Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1408/10.9BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:09/08/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores: URBANISMO
OPERAÇÃO DE LOTEAMENTO
Sumário:I – Nos termos do artigo 2º do RJUE são «Operações de loteamento», as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento;
Por outro lado, são «Operações urbanísticas», as operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água, sendo que, como resulta do artigo 4º nºs 1 e 2 a) do RJUE “A realização de operações urbanísticas depende de licença, comunicação prévia com prazo, adiante designada abreviadamente por comunicação prévia ou comunicação, ou autorização de utilização…”.
II - As “fases” em que se constitui a controvertida operação urbanística, mais não são do que um eufemismo tendente a procurar evidenciar que estamos em presença de duas edificações independentes, sendo que inexiste qualquer intercomunicabilidade física entre ambas as “fases”.
III - Nos termos do artigo 68º nº 1 do RJUE, “(…) são nulas as licenças, as autorizações (…) que:
a) Violem o disposto em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor;
IV - Cércea corresponde ao limite da altura de um edifício para uma rua, tratando-se, em síntese, da altura da edificação, o que, por natureza, exclui a edificação abaixo do nível do solo, estando assim em causa a volumetria visível do edificado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Município de Marinha Grande, devidamente identificado nos autos, no âmbito da Ação Administrativa intentada pelo Ministério Público, tendo um conjunto de Contrainteressados devidamente identificados, tendente à:
“(…) declaração de nulidade dos seguintes atos administrativos:
- Deliberação da Câmara Municipal da Marinha Grande, de 12/9/2001, que aprovou o projeto de arquitetura da construção do que designa como dois blocos habitacionais a implantar no prédio rústico sito em P..., inscrito na matriz respetiva da freguesia de Marinha Grande sob o ortigo ... (antigo …) e descrito na Conservatória do Registo Predial, da Marinha Grande sob o nº …; e
- Despacho de 02/08/2002, do Vereador com competência delegada na área do urbanismo, que licenciou a referida obra”, inconformado com a Sentença proferida em 19 de dezembro de 2019, no TAF de Leiria, através da qual foi julgada procedente a ação, e declarados nulos os atos objeto de impugnação, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão para esta instância:
Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso, apresentadas em 12 de fevereiro de 2020, e sintetizadas em 15 de março de 2021, após despacho de aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:
“1. O Douto Tribunal a quo, no âmbito dos presentes autos, decidiu julgar a ação procedente e declarar nulos os atos impugnados, decisão com a qual o aqui recorrente se não conforma.
2. No entendimento do recorrente a sentença recorrida não conforma a boa solução do caso sub iudice, quer no que concerne à fixação da matéria de facto, quer, igualmente, no que tange à legislação aplicável ao concreto caso dos autos, o que, no entendimento do aqui recorrente terá (também) contribuído para que o Tribunal fizesse uma errada aplicação do direito aos factos, consequentemente, errando no julgamento da matéria de direito, impondo-se, nessa sequência e por via do presente libelo recursivo, a prolação de Douto Acórdão que, concedendo provimento ao presente, determine a sua revogação com a subsequente inversão do sentido decisório que por este se coloca em crise.
3. Assim, o presente recurso versará sobre a i) fixação da matéria de facto (facto provado 8) e, ii) sobre a matéria de direito (fundamentação) que culminou com a decisão proferida a final, especificamente:
1º A operação urbanística objeto do pedido de licenciamento e dos atos impugnados configurava ou não uma operação de loteamento?;
2º Em todo o caso havia que respeitar, relativamente ao terreno objeto da operação, os índices urbanísticos da densidade habitacional e de construção previstos nas sobreditas normas do Regulamento?;
3º Em qualquer caso, o limite regulamentar, dito da “cércea”, fixado em três pisos ou 9,5 m, referia-se apenas aos pisos acima do solo? E
4º Em qualquer caso, O objeto do licenciamento violava a proibição de edificar para habitação a menos de 50m do caminho de ferro?
4. No que respeita ao recurso da matéria de facto o aqui recorrente não pode concordar com a interpretação e conclusão do Tribunal para considerar o facto 8 como provado já que a factualidade vertida pelo A. e recorrido MP no art.º 14.º da sua PI foi expressamente impugnada pelo recorrente em sede de contestação e, no mesmo articulado, mas já no segmento de pronúncia quanto a esse concreto ponto, novamente contrariada (vejam-se os arts. 18.º, 19.º e 73.º todos da contestação), não se podendo concluir que o R. e recorrente aceitou o alegado pelo A. e recorrido no que tange a distâncias em relação ao caminho de ferro.
5. O recorrente impugnou expressamente o vertido em 14 (e nos demais artigos identificados nos pontos 18 e 19 da contestação) não colocando, no entanto, em causa os cálculos aritméticos constantes de alguns desses artigos (que sequer respeita ao 14.º da PI) mais referindo ainda não terem (nenhum desses artigos e do que nele constava) sequer aplicação aos concretos autos,
6. Sendo que, no final e em concreto aquando da pronúncia sobre esse específico segmento, reforçou a inexistência de qualquer demonstração/alegação da conclusão alcançada pelo recorrido no que tange às distâncias, logo, ainda que pela aplicação subsidiária do CPC (na sua redação anterior a 2013), sempre a alegação se encontraria em oposição com o vertido em 14 da PI, logo, teria que se considerar impugnado (art.º 490.º n.º 2).
7. Assim, no entendimento do aqui recorrente, deverá merecer este concreto segmento provimento e, consequentemente, ser o facto 8 retirado da matéria de facto dada como provada por inexistência de acordo quanto ao mesmo e, nessa sequência, inexistir prova documental ou testemunhal que confirme o nele vertido.
8. No que concerne a este concreto segmento da matéria de direito (1º A operação urbanística objeto do pedido de licenciamento e dos atos impugnados configurava ou não uma operação de loteamento?) o Douto Tribunal conclui (no entendimento do recorrente erradamente) que o objeto do pedido de licenciamento em apreço correspondia, de facto, à matéria de uma operação urbanística de loteamento.
9. Em primeiro lugar, salvo melhor e Douta opinião, o Douto Tribunal erra na identificação do regime legal aplicável aos atos impugnados. Com efeito, apesar de, tal como se alude na Decisão em crise, o DL n.º 555/99 de 16 de dezembro, que tinha uma vacatio legis de 120 dias, na sua redação resultante da declaração de retificação n.º 5-B/2000 de 29.02, certo é que a sua aplicação veio a ser, por 2 vezes, suspensa.
10. Logo, facilmente se poderá concluir que, efetivamente, a legislação aplicável ao caso concreto não era o DL 555/99 de 16.12 mas, antes, tal como defendido pelo aqui recorrente, o DL n.º 448/91 de 29.11 na redação aplicável.
11. O regime legal aplicável condiciona, pois, a decisão que veio a ser proferida, ou mais concretamente o sentido da mesma. Com efeito, a construção em causa, como resulta inequivocamente do projeto, respeita à edificação de um bloco habitacional dividido – apenas por questões de facilidade de descrição das obras a executar.
12. Da análise técnica do processo constata-se estarmos na presença de um piso único de embasamento, com comunicações, estruturas e espaços comuns, não sendo sequer viável a separação física dos dois (2) corpos superiores. O que nos é comprovado pela Certidão Predial junta pelo A. e recorrido com a sua PI, como doc. n.º 2, resultando que inexistiu qualquer divisão do prédio inicial, no qual (na sua totalidade) se encontra implantado o Bloco Habitacional em causa, o que se extrai pela distinção entre área coberta e descoberta e ainda pela referência ao facto de o logradouro e o terraço do 2.º andar serem partes comuns, apesar deste último ser de uso exclusivo da fração “O”.
13. O licenciamento atacado, constante do processo administrativo, deferiu a construção de um só edifício, que teve por base um projeto único, pese embora o facto de o mesmo ser, por questões de melhor descrição, identificado por duas fases A e B.
14. Material e juridicamente, o edifício licenciado constitui um todo incindível, o qual, engloba também todo o terreno envolvente, pelo que é insuscetível de divisão e/ou autonomização, veja-se para o efeito Fernanda Paula Oliveira-Maria José Castanheira Neves – Dulce Lopes – Fernanda Maçãs in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado – 2.ª Edição, Almedina, pág. 57 a 59, supra transcrito em sede alegatória e ainda (também transcrito em sede alegatória) Parecer da CCDRLVT – GJ7/2000.
15. O que na realidade se verifica é a recondução da situação em apreço à figura do supercondomínio, no qual o regime da propriedade horizontal mantém a sua estrutura fundamental, aplicando-se em bloco e variando apenas no seu objeto. A um só direito corresponde assim uma multiplicidade de objetos, veja-se igualmente Fernanda Paula Oliveira-Maria José Castanheira Neves – Dulce Lopes – Fernanda Maçãs, ob. Cit. págs. 59 e ss. (pág. 60).
16. Atento o exposto, conclui-se que, com a construção do edifício não se construíram dois lotes, tal como é definida a operação de loteamento na al. a) do art.º 3.º do DL n.º 448/91 de 29.11 na redação aplicável, nem a divisão do prédio rústico em dois lotes;
17. Assim, o licenciamento da construção não estava sujeito à prévia operação de loteamento, não se tornando, em consequência, necessárias quaisquer consultas, sendo que aquelas a que o recorrente faz referência na sua PI (art.º 6.º) sequer são aplicáveis dado que a edificação ocorreu em área abrangida pelo PDM, pelo que inexiste qualquer violação das disposições do DL n.º 448/91 de 29.11 não estando o licenciamento em causa ferido de qualquer invalidade, designadamente a invocada na Douta Decisão em crise, logo inexistem quaisquer vícios em qualquer uma das deliberações objeto de impugnação.
18. No que concerne a este concreto segmento (2º Em todo o caso havia que respeitar, relativamente ao terreno objeto da operação, os índices urbanísticos da densidade habitacional e de construção previstos nas sobreditas normas do Regulamento?) o Douto Tribunal conclui (no entendimento do recorrente erradamente) que os atos impugnados violaram efetivamente os arts. 4.º-5/a e 5.º n.º 1/a e 8 do Regulamento do PDM por deferirem uma densidade habitacional para a “restante área urbana” superior à máxima neles prescrita.
