nº 30/2021, de 21.5, veio alterar o nº 4 do art 103º-A do CPTA, como anotam Mário Aroso e Carlos Fernandes Cadilha, em Comentário ao CPTA, 2021, 5ª edição, págs. 890 a 892, «para o efeito de, no essencial, transpor para o plano do levantamento do efeito suspensivo automático a aplicação do critério da ponderação de prejuízos que se encontra consagrado, para a atribuição de providências cautelares, no nº 2 do artigo 120º. Numa primeira análise, a solução pode parecer equilibrada, por preconizar uma ponderação equilibrada dos interesses envolvidos. A solução esquece, no entanto, o reconhecido desequilíbrio que, no plano material dos interesses em confronto, existe no domínio específico das relações jurídico-administrativas de que estamos a tratar, a que o regime de suspensão automática, com a precisa configuração que o presente artigo 103º-A, na sua redação originária, lhe conferiu, pretendeu dar resposta.

Ora, a partir do momento em que o critério de levantamento do efeito automático passa a ser aquele que, na sua versão mais recente, foi introduzido no nº 4, perde-se, no essencial, a utilidade do regime do efeito suspensivo automático. É verdade que o efeito automático ainda existe. Mas ele só pode ser obtido à custa do enorme sacrifício envolvido na propositura da ação no curtíssimo prazo de dez dias. E se, em seguida, ele pode ser, de imediato, levantado, e por aplicação dos mesmos critérios de que dependeria a obtenção de uma providência cautelar de suspensão de efeitos da adjudicação, pouca diferença resta entre a aplicação deste regime e a do regime da tutela cautelar. E se essa diferença ainda existe, ela joga em desfavor do impugnante.
Com efeito, se o impugnante pedisse a suspensão cautelar do ato de adjudicação, ele beneficiaria da aplicação do artigo 128º, que só pode ser levantado mediante resolução fundamentada na qual se reconheça que “o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público”. Não era, por isso, por acaso que, na sua redação originária, o artigo 103º-A retomava essa formulação na definição dos critérios de levantamento do efeito suspensivo automático. Pelo contrário, o levantamento do efeito automático basta-se, hoje, com o reconhecimento de que os prejuízos que, para o impugnante, podem resultar do levantamento são meramente inferiores àqueles que resultariam da manutenção daquele efeito, seja para o interesse público, seja para os contrainteressados. (…).
O nº 4 deixou de exigir que o levantamento do efeito suspensivo só seja decretado quando se verifique que da manutenção desse efeito resultaria um desequilíbrio desproporcionado entre os interesses envolvidos, em desfavor da entidade demandada ou, sequer, dos contrainteressados.

A nosso ver, o legislador esvaziou, pois, de qualquer utilidade o regime do efeito suspensivo automático que tinha sido consagrado na revisão de 2015» (negritos nossos).

