Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09569/16
Secção:CT
Data do Acordão:09/29/2016
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL/OMISSÃO DE PRONÚNCIA/QUESTÃO DE CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I – Se o Tribunal equacionou a questão suscitada pela Impugnante, a enunciou como questão a decidir e, posteriormente, decide expressamente não proceder à sua apreciação, por a julgar prejudicada por força de decisão anteriormente tomada em relação a outra questão, não há nulidade por omissão de pronúncia mas, eventualmente, erro de julgamento, independentemente da questão que se julgou prejudicada ser ou não de conhecimento oficioso.
II – A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto exige, para se julgar verificada, uma absoluta falta da sua especificação, isto é, que haja uma total ausência dos fundamentos de facto e de direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I - Relatório
A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº .../2015-T, que julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de Imposto de Selo (respeitante ao ano de 2014) deduzido pela sociedade «P..., S.A.», veio, ao abrigo do preceituado no artigo 27º do Decreto-lei n°10/2011, de 20 de Janeiro do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante, RJAT), interpor impugnação de tal decisão, finalizando o seu articulado inicial com a formulação das seguintes conclusões:

«A. No pedido de pronúncia arbitral foi suscitada pela Requerente a questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo.

B. A questão de inconstitucionalidade é de conhecimento oficioso e tem carácter prioritário na apreciação dos vícios impugnados, vide Acórdão 03872/10 de 21.09.2010 do Tribunal Central Administrativo Sul. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul 03872/10 de 21.09.2010.

C. Contudo, a decisão arbitral proferida no processo n°.../2015-T não apreciou a questão da constitucionalidade da norma, por a considerar prejudicada.

D. Pelo que é nula, por omissão de pronúncia, a sentença que não se pronuncie sobre questão de inconstitucionalidade, de conhecimento oficioso, suscitada pelas partes nos termos das disposições conjugadas do n°2 do artigo 608°, d) do n°1 do art°615° do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do artigo 29° do RJ AT.

E. O Tribunal Arbitral não considerou como facto provado nenhum dos elementos constantes da caderneta predial nomeadamente os relativos à classificação do imóvel e o seu VPT, documentos esses, que foram inclusive juntos pela Requerente.

F. Daqui decorre inexoravelmente que o Tribunal Arbitral não especificou a matéria de facto constante das cadernetas prediais relativas à identificação e classificação do prédio.

G. Nos termos do preceituado no citado art°615, nº1, alínea b), do Código do Processo Civil, aplicável ex vi art°29° alínea e) do RJAT é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, o que se verifica no caso em apreço.

H. O ato de liquidação do imposto de selo relativo ao ano de 2014 relativo ao imóvel supra identificado, não violou qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantido na ordem jurídica, antes corresponde a uma correcta interpretação e aplicação das normas legais.

I. Tendo em conta que o artigo 4° do Código Civil proíbe o recurso à equidade pelos tribunais, resulta assim que a vingar a pretensão da Requerente ora Impugnada, a decisão arbitral seria inconstitucional porquanto, ao fazer uma censura do acto praticado tendo em conta outros critérios que não o da legalidade, violaria o princípio constitucional de separação de poderes

J. Nos termos expostos, deve ser julgada procedente a nulidade da decisão arbitral proferida no processo n°.../2015-T, e a consequente devolução do processo arbitral para proferir outra que tenha em consideração o decidido (regime de recurso de cassação), excepto se o presente Tribunal, nos termos do artigo 149° do CPTA ex vi artigo 27°, n°2 do RJAT, entenda dela poder conhecer (regime de recurso de substituição).

Nestes termos, e nos mais de Direito que V Exas. Doutamente suprirão, deve a presente impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, declarada nula com o que se fará Justiça!».

Admitida a Impugnação e notificada a Impugnada, P..., S.A. , a mesma rematou a sua resposta ao recurso nos termos infra transcritos:

«1ª) Em face de uma liquidação de Imposto do Selo, nos termos da verba 28.1 da TGIS, que incidiu sobre a propriedade de um terreno para construção, o contribuinte requereu a constituição de Tribunal Arbitral e contestou a referida liquidação;

2ª) Nessa contestação, o contribuinte defendeu, em primeiro lugar, a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo, na medida em que o facto tributário estatuído na verba 28.1 da TGIS é a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação;

3ª) Ora, na medida em que não havia, para o terreno para construção em causa, nenhuma autorização ou previsão de edificação para a habitação, não estava o referido terreno sujeito a Imposto do Selo;