19. De acordo com o A. e Recorrido M.P. sufragando entendimento propugnado pela IGAL e confirmado por despacho proferido pelo Secretário do Estado do Ordenamento do Território e das Cidades a 25.05.2007, entende que, na operação urbanística em apreço nos presentes autos, o índice máximo de construção bruto foi ultrapassado e, igualmente desrespeitada a densidade habitacional máxima para o local. A Douta Decisão adere, igualmente, a este concreto entendimento, com o qual não pode o recorrente conformar-se.
20. O aqui Recorrente e demandado, ancorado num Parecer da Comissão de Coordenação da Região Centro datado de 29.01.1996, (pugnou e) pugna pelo entendimento segundo o qual a expressão «terreno a urbanizar» referido no citado artigo 4.º, n.º 5, alíneas a) e d), do mesmo regulamento reporta-se antes «a uma parcela de terreno sobre a qual se irá operar uma série de obras de urbanização decorrentes de uma operação de loteamento ou de um Plano de Pormenor». Como tal, não aplica estes parâmetros urbanísticos a parcelas ou lotes de terreno.
21. Ou seja, no entendimento do aqui Recorrente, o Douto Tribunal, aplica ao projeto em causa nos autos escalas de intervenção urbana erradas, porquanto aplica parâmetros brutos (aplicáveis a áreas a urbanizar, ou seja, ao conjunto compreendido pelas parcelas destinadas a edificação, vias de acesso, espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva) a parcelas líquidas (terrenos autónomos, quer sejam parcelas, quer sejam lotes de terreno).
22. O terreno no qual se verificou a operação urbanística em apreço se situa na área do Aglomerado Urbano da Marinha Grande, na zona indicada por «Restante Área Urbana», segundo a Planta de Ordenamento do Regulamento do Plano Diretor Municipal da Marinha Grande. E, por força do preceituado no artigo 5.º, n.ºs 1, alínea a), e 8, do regulamento, o índice de construção bruto máximo permitido para a ¯Restante Área Urbana – é de 0,6.
23. Com efeito, à data do processo de licenciamento em causa era aplicável, além do Regulamento do Plano Diretor Municipal da Marinha Grande, já identificado supra, o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, que estabelecia o regime jurídico dos licenciamentos municipais, assim como o Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, que previa o regime jurídico das operações de loteamento e das obras de urbanização, e ainda o Decreto Regulamentar n.º 63/91, igualmente de 29 de novembro, que previa a instrução dos pedidos de licenciamento das operações de loteamento e das obras de urbanização.
24. Tendo bem presente este ponto de partida, esclarece o n.º 5 do mesmo artigo 4.º do Regulamento do Plano Diretor Municipal da Marinha Grande que se considera «[d]ensidade habitacional — o quociente entre o número total de fogos e a área total de terreno a urbanizar» e «[í]ndice de construção bruto — o quociente entre a área total de pavimentos a construir e a área total do terreno a urbanizar» [cf. respetivamente, alíneas a) e d)]
25. Entende assim o Recorrente que os preceitos normativos aqui citados implicam, até por força do seu sentido literal, que a densidade habitacional e o índice de construção bruto definidos no Regulamento do Plano Diretor Municipal da Marinha Grande se aplicam a áreas a lotear ou a abranger por outros Planos Municipais de Ordenamento, mas já não a parcelas ou lotes de terreno.
26. Até porque, em bom rigor, conforme supra aflorado, o conceito de solo a urbanizar ou urbanizável inclui não apenas as parcelas destinadas à edificação pelos particulares e as áreas destinadas à construção de equipamentos públicos como, também, as vias de acesso, os espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva.
27. Daí que a expressão «terreno a urbanizar» utilizada no Regulamento do Plano Diretor Municipal da Marinha Grande de 1995 se tem de entender como reportado a prédio sobre o qual se irá operar uma série de obras de urbanização, decorrentes de uma operação de loteamento ou de um plano de pormenor, sendo, portanto, equivalente a «terreno bruto».
28. E, nesse contexto, tratando-se de parâmetros brutos, dificilmente se poderão aplicar a parcelas líquidas, uma vez que se tratam de escalas de intervenção urbana totalmente distintas. Ou seja, tais índices aplicar-se-ão à área total do terreno a intervencionar (área bruta) do qual resultarão as áreas líquidas de cada lote, após a dedução das áreas afetas às operações urbanísticas, como sejam vias de acesso, espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva.
29. Se assim não se entendesse, estaríamos, em bom rigor, a aplicar duas vezes os índices alegadamente violados, primeiramente ao terreno total a lotear e posteriormente a cada um dos lotes. No limite, poder-se-iam inclusive alcançar resultados díspares e até, porventura, limitar a edificação num determinado lote – por violar índices – que no terreno globalmente considerado quando da operação de loteamento se encontravam totalmente respeitados e isto mesmo foi já decidido pelo órgão de cúpula desta jurisdição, pois que, na verdade, no Acórdão do STA proferido a 20.01.2005, proferido no processo n.º 0792/03 (relator: colendo juiz conselheiro CÂNDIDO DE PINHO), integralmente disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jsta
30. Salvo melhor e Douta Opinião, nenhuns motivos se vislumbram para não aderir ao julgamento efetuado no aresto parcialmente transcrito, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito constituído (cf. artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil português) e o julgamento efetuado, apesar de apenas se reportar ao parâmetro «índice de construção bruto», previsto na alínea d) do n.º 5 do artigo 4.º do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Marinha Grande, julga-se aplicável, mutatis mutandis, ao parâmetro «densidade habitacional», previsto na alínea a) do mesmo preceito.
31. Razão pela qual, no entendimento do aqui recorrente, se deverá concluir pela inexistência de qualquer violação das disposições do Regulamento do PDM, logo pela inexistência de qualquer vício em qualquer uma das deliberações objeto de impugnação.
32. No que concerne a este concreto segmento (3º Em qualquer caso, o limite regulamentar, dito da “cércea”, fixado em três pisos ou 9,5 m, referia-se apenas aos pisos acima do solo?) o Douto Tribunal conclui (no entendimento do recorrente erradamente) que qualquer dos edifícios excede o limite do número de pisos determinado pelo regulamento do PDM.
33. O Douto Tribunal, salvo melhor e Douta opinião em sentido contrário, interpreta a norma do Regulamento de PDM como se a mesma constituísse uma limitação ao número de pisos a edificar e não, como ao recorrente parece corresponder, à específica e concreta definição da cércea máxima, com recurso, ou a um número de pisos ou a uma altura.
34. Efetivamente não se trata da mesma matéria, uma específica situação será limitar a construção em altura a um específico número de pisos (onde poderão ser considerados os que se encontrem abaixo do solo) outra coisa será prever uma situação em que a altura da construção será definida não com base no número de pisos mas antes na cércea máxima da construção.
35. E o Douto Tribunal desconsidera, para efeitos de alcançar o entendimento refletido na decisão em crise, a própria definição de cércea (ou altura dos edifícios), estabelecida no regulamento do PDM.
36. Ao estabelecer-se no n.º 8 do art.º 5.º do Regulamento que a cércea máxima para a “Restante Área Urbana” é de 3 pisos ou 9,5m apenas se consideram os pisos acima do solo, ou seja, que afetem a cércea, já que, interrogada a norma numa perspetiva teleológica afigura-se que o legislador (lato sensu) pretendeu privilegiar a volumetria da construção na sua componente visual e, como tal, suscetível de agredir o respetivo enquadramento urbano e arquitetónico.
37. Assim sendo, será o número de pisos acima do solo que se tem em conta na cércea máxima na “Restante Área Urbana”, pois não se descortina outra razão para, no mesmo preceito, se estabelecer um limite em função do número de pisos em alternativa a outro em função da cércea determinada em metros.
38. A argumentação explanada na Douta Decisão em crise limita-se ao elemento literal de interpretação que só seria decisivo se o sentido para que inclina o elemento racional não tivesse na letra do preceito um mínimo de correspondência verbal. Ora, o segundo elemento da frase, a referência à altura acima do solo, induz a que a referência ao volume em número de pisos se determine do mesmo modo, ou seja, a uma interpretação restritiva da primeira parte da norma, tal como se extrai do Ac. do STA de 18.06.2003, proc.º n.º 01283/02, in www.dgsi.pt
39. Razão pela qual, no modesto entendimento do recorrente, não se vislumbra existir qualquer violação de norma do Regulamento de PDM, inexistindo, por essa via, qualquer vício que possa ser assacado às deliberações em crise.
40. Quanto a este concreto ponto (4º Em qualquer caso, O objeto do licenciamento violava a proibição de edificar para habitação a menos de 50m do caminho de ferro?), repristinando tudo o supra vertido em sede de impugnação/recurso da matéria de facto, inexiste factualidade provada que possibilite a apreciação deste ponto, atendendo a que inexiste nos autos qualquer demonstração inequívoca de que a distância da construção (ou de parte da mesma) é inferior a 50m.
41. Face a tudo o supra exposto entende o recorrente que a Decisão em causa, contraria – no modesto entender do Recorrente – o concreto sentido interpretativo dos normativos em causa, impondo-se pois que, concedendo-se provimento ao presente recurso, seja proferido Acórdão que, revogando a decisão em crise, determine a sua substituição por outra que julgue a ação do recorrido totalmente improcedente, por não provada e, consequentemente, determine a absolvição do Recorrente do pedido, mantendo-se inalteradas, porque válidas, eficazes e regulares as Deliberações objeto dos presentes autos.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, atento o supra exposto e os fundamentos do presente recurso, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, consequentemente, ser proferido Acórdão que, revogando a decisão em crise, determine a sua substituição por outra que julgue a ação do recorrido totalmente improcedente, por não provada e, consequentemente, determine a absolvição do Recorrente do pedido, mantendo-se inalteradas, porque válidas, eficazes e regulares as Deliberações objeto dos presentes autos. Assim se fazendo a Costumada JUSTIÇA”