Efetivamente, o novo paradigma para o levantamento do efeito suspensivo automático leva-nos a fazer depender essa pretensão material (da entidade demandada/ recorrente) de um juízo de ponderação dos interesses público (entidade demandada) e privados (autoras e contrainteressada) em presença, bastando que os danos que decorrem para o interesse público ou para os interesses da contrainteressada/ adjudicatária sejam superiores aqueles que podem advir, para as autoras, da celebração e execução do contrato para o efeito suspensivo ser levantado.
Neste caso, demonstram os autos, o objeto do contrato de empreitada a celebrar é a realização de obras de valorização e conservação do Convento de Nossa Senhora da Conceição, onde se encontra instalado o Museu Rainha Dona Leonor, em Beja.
O Convento é um edifício centenário, que está classificado como Monumento Nacional desde 1922, e no qual se encontra exposto um acervo de pintura, ourivesaria, arqueologia, dispondo de paredes revestidas com painéis de azulejos (portugueses dos séculos XVII/XVIII e hispano-mouriscos quinhentistas) e igreja com três altares em talha dourada, dos séculos XVII/XVIII, e um outro em mosaico florentino, do século XVII.
As instalações tiveram a última intervenção/ manutenção em 1999.
Desde 2017 que, uma equipa projetista do Município de Beja, identificou as diferentes carências, patologias e problemas que afetam o edifício, demonstrando assim a necessidade de uma intervenção urgente.
Em inícios de 2021 uma vistoria conjunta de técnicos da Direção Regional de Cultura do Alentejo e da Câmara Municipal de Beja detetou a existência de diversos locais inundados, continuando a ocorrer a entrada de água resultante de infiltrações pela cobertura, nas alvenarias e caixilharias, por exemplo, no claustro, numa das salas de pintura e na galeria de exposição do piso superior. Igualmente no retábulo mor a água infiltrada escorre pelo tardoz da talha, arrastando as areias desagregadas da argamassa da parede de suporte. Tendo em consequência concluído que estas ocorrências põem efetivamente em risco a segurança de pessoas e bens.
No final de 2021 novo relatório técnico, elaborado por técnica da Direção Regional de Cultura do Alentejo, verificou que existem muitos pontos de rutura e colapso que se verificam por todo o monumento e que colocam de facto em risco a sua preservação, como: estado das caixilharias … sem consistência para segurar um vidro, entradas de água pelas coberturas que obrigaram ao fecho de salas e deslocação de peças, pinturas do séc. XVIII afetadas pela água que entrou pela cobertura, azulejos que apenas não caem por se encontrarem seguros por tapumes, talha dourada do altar afetada pela entrada de água.
A Direção Regional de Cultura do Alentejo e o Município de Beja uniram esforços e celebraram um Protocolo de Parceria para a Valorização e Conservação do Convento de Nossa Senhora da Conceição - Museu Regional Rainha Dona Leonor, em Beja.
Na sequência desse Protocolo apresentaram candidatura a financiamento comunitário, designadamente ao PORA / FEDER, a qual foi aprovada em 12.9.2019 e reprogramada e aprovada em 31.3.2021, com período de execução da operação compreendido entre 31/05/2021 e 31/12/2022. Este financiamento abrangerá 75% dos custos da empreitada.
Só depois de obter o financiamento necessário à realização da empreitada foi lançado o respetivo procedimento pré-contratual, em 6.4.2021, que culminou com o ato de exclusão da proposta das autoras/ recorridas e a adjudicação da proposta da contrainteressada, em 11.11.2021. Foi a impugnação deste ato, em 24.11.2021, que determinou a suspensão automática dos respetivos efeitos.
Mas, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, entendemos não poder manter-se a suspensão, por ocorrer erro de julgamento quanto à ponderação de interesses efetuada a respeito dos prejuízos decorrentes para o interesse público e para os interesses privados em presença.
Na ponderação de todos os interesses, públicos e privados, suscetíveis de serem lesados, desde logo existe o interesse económico diretamente relacionado com o contrato em causa.
O interesse económico está presente na manutenção dos efeitos do ato de adjudicação e do contrato, tanto para a entidade demandada/ recorrente, como para a contrainteressada/ adjudicatária. Mas também as autoras/ recorridas têm interesse económico na admissão, classificação e graduação da respetiva proposta ao procedimento concursal.
As autoras/ recorridas com o efeito suspensivo do ato de adjudicação e do contrato, decorrente da instauração da ação, visam obstar à celebração e execução do contrato e, dessa forma, impedir a ocorrência de situações de facto consumado, em virtude da celebração e execução do contrato, e assegurar que, em caso de ganho de causa, venham a ter uma real hipótese de vir a executar o contrato em questão.
No caso vertente, as autoras impugnam o ato de adjudicação proferido a 11.11.2021, mediante o qual foi adjudicada a proposta da contrainteressada «M… – Reabilitação d…, Lda» apresentada no concurso público, para adjudicação da empreitada de obras públicas de Valorização e Conservação do Convento de Nossa Senhora da Conceição – Museu Rainha Dona Leonor, em Beja, praticado no âmbito de um procedimento de formação de um contrato de empreitada, cujos efeitos se encontram suspensos, ope legis, nos termos do art 103º-A, nº 1 do CPTA na redação dada pela Lei nº 30/2021, de 21.5.
Pretendem as autoras a admissão, classificação e graduação da proposta que apresentaram ao procedimento concursal, no valor de €: 1.183.096,09 acrescido de IVA.
E mais pretendem a anulação da decisão de adjudicação da proposta da contrainteressada «M… – Reabilitação d… Lda», pelo valor de €: 1.418.193,06, acrescido de IVA.
Quanto aos danos e prejuízos provocados pelo diferimento da execução contratual, decorrente do efeito suspensivo, resulta à contrainteressada/ adjudicatária a não realização imediata dos trabalhos da empreitada e, consequentemente, a não obtenção do preço (Os pagamentos a efetuar pelo dono da obra têm uma periodicidade mensal, sendo o seu montante determinado por medições mensais a realizar de acordo com o disposto na cláusula 18 cláusulas 18ª e 25ª do Caderno de Encargos).
Relativamente ao interesse público, a decisão recorrida concluiu pela necessidade de contratualização dos serviços que foram objeto do concurso … dada a essencialidade da realização de obras públicas de valorização e conservação do Convento de Nossa Senhora da Conceição – Museu Rainha Dona Leonor, em Beja.