4ª) Nessa contestação, o contribuinte defendeu, em segundo lugar, a inconstitucionalidade da verba 28.1 TGIS, quando aplicada a imóveis de que sejam proprietários empresas, por violação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade;

5ª) Na decisão arbitral, julgou-se procedente o pedido de ilegalidade da contestada liquidação, por o terreno em causa não ter edificação aprovada ou prevista para a habitação;

6ª) Na mesma decisão arbitral considerou-se que em face de juízo de ilegalidade, ficava prejudicada a análise da inconstitucionalidade da norma (verba 28.1 da TGIS);

7ª) A Autoridade Tributária, não se conformando com tal decisão, vem deduzir, no Tribunal Central Administrativo Sul, impugnação contra ela, invocando, em primeiro lugar, omissão de pronúncia por nela não se ter analisado o juízo de inconstitucionalidade formulado ou pedido pelo requerente;

8ª) Ora, como é entendimento firmado (entre outros, Acórdão do TCA Sul de 26/6/2014, Processo n°07084/13) se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, tal pode consubstanciar um erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento (a prejudicialidade), mas não há, de todo em todo, omissão de pronúncia;

9ª) Na decisão arbitral ora impugnada, entendeu-se que o conhecimento da questão da inconstitucionalidade estava prejudicado, pelo que não há qualquer omissão de pronúncia;

10ª) Quando muito, poderia haver um erro de julgamento, mas este não é fundamento de impugnação de decisões arbitrais, como decorre do art°28°, n°1 do RJAT;

11ª) Sendo certo, em qualquer caso, que nem sequer existe qualquer erro de julgamento, na medida em que tendo sido anulada a liquidação impugnada por erro nos seus pressupostos de facto e de direito, ficou prejudicada a análise das questões de inconstitucionalidade invocadas pelo requerente;

12ª) Em segundo lugar, a Autoridade Tributária invoca também a nulidade da impugnada decisão arbitral por ela não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão;

13ª) Porém, é patente que a Autoridade Tributária não tem qualquer razão;

14ª) Desde logo, porque ao contrário do afirmado, a decisão arbitral dá como provados factos resultantes da caderneta predial - a matriz, o VPT e a não existência de finalidade da edificação potencial;

15ª) Por outro lado, a decisão arbitral está fundamentada em factos — não há na matriz, nem pela Câmara Municipal, qualquer aprovação ou objecto de edificação de área habitacional no terreno para construção em causa;

16ª) Por fim, é de todo em todo improcedente a invocação feita pela Autoridade Tributária que a decisão arbitral se baseou em critérios que não o da legalidade,

Termos em que deve a presente impugnação ser julgada totalmente improcedente, como é de Justiça».

A Exma. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, pronunciou-se no sentido da improcedência da impugnação judicial.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetem-se, por a tal nada obstar, os autos à Conferência para decisão.

II – Objecto da Impugnação

Atentas as alegações vertidas na petição da presente Impugnação Judicial e, em especial, as conclusões aí formuladas, conclui-se que, in casu, são as seguintes as questões que importa responder:
- É nula a sentença arbitral proferida no processo arbitral n.º .../2015-T, por não ter sido nela apreciada questão suscitada no requerimento inicial daqueles autos e que é de conhecimento oficioso?
- É nula a mesma sentença por nela não terem sido especificados os factos em que posteriormente se louva a decisão?
- E por no mesmo julgado o Tribunal ter sustentado a decisão em critérios que não de legalidade?

III- Fundamentação de Facto

Na decisão impugnada ficou decidida a matéria de facto como se segue:

1) A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2014, nos termos da Verba 28.1 da TGIS.

2) A liquidação tem o número ..., ascendendo ao montante de €16.511,70.

3) A data limite de pagamento da 1a prestação dessa liquidação de Imposto do Selo era o dia 30 de Abril de 2015.

4) Essa primeira prestação ascendia ao montante de € 5.503,90.

5) Aquela liquidação diz respeito a um terreno para construção, de que é proprietária a Requerente.

6) Esse terreno para construção, sito no Concelho de …, corresponde ao artigo matricial n°4741.

7) Da referida matriz não decorre a finalidade da edificação potencial considerada para efeitos de cálculo do Valor Patrimonial Tributário (VPT).

8) O correspondente VPT é superior a €1.000.000,00 (um milhão de euros).

9) A 31.12.14 o seu VPT ascendia, em concreto, a € 1.651.170,00.

10) A Câmara Municipal de C... certificou em 15-5-14 inexistir, relativamente a esse terreno, qualquer alvará de loteamento, licença de construção, projeto aprovado ou informação prévia favorável.

