Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07356/03
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:11/09/2006
Relator:Elsa Esteves
Descritores:CARGO DE CHEFIA
SUBSTITUIÇÃO
PODER DISCRICIONÁRIO
Sumário:I- O pressuposto vinculado da designação para o exercício, em regime de substituição, das funções de chefia do cargo de chefe de serviços de administração escolar é apenas o que se mostra enunciado no nº 1, do art. 40º do DL 515/99, de 24-11.
II- A última parte do mesmo número desse preceito confere ao órgão directivo da escola o poder discricionário de designar, em substituição, de entre os assistentes de administração escolar que integrem a categoria mais elevada, aquele que, na sua perspectiva, melhor assegura a eficiência dos serviços e a regularidade do exercício das funções que incumbem à chefia em causa.
III– Por isso, se esse órgão designar, de entre aqueles funcionários que integram categoria mais elevada, o que possuir menos tempo de serviço e/ou não possuir experiência profissional nas funções de chefia do cargo, porque, em sua apreciação, considerou corresponder, apesar disso, ao que apresenta mais e melhores conhecimentos e relacionamento humano mais adequado ao exercício de tais funções, não viola qualquer disposição legal e prossegue o interesse público que a norma quis proteger com a discricionariedade que confere à Administração na última parte do citado nº 1do art. 40º;
IV- Daí que não seja suficiente para consubstanciar a violação do princípio da igualdade, a maior antiguidade da Recorrente na função pública e o anterior exercício, em substituição, de funções de chefia do cargo de chefe de serviços de administração escolar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 1º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
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I- RELATÓRIO
ANA ...., assistente administrativa principal do quadro de vinculação do Distrito de Setúbal e afecta à Escola Secundária da Amora, vem interpor recurso contencioso de anulação do despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA, de 26-01-2003, que, em sede de recurso hierárquico, manteve o despacho da Directora Regional Adjunta de Educação de Lisboa, de 21-11-2002, que indeferira o recurso interposto para ela da decisão do Conselho Directivo daquela escola a designar LÍDIA ...., em regime de substituição, para exercer funções de chefe de Serviços de Administração Escolar.
Alega a Recorrente que foi ilegalmente preterida por essa colega, que detinha apenas a categoria de 2º oficial, contava menos tempo de serviço e nunca tinha exercido aquelas funções, ao contrário da impugnante, padecendo o acto recorrido, por isso, de vícios de violação de lei por violação dos arts 23º, nºs 2 e 40º, nºs 1 e 5 do DL 515/99, de 24-11, 22º, nº 2 do DL 204/98, de 11-06, e, ainda, por ofensa dos princípios da legalidade e da igualdade previstos nos arts 3º do CPA e 13º da CRP.
A Autoridade Recorrida, na resposta, sustenta que o recurso deve ser rejeitado por, para além do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, onde o recurso foi interposto, ser incompetente, a petição inicial ser inepta por inobservância do requisito estabelecido na al. f) do nº 1 do art. 36º da LPTA, uma vez que a Recorrente não identificou o acto de “nomeação” da colega nem a data em que foi praticado, bem como não fez acompanhar a petição do despacho agora impugnado. Assim não se entendendo, defende que deve ser negado provimento ao recurso por, à data da “nomeação”, a funcionária designada para o cargo de chefe de Serviços de Administração Escolar deter a mesma categoria que a Recorrente e não existir qualquer disposição legal a estabelecer a maior experiência como critério de desempate.
A Recorrida Particular, LÍDIA ...., devidamente citada, contestou, sustentando também que o recurso não merece provimento, porque tanto ela como a Recorrente detêm a categoria de assistente administrativa principal desde 1-09-1999, a Recorrida presta serviço na Escola Secundária da Amora desde 19-11-1974, enquanto a Recorrente só aí ingressou em 31-10-1985, por desde 1972 a essa data ter pertencido à Direcção Geral de Aviação Civil e, ainda que a Recorrente tivesse chegado a exercer as funções de chefia agora em causa, não conseguiu fazê-lo autonomamente, tendo carecido de apoio exterior.