No entanto, o tribunal não levantou o efeito suspensivo, com fundamento em duas ordens de razões: (i) por ser possível efetuar reprogramações temporais do financiamento comunitário até junho de 2023, sendo em casos verdadeiramente excecionais validados pela Autoridade de Gestão, aprovações após essa data, mas tendo como limite máximo o 31 de dezembro de 2023, e (ii) tendo em conta que o estado de degradação tem vindo a ser gradual, não se afigura que uma suspensão por escassas semanas (tempo previsível de prolação da Sentença) seja perturbadora para o interesse público que a Entidade Demandada visa acautelar … que os danos existentes no Convento da Conceição, irão ser consideravelmente superiores aos existentes atualmente.
É verdade que a 7.3.2022 foi proferida sentença na ação urgente de contencioso pré-contratual, a qual deu procedência ao pedido das autoras. Sucede que dessa decisão foi interposto recurso jurisdicional. O que significa que o ritmo processual da ação, mesmo tratando-se de processo com natureza urgente, não serve para afastar a repercussão do tempo sobre as condições do financiamento comunitário nem mesmo sobre o agravamento dos danos no património carente da realização de obras públicas de valorização e conservação, o Convento de Nossa Senhora da Conceição – Museu Rainha Dona Leonor, em Beja.
Com efeito, o prazo de execução dos trabalhos da empreitada é de 540 dias a contar da data da sua consignação, ou seja, 18 meses.
Decorre do nº 2 do artigo 65º do Regulamento EU nº 1303/2013 de 17.12.2013, e do art 15º, nº 4 do DL nº 159/2014, de 27.10 (DL que estabelece as regras gerais de aplicação dos programas operacionais (PO) e dos programas de desenvolvimento rural (PDR) financiados pelos fundos europeus estruturais e de investimento (FEEI), compreendendo o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo Social Europeu (FSE), o Fundo de Coesão (FC), o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP), para o período de programação 2014 -2020) que: a data limite para a elegibilidade das despesas, ou seja, para realizar e receber as despesas do Quadro comunitário de Apoio (Portugal 2020) é 31 de dezembro de 2023.
Constando do documento nº 6 junto com a contestação da entidade demandada – facto provado nº 10 – a seguinte informação: atualmente e na qualidade de Organismo Intermédio com funções delegadas pela Autoridade de Gestão do Alentejo 2020 para a Gestão de Fundos Comunitários, informamos que as orientações permitem efetuar reprogramações temporais até 30 de junho de 2023, sendo em casos verdadeiramente excecionais validados pela Autoridade de Gestão, aprovações após essa data, mas tendo sempre como imite máximo 0 31 de dezembro de 2023, transversal a todos os Fundos e a todos os Estados Membros.
Qualquer despesa não quitada depois desta data é analisada como despesa não elegível, por incumprimento do horizonte temporal máximo definido no Acordo de Parceria.
Portanto, todas as despesas do projeto – operação ALT20-08-2114-FEDER000117 Valorização e Conservação do Convento da Conceição Museu Rainha Dona Leonor, em Beja – têm de estar realizadas e efetivamente pagas pela beneficiária Associação de Desenvolvimento Regional Portas do Património – APT (à adjudicatária da empreitada) até 31 de dezembro de 2023.
O mesmo é dizer a última fatura do empreiteiro tem de ser apresentada à entidade adjudicante 60 dias antes de 31.12.2023, porque nos termos do nº 3 da cláusula 25ª do CE, os pagamentos são efetuados no prazo máximo de 60 dias após a apresentação da respetiva fatura.
A manter-se a suspensão da eficácia do ato de adjudicação a conclusão dos trabalhos ultrapassará a data de 30.6.2023 e a realização e, mais precisamente, o pagamento das faturas ao empreiteiro, se a consignação da empreitada não for efetuada em abril de 2022, ultrapassará a data limite de elegibilidade da despesa, 31/12/2023.
Pelo que, como alega a recorrente e ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, a manutenção do efeito suspensivo impede a conclusão do projeto de financiamento comunitário no prazo legal, isto é, até 31.12.2023. E, ainda, por falta de verba para o efeito, pois os fundos comunitários abarcam 75% do custo da obra, inviabiliza a realização da empreitada (pela contrainteressada ou pelas autoras).
A este prejuízo económico-financeiro para o interesse público acresce, sem dúvida, a continua degradação do património histórico-cultural constituído pelo Monumento Nacional e pelo acervo do museu (pintura, azulejos, talha dourada) que se encontra ali instalado. O Convento, dizem os relatórios técnicos, carece de reabilitação das coberturas, das caixilharias, da instalação elétrica e, por isso, está exposto às condições climatéricas, a inundações, infiltrações, descolamento e queda de painéis de azulejos, com pinturas do Século XVIII afetadas pela água que entrou pela cobertura.

Pelo exposto, os prejuízos que resultam para o interesse público – de natureza económico-financeira e no património histórico-cultural – com a manutenção do efeito suspensivo – são, nos termos hoje consignados no art 103º A, nº 4 do CPTA, superiores aos interesses privados – de natureza económica – com o levantamento do referido efeito suspensivo.

Motivo pelo qual se revoga a decisão recorrida que, apesar da afetação do interesse público prosseguido pela Entidade Demandada, decorrente do lançamento do concurso em questão, dada a essencialidade da realização de obras públicas de valorização e conservação do Convento de Nossa Senhora da Conceição – Museu Rainha Dona Leonor, em Beja, que no caso é um interesse de carácter público, concluiu que não se reputam como maiores os danos resultantes do não levantamento do efeito suspensivo, em relação aos que se produzirão na esfera jurídica da Autora, nomeadamente o risco de, no momento em que a sentença venha a ser proferida, se tenha constituído uma situação de facto consumado.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e deferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação e da execução do contrato de empreitada, nos termos do art 103ºA, nº 4 do CPTA, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 30/2021, de 21.5.

Custas pelas recorridas em ambas as instâncias.
Notifique.
*
Lisboa, 2022-04-21,
(Alda Nunes)
(Lina Costa)
(Catarina Vasconcelos)