O Recurso Jurisdicional apresentado foi admitido por Despacho de 18 de fevereiro de 2020.

O aqui Recorrido/MP não veio apresentar contra-alegações de Recurso.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, que a sentença recorrida não está conforme a boa solução do caso, quer no que concerne à fixação da matéria de facto, quer no que tange à legislação aplicável ao concreto caso, o que, no entendimento do aqui recorrente terá contribuído para que o Tribunal fizesse uma errada aplicação do direito aos factos, errando no julgamento da matéria de direito.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
1 Em 12/7/2001, no âmbito do Processo de Obras nº …/01, M...., requereu na e à Câmara Municipal da Marinha Grande (doravante, C.M.) a aprovação do pedido de licença para executar as obras de uma construção nova, que designou como “Um bloco habitacional”, destinada a habitação, representada no projeto de arquitetura e descrita na memória descritiva e justificativa anexos ao requerimento, a implantar no prédio rústico, sito em P..., inscrito na matriz respetiva da freguesia da Marinha Grande com o art. …5 (antigo 2…) e descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o nº …..288.
Cf. fs.1 a 41 do P.A.
2 A área total desse prédio era de 2 790 m².
Cf. o P.A. (trata-se, aliás, de facto aceite por ambas as partes).
3 O terreno situava-se na área do Aglomerado Urbano da Marinha Grande, na zona indicada como “Restante Área Urbana”, segundo a Planta de Ordenamento do Regulamento do PDM da Marinha Grande, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 37/95, publicado no DR, I Série-B, nº 94, de 21/4/1995 (doravante denominado, tão só, por Regulamento), a que se aplica o art. 5º nº s 1/a) e 8 desse Regulamento.
Cf. o P.A. ((trata-se, aliás, de facto aceite por ambas as partes)
4 A implantação do designado “bloco Habitacional” haveria de ser a que se encontra representada na planta de localização a fs.41 do P.A.
5 Da memória descritiva, constava, além do mais, o seguinte:
INTRODUÇÃO
Refere-se a presente memória descritiva e justificativa ao projeto de arquitetura de um Bloco habitacional a construir em P... - Marinha Grande, que a Sr.ª M...., pretende construir.
Por forma a tomar a descrição mais facilitada, optou-se por dividir o bloco em duas fases:
Fase A e Fase B (conforme demonstra planta de Implantação)
I - IMPLANTAÇÃO
O edifício será implantado no terreno conforme planta de implantação em anexo, e de modo, a este poder respeitar as cotas do terreno e todos os parâmetros indicados no P.D.M. da Marinha Grande.
Os acessos ao edifício denominado por Fase A serão feitos pela rua das R..., sendo o acesso à cave (estacionamentos) feito por uma suave rampa a Nascente do edifício.
Os acessos ao edifício denominado por Fase B serão feitos pela Rua das R..., e Rua ..., sendo o acesso á cave(estacionamento) feito por uma suave rampa a sul do edifício (Rua ...).
II - DESCRIÇÃO DOS ESPAÇOS FASE A
A constituição e organização do edifício é feita da seguinte forma: 6 garagens em Cave, 3 fogos tipo T3 no R/Chão e 3 fogos tipo T3 no 1° Andar.
Ao nível da cave, as 6 garagens têm acesso direto ao exterior através dos seus portões e das escadas comuns do edifício, no entanto, duas destas garagens tem ligação direta com as suas frações, através de escadas devidamente protegidas.
O piso do R/Chão estabelece ligação com a cave através de escadas devidamente protegidas e com acesso direto ao exterior e é composto por 3 fogos tipo T3, com Hall, sala com lareira, cozinha, escritório, 2 quartos e duas casas de banho, sendo uma delas privativa de um dos quartos.
O piso do 1° Andar estabelece ligação com o R/Chão através de um balcão que comunica com escadas exteriores e é composto por 3 fogos tipo T3, com Hall, sala com lareira, cozinha, escritório, 2 quartos e duas casas de banho, sendo uma delas privativa de um dos quartos.
No que respeita aos alçados, estes foram elaborados segundo um desenho simples, tentando encontrar a harmonia entre as diversas formas, elementos e materiais utilizados.
FASE B
A constituição e organização do edifício é feita da seguinte forma: 8 garagens em Cave, 2 Lojas, 1 fogo tipo T3 no R/Chão, 3 fogos tipo T3 no 1° Andar, 1 fogo T4 e 1 fogos tipo T3 no 2° Andar.
Ao nível da cave, as 8 garagens têm acesso direto ao exterior através dos seus portões e das escadas comuns do edifício, no entanto, duas destas garagens tem ligação direta com as suas frações (comércios), através de escadas devidamente protegidas.
O piso do R/Chão estabelece ligação com a cave através de escadas devidamente protegidas e com acesso direto ao exterior, tanto pela rua ... (acesso principal do edifício) como pelas rua das R... (acesso secundário) e é composto por 2 lojas com casas de banho e acesso por escadas internas às suas garagens e 1 fogos tipo T3, com Hall, sala com lareira, cozinha, despensa, escritório, 2 quartos com roupeiro e duas casas de banho, sendo uma delas privativa de um dos quartos.
O piso do 1° Andar estabelece ligação com o R/Chão através de uma caixa de escadas devidamente protegidas e é composto por 3 fogos tipo T3, com Hall, sala com lareira, cozinha, despensa, 3 quartos e duas casas de banho, sendo uma delas privativa de um dos quartos.
O piso do 2° Andar estabelece ligação com o R/Chão através de uma caixa de escadas devidamente protegidas e é composto por 1 fogos tipo T3, com Hall, sala com lareira, cozinha, despensa, 3 quartos e duas casas de banho, sendo uma delas privativa de um dos quartos; 1 fogos tipo T4, com Hall, sala com lareira, cozinha, despensa, 4 quartos e duas casas de banho, sendo uma delas privativa de um dos quartos e uma sala de condóminos.
No que respeita aos alçados, estes foram elaborados segundo um desenho simples, tentando encontrar a harmonia entre as diversas formas, elementos e materiais utilizados.
(…)
IV - DESCRIÇÃO DA CONSTRUÇÃO
1. ELEMENTOS PRINCIPAIS
1.1-TERRENO
Proceder-se-á inicialmente às escavações e regularização do terreno para a correta implantação do edifício no terreno. Os caboucos serão abertos até encontrar terreno firme.
1.2 - LEITO DO PAVIMENTO
Sobre o terreno, depois de regularizado e compactado, será aplicado um enrocamento de brita grossa com 0 ,20m de espessura devidamente compactado, seguindo-se a aplicação de uma camada de betão
1.3 - FUNDAÇÕES
As fundações serão diretas, constituídas por sapatas de betão armado ligadas entre si por vigas de fundação. Todos os elementos de betão em contacto com o solo levarão aditivos hidrófugos adequados
1.4 - ESTRUTURA
A estrutura do edifício será em betão armado, de acordo com ·o respetivo projeto, a apresentar futuramente.
Os muros de suporte serão providos de drenos constituídos por um enrocamento de pedra grossa arrumada à mão; executada numa caleira em betão com declive mínimo de 2%.
(…)
COBERTURA
A cobertura será constituída por uma lage aligeirada isolada termicamente e a telha será do tipo lusa.
(…)
4. SERVIÇOS
4.1- REDE DE ÁGUAS
A rede de águas será definida no projeto a apresentar futuramente.
4.2 - REDE DE ESGOTOS
A rede de esgotos será definida no projeto a apresentar futuramente.
4.3 - REDE DE GÁS
A rede de gás será definida no projeto a apresentar futuramente.
4.4- PROJECTO DE EVACUAÇÃO DE GAZES E FUMOS
O projeto de evacuação de fumos será apresentado futuramente junto com os outros projetos de especialidades.
4.5 - PROJECTO DE TÉRMICA
O projeto de Térmica será apresentado futuramente junto com os outros projetos de especialidades.
4.6 - PROJECTO DE TELEFONES
