Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04619/11
Secção:CT -2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/13/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. ÓNUS DA PROVA. TRANSACÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS DE BENS.
ISENÇÃO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Logram afastar a presunção de veracidade imanente de uma escrita regularmente organizada, os indícios e pressupostos recolhidos pela AT, quer os derivados do inquérito criminal, quer em sede de inspecção interna, onde verificou que as operações desconsideradas se tinham localizado no mercado nacional;
2. No caso de transacções intracomuniárias de bens cuja isenção de IVA a contribuinte pretende, a partir do afastamento da presunção de veracidade da escrita, cabe-lhe o ónus da prova de que tais operações reuniam todos os requisitos para exercer tal direito;
3. A sentença penal absolutória só constitui presunção legal da inexistência dos factos que foram imputados ao arguido, quando o mesmo seja absolvido com o fundamento em não ter praticado tais factos, mas já não constitui tal presunção se a absolvição se fundar no princípio penal in dubio pro reo respeitante à sua imputação subjectiva.

O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal e Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A...– Equipamentos, Lda, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por A...-Distribuição de Equipamentos Informáticos, Lda., contra as liquidações de IVA e de Juros Compensatórios dos períodos de Março a Maio de 2001, Julho de 2001 e Setembro a Dezembro de 2001, no montante total de € 340.461,30.
II - A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento segundo o qual "A Administração Fiscal elaborou o relatório de Inspecção com base no despacho de acusação proferida pelo Ministério Público no âmbito do Inquérito nº 10/02.3IDLSB tomando, erradamente, os factos aí descritos como factos provados, confundindo, portanto, essa acusação com uma sentença. Note-se, por não menos importante, que pese embora a acusação proferida pelo Ministério Público consubstancie indícios fundados os mesmos não são susceptíveis de abalar as declarações da Impugnante e que, nessa medida, não lhes retira a presunção de verdade a que se reporta o artº 75º, nº1 da LGT. (...) No caso ajuizado, a Administração Fiscal reconheceu que “existiam documentos que formalmente justificam a saída de bens para Espanha”, competia-lhe, a si fazer a prova da verificação dos pressupostos da tributação, isto é, dos pressupostos legais da sua actuação (princípio da legalidade administrativa) in casu que os bens não saíram do território nacional. O que não logrou fazer. (...)
III – As liquidações controvertidas resultaram das conclusões de uma acção de inspecção no âmbito da qual se apurou que a Impugnante não liquidou IVA por entender que as transacções efectuadas se enquadravam no artigo 14º do RITI, sendo que a análise dos documentos de transporte das mercadorias, constantes da contabilidade, permitiu apurar que não houve qualquer movimentação física de mercadorias para o espaço comunitário.
IV - A acção inspectiva teve origem no despacho de acusação proferido no Inquérito nº 10/02.3IDLSB que correu termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, no âmbito do qual foram recolhidos indícios fortes da prática, entre outros, do crime de fraude fiscal, suficientes para submeter a julgamento vários arguidos, entre eles a Impugnante e o seu sócio gerente.
V – Assim, o acto de liquidação resulta da análise efectuada pela Inspecção Tributária aos elementos da contabilidade da Impugnante conjuntamente com os factos apurados no Inquérito.
VI - Com efeito, os documentos de transporte(CMR) evidenciam erros e inexactidões dado que não demonstram qualquer intervenção do destinatário dos bens, designadamente a sua assinatura e carimbo, pelo que deles resulta que as transacções efectuadas não podiam ser consideradas transacções intracomunitárias de bens.