Consta da mesma sentença em sede de julgamento de facto que: «Não se provou que a construção prevista para o prédio em causa tenha uma qualquer finalidade habitacional» e que «Inexistem outros factos com relevância para a boa decisão da causa».
Em sede de «Motivação da decisão de facto» exarou-se na decisão recorrida que a convicção do Tribunal «…decorre de documentos juntos aos autos cuja veracidade não foi contestada e das declarações das partes, as queis não são contestadas pela outra parte».

IV – Fundamentação de Direito

Do pontos I do presente acórdão resulta claro que o objecto da presente impugnação Judicial é a sentença proferida pelo Tribunal Arbitral no processo n.º .../2015-T que julgou que o acto impugnado – liquidação de Imposto de Selo n.º ... – é ilegal e, consequentemente, o anulou.
Para sustentar a sua decisão, o Tribunal Arbitral, após sedimentar a factualidade que julgou pertinente para a apreciação das questões que, em seu entender, o sujeito passivo tinha suscitado, procedeu á sua enunciação nos seguintes termos: (i) qual o conceito de terreno para construção relevante para efeitos da verba 28 da TGIS; (ii) eventual desconformidade da norma ou da sua interpretação com os princípios constitucionais (transcrevendo, ainda, as perguntas concretas formuladas pela requerente aquando do pedido de constituição do Tribunal Arbitral e que àquelas questões que enunciou se reconduziam).
E, de seguida, apreciou a primeira das referidas questões, decidindo nos termos já mencionados e julgou prejudicada a análise da constitucionalidade da norma.
É com esta sentença, como decorre do ponto II supra, que a administração tributária se não conforma, imputando-lhe os vícios de omissão de pronúncia, de falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão e a utilização, como fundamento do julgado de critérios de equidade, isto é, que a lei não permite ao tribunal arbitral convocar como suporte das suas decisões.
Vejamos, pois, de per se, as questões suscitadas.
Antes, porém, de revertermos ao caso concreto, importa que efectuemos um breve enquadramento do regime legal em que a nossa decisão necessariamente se terá de louvar, em especial do regime emergente do Decreto Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e dos comandos que aí foram consagrados e que limitam a competência deste Tribunal Central em matéria de impugnações judiciais em matéria arbitral.
Nesse sentido, começamos por salientar que como é sabido, constitui jurisprudência dominante nos nossos tribunais, que os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27.º do RJAT, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artigo 28.º do mesmo Regime, correspondendo os três primeiros ali previstos aos vícios das sentenças dos Tribunais Tributários, nos termos do plasmado no artigo 125.º, nº.1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615.º nº.1, do Código de Processo Civil.

E ainda que alguma jurisprudência se tenha ocupado, em casos contados, sobre uma eventual incongruência desse entendimento com a expressão utilizada pelo legislador arbitral ao afirmar que a «[...] decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo [...]» através do presente expediente processual, o certo é que também nesta parte não mereceu acolhimento uma interpretação mais abrangente dos meios ou fundamentos mencionados, nem, de resto, grandes preocupações doutrinais, refutando-se qualquer hipótese de conceder qualquer relevância à terminologia utilizada pelo legislador no n.º 1, do art.º 27.º do referido DL n.º 10/2011.

Aliás, em vários arestos deste Tribunal Central em que a questão é directamente apreciada, afirma-se mesmo quese algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do Decreto-Lei em causa, quando, e para o que aqui releva, refere que «A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes», transmitindo, assim e de forma inequívoca, a sua opção por uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos».

Consequentemente, e sendo certo que no caso que ora nos ocupamos se colocam, além de divergências relativas a vícios próprios da sentença, dissentimentos quanto a, no processo e no percurso de formação da decisão, terem sido violados princípios que a recorrente entende que a decisão arbitral deveria ter respeitado, assertivo se torna que o presente recurso poderá vir a ser julgado procedente se e na medida em que os seus fundamentos consubstanciem um dos quaisquer vícios formais da decisão estipulados no seu art.º 28.º e antes elencados ou preencherem a previsão constante do artigo 16.º do DL n.º 10/2001.

Densificando do ponto de vista jurisprudencial e doutrinal cada um desses fundamentos, começamos por salientar que, no que concerne à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, é entendimento firme que a mesma apenas ocorre quando haja uma total e absoluta ausência de ambas e não quando ela possa ser entendida, como medíocre, insuficiente ou inadequada, circunstâncias que apenas são susceptíveis de colidir com o valor doutrinal da decisão.

Como ensinava já ALBERTO DOS REIS no seu “Código de Processo Civil Anotado”, «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.º do art. 668.º».