Será entregue futuramente com as restantes especialidades.
4.7 VENTILAÇÃO
Todos os compartimentos são ventilados naturalmente por janelas, com a exceção das instalações sanitárias. sendo estas ultimas ventiladas por meio de uma conduta de polietileno, que terá ligação ao exterior, a conduta de ar viciado, será também em polietileno.
As caves, serão, ventiladas por aberturas feitas, nas paredes das caves, que, devidamente dimensionadas e protegidas por grelhas, permitirão a circulação de ar.
V - CONCLUSÃO
- com as peças desenhadas e respetiva leitura julga-se dispensável uma descrição mais exaustiva.
Em tudo o omisso na presente memória descritiva e justificativa proceder-se-á de acordo com as normas de bem saber construir, aplicando-se o que a legislação determinar, tendo em conta o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, e mais legislação em vigor e ainda, o comum acordo entre proprietário e construtor.
O projeto considerava 6 fogos e a área total de construção de 1 512,00 m2, mas a área real e registada dos lotes é de 1 612 m2 = (Lote 1 - 537 m2; Lotes 2, 3, 4 e 5 - 209 m2 /cada e Lote 6 - 239 m2).
6 Dá-se aqui por reproduzidas as peças desenhadas do projeto de arquitetura, de fs. 18 a 31 do P.A.
7. A área de construção era com as caves de 2 518,52 m² e sem caves de 1 670,50 m².
Cf. o P.A., além de que é facto aceite por ambas as partes.
8 Atenta a implantação do edificando projetado, uma extensão de 10 m deste ficaria a 40m de uma linha de Caminho de Ferro. Este facto é dado como provado porque o Réu apenas impugna, quanto ao artigo em que é alegado (14º da PI) a matéria de direito, desenvolvendo, aliás, toda a sua alegação na base de este facto ser verdadeiro.
Facto suprimido de acordo com fundamentação constante do Discurso Fundamentador infra.
9 Ao tempo dos factos e, pelo menos, até à entrada da Petição Inicial, o Município da Marinha Grande não fizera aprovar nenhum plano de urbanização para o aglomerado urbano da Marinha Grande, nem um qualquer regulamento que pudesse alterar os índices e parâmetros urbanísticos fixados no regulamento do PDM.
10 Pelos deliberação camarária e despacho impugnados de 12/9/2001 e de 2/8/2002 foram, respetivamente, aprovado o projeto de arquitetura e, uma vez apresentados e deferidos os projetos de especialidades, autorizada a construção.
Cf. fs. 42 a 46 do p.a. e 94 a 96 do doc. 1 da PI e 458 do P.A..
11 O prédio foi adquirido, por compra, primeiro à 1ª contrainteressada pela 2ª contrainteressada “Construções M...., Ld.ª”, e depois a esta pela 2ª contrainteressada C...., Ld.ª, aquisições, essas, registadas na CRP de Marinha Grande em 15/X/2003 e em 29/12/2003, respetivamente. Doc. s 1 e 2 da PI.
12 Sobre ele incidem três (3) hipotecas voluntárias registadas em 05/02/2004, 18/4/2005 e de 7/X/2005, a favor da contrainteressada Caixa E….., para garantia do pagamento de dívidas emergentes de contratos de mútuo celebrados com essa contrainteressada.
Doc. 2 da PI.
13 E, sobre o mesmo foi constituída propriedade horizontal, com as frações autónomas “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N” e “O”, ato, esse, registado em 29/06/2006. Cf. Doc. 2 da PI.
14 A fração “A” foi adquirida por compra pelo contrainteressado M…., casado com A…., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 10/07/2008. Cf. Doc. 2 da PI.
15 Sobre ela incide uma hipoteca voluntária registada em 10/07/2008, a favor da contrainteressada Banco C…, S.A., para garantia de dívida emergente de contrato de mútuo celebrado com essa contrainteressada. Cf. doc. 2 da PI.
16 A fração “B” foi adquirida por compra pelo contrainteressado A….., casado com A…., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 19/05/2008. Cf. doc. 2 da PI.
17 Sobre ela incidem duas hipotecas voluntárias registadas em 19/05/2008, a favor da contrainteressada Banco S…., SA, para garantia de dívidas emergentes de contratos de mútuo celebrados com essa contrainteressada. Cf. doc. 2 da PI.
18 A fração “C” foi adquirida por compra pelos contrainteressados F…. e A….., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 19/01/2007. Cf. doc. 2 da PI.
19 Sobre ela incide uma hipoteca voluntária registada em 19/01/2007, a favor da contrainteressada Caixa G….S.A., para garantia de dívida emergente de contrato de mútuo celebrado com essa contrainteressada. Cf. doc. 2 da PI.
20 A fração “D” foi adquirida por compra pelos contrainteressados P…. e S…., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 28/08/2007. Cf. doc. 2 da PI.
21 Sobre ela incidem duas hipotecas voluntárias registadas em 28/08/2007, a favor da contrainteressada Banco E…., SA, para garantia de dívidas emergentes de contratos de mútuo celebrados com essa contrainteressada. (doc. 2)
22 A fração “E” foi adquirida por compra pelos contrainteressados F…. e P….., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 16/11/2007. (doc. 2)
23 Sobre ela incidem duas hipotecas voluntárias registadas em 16/11/2007, a favor da contrainteressada Banco E…, SA, para garantia de dívidas emergentes de contratos de mútuo celebrados com essa contrainteressada. (doc. 2)
24 A fração “F” foi adquirida por compra pelos contrainteressados H… e S…., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 16/11/2007. (doc. 2)
25 Sobre ela incide uma hipoteca voluntária registada em 16/11/2007, a favor da contrainteressada Banco C...., S.A., para garantia de dívida emergente de contrato de mútuo celebrado com essa contrainteressada. (doc. 2)
26 A fração “G” foi adquirida por compra pela contrainteressada M...., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 4/11/2008. (doc. 2)
27 A fração “H” foi adquirida por compra pelo contrainteressado A…., casado com C….., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 22/01/2008. (doc. 2)
28 A fração “I” foi adquirida por compra pelos contrainteressados S…. e A…., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 24/06/2008. (doc. 2)
29 Sobre ela incidem duas hipotecas voluntárias registadas em 24/06/2008, a favor da contrainteressada Banco C...., SA, para garantia de dívidas emergentes de contratos de mútuo celebrados com essa contrainteressada. (doc. 2)
30 A fração “J” foi adquirida por compra pelos contrainteressados C…. e P…., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 28/12/2007. (doc. 2)
31 Sobre ela incide uma hipoteca voluntária registada em 28/12/2007, a favor da contrainteressada Banco B…., S.A., para garantia de dívida emergente de contrato de mútuo celebrado com essa contrainteressada. (doc. 2)
32 A fração “L” foi adquirida por compra pela contrainteressada S…., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 02/07/2007. (doc. 2)
33 Sobre ela incide uma hipoteca voluntária registada em 02/07/2007, a favor da contrainteressada Banco C...., S.A., para garantia de dívida emergente de contrato de mútuo celebrado com essa contrainteressada. (doc. 2)
34 A fração “M” foi adquirida por compra pelos contrainteressados C….. e C…., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 25/1/2008. (doc. 2)
35 Sobre ela incide uma hipoteca voluntária registada em 25/01/2008, a favor da contrainteressada Caixa G….., S.A., para garantia de dívida emergente de contrato de mútuo celebrado com essa contrainteressada. (doc. 2)
36 A fração “N” foi adquirida por compra pelo contrainteressado P…, casado com M…., cuja aquisição foi registada na CRP da Marinha Grande em 16/07/2007. (doc. 2)
37 Sobre ela incide uma hipoteca voluntária registada em 16/07/2008, a favor da contrainteressada Banco B…., SA, S.A., para garantia de dívida emergente de contrato de mútuo celebrado com essa contrainteressada. (doc. 2)
