Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07179/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/13/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS
DECLARAÇÃO APRESENTADA CONJUNTAMENTE POR AMBOS OS CÔNJUGES
LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Sumário:
I. - Em sede de IRS, e com vista à determinação do rendimento colectável, os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior, sendo que, no caso de contribuintes casados, em regra, deve ser apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges – cfr. artigos 57º e 59º do CIRS, ressalvando a lei a possibilidade de, em caso de separação de facto, cada um dos cônjuges poder apresentar uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo.
II. - Tendo a declaração de rendimentos respeitante ao IRS de 2010 sido entregue por ambos os cônjuges, conjuntamente, na situação de casados, com dois dependentes menores e tendo a consequente liquidação foi emitida, expedida e entregue, em Janeiro de 2012, tendo tal expedição, por via postal registada, sido endereçada para a morada correspondente, naquele período, ao domicílio fiscal do sujeito passivo A, tal notificação é eficaz relativamente a ambos os cônjuges.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


1- RELATÓRIO


A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a oposição à execução fiscal nº 2240201201025279, instaurada pelo Serviço de Finanças de Sesimbra, deduzida por ... , dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

“I - Os sujeitos passivos ... , com o nif. ... (SP A) e ... , com o nif. ... (SP B), apresentaram por via eletrónica, fora de prazo, declaração de IRS para os rendimentos do ano de 2010, na qual declararam ser casados, residir no continente e terem dois dependentes, não deficientes, e com mais de três anos;

II - Desta Declaração, resultou a liquidação de imposto com o n.º 212.5000008490, com o montante a pagar de 17 844,32 euros, a qual, não sendo regularizada no prazo de cobrança voluntária, deu origem ao processo de execução fiscal n.º 2240201201025279, no qual são executados ... , com o nif. ... e ... , com o nif. ... ;

III - Nos termos do que dispõe o n.º 1 do art.º 57.º do CIRS, "Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior ( ... )";

IV - O art.º 59.º do mesmo Código, no seu n.º 1, vem dizer que "No caso do n.º 2 do artigo 13.º deve ser apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges ou por um deles, se o outro for incapaz ou ausente." e o n.º 2 deste artigo permite que, "havendo separação de facto, cada um dos cônjuges pode apresentar uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo", aplicando-se as limitações das várias alíneas deste artigo;

V - O n.º 2 do art.º 13.º do CIRS, para o qual remete o n.º 1 do art.º 59.º refere: "Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção".

VI - O agregado familiar é constituído por “os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes" - alínea a) do n.º 3 do art.º 13.º do CIRS. O n.º 6 deste art.º 13.º dispõe que "Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art» 59º e no n.º 9 do art.º 78.º, as pessoas referidas nos números anteriores não podem fazer parte de mais do que um agregado familiar, nem, integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos"

VII - Nos termos do n.º 1 do art.º 65.º do CIRS, "O rendimento colectável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes ( ... )". E "Tratando-se de sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, as taxas aplicáveis são as correspondentes ao rendimento colectável dividido por 2" - n.º 1 do art.º 69.º do CIRS.

VIII - A alínea a) do n.º 1 do art.º 76.º do mesmo CIRS, quanto à liquidação, vem determinar que: "tendo sido apresentada a declaração até 30 dias após o termo do prazo legal, a liquidação tem por objecto o rendimento colectável determinado com base nos elementos declarados ( ... )";

IX - Quanto à notificação, o n.º 1 do art.º 149.º, ainda do mesmo diploma, vem dizer que “As notificações por via postal devem ser feitas no domicílio fiscal do notificando ou do seu representante.", devendo “As restantes notificações ser feitas por carta registada, considerando-se efetuada no 3.º dia posterior ao do registo ( ...)" - n.º 3 do mesmo artigo e "Em tudo o mais aplicam-se as regras estabelecidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário" - n.º 5 do art.º 149º;

X – O nº1 do artº 19º da LGT estipula que “O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: “Para as pessoas singulares, o local da residência habitual” – alínea a);

XI - O n.º 2 do art.º 1671.º do Código Civil (CC) - legislação complementar, nos termos da alínea d) do art.º 2.º da LGT -, relativamente aos efeitos do casamento quanto às pessoas e aos bens dos cônjuges, vem determinar que “A direcção da família pertence a ambos os cônjuges, que devem acordar sobre a orientação da vida em comum".