Em suma, e como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-2-2013 «tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto a fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta. Isto é, só se verificará quando a fundamentação não exterioriza minimamente as razões (factuais e jurídicas) que levaram o julgador a decidir naquele sentido e não noutro qualquer, ou quando a fundamentação aduzida é ininteligível ou não tem relação perceptível com o julgado, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.».

Por outro lado e no que toca à oposição entre os fundamentos e a decisão, dir-se-á que ela se consubstancia na contradição entre os pressupostos atendidos no processo lógico - dedutivo e a decisão em que aqueles deviam culminar, isto é, ela verificar-se-á sempre que a conclusão extraída pelo julgador for totalmente divergente ou oposta daquela a que necessariamente conduziria o raciocínio que imediatamente a antecedeu.

Também é igualmente pacífico que os restantes vícios consignados na al. c), do n.º 1, do referido art.º 28.º, do DL n.º 10/2011 (omissão de pronúncia e pronúncia indevida) caracterizam-se, por seu turno, pela violação do preceituado no art.º 125º “in fine” do CPPT, na medida em que o decisor contrarie o poder-dever estritamente vinculado de conhecer de todas as questões que lhe sejam submetidas pelas partes - com excepção, apenas, daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou que vejam a respectiva solução prejudicada pela que haja sido dada a outra ou outras entretanto apreciadas - ou, por outro, conheça de questões dessa mesma natureza que não tenham sido colocadas à sua apreciação.

Relembremos, ainda a este propósito, que como vem sendo exteriorizado em múltiplos arestos, confortados em doutrina também insistentemente repetida, não devem confundir-se questões com as razões (de facto e de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão.

Assim, e no entender deste Tribunal, serão questões as que se reconduzam à determinação das premissas fundamentais de que a parte pretende extrair uma conclusão em que fundamente o seu pedido. Recorrendo ao esquema do silogismo judiciário (em que a premissa maior é a lei, a menor são os factos e a conclusão é a decisão), teremos uma questão de facto quando está em causa a verificação do facto pressuposto que deva integrar a premissa menor e teremos uma questão de direito quando está em causa a determinação da norma que deva integrar a premissa maior ou do sentido que essa norma tem enquanto critério de resolução desse caso concreto.

Diversamente, são argumentos os raciocínios teoréticos desenvolvidos para a verificação de cada uma das premissas. Assim, para determinar se ocorreu uma determinada situação concreta podemos ser obrigados a reconstituir diversos acontecimentos cruzando-os entre si ou mediando-os com o recurso a regras da experiência ou juízos de probabilidade que, na sua instrumentalidade, ajudam ao reconhecê-la (juízos históricos). Mas a questão de facto permanece a mesma. Também para concluir sobre o alcance ou sentido abstracto da previsão normativa (juízo interpretativo) podemos desenvolver argumentos históricos, gramaticais, sistemáticos ou teleológicos, mas a questão de direito permanece a mesma.

Por fim, salientar, ainda, quanto ao fundamento “pronúncia indevida”, a jurisprudência, com apoio na doutrina que de forma mais exaustiva se tem debruçado sobre a análise do Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária, não tem deixado de alertar para o facto de que «o conceito de “pronúncia indevida”, utilizado na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, é diferente e potencialmente mais abrangente do que conceito de pronúncia sobre “questões que não podia tomar conhecimento” ou “questões que não deva conhecer ” que é utilizado no artigo 668.º , n.º 1, alínea d), do CPC e no artigo 125.º do CPPT», devendo entender-se como aí estando abrangido tanto o conhecimento de questões de que o tribunal não podia conhecer (violação da regra do artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, - o tribunal” não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras) como o conhecimento de questões de que se pode conhecer «mas ultrapassando quaisquer limites legais a nível decisório (por exemplo, condenando para além do pedido) e mesmo a pronúncia em situações em que o tribunal nem sequer podia decidir, por enfermar de vício na sua constituição.».
Como refere o autor citado, «Será eventualmente com uma interpretação deste tipo que se poderá compreender que não se indiquem no âmbito de uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais os vícios manifestamente mais graves de que estas decisões podem enfermar, que têm a ver com a regularidade da constituição do tribunal arbitral e a competência para decidir», que constituem vícios típicos da decisão arbitral expressamente indicados no artigo 46.º, n.º 2, da LAV2012: «a sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassem o âmbito desta.
Assim, sendo de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), parece que se deverão considerar como situações de “pronúncia indevida” aquelas em que o tribunal excedeu a sua competência ou a sua composição é irregular, para além daquelas em que a decisão for proferida para além do prazo máximo aplicável, cujo decurso extingue o poder jurisdicional.».
Em suma, ainda que seja de admitir que o RJAT pretendeu consagrar um elenco fechado de fundamentos de anulação e que a enunciação dos vícios aí referidos corresponda, em geral, aos vícios que tradicionalmente o ordenamento jurídico-processual português atribui a sanção mais grave (nulidade), fundamentos há, como é o caso da “pronúncia indevida” prevista no artigo 28.º al. c) daquele diploma, que não se bastam, na sua densificação, com uma mera equivalência àqueles primeiramente citados, sendo de relevar no seu seio e para um eventual julgamento da sua verificação um conjunto acrescido de situações ou circunstâncias como as que a doutrina citada vem mencionando e a jurisprudência (ainda que de forma mais tímida) vem relevando, sob pena de o próprio regime legal estabelecido, na parte em que prevê os tipos de recurso e os seus fundamentos, ser de discutível constitucionalidade, face ao preceituado nos artigos 3.º, 20.º, 202.º e 203.º, 266.º da Constituição da República Portuguesa.