38 A P.I. da presente ação deu entrada em juízo em 24/9/2010, subscrita pelo MP.”
IV – Do Direito
Desde logo, e pela sua relevância para a ponderação e decisão das questões aqui predominantemente controvertidas, e por forma a permitir uma mais eficaz visualização daquilo que se discorreu em 1ª instância, infra se transcreverá o essencial do discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) 1º A operação urbanística objeto dos atos impugnados configurava ou não uma operação de loteamento?
Antes de mais há que deixar dito que, atentos a data do requerimento inicial do licenciamento (12/7/2001) e os termos dos artigo 128º nº 1 e 130º do DL nº 555/99 de 16 de Dezembro, o regime legal aplicável aos atos impugnados era já o Regime Jurídico da Edificação e da Urbanização (RJUE) aprovado por este diploma, aliás, na redação original (resultante da declaração de retificação nº 5-B/2000 de 29 de Fevereiro), ainda aplicável in casu dada ainda não ter decorrido o período de vacatio de 120 dias, previsto no artigo 5º do DL 177/2001 de 4 de Junho, primeiro de uma longa sucessão de diplomas legais que têm vindo a alterar e a republica aquele primeiro.
Nos termos do artigo 2º do RJUE (definições):
i) Operações de loteamento (são) as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento;
Importa considerar aqui, também, o conceito legal de operação urbanística, dado pela alínea j) do artigo 2ª do mesmo diploma:
Operações urbanísticas: os atos jurídicos ou as operações materiais de urbanização, de edificação ou de utilização do solo e das edificações nele implantadas para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água;
Por sua vez dispõe, o artigo 4º nºs 1 e 2 a) do RJUE “1 - A realização de operações urbanísticas depende de prévia licença ou autorização administrativas, nos termos e com as exceções constantes da presente secção. 2 - Estão sujeitas a licença administrativa: a) As operações de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor;”
Sob pena de quer a Administração quer o Tribunal pactuarem com uma fraude à lei, importa convir no seguinte:
Uma operação urbanística de loteamento não é nem deixa de o ser consoante, (…) é ou não é qualificada como tal no requerimento, no procedimento e no licenciamento de que é objeto.
Há uma factualidade natural (pré-jurídica) a considerar conforme a sobredita definição, a ela se seguindo a valoração jurídica da determinação do procedimento que cabe seguir e do ato administrativo que cumpre emitir.
Não quero com isto dizer que não seja necessário, por vezes, fazer algum juízo de valor e “concluir”, face ao projeto apresentado e ao ato pretendido, pela qualificação como um loteamento ou pela qualificação como uma simples operação urbanística de edificação.
Porém, há limites de evidência que esse juízo não pode transpor, sob pena como se disse, de fraude à lei.
Face à sobredita definição de loteamento, a pedra de toque para um discernimento entre estas duas alternativas consiste, a meu ver, em o objeto do projeto aprovado poder por algum fundamento ser considerado um edifício apenas, designadamente por haver uma só estrutura, uma só cobertura, zonas de utilização comum de todas as frações autónomas a constituir ou, pelo contrário, não o poder ser, designadamente por haver duas estruturas independentes, duas coberturas independentes, e não haver relevantes zonas de utilização comum pelas futuras frações a constituir em ambos os edifícios, mesmo que se mostrem contíguos.
Na verdade, na segunda alternativa, o que resulta, material e naturalmente da operação urbanística projetada é a divisão de um prédio, que era único, em dois prédios urbanos.
Ora, embora a memória descritivas evite usar expressões no número plural e descreva estrutura leito e cobertura sem discriminar as “fases” – nomen que convencionou aplicar aos dois edifícios – podendo, assim, deixar o leitor no pré-conceito de que se trata de uma estrutura comum, de uma cobertura comum, de um leito de implantação comum, o certo é que, vistas as peças desdenhadas, se torna evidente para qualquer observador, mesmo que não dotado de conhecimentos técnicos, que se trata de duas estruturas e estabilidades completamente independentes, de duas coberturas separadas e independentes, também, e, até, que não há quaisquer partes de utilização comum aos dois edifícios. Aliás, os próprios projetos desenhados são apresentados em separado, posto que identificado cada edifício como “fase A” e “fase B”.
Assim sendo, da execução do projeto aprovado e licenciado resulta a criação, material de dois imóveis urbano.
As peças desenhadas permitem ainda concluir que tão pouco se trata de dois edifícios contíguos, no sentido em que usa este termo o invocado artigo 1438º-A do Código civil, cujo teor é o seguinte:
Propriedade horizontal de conjuntos de edifícios
O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem.
Com efeito o adjetivo contíguo (cf. dicionário.priberam.org/online) implica contacto, não mera proximidade. Ora, havendo duas estruturas e duas coberturas, não é e existência de uma escada de permeio, servindo, aliás, apenas um dos edifícios, que permite dizer que os mesmos sejam contíguos, já que nenhuma das empenas contactam ou estão justapostas.
Esta realidade prejudica, já por si, tudo o alegado pelo Autor a partir daquela norma aditada ao CC pelo DL nº 267/94 de 25/10.
Mas mesmo que os edifícios pudessem ser considerados contíguos, nem por isso lhes poderiam valer aquelas norma e a jurisprudência invocadas (AC. STA de 25/2/2007 p. 01038/06) pois não foi alegada nem se provou factualidade alguma de que se pudesse concluir que estão funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns destinadas a virem a ser afetadas ao uso de todas ou algumas das frações autónimas a constituir em propriedade horizontal.
Por tudo o exposto, o objeto do pedido de licenciamento apresentado por M…. em 12/7/2001 no âmbito do processo de obras nº …./2001 correspondia, de facto, à matéria de uma operação urbanística de loteamento.
Se assim era, impunha-se um procedimento administrativo de loteamento, que, de todo, foi omisso, pelo que o os atos impugnados, emitidos, assim, fora de qualquer forma devida, são já por isso nulos nos termos do artigo 133º nº 2 f) do CPA aplicável.
Se porventura se entender que, dado que houve, em todo o caso, um procedimento administrativo escrito, o qual seria o devido se se tratasse de uma mera operação de edificação, nem por isso deixaria de ocorrer nulidade, desta feita a prevista pelo nº 1 do mesmo artigo, já que, se acaso houve algum procedimento, então não houve um elemento essencial do ato administrativo que configura um loteamento, designadamente não houve qualquer concretização dos termos do loteamento, como definição jurídica dos lotes, espaços públicos, etc.
Apesar de tanto bastar para a procedência da ação, não fica prejudicada a discussão das questões seguintes questões, pois sempre se deveriam colocar se improcedesse a alegação de nulidade por causa da preterição do loteamento.
Contudo, qualquer confronto do projeto com a legalidade vigente haverá de ser feito desconsiderando, de todo, o também invocada Dec. Regulamentar nº 63/91 de 29/11, bem como de qualquer outra legislação aplicável apenas às operações de loteamento, esta, sim, uma questão prejudicada.
2º Em todo o caso havia que respeitar, relativamente ao terreno objeto da operação, os índices urbanísticos da densidade habitacional e de construção previstos nas sobreditas normas do Regulamento?