Cumprido o disposto no art. 67º do RSTA, Recorrente e Autoridade Recorrida produziram respectivamente alegações e contra-alegações em que mantiveram o anteriormente defendido.
O Exmº Magistrado do Ministério Público ofereceu parecer a concordar com a argumentação da entidade administrativa e, consequentemente, a entender que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II- OS FACTOS
a)- A Recorrente e a Recorrida Particular, Lídia ...., prestam serviço na Escola Secundária da Amora, detendo cada uma delas, desde 1-01-1999, a categoria de Assistente Administrativa Principal;
b)- A Recorrente desempenhou, em regime de substituição, funções de chefia do cargo de chefe de Serviços de Administração Escolar, no período de 17-03-1997 a 31-01-1998;
c)- Em virtude da chefe dos Serviços de Administração Escolar se encontrar de baixa por doença, o Conselho Directivo da Escola Secundária da Amora designou a Recorrida Particular, em regime de substituição, para exercer as funções de chefia daquele cargo, o que comunicou ao Director Regional de Educação de Lisboa através do ofício nº 1314, datado de 29-10-2001;
d)- A Recorrente interpôs recurso hierárquico desse acto para o Director Regional da Educação de Lisboa;
e)- Em resposta ao pedido de informação solicitado por esta entidade ao órgão directivo da Escola Secundária da Amora, foi dito que «entende esta Comissão Provisória que a Assistente Administrativa Principal Ana Guiomar (...) não tem conhecimentos, experiência para o desempenho do lugar e possui um relacionamento humano pouco condizente com o cargo de chefia. (...) entende esta comissão Provisória ser impossível responsabilizar-se pela Administração/Financeira da Escola se a Assistente Administrativa Principal vier a ser nomeada CSAE...».
f)- Sobre o requerimento de interposição de recurso referido em d), foi prestada a Informação de Serviço nº 53/JF/02, de 19-11-2003, que se dá por integralmente transcrita e de que se destaca, a propósito da violação do art. 40º, nºs 1 e 5 do DL 515/99 que vinha invocada pela Recorrente, o seguinte:
«1º- O nº 1 do artigo citado estabelece que as funções serão exercidas pelo assistente de administração escolar de mais elevada categoria em exercício de funções, na escola. E nada mais acrescenta. Pelo que numa situação em que estejam em pé de igualdade duas pessoas, o “desempate” caberá ao órgão de gestão da escola que terá, nessa matéria, discricionariedade plena.
2º- Outra das normas citadas é a constante do nº 5. Salvo melhor opinião tal não releva, também. Isto porque o fim da norma é o de favorecer, em situação de concurso aquele (ou aquela) que desempenhou funções de chefe de administração escolar, pelas razões aduzidas.
(...)
Termos em que se deve indeferir a pretensão apresentada pela recorrente»;
g)- Por despacho de 22-11-2002, a Directora Regional Adjunta indeferiu o referido em d), por concordância com aquela Informação de Serviço;
h)- A Recorrente interpôs recurso hierárquico deste despacho para o Secretário de Estado da Administração Educativa;
i)- Em 26-01-2003, esta entidade indeferiu o recurso pelas razões da Informação de Serviço de 6-01-2003, que dá por integralmente reproduzida a Informação nº 53/JF/02.

III- O DIREITO
O presente recurso tem por objecto o despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa que, em 26-01-2003, indeferiu o recurso hierárquico interposto pela Recorrente do acto da Directora Regional Adjunta de Educação de Lisboa, de 21-11-2002, que indeferira o recurso hierárquico da decisão do Conselho Directivo da Escola da Amora, pela qual a Recorrida Particular fora designada para, em regime de substituição, exercer funções de chefe de serviços de administração escolar (ausente, por doença).