4.2. Posto isto, e revertendo ao caso concreto, e tendo por referência o quadro legal, doutrinal e jurisprudencial avançado, temos, então, que dar resposta ao que nos vem questionado, adiantando, desde já, por inquestionável, que nenhuma das nulidades suscitadas pela recorrente tem qualquer razão de ser e que é manifesto que os critérios que fundamentam a decisão não determinam, nem por imperativo constitucional, qualquer pronúncia deste Tribunal em sindicância da referida sentença.

4.2.1. Efectivamente, quanto à nulidade por omissão de pronúncia, basta atentarmos que a questão foi equacionada, enunciada e expressamente julgada prejudicada para que se conclua que não se verifica, sem prejuízo de, em abstracto, ser configurável que esse julgamento esteja errado, mesmo que essa questão seja de conhecimento oficioso, como clama a recorrente, já que «nestes casos, a omissão de pronúncia (…) significará que o Tribunal entende (…) que a solução não é relevante para a apreciação da causa»(1). Ou seja, «embora o Tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso (…) a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim erro de julgamento.»

4.2.2. Apreciemos, agora, a questão da alegada não especificação dos fundamentos de facto da sentença, recordando que, para a recorrente, essa falta é manifesta e resulta linearmente da circunstância do tribunal não ter incluído no probatório os elementos que constam de documentos por si apresentados relativos ao imóvel objecto de tributação, a saber, a classificação do imóvel e o seu VPT.

No que respeita a esta questão, cuja resposta negativa já firmámos, para além do que acima ficou exposto, em especial quanto à necessidade de a falta se assumir como absoluta – que não é, manifestamente, a situação dos autos, nem, de resto, o que também nos cumpre salientar, a recorrente se adiantou a alegar que o era – importa dizer, sem rebuço, que só por manifesto lapso terá sido realizada tal invocação já que, da sentença resulta ostensivamente que tais dados lá se encontram [5) Aquela liquidação diz respeito a um terreno para construção, de que é proprietária a Requerente.6) Esse terreno para construção, sito no Concelho de C..., União das Freguesias de …, corresponde ao artigo matricial n°4741. 7) Da referida matriz não decorre a finalidade da edificação potencial considerada para efeitos de cálculo do Valor Patrimonial Tributário (VPT). 8) O correspondente VPT é superior a €1.000.000,00 (um milhão de euros). 9) A 31.12.14 o seu VPT ascendia, em concreto, a € 1.651.170,00.].

4.2.3. Por fim, no que respeita à utilização de critérios que não os de legalidade para decidir o litígio, apenas será pertinente referir que, para além de a recorrente não substanciar minimamente, quer nas alegações da sua petição inicial, quer nas conclusões formuladas, que critérios de não legalidade foram utilizados, limitando-se, conclusivamente, a afirmar que está vedado ao tribunal arbitral decidir por recurso a critérios de equidade e a citar o artigo 4.º do Código Civil, sempre, insiste-se, a ter sido esse o caso, a situação se reconduziria a mero erro de julgamento, isto é, com o mérito da decisão, e não qualquer nulidade que este Tribunal Central, nos temos do artigo 27.º e 28.º do RJAT, mesmo que amplamente interpretado, devesse apreciar.

Improcede, pois, com os fundamentos expostos, a presente impugnação judicial.

V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a impugnação judicial.
Custas pela Impugnante.
Registe e notifique.

Lisboa, 29 de Setembro de 2016


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[Anabela Russo]


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[Lurdes Toscano]



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[Ana Pinhol]


(1)Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, anotado e comentado, vol. I, 2006, p. 914.