Na questão hermenêutica que divide as partes, acima exposta, o Tribunal toma como certa aquela interpretação segundo a qual a expressão “terreno a urbanizar” (e não “áreas a urbanizar”, como traduz o Réu) , usada nas alªs a) e d) do nº 5 do artigo 4º do Regulamento para definir os conceitos de “densidade habitacional” e de “índice de construção bruto”, se referem tanto ao total do terreno de um plano de urbanização, como ao total de um terreno de um loteamento, como ao total do terreno pré-existente, objeto de uma operação urbanística de edificação, sem qualquer destaque, como ao terreno objeto de estaque para efeito dessa operação urbanística.
Na verdade, se assim não fora teríamos o absurdo de, na “restante área urbana” do aglomerado populacional da Marinha Grande os índices de habitação serem ilimitados e de o índice de construção em terrenos autónomos poder ir até 100%, não a título de exceção, mas de regra; e na injustiça de os primeiros proprietários a construírem irem diminuindo, até anularem, a possibilidade, dos restantes, de construírem nos seus terrenos à partida também suscetíveis de edificação…
Acresce considerar que não estão em causa as áreas e os cálculos feitos pelo A na PI, tendo como área de referência a do terreno autónomo objeto das obras aprovadas e licenciadas: quer quanto à densidade habitacional quer quanto a área bruta de construção.
Tão pouco é contestado pelo Réu, o juízo tão elementar quanto evidente, de que a cave do edifício 2 releva para a área bruta de construção, e nisso vai bem, atenta a existência, em cave de uma sala para reuniões de condomínio e o disposto.
Estes pressupostos conduzem à conclusão de que efetivamente o índice de densidade habitacional e de área bruta de construção permitida pelo PDM – respetivamente, foram ultrapassados em quatro fogos e em 30%.
Assim, impõe-se nos concluir que os atos impugnados violaram efetivamente os artºs 4º-5/a e 5º nº 1/a e 8 do Regulamento, já que deferiram uma densidade habitacional para a “Restante Área Urbana” do aglomerado Populacional da marinha Grande, superior à máxima neles prescrita; e os art. s 4º-5/d e 5º nº 1/a e 8 do Regulamento, já que deferiram um índice de construção bruto,” superior ao máximo previsto por estas normas para a mesma “Restante Área Urbana”.
Nos termos do artigo 68º nº 1 do RJUE, na redação sobredita, “são nulas as licenças ou autorizações previstas no presente diploma que:
a) Violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou autorização de loteamento em vigor;
O PDM é um plano municipal de ordenamento do território. Logo, o pedido de declaração de nulidade dos atos impugnados também procede por esta via, se já não.
3º Em qualquer caso, o limite regulamentar, dito da “cércea”, fixado em três pisos ou 9,5 m, referia-se apenas aos pisos acima do solo?
Atento o que se disse supra quanto ao regime legal aplicável aos autos, as normas invocadas e aqui e agora a considerar são apenas as do art. 5º, nº s 1/a e 8 do Regulamento, de que transcrevemos os seguintes excertos:
Artigo 5.º
Aglomerados urbanos
1 - São considerados aglomerados urbanos:
a) Centro concelhio da Marinha Grande;
(…)
8 - Para o aglomerado urbano da Marinha Grande a revisão do plano geral de urbanização observará os seguintes índices e parâmetros urbanísticos, que devem desde já ser observados na gestão urbanística:
Área do centro tradicional
(…)
Área do Centro
(…)
Área central
(…)
Envolvente Área Central
(…)
Restante Área Urbana
Densidade habitacional máxima - 30 fogos/ha;
Índice de construção bruto - 0,6;
Cércea máxima - três pisos ou 9,5 m2 de altura;
Estacionamento - 1 lugar/fogo para habitação e 1 lugar/50m2 de área coberta para comércio e serviços.
Tudo reside em saber se a norma para a restante área urbana, acima integralmente transcrita, se refere apenas aos pisos acima do solo.
As caves dos edifícios, quer sejam para habitação ou não, quer contem para a área bruta de construção ou não, são sempre um piso abaixo do solo: cf. vg. o artigo 77º nº 1 e) do RJUE, sobre as especificações que deve conter o alvará de licença de construção.
A questão supra justifica-se, uma vez que parece que a menção dos pisos e feita apenas como um modo de dispor alternativamente quanto à cércea.
Se assim fosse, apenas relevariam os pisos acima do solo.
Contudo, redundaria num absurdo não haver limite algum no PDM para o número de pisos em profundidade, pois em mais lado nenhum do Regulamento se dispõe o nº de pisos, pelo que a melhor interpretação do nº 8 do artigo 5º do Regulamento do PDM é essa de que o legislador quis, a um tempo, regulamentar a cércea e o número total de pisos.
Assim sendo, qualquer dos edifícios excede o limite de número de pisos determinado pelo Regulamento do PDM: logo também neste aspeto os atos impugnados violam uma norma de um plano municipal de ordenamento do território; logo também por este motivo haverão de ser declarados nulos.
4º Em qualquer caso, o objeto do licenciamento viola uma proibição de edificar para habitação a menos de 50m do caminho de ferro?
Está assente que ambos edifícios se destinam a habitação ou (um deles) também a habitação, que uma extensão de cerca de 10m de tudo o projetado e edificado fica a menos de 50m do caminho de ferro e que jamais foi aprovado um plano de urbanização para o aglomerado urbano da Marinha Grande.
Ante estes factos não se vê como turbar a clareza da disposição do artigo 21º nº 1 do Regulamento.
Designadamente, não passa a prova da mais elementar lógica dedutiva a alegação de que o edifício abrangido se destina também a comércio, desde logo porque a norma não diz que é interdita a construção numa faixa de 50 m, “apenas para habitação”, mas sim “para habitação”.
Depois, um dos elementos mais evidentes da ratio legis do preceito (proteger os lares do ruído significativo que o transporte ferroviário produz) não deixa de se verificar se um prédio for destinado não apenas a habitação, mas também a comércio.
É, portanto, de uma evidência insofismável que os atos impugnados violam, sempre e em qualquer caso, o artigo 21º nº 1 do Regulamento do PDM, pelo que ainda por este motivo hão de ser declarados nulos.
5º Por último, cumpre julgar se e que situações de facto haverá a salvaguardar, nesta sede, apesar da nulidade dos atos impugnados.
A versão aplicável do artigo 68º do RJUE não continha, ao invés da atual, qualquer salvaguarda da atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos nos termos gerais de direito”.
Era, todavia, vigente o artigo 134º nº 3 do CPA, segundo o qual o regime da nulidade “não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito”.
Não vale a pena, in casu, esmiuçar que princípios gerais do direito são esses e em que termos haveria que aqui os ponderar, uma vez que os CIs indigitados – adquirentes de direitos reais sobre o edificado, efetivamente prejudicados pela presente decisão – regularmente citados, nada disseram ou fizerem nestes autos, e sendo certo que o Município não os representa.
Quanto ao Município, única parte demandada efetivamente em juízo, a cujos órgãos se deve a emissão indevidas dos atos impugnados, não é logico-juridicamente possível a formação, por efeito do decurso do tempo, de qualquer direito subjetivo sobre os prédios resultantes das obras indevidamente licenciadas.
Como assim, improcede a alegação subsidiária do Réu, de manutenção dos atos nulos na ordem jurídica com fundamento no artigo 134º nº 3 do CPA.
Procede, assim, totalmente, a ação.”