3.1- A Autoridade Recorrida, em primeira linha, pugna pela rejeição do recurso com fundamento em que a petição inicial é inepta por inobservância do requisito estabelecido na al. f) do nº 1 do art. 36º da LPTA, uma vez que a Recorrente não identificou o acto de “nomeação” da colega e a data em que foi praticado, bem como não fez acompanhar essa peça processual do despacho agora impugnado.
Na verdade, a petição inicial tem algumas insuficiências. No entanto, são, em grande parte, da responsabilidade da própria Administração.
Com efeito, percorrendo o processo instrutor, dele não consta qualquer documento que reproduza ou transcreva o acto que designou a Recorrida Particular para o exercício das funções de chefia em causa. Daí que a Autoridade Recorrida e a Recorrida Particular, em parte alguma das suas peças processuais, conseguissem precisar a data e o conteúdo integral desse acto, sendo certo que a primeira decidiu o recurso hierárquico interposto pela Recorrente na ausência desses elementos e sem que suscitasse qualquer questão sobre a sua falta.
Todavia e contrariamente ao invocado pela Autoridade Recorrida, resulta de fls 6 a 8, que a Recorrente instruiu a petição inicial com o ofício de notificação do acto ora impugnado e com o anexo que o acompanhava, que é, precisamente, a cópia do documento em que esse despacho foi manuscrito.
Improcede, pois, a questão da ineptidão da petição inicial.

3.2- Quanto ao mérito do recurso
A Recorrente assaca ao despacho recorrido vícios de violação de lei por violação dos arts 23º, nºs 2 e 40º, nºs 1 e 5 do DL 515/99, de 24-11, 22º, nº 2 do DL 204/98, de 11-06, e, ainda, por ofensa dos princípios da legalidade e da igualdade respectivamente previstos nos arts 3º do CPA e 13º da CRP.
Para fundamentar a ilegalidade do despacho recorrido, a Recorrente alegou que detinha categoria superior e mais tempo de serviço na função pública do que a Recorrida Particular, além de possuir experiência profissional no exercício das funções de chefia em causa, por já as ter desempenhado anteriormente em regime de substituição.
Da factualidade apurada resulta, no entanto, que, na data da designação da Recorrida Particular para o exercício das funções de chefia dos serviços de administração escolar da Escola da Amora, que ocorreu pelo menos em 29-10-2001 (conforme se impõe retirar da comunicação efectuada através do ofício referido na al. c) do ponto II), quer aquela quer a Recorrente detinham a categoria de assistente administrativa principal desde a mesma data, ou seja, desde 1-01-1999.
Ora, dispondo o nº 1 do art. 40º do DL 515/99, que «Quando não estiver afecto a um estabelecimento de ensino um chefe de serviços de administração escolar ou, estando-o, se preveja a sua ausência ou impedimento por um período superior a 30 dias, as funções de chefia serão exercidas pelo assistente de administração escolar de mais elevada categoria em exercício de funções nesse estabelecimento, a designar pela respectiva direcção executiva», não podem existir dúvidas de que o legislador deu ao órgão competente para a designação a liberdade de escolher, de entre os funcionários integrados na categoria mais elevada de assistente de administração escolar, aquele que, em seu critério, entender que melhor assegurará, transitoriamente, a eficiência dos serviços e a regularidade do exercício das funções que incumbem à chefia em causa.
E não venha a Recorrente invocar o nº 5 do mesmo artigo e o nº2 do art 22º do DL 204/98, de 11-07, para dizer que essa designação tinha ainda de ponderar a experiência profissional adquirida no exercício de funções de chefia e, por isso, que esses preceitos foram violados por, entre as duas funcionárias, só ela possuir essa experiência.
O que o primeiro daqueles preceitos impõe é que, em concurso para acesso à categoria de chefe de serviços de administração escolar, ou seja, para prover, a título permanente, esse lugar, aquela experiência seja obrigatoriamente ponderada nos métodos de selecção, em sintonia com o estabelecido na al. c) do nº 2 do art. 22º do DL 204/98.
Porém, não se estando, no caso em apreço, no âmbito de um concurso para preencher, a título permanente, o lugar de chefe de serviços de administração escolar, tais normas não têm aplicação e, por isso, não podem ter sido violadas pelo acto recorrido.