VII - Muito embora beneficiem os contribuintes da presunção de veracidade da escrita e dos respectivos documentos contabilísticos, essa presunção cessa quando se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva, nos termos do artigo 75° da Lei Geral Tributária.
VIII - Erros e inexactidões que, "in casu",e em conjunto com os factos apurados no Inquérito, legitimam a Administração Fiscal a efectuar correcções à matéria tributável declarada, mostrando-se efectuada a prova da verificação dos indícios ou pressupostos da tributação (cfr. Ac. STA de 29-04-2004, proc. Nº 01680/03 in www.dgsi.pt).
IX - E ao contribuinte cabe provar, em sede de Impugnação, "a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a existência da alegada transmissão intracomunitária, concretamente, que os bens foram transportados e expedidos para a firma espanhola (..) e que aí deram entrada e foram entregues" (cfr. Ac. STA de 29-04-2004, proc. Nº 01680/03 in www.dgsi.pt).
X - Sendo que nenhuma prova foi feita pelo Impugnante de que os bens saíram do território nacional, não cumprindo o ónus que lhe é imposto pelo artigo 74º nº 1 da LGT, o qual dispõe que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado cabe àquele que os invocar, de acordo, aliás, com a norma geral do artigo 342.º do CC, que dispõe «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».
XI - Ora, preconiza a sentença recorrida que a Administração Fiscal não cumpriu o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação, e que tomou os factos constantes do despacho de acusação como factos provados, confundindo essa acusação com uma sentença.
XII - O Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 10/02.3IDLSB, pelo Tribunal Colectivo da 9ª Vara Criminal de Lisboa, dá como provados factos que haviam sido apurados no âmbito do Inquérito e que fundamentaram as correcções efectuadas pela Administração Fiscal, sendo que tais factos, constantes do Acórdão junto aos autos de Impugnação, não foram minimamente valorados na sentença recorrida.
XIII -Tal como não foi valorada a decisão do douto Acórdão quando, relativamente ao crime de fraude fiscal, menciona que se mostra provado o lado objectivo da infracção imputada a António Valente, gerente da Impugnante, não considerando provado apenas o elemento subjectivo do crime, por aplicação do princípio do “in dúbio pró réu”.
XIV - Ora, por tudo o exposto se conclui que bem decidiu a Administração Fiscal ao liquidar o IVA impugnado, porquanto os indícios em que se baseou para se efectuar as correcções foram cabalmente comprovados no âmbito do Processo nº 10/02.3IDLSB, bem como no Recurso da decisão que correu termos no Tribunal da Relação, sendo que a Impugnante, por seu turno, não aduziu qualquer prova que permita infirmar o decidido.
XV –Com efeito furtou-se a Impugnante à liquidação do IVA devido, sendo que o Acórdão absolutório fundamentou-se no princípio "in dubio pró réu”, que não vigora em matéria de liquidação de impostos, no âmbito da qual não há que fazer apelo à culpa.
XVI -Assim, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial recorrida, por padecer a mesma de um erro de julgamento de facto e de direito por violação dos artigos 14º do RITI, 74º da LGT, 75° da LGT, 1º e 3° do CIVA.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por os autos não acompanharem a pretensão da recorrente de que tais bens nunca passaram a fronteira e foram comercializados em território português.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a AT logrou carrear para o procedimento indícios ou pressupostos fundados de que a contabilidade da ora recorrida, no tocante às transmissões intracomunitárias desconsideradas, não reuniam os requisitos para ao efeito, em ordem a afastar a presunção de veracidade imanente da sua escrita comercial; E se, por sua vez, a ora recorrida, não cumpriu o ónus probatório sobre si incidente, de que tais transacções intracomunitárias reuniam todos os requisitos legais, como tal beneficiando da isenção do IVA.