Vejamos:
Na presente Ação foi peticionada a:
“(…) declaração de nulidade dos seguintes atos administrativos:
- Deliberação da Câmara Municipal da Marinha Grande, de 12/9/2001, que aprovou o projeto de arquitetura da construção do que designa como dois blocos habitacionais a implantar no prédio rústico sito em P..., inscrito na matriz respetiva da freguesia de Marinha Grande sob o ortigo ….5 (antigo …7) e descrito na Conservatória do Registo Predial, da Marinha Grande sob o nº …..288; e
- Despacho de 16/8/2002, do Vereador com competência delegada na área do urbanismo, que licenciou a referida obra”,

Decidiu-se em 1ª Instância julgar a ação procedente tendo sido declarados nulos os atos objeto de impugnação.

Há desde logo uma questão essencial e que tem a ver com o regime legal aqui aplicável.

No próprio dia da entrada em vigor do DL nº 555/99 – 14 de abril de 2000 – veio a ser suspensa a sua aplicação até ao dia 1 de janeiro de 2001.

Perante as duvidas então suscitadas quanto à legalidade da suspensão da vigência do referido DL nº 555/99, foi publicada a Lei n.º 13/2000, de 20 de julho que suspendeu mais uma vez o DL n.º 555/99 até 31 de dezembro de 2000 e repôs em vigor a anterior legislação que havia sido revogada.

Perante a aproximação do termo do período de suspensão do DL nº 555/99, foi publicada a Lei n.º 30-A/2000, de 20 de dezembro, que autorizava o Governo a alterar o DL n.º 555/99 e prorrogava a suspensão deste até à entrada em vigor do novo Decreto-Lei autorizado.

Foi, assim, aprovado e publicado o Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de junho, que introduziu as alterações ao DL n.º 555/99, republicando este diploma em anexo com as alterações introduzidas, com uma vacatio legis de 120 dias.

Em 30 de Junho de 2001, é publicada a Declaração de Retificação n.º 13-T/2001 que corrige 33 inexatidões detetadas na republicação do DL n.º 555/99 feita pelo DL n.º 177/2001, de 4 de junho, o qual entraria em vigor 120 dias após a data da sua publicação.

Assim, uma vez que o Licenciamento da edificação ocorreu por Despacho 16/8/2002, será aplicável ao mesmo o DL n.º 555/99 com a redação introduzida pelo DL n.º 177/2001, de 4 de junho.

Da matéria de Facto
Entende o Recorrente/Município que não poderia ser dado como provado o facto 8, “já que a factualidade vertida pelo A. e recorrido MP no art.º 14.º da sua PI foi expressamente impugnada pelo recorrente”.

Já o Tribunal, entendeu que “Este facto é dado como provado porque o Réu apenas impugna, quanto ao artigo em que é alegado (14º da PI) a matéria de direito, desenvolvendo, aliás, toda a sua alegação na base de este facto ser verdadeiro.”

Refere-se no referido Facto Provado:
8 Atenta a implantação do edificando projetado, uma extensão de 10 m deste ficaria a 40m de uma linha de Caminho de Ferro.”

Em qualquer caso, e sem necessidade de acrescida argumentação, inexistindo prova documental demonstrativa do referido distanciamento, e tendo o Município impugnado a afirmação que determinou a fixação do referido facto, ao que acresce que aquando da pronúncia sobre esse específico segmento, foi reafirmada a ausência de verificação do alegado distanciamento com os caminhos-de-ferro, importa efetivamente suprimir o referido facto como Provado, por ausência de acordo e falta de suficiente prova, sendo que alegar não é provar.

Da matéria de direito
A operação urbanística configura uma operação de loteamento?
Entendeu o Tribunal que o objeto do pedido de licenciamento correspondia a uma operação de loteamento.

Em contraponto, entende o Recorrente que se está “na presença de um piso único de embasamento, com comunicações, estruturas e espaços comuns, não sendo sequer viável a separação física dos dois corpos superiores (…) resultando que inexistiu qualquer divisão do prédio inicial, no qual se encontra implantado o Bloco Habitacional em causa, o que se extrai pela distinção entre área coberta e descoberta”.

Acresce, na perspetiva do Recorrente, que “o licenciamento atacado (…) deferiu a construção de um só edifício, que teve por base um projeto único, pese embora o facto de o mesmo ser, por questões de melhor descrição, identificado por duas fases A e B.
Material e juridicamente, o edifício licenciado constitui um todo incindível, o qual, engloba também todo o terreno envolvente, pelo que é insuscetível de divisão e/ou autonomização”

Correspondentemente, entende o Recorrente que “(…) com a construção do edifício não se construíram dois lotes (…), nem a divisão do prédio rústico em dois lotes.”

Desde já, e neste particular, acompanha-se o entendimento adotado em 1ª instância.

Com efeito, nos termos do artigo 2º do RJUE (definições):
i) «Operações de loteamento», as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento;

Por outro lado, e no que respeita ao entendimento legal da operação urbanística, refere a alínea j) do artigo 2ª do mesmo diploma:
“«Operações urbanísticas», as operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água;

Por outro lado, refere o artigo 4º nºs 1 e 2 a) do RJUE que “1 - A realização de operações urbanísticas depende de licença, comunicação prévia com prazo, adiante designada abreviadamente por comunicação prévia ou comunicação, ou autorização de utilização, nos termos e com as exceções constantes da presente secção.
2 - Estão sujeitas a licença administrativa:
a) As operações de loteamento;”

Como sempre se vem afirmando, importa não viabilizar uma postura de facto consumado e de inércia punitiva, capaz de se consubstanciar numa prática de impunidade permissiva, em face do que impondo-se aplicar o regime legal vigente.

É incontornável que o regime legal vigente estabelece de modo claro e vinculativo, quais as regras a atender na edificabilidade, sendo que a mera qualificação dos dois controvertidos edifícios, como fases diferentes da mesma edificação, não logra demonstrar a inverificação de uma operação de loteamento à luz do direito aplicável, pois que para tal sempre teria de se concluir pela inexistência de uma só estrutura, uma só cobertura, e zonas de utilização comum, não resultando do projetado a verificação de duas estruturas independentes, duas coberturas independentes, ainda que estando em causa edifícios adjacentes.

Pese embora o esforço argumentativo do Município, não logrou o mesmo fazer prova de que estaríamos em presença de uma única edificação, insuscetível de constituir um loteamento.

As “fases” em que se constitui a referida operação urbanística, mais não são do que um eufemismo tendente a procurar evidenciar que estamos em presença de duas edificações independentes, sendo que inexiste qualquer intercomunicabilidade física entre ambas as “fases”.

Com efeito, os próprios projetos desenhados foram apresentados em separado, ainda que identificados como “fase A” e “fase B”, sendo assim incontornável que estamos em presença de duas edificações independentes, ainda que adjacentes, como decidido em 1ª instância.

Igualmente se mostra inaplicável o artigo 1438º-A do Código civil, pela singela razão que ambas as edificações não têm sequer verdadeiras partes comuns, ao que acresce a já referida circunstância de terem duas estruturas autónomas e duas coberturas, sendo que a própria escada existente entre os edifícios, apenas serve uma das edificações.

Em qualquer caso, sempre haveria que distinguir as operações de loteamento do instituto civilista da propriedade horizontal assente na existência de frações autónomas na mesma unidade física, sejam sobrepostas ou seccionadas verticalmente, bem como distingui-las de uma outra realidade que é a propriedade horizontal de conjuntos de edifícios contíguos, independentemente de os edifícios estarem pegados entre si ou serem meramente vizinhos.

Mas, para tal desiderato, é “(..) imprescindível identificar corretamente as situações que podem ser submetidas ao regime dos loteamentos urbanos e as que ficam sujeitas ao regime da propriedade horizontal (..)”, situações jurídicas distintas maxime a partir das alterações introduzidas ao Código Civil com o artº 1438º-A aditado pelo DL 267/94, 26.Outubro diploma que veio permitir a constituição de uma única propriedade horizontal para “conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns”. (Fernanda Paula Oliveira et alii, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 3ª ed., págs.63-64; Fernanda Paula Oliveira/Sandra Passinhas, Loteamentos e propriedade horizontal: guerra e paz, Revt.CEDOUA nº 9, Ano V, nº 1.02, págs.45 e ss.)