Como escreve Paulo Veiga e Moura, “A nomeação em substituição consiste na designação de um funcionário para exercer transitoriamente as funções próprias de um lugar dirigente ou de chefia, por motivo de vacatura do lugar, ausência ou impedimento do respectivo titular.
Não se trata de uma verdadeira nomeação por não implicar o preenchimento de um lugar do quadro a título permanente - características das verdadeiras nomeações.
Pelo contrário, está-se perante uma figura que apenas se destina a assegurar a eficiência dos serviços e a regularidade do exercício das funções que incumbem ao pessoal dirigente e de chefia, pelo que a nomeação em substituição não é mais que uma designação para o exercício de funções em vez de outrem (cfr. “Função Pública”, 1º vol., Coimbra Editora, 1999, págs 397 e seg.).
Com efeito, o carácter precário e transitório da substituição, ao contrário da selecção para nomeação em lugar permanente, justifica que o legislador houvesse entendido ser de impor apenas que a designação do substituto recaísse sobre funcionário de mais elevada categoria, conferindo, ao órgão directivo da escola, o poder de avaliar e escolher o funcionário daquela categoria que, nas circunstâncias concretas de cada momento, reputasse ser o mais capaz para exercer provisoriamente as funções de chefia (para dar “melhor satisfação ao fim público a prosseguir”).
Com efeito, é um dado indesmentível da experiência comum, que nem sempre à maior eficácia do desempenho das funções de um cargo corresponde mais tempo de serviço e/ou alguma experiência no exercício das funções em causa (não raras vezes revelado pelos resultados dos concursos de pessoal).
Por isso, se o órgão directivo da escola designar, de entre os assistentes de administração escolar que integram a categoria mais elevada, o que possui menos tempo de serviço e/ou não possui experiência profissional nas funções de chefia em causa, porque, em sua apreciação, entende que, apesar disso, é o que apresenta mais e melhores conhecimentos e um relacionamento humano mais adequado ao exercício das funções em causa, não só não viola qualquer disposição legal como prossegue o interesse público que a norma quis proteger com a discricionariedade que conferiu à Administração na última parte do nº 1 do art. 40º do DL 515/99 (confronte-se al. e) do ponto II).
Daí que não seja suficiente para consubstanciar a violação do princípio da igualdade, o facto da Recorrente ter mais dois anos de antiguidade na função pública e já ter exercido, em regime de substituição, as funções do cargo de chefe de serviços de administração escolar, que a funcionária designada nunca exerceu.
Em sentido próximo do sustentado, veja-se o ac. do STA de 3-11-1998, proc. nº 41934, sumariado nos seguintes termos: “I- Os pressupostos legalmente exigidos para o exercício em regime de substituição de cargos de direcção e chefia na Administração local são os que se mostram enunciados nos nºs 1, 3 e 4 (1ª parte) do art. 28º do DL. 466/79, na redacção dada pelo DL 406/82.
II- Na 2ª parte do mencionado nº 4 daquele art. 28º é conferido à Administração o poder discricionário de nomear, de entre os funcionários que integrem a maior categoria de carreira de recrutamento existente nos serviços, aquele que na sua óptica dê melhor satisfação ao fim público a prosseguir.
III - Perante acto que nomeia funcionário da mesma categoria da recorrente, embora com bastante menos tempo de serviço na câmara respectiva, não releva no plano da violação do princípio de igualdade a singela invocação de que a recorrente foi preterida "em razão do sexo".
Por todo o exposto, impõe-se concluir que o despacho recorrido não enferma de qualquer das ilegalidades que a Recorrente lhe assaca.
Nestes termos, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça e procuradoria em 150 (cento e cinquenta) e 75 (setenta e cinco) euros.
Lisboa, 9 de Novembro de 2006

Relator (Elsa P. Esteves)
1º Adjunto (Coelho da Cunha)
2º Adjunto (Cristina Santos)