3. A matéria de facto.
Em sede probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em 23.05.2003, foi proferido Despacho de Acusação pelo Ministério Público no âmbito do processo de inquérito n.º 10/o2.SIDLSB, nos termos do qual, para além de outros, a Impugnante foi acusada pelo crime de associação criminosa e de fraude fiscal. (Doc. fls. 270/369 do processo administrativo tributário em apenso)
B) A impugnante foi objecto de acção de fiscalização que incidiu sobre o exercício de 2001.
C) Mediante ofício n.º 20914, datado de 11.04.2005, foi a Impugnante notificada para exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente sobre o Projecto de Correcções elaborado no âmbito da acção inspectiva a que alude a al.B) do probatório. (Doc. fls. 188/142 do processo administrativo tributário apenso)
D) Em 28.04.2005, a Impugnante exerceu a faculdade a que alude a al. C) do probatório por escrito acompanhada da junção de documentos. (Doc. fls. 156/262 do processo administrativo tributário apenso)
E) Na sequência do procedimento de inspecção foi elaborado o Relatório Fina] de Inspecção do qual se destaca:
"DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
Na sequência da informação recebida por esta Direcção de Finanças, conforme Ofício n.º 726968 de 21/09/2004 – 9ª Vara Criminal de Lisboa – 2ª Secção, foi aberta ordem de serviço, de âmbito interno, PNAIT, para o exercício de 2001.
Esta informação é constituída pelas cópias da acusação e da decisão instrutória relativa ao processo de inquérito n.º 10/02.3IDLSB, em que é arguida a empresa acima identificada.
O sujeito passivo foi notificado para procede ao envio de cópia dos documentos justificativos das operações e factos descritos na informação recebida, para que se proceda à liquidação dos impostos que se mostrem devidos.
A A...registou na sua contabilidade vendas ao cliente espanhol B..., não liquidando IVA, por entende, configurarem transmissões intracomunitárias de bens isentas de imposto nos termos do Art.14º do RITI.
Conforme consta do despacho de acusação, os bens foram formalmente facturados ao sujeito passivo espanhol B..., de que é sócio maioritário o senhor C..., e originaram na prática a simulação de transmissões da A...para a B... Media, e desta para empresas nacionais, D...e E..., ambas geridas e detidas também pelo senhor C..., acabando por voltar a serem adquiridas pela A...e outras empresas nacionais. Verifica-se que, de facto, os bens não saíram de Portugal, ocorrendo na realidade vendas da A...ao senhor C..., que de seguida os vende também no mercado nacional, conforme se discrimina em mapa anexo (Anexo 1).
A transportadora, Núcleo Express, também gerida e detida por C..., entregou à A..., um documento de transporte (CMR) para certificar formalmente o transporte dos mesmos bens de Madrid para Lisboa, ou seja, o que a Núcleo Express fez foi certificar o transporte dos bens das instalações da A..., em Portugal ou para as mesmas instalações ou para as instalações de outros operadores, também em Portugal.
Como se demonstra, os bens não saíram do território nacional, a A...não efectuou nenhuma transmissão intracomunitária mas, ao contrário, vendas no mercado interno e portanto, operações sujeitas a IVA.
Assim, os factos descritos comprovam claramente que as transmissões efectuadas correspondem a operações localizadas no mercado nacional e consequentemente sujeitas a liquidação de IVA nos termos dos Art. 1º, 2º, 3º e 26° do CIVA. (...)
A fundamentação da decisão das correcções propostas no presente relatório baseia-se nos seguintes factos:
1- A legislação do IVA (CIVA e RITI) isenta as TICB, efectuadas a partir de Portugal para qualquer Estado Membro, com base no respeito do princípio da tributação no local de consumo (destino) ou seja é o facto dos bens ou serviços se destinarem a ser consumidos fora de Portugal que justifica a sua transmissão com isenção de IVA;
2 - Deste modo, a isenção ou ausência da obrigação de liquidar e entregar o IVA obriga a que se comprove que os mesmos não foram destinados os consumo em Portugal;
3 - No caso das transmissões em análise, como bem está identificado na informação recebida nesta DDF e que esteve na origem da presente Ordem de Inspecção, muito embora existam documentos que formalmente justificam a saída dos bens para Espanha, de facto, tal não aconteceu, pois os bens foram efectivamente entregues ao grupo de empresas nacionais de C... que os voltaram a vender no mercado nacional a diversos clientes nacionais entre ao quais figura em grande destaque a própria A...(cerca de 40% do total);
4 - Como não se verificou que os bens tenham sido destinados ao consumo fora de Portugal não se verificou preenchido o requisito essencial para que as transmissões da A...para a B... possam beneficiar da isenção na liquidação de IVA.
5 - Em todas as fases do circuito económico, todas as transmissões internas st1o operações sujeitas a IVA, nos termos dos Artigos 1º, 2º, 6º e 26º do CIVA sendo a obrigação de liquidação e entrega da responsabilidade do transmitente (no caso a A...). No presente caso como todas as transmissões identificadas neste relatório corresponderam de facto a transmissões internas efectuadas pela A...é devido o respectivo IVA.