Conforme deriva do respetivo regime, tendo as frações de ser autónomas tal não significa uma autonomia absoluta, posto que “(..) se não concebe a propriedade horizontal sem partes comuns (entradas, elevadores, escadas, telhados, solo, etc.).

Refere Mota Pinto ser necessário que “as unidades obtidas por seccionamento vertical, tendo autonomia, todavia não sejam tão autónomas que deixem de ser interdependentes”. Não basta para determinar esta interdependência, a existência de um logradouro ou de um jardim comum, “sendo necessário que haja partes comuns no próprio edifício”. (...)”. (António Pereira da Costa, Propriedade horizontal e loteamento: compatibilidade, Revt.CEDOUA nº 3 Ano II, nº 1.99, págs.65 e ss.)

Em função de tudo quanto se discorreu, o licenciamento aqui controvertido sempre teria de obedecer ao regime jurídico aplicável a uma operação urbanística de loteamento, o que não tendo sido adotado, determina a sua nulidade.

Quais os índices urbanísticos da densidade habitacional e de construção previstos nas normas do Regulamento?
Entendeu o Tribunal a quo “como certa a interpretação segundo a qual a expressão “terreno a urbanizar”, usada nas alªs a) e d) do nº 5 do artigo 4º do Regulamento para definir os conceitos de “densidade habitacional” e de “índice de construção bruto”, se referem tanto ao total do terreno de um plano de urbanização, como ao total de um terreno de um loteamento, como ao total do terreno pré-existente, objeto de uma operação urbanística de edificação, sem qualquer destaque, como ao terreno objeto de estaque para efeito dessa operação urbanística.”

Já o Recorrente pugna pelo entendimento segundo o qual a expressão «terreno a urbanizar» referido no citado artigo 4.º, n.º 5, alíneas a) e d), do regulamento do PDM, reporta-se antes «a uma parcela de terreno sobre a qual se irá operar uma série de obras de urbanização decorrentes de uma operação de loteamento ou de um Plano de Pormenor», não aplicando estes parâmetros urbanísticos a parcelas ou lotes de terreno.

Neste aspeto adota-se o entendimento seguido em 1ª Instância, não sendo crível, nem admissível que pudesse entender-se que a “restante área urbana” poderia determinar que o índice de construção pudesse chegar aos 100%, sendo que os primeiros proprietários a urbanizar e edificar poderiam esgotar o índice de construção aplicável ao conjunto do terreno em causa.

Assim, ratifica-se o entendimento adotado, de acordo com o qual o índice de densidade habitacional e de área bruta de construção permitida pelo PDM, mostrar-se-á ultrapassado em 30%, atentos os cálculos efetuados.

Não é pelo facto do terreno estar inserido na área do aglomerado urbano da Marinha Grande, em concreto, na zona indicada por «restante área urbana», que deixam de ter de observar os índices e parâmetros urbanísticos estabelecidos no RPDM.

Deste modo, os atos objeto de impugnação violarão os artºs 4º-5/a e 5º nº 1/a e 8 do Regulamento do PDM, em decorrência da viabilização de uma densidade habitacional relativamente à “Restante Área Urbana” do aglomerado Populacional superior ao limite máximo aplicável.

Com efeito, nos termos do artigo 68º nº 1 do RJUE, “(…) são nulas as licenças, as autorizações (…) que:
a) Violem o disposto em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor;

Sendo o PDM um PMOT, é assim manifesto que se verificará a invocada nulidade.

O limite regulamentar da “cércea”, fixado em três pisos ou 9,5 m, referia-se apenas aos pisos acima do solo?
Entendeu a este respeito o tribunal a quo que “(…) redundaria num absurdo não haver limite algum no PDM para o número de pisos em profundidade, pois em mais lado nenhum do Regulamento se dispõe o nº de pisos, pelo que a melhor interpretação do nº 8 do artigo 5º do Regulamento do PDM é essa de que o legislador quis, a um tempo, regulamentar a cércea e o número total de pisos.
Assim sendo, qualquer dos edifícios excede o limite de número de pisos determinado pelo Regulamento do PDM: logo também neste aspeto os atos impugnados violam uma norma de um plano municipal de ordenamento do território; logo também por este motivo haverão de ser declarados nulos. “

Já o Recorrente entende que o Tribunal “interpreta a norma do Regulamento de PDM como se a mesma constituísse uma limitação ao número de pisos a edificar e não, como ao recorrente parece corresponder, à específica e concreta definição da cércea máxima, com recurso, ou a um número de pisos ou a uma altura.”
Neste particular não acompanhamos o entendimento adotado em 1ª instância.

Com efeito, a definição de Cércea é-nos dada de modo idêntico por todos os sítios eletrónicos de arquitetura e engenharia.

A titulo de exemplo, define-se Cércea no Dicionário de Engenharia Civil, em “engenhariacivil.com” como “Designação do limite da altura de um edifício para uma rua”.

Aliás, e como se definia já no próprio Plano Diretor Municipal da Marinha Grande, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 37/95, de 21 de abril, com as alterações introduzidas pela Resolução do Conselho de Ministros nº 153/98, de 30 de dezembro, Cércea é “a dimensão vertical da construção, contada a partir do ponto de cota média de implantação, até à linha superior da platibanda, varanda ou beirado da cobertura”

Em síntese, trata-se, pois, da altura da edificação, o que, por natureza, exclui a edificação abaixo do nível do solo, estando assim em causa a volumetria visível do edificado.

Assim, e neste particular, entendemos não ter sido no edificado ultrapassada a cércea devida.

O objeto do licenciamento violava a proibição de edificar para habitação a menos de 50m do caminho de ferro?
Entendeu o Tribunal, “(…) que ambos edifícios se destinam a habitação ou (um deles) também a habitação, que uma extensão de cerca de 10m de tudo o projetado e edificado fica a menos de 50m do caminho de ferro e que jamais foi aprovado um plano de urbanização para o aglomerado urbano da Marinha Grande.
(…)
É, portanto, de uma evidência insofismável que os atos impugnados violam, sempre e em qualquer caso, o artigo 21º nº 1 do Regulamento do PDM, pelo que ainda por este motivo hão de ser declarados nulos.”

Em qualquer caso, tendo, por falta de prova, sido suprimido da matéria de facto provada que parte do edificado se situe a menos de 50m da linha de caminho-de-ferro, por natureza, improcede o referido vicio.

Situações de facto a salvaguardar apesar da nulidade dos atos impugnados.?
A este respeito, entendeu o Tribunal a quo que “(…) a concluir-se pela nulidade dos atos, cumprirá apreciar se e que efeitos jurídicos de situações de facto haverá a salvaguardar neste julgamento, atentos o decurso do tempo e a boa fé dos adquirentes das frações

Em qualquer caso, mais entendeu o Tribunal a quo que “(…) improcede a alegação subsidiária do Réu, de manutenção dos atos nulos na ordem jurídica com fundamento no artigo 134º nº 3 do CPA.”

Tenderiamos, neste particular, a adotar o entendimento preconizado no Acórdão deste TCAS nº 1491/10.7BELRA, de 17-03-2022, igualmente relativo a uma nulidade declarada face a empreendimento sito no Município da Marinha Grande, no qual se sumariou que “A gravidade das consequências da nulidade de atos administrativos em matéria de urbanismo, que permitiram a constituição de situações de facto que perduram no tempo, como o estabelecimento de casas de morada de famílias, justifica que se mantenham os efeitos materiais desses atos nulos (cfr art 134º, nº 3 do CPA/91 – art 162º, nº 3 do CPA/2015).
Pois, de outro modo, a produção de todos os efeitos jurídicos associados à sanção da nulidade revela-se excessivamente lesiva da esfera jurídica dos administrados/proprietários das frações/terceiros de boa-fé”.

Em qualquer caso, não tendo os contrainteressados recorrido, nem tendo o Município recorrido do referido segmento, não resta a este tribunal outra alternativa que não seja a de manter inalterada a decisão proferida em 1ª instância.

Ainda que com base em fundamentação e argumentação não integralmente coincidente, confirma-se o sentido da decisão Recorrida.


* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se o sentido da decisão Recorrida.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 8 de setembro de 2022

Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa