Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2002/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA
MÉTODOS INDIRECTOS
EXCESSO DE QUANTIFICAÇÃO
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I. O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável tem carácter excepcional (artigo 81/1 da LGT) e subsidiário em relação à avaliação directa (artigo 85/1 da LGT).
II. Cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74/3, da LGT).
III. Comprovada pela AT a falta de fiabilidade dos dados declarativos e da contabilidade da impugnante, e não demonstrando esta que, apesar disso era possível quantificar o lucro tributável com base nos elementos da sua contabilidade, nem tal se afigurando ao Tribunal possível em vista da prova produzida, mostra-se legítimo o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável do IVA.
IV. O excesso de quantificação tem de ser demonstrado pela impugnante e só releva se for grosseiro ou manifestamente desproporcional.
Votação:Um Voto de Vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

A… – ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado e juros compensatórios relativas aos exercícios de 2006, 2007 e 2008, no montante global de 47.622,82 euros, alegando para tanto, conclusivamente:
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Contra-alegações, não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo ser de julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida, nos seus precisos termos e com as consequências legais.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão central que importa resolver reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir verificarem-se os pressupostos de que depende o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável e se foi feita prova do excesso de quantificação.
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I. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:

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B.DE DIREITO

Pretende a recorrente que a sentença não podia dar como provado o que consta dos pontos E), R), S), T) e X) da matéria assente. Constata-se, porém, que contrariamente ao alegado, a sentença não deu como provado o que consta dos relatórios de peritagem e de inspecção tributária, limita-se a transcrever, por extracto, os respectivos conteúdos, realidade bem diferente e que está suportada nos documentos para que os factos remetem.

Improcede este segmento do recurso relativo à impugnação da decisão de facto.

No que respeita ao inconformismo da recorrente com a aplicação de métodos indirectos no apuramento da sua matéria tributável dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, mostram os autos que em acção inspectiva constatou a AT que a informação constante do “server” do sistema informático de facturação não coincidia com a informação constante dos “terminais”, revelando valores inferiores e que eram estes valores inferiores do “server” que serviam de base à declaração e contabilidade da impugnante.

Pretende a recorrente que a informação contida no “server” é que é a original e a que reproduz a sua realidade tributária e que a cópia extraída pela AT de um “terminal” não reproduz fielmente os dados contidos no “server”.

Ora, a verdade é que não logra a recorrente fazer prova de que a divergência de valores não resultou de manipulação aos dados do “server” e nem os relatórios técnicos elaborados a pedido da impugnante, nem o relatório de peritagem afastam, de modo concludente, essa possibilidade, não sendo despicienda a afirmação feita em sede de revisão e não infirmada, de que “a alteração dos ficheiros concretiza-se na redução do valor das prestações de serviços, em relação às quais foi emitido apenas talão de venda e o pagamento foi efectuado em numerário” (vd. ponto AA) da matéria assente).

Como se apreende dos autos e do relatório de inspecção tributária, a decisão de recurso á avaliação indirecta sustentou-se, de direito, nos artigos 87.º, alínea b) e 88.º, alínea a) da Lei Geral Tributária e art.º 84.ºdo Código do IVA.

De acordo com o disposto naquele art.º 87.º, alínea b), a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de “Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.


E resulta do disposto no art.º 88.º, da LGT que “A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) (…)”.

Ora, a situação factual descrita no relatório de inspecção tributária e reiterada na decisão de revisão, são, na nossa óptica, de modo a inviabilizar o apuramento da matéria tributável uma vez que a fiabilidade do ficheiro do “server”, que suporta os dados declarativos e de contabilidade foi fundadamente posta em causa, dado que apresenta informação divergente da colhida pela AT do ficheiro “terminal”, divergência que não foi explicada em termos de se poder afirmar que essa divergência assenta em anomalias do próprio sistema de facturação na transposição dos dados e que a informação do “server” é que é a fidedigna, sobretudo quando nem os relatórios técnicos nem o pericial, permitem descartar a possibilidade de manipulação/ adulteração dos dados do “server”, sendo que o relatório de peritagem até aponta no sentido da manipulação/ viciação dos dados do “server”.

E se os registos informáticos que servem de base à organização e execução da contabilidade não são fidedignos, nem credíveis, não alcançamos como a contabilidade possa ser tida em conta no apuramento da matéria tributável, ficando comprometido o recurso à avaliação directa e cumprido o requisito da subsidiariedade da aplicação do método indirecto, exigido no art.º 85.º da Lei Geral Tributária.

Concluímos, pois, que se verificam os requisitos legais de que depende o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, improcedendo este segmento do recurso.

Quanto ao excesso de quantificação, estabelece o n.º 3 do art.º 74.º da LGT que «Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação».

A recorrente limita-se a expressar o seu inconformismo com o método de quantificação escolhido pela AT (apuramento com base no ficheiro de Setembro/2006 da omissão, em média, de 8,91% das prestações de serviços), alegando, nomeadamente, que esse mês não reproduz fielmente a média anual da sua facturação.

Ora, isso não consubstancia qualquer prova, positiva e concludente, do erro ou manifesto excesso de quantificação da matéria tributável, ou seja, a recorrente não se desincumbiu do ónus de prova que a lei lhe impõe na demonstração do excesso de quantificação, não lhe aproveitando qualquer dúvida a esse respeito.

Como se consignou no ac. do STA, de 17/10/2018, tirado no proc.º 0261/11.0BECBR 0379/17, «Recaindo sobre o sujeito passivo o ónus da prova do excesso na quantificação (artigo 74.º n.º 3 da LGT) e não tendo este logrado demonstrar erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada (artigo 100.º n.º 3 do CPPT), não podia a sentença recorrida fundar a anulação da liquidação na existência de “fundada dúvida” sobre a quantificação operada, ao abrigo do n.º 1 do artigo 100.º da LGT, pois que tal caminho lhe estava vedado na situação concreta dos autos, mercê do recurso a métodos indirectos (artigo 100.º n.º 2 do CPPT)».

A sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe são apontados, merecendo ser confirmada.

O recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 04 de Maio de 2023


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha
(com declaração de voto junta)


Declaração de Voto: Voto vencida, em face da fundamentação do Acórdão deste TCAS de 10.02.2022 proferido no processo n.º 1586/10.7BELRS, que subscrevi na qualidade de primeira adjunta.
Lisboa, 04 de maio de 2023
Tânia Meireles da Cunha