6- Quanto à ausência de benefício da A...tal afirmação não tem relevância pois, o facto da empresa não ter liquidado e entregue o IVA devido não a liberta da obrigação de o fazer conforme está previsto no CIVA. Ainda assim, é de salientar que, só nos produtos que a A...vendeu ao grupo de empresas de C... e lhe voltou a comprar, a A...obteve um ganho de € 84.542 e, conforme consta do mapa em anexo que discrimina essas operações (Anexo 2), este ganho foi integralmente obtido a custa do Estado;
7 - Relativamente aos benefícios totais obtidos pela A...no conjunto das operações de compra efectuadas com o grupo de empresas de C... salienta-se que, conforme consta nas informações anexas ao processo, em 2001, esta empresa, à semelhança dos Outros clientes, obteve vantagens patrimoniais não inferiores a 250 mil Euros. Este montante correspondeu ao prejuízo que o grupo de empresas de C... teve ao ter vendido bens à A...no valor aproximado de 2,7 milhões de Euros por apenas de 2,4 milhões de Euros.
PROPOSTAS
Pelo exposto foi apurado imposto em falta, resultante de falta de liquidação de IVA, no montante de € 284.329,54.
Para os devidos efeitos vai ser elaborado o documento de correcção único que traduz as seguintes alterações nas respectivas declarações periódicas:
DP BT Valores Declarados Valores Corrigidos
0103 Campo 03 893.880,03 1.377.768,86
Campo 07 483.888,83 -
0104 Campo 03 517.394,30 743.387,16
Campo 07 225.992,86 - ­
0105 Campo 03 1.028.692,10 1.149.750,35
Campo 07 121.058,25 - ­
0107 Campo 03 1.009.880,77 1.100.262,95
Campo 07 90.382,18 - ­
0109 Campo 03 1.012.575,28 1.280.549,46
Campo 07 277.900,26 9.926,08
0110 Campo 03 1.520.982,94 1.912.100,35
Campo 07 530.990,31 139.872,90
01 11 Campo 03 2.986.203,65 3.010.370,41
Campo 07 424.859,00 400.692,24
01 11 Campo 03 3.285.105,40 3.353.051,65
Campo 07 242.888,00 174.941,75
(doc. Fls. 93/100 do processo administrativo tributário apenso)
F) Em 04.05.2005, o Chefe de Equipa (34) emitiu sobre o relatório de Inspecção a que alude a al. E) do probatório o parecer do qual se destaca:
Concordo com a informação prestada pelo técnico relativo à acção inspectiva.
Conforme devidamente descrito na informação, as correcções fiscais propostas tiveram como fundamentos factos, com relevância fiscal, mencionados na informação enviada a este serviço pelas Varas Criminais de Lisboa – 9ª Vara 2ª Secção pelo ofício 726968 de 21-9-04 (...)” (Doc. fls. 93/100 do processo administrativo tributário apenso)
G) Em 06.05.205, o Chefe de Divisão exarou no Relatório de Inspecção a que alude a al. E) do probatório o seguinte despacho:
Concordo com o parecer do Sr. Chefe de Equipa, e com o relatório da acção inspectiva, em anexo.
Dos fundamentos deles constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação directa, proceder às correcções técnicas propostas, nos termos do art. 82º do Código do IVA, bem como dos arts. 81º a 84º da LGT.
Remeta-se cópia da informação à Divisão de Processos Criminais Fiscais.
Notifique-se o contribuinte.
Proceda-se como vem proposto.” (Doc. fls. 93/100 do processo administrativo tributário apenso)
H) Com base nas correcções técnicas efectuadas, a Administração Fiscal efectuou as liquidações infra identificadas, nas quais se mostra aposto o dia 31.08.2005 como data limite de pagamento voluntário:
Liquidação n.º Período Montante
IVA – 05175926 0103 82.260,99
JC - 05175927 0103 17.975,72
IVA – 05175928 0104 38.418,71
JC - 05175929 0104 8.159,50
IVA – 05175930 0105 20.579,83
JC - 05175931 0105 4.256,36
IVA – 05175932 0107 15.364,90
JC - 05175933 0107 2.995,10
IVA - 05175936 0109 45.555,55
JC - 05175937 0109 8.329,80
IVA - 05175939 0110 66.489,90
JC - 05175940 0110 11.800,59
IVA- 05175941 0111 4.108,31
JC - 05175942 0111 704,72
IVA - 05175943 0112 11.550,85
JC - 05175944 0112 1.910,48
(Doc.s fls. 30/39 dos autos)
I) A Administração fiscal instaurou contra a Impugnante o processo de execução fiscal n.º 1508200501157701, com vista à cobrança coerciva dos montantes a que alude a al. H) do probatório.(Cfr. informação a fls. 73/73 do processo administrativo apenso)
J) A Impugnante efectuou três pagamentos por conta, no valor total de € 157.809,91, no âmbito do processo de execução fiscal a que alude a al. I) do probatório. (Doc. fls.133/136 dos autos)
L) O Tribunal Colectivo da 9ª Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º l0/02.3IDLSB, veio a proferir Acórdão, absolutório em relação à Impugnante. (Doc. fls.158/412 dos autos)
M) O Ministério Público interpôs recurso jurisdicional do Acórdão a que alude a al. L) para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual confirmou a absolvição da Impugnante. (Doc. fls.153/412 dos autos)
N) Em 24.11.2005, a petição inicial que originou os presentes autos deu entrada no Serviço de Finanças de Cascais. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)
O) Em 09.12.2005, a petição inicial a que alude a al. N) deu entrada no TAF de Sintra. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)

MOTIVAÇÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto de efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.

FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar já que as demais asserções insertas na douta petição constituem conclusões de facto e/ou direito.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC, se acrescentam ao probatório mais as seguintes alíneas, em ordem dele melhor se perceber das razões da absolvição da ora recorrida dos crimes que foram imputados de fraude fiscal:
P) Em acórdão referido em L) supra, deu como provada na matéria dos seus pontos 391., 392., 393., 395., 398., 399. e 400., que a ora recorrida era uma das empresas e entidades intervenientes no circuito económico de venda de diversos bens alegadamente para um sujeito passeio com sede em Espanha, os quais, contudo, nunca saíram de Portugal, tendo sido transaccionados no mercado interno, sem que sobre essas vendas tivesse sido liquidado o IVA correspondente – cfr. certidão do mesmo acórdão a fls 219 a 221 destes autos;
Q) A ora recorrida (entre outras) foi absolvida de tal crime de fraude fiscal por falta do seu elemento subjectivo, por aplicação do princípio in dubio pro reo, por esta tal como a Xiscópia, beneficiarem do abaixamento do preço feito pela Nbit sendo-lhes, por isso, permitido vender os produtos a preços inferiores aos dos outros fornecedores (comunitários). Mas tal facto, só por si, não nos permite concluir que os arguidos tinham conhecimento da fraude praticada pela Nbit ou que a representavam como possível e nenhuma prova foi validamente produzida a tal propósito. Não pode neste caso o tribunal concluir a partir de um juízo meramente probabilístico – cfr. mesma certidão a fls 282 e 283 dos autos.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que o acto de liquidação enquanto assente no relatório de inspecção à escrita não padece do vício formal de falta da sua fundamentação mas que a AT não logrou provar a factualidade sobre que fez repousar a liquidação, já que a fundou nos indícios recolhidos em sede de acusação no processo de Inquérito n.º 10/02.3IDLSB, de cujo crime a mesma veio a ser absolvida, os quais são insuficientes para afastar a presunção de veracidade da sua escrita, tanto mais que a mesma reconheceu que existiam documentos que formalmente justificavam a saída de bens para Espanha e sendo que no caso não era de aplicar o regime do art.º 72.º-A do CIVA, por de data posterior a tais factos tributários.

Para a Fazenda Pública, ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra parte do assim entendido que vem esgrimir argumentos tendentes a reapreciar a sentença recorrida em ordem a sobre ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação ou alteração, pugnando que tenha logrado provar que, da contabilidade da ora recorrida, em sede de inspecção, permitiu concluir que não chegou a haver qualquer movimentação física das mercadorias supostamente exportadas para Espanha, no caso, o que também resultou dos indícios recolhidos no citado inquérito crime, sendo que os documentos de transporte (CMR) não contém quaisquer elementos relativos ao destinatário das mercadorias, sendo que cabia à recorrida ter provado a existência da alegada transmissão intracomunitária de bens para beneficiar da isenção do IVA na mesma operação, sendo que a absolvição penal do gerente da ora recorrida apenas se fundou no princípio do in dubio pro reo, que não vigora no âmbito tributário em que nos encontramos.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.º 3.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), aprovado pelo art.º 4.º do Dec-Lei n.º 290/92, de 28 de Dezembro (com as posteriores alterações), então vigente em 2001, definia como tal ...a obtenção do poder de dispor, de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado membro.

E a norma da alínea a) do seu art.º 14.º, neste âmbito, isentava de imposto, as transmissões de bens efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do IVA nesse outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.

No caso, como se não encontra em causa, a ora recorrida fora arguida (também, entre muitos outros) no âmbito do citado inquérito criminal e acórdãos referidos em L), M), P) e Q) do probatório fixado na sentença recorrida (estas duas últimas alíneas foram ora acrescidas), de cuja acusação veio a ser absolvida, e que obteve confirmação no acórdão da Relação de Lisboa de 2-2-2008, pelo que logo se coloca a questão de saber qual o efeito de decisão absolutória fora do âmbito criminal, designadamente no campo tributário em que nos encontramos.

A resposta encontra-se no art.º 674.º-B do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art.º 2.º, alínea e) do CPPT, que dispõe que a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.

Porém, no caso, tal acórdão absolutório não o foi por não se ter como provados os factos subjacentes à prática do crime de fraude fiscal, mas sim por falta do seu elemento subjectivo ou volitivo, de que a mesma se encontrava a intervir, ao lado de outras empresas e entidades, no citado esquema para a prática do crime de fraude fiscal, cujos contornos se não provou que conhecia, previsto no art.º 103.º e 104.º do RGIT, tendo em conta a vigência no direito penal, do citado princípio in dubio pro reo(1), como bem se pronuncia a recorrente.

Pelo contrário, em tal acórdão antes se deu como provado que a ora recorrida forneceu diversas mercadorias a empresas espanholas, sem nelas ter liquidado o IVA correspondente, as quais nunca chegaram a sair de Portugal, como se pode colher de tal acórdão, cuja matéria foi feita acrescer na alínea P) do probatório ora fixado, pelo que o citado efeito legal absolutório, consistente na não prática dos factos que lhe eram imputados, acima referido, não se encontra preenchido, inexistindo pois, o respectivo efeito legal consequente, ou seja, a presunção legal da inexistência dos factos correspondentes a tais operações de transmissão de bens a empresas espanholas que não chegaram a sair de Portugal.

É que o alcance da norma deste artigo não se reporta a qualquer uma decisão penal absolutória que constitui presunção de inexistência dos factos imputados ao arguido; esta presunção só existe se a absolvição no processo crime tiver por fundamento a prova de que o arguido não praticou aqueles factos, como do seu texto ressalta, sendo que a simples falta de prova pela acusação ou a absolvição por outros fundamentos diferentes da não prática daqueles factos, não permite fundar qualquer presunção, e a simples presunção de inocência do arguido não tem qualquer valor fora desse processo crime(2).

A prova recolhida naquele âmbito penal e confirmada documentalmente em sede da acção de inspecção interna (onde se pode colher além do mais que ...verifica-se que os procedimentos relativos a essas transmissões intracomunitárias configuram operações localizadas no mercado nacional e consequentemente sujeitas à liquidação de IVA...), cuja cópia consta (também) de fls 41 e segs destes autos – cfr. também matéria da alínea E) do probatório fixado na sentença recorrida - onde concretamente foram apurados os montantes de IVA em falta, por correcções meramente aritméticas, autorizam, em nosso entender, a afastar a presunção de veracidade da sua escrita prevista no actual art.º 75.º, n.º1 da LGT, tendo a AT cumprido o ónus probatório que sobre si impendia, por indícios ou pressupostos fundados, de que os dados e lançamentos contabilísticos não reflectiam a totalidade do IVA auto-liquidado e entregue, no caso, ao contrário do entendido e decidido na sentença recorrida.

A partir daqui, era à contribuinte que lhe cabia provar a efectiva existência de tais transacções intracomunitárias desconsideradas sobre que não liquidara o imposto, já que é a ora recorrida que pretende exercer o direito à isenção de tributação, por se tratarem de operações intracomunitárias de bens, pelo que era sobre ela que impendia o ónus da prova da verificação destes requisitos para conferir o direito a tal isenção de imposto nessas operações, como constituem doutrina e jurisprudência correntes(3), que igualmente assim têm entendido, cujo ónus bem se compreende, como direito a que se arroga, nos termos do disposto no art.º 74.º, n.º1 da LGT, que sobre os respectivos factos constitutivos produza a pertinente prova em ordem a demonstrar a respectiva existência – cfr. art.º 341.º do Código Civil – o qual assenta, em critérios de disponibilidade e de facilidade probatória, já que ninguém melhor do que a ora recorrida se poderá encontrar colocada para vir provar esses invocados pressupostos do direito à isenção, como seja o de ter feito a entrega dessas mercadorias nesses outros Estados membros, a um outro sujeito passivo de imposto e como tal aí registado para esse efeito e que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar essas aquisições.


E não tendo a mesma vindo efectuar tal prova, não pode a impugnação deixar de improceder com o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida que em contrário decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, julgando-se improcedente a impugnação.


Custas pela recorrida, mas só na 1.ª Instância, já que não contra-alegou.


Lisboa, 13/03/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEREIRA GAMEIRO

1- Princípio que é estruturante para o direito penal mas irrelevante para o direito tributário, já que para a existência da tributação basta que o contribuinte preencha a respectiva norma de incidência, e prevendo mesmo a tributação da obtenção ilícita de rendimentos – cfr. art.º 10.º da LGT.
2- Cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 13-11-2003 e de 10-2-2004, processos n.ºs 03B2998/ITIJ/Net e 04A4284/ITIJ/Net, respectivamente.
3- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 29-4-2004, recurso n.º 1680/03, citado pela recorrente, bem como o acórdão deste TCAS n.º 4434/10, que igualmente teve por Relator o do presente, entre muitos outros.