E quanto à residência da família, "os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, atendendo, nomeadamente, às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos e procurando salvaguardar a unidade da vida familiar" e "Salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adoptar a residência da família." - n.ºs 1 e 2 do art.º 1673.º do CC;

XII - Independentemente do regime de bens do casamento, sempre que, por imposição legal ou por opção, os rendimentos do casal sejam englobados, ambos os cônjuges são solidariamente responsáveis pelo pagamento da dívida de imposto;

XIII - Quanto ao domicílio fiscal do agregado, na situação de casados, este é um só, atendendo a AT, por norma, para efeitos de notificação, àquele que corresponde ao domicílio fiscal do sujeito passivo indicado como A, na respectiva Declaração de rendimentos, isto porque, como visto, da Declaração apresentada resulta uma única liquidação, não duas, sendo a dívida comum ao agregado;

XIV -Poderiam os Sujeitos Passivos, sendo casados mas residindo efectivamente em diferentes moradas, proceder à entrega de uma Declaração para cada um, na situação de "separados de facto", e da qual constassem os rendimentos auferidos por cada um deles e as despesas com os dependentes efectivamente suportadas por cada um (com eventual dedução de pensões de alimentos pagas por aquele que não residisse com os dependentes);

XV - Por outro lado, nunca a Oponente veio alegar que o SP A não foi notificado da liquidação, no seu domicílio fiscal, ou seja, nunca e em momento algum, esteve em causa, na presente Oposição, que a AT não tivesse procedido à notificação de um dos elementos do agregado familiar. Mas apenas que não procedeu à notificação da Oponente, no seu domicílio fiscal;

XVI - Não é sequer conhecido nos Autos - e revelar-se-ia como facto de importância fundamental caso tal notificação tivesse sido posta em crise - que o SP A tenha também vindo opor-se à execução fiscal alegando falta de notificação da liquidação no seu domicílio fiscal;

XVII - Nunca poderia ter a AT provado a notificação do SP B no seu domicílio fiscal, porque esta não foi feita e, como visto, não tinha de o ser;

XVIII - Pelo que não existe qualquer Ofício de notificação da liquidação que poderia comprovar que a oponente foi notificada no seu domicílio fiscal;

XIX - Ao concluir não ter sido comprovada a interpelação da Oponente em data anterior à citação e, por tal, ser a dívida inexigível, a Douta Sentença de que se recorre incorreu em erro na apreciação dos factos e na aplicação do direito;

XX - Tendo o decidido violado o disposto nas normas legais supra identificadas, nomeadamente, os art.ºs 13.º, 59.º, 65.º e 76.º, todos do CIRS, o art.º 19.º da LGT e os art.ºs 1671.º e 1673.º do CC:

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Oposição improcedente”.


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso (cfr. parecer de fls. 85 e 86).

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, a única questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao julgar procedente a oposição, determinado a extinção da execução fiscal relativamente à oponente, ora Recorrida, por ter considerado que a dívida em cobrança coerciva lhe era inexigível.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

A) - Corre termos o processo de execução fiscal nº 2240201201025279 do Serviço de Finanças de Sesimbra, proveniente de IRS do ano de 2010, no valor de € 17.884,32, cfr. PEF apenso;

B) - A declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2010 foi entregue em 09/01/12 (e não em 30/11/2012, conforme fls. 11 dos autos), pelos sujeitos passivos ... (sujeito passivo A), NIF ... e ... (sujeito passivo B), NIF ... , no estado civil de casados e com 2 dependentes menores, cfr. Informação a fls. 34 dos autos;

C) - Foi efectuada a liquidação n° 281250008490 em 16/01/2012 de acordo com o estipulado nos arts. 75° e 76°, nº 1, al. a) do CIRS a qual foi notificada através de carta registada simples nos dias 25/01/2012 e 26/01/2012, com os registos RY551556771PT e RY551546010PT, para o domicílio fiscal do sujeito passivo A: Rua ... , 42, Arroteias, 2860-175 Alhos Vedros, conforme se extrai da informação de fls. 34, do print de fls. 35, e da pesquisa de objectos dos CTT, a fls. 36 e 37;

D) - A oponente (sujeito passivo B) tem domicílio fiscal diferente do seu marido (sujeito passivo A), sendo que a sua morada é a mesma desde 21-02-2011 até à data actual: Praceta ... , nº 1 - 1 ° Dto., 2835-032 Baixa da Banheira, cfr. informação de fls. 34 e certidão de dívida junta ao PEF apenso;

E) - Em 11/05/2012 a oponente é citada no processo de execução fiscal supra referido, cfr. fls. 13 e 14 do PEF apenso;

F) - A petição inicial da presente oposição foi apresentada no Serviço de Finanças de Sesimbra em 21/05/2012, conforme estampilha dos correios aposta a fls. 3 dos presentes autos.

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III.2 - Todos os factos têm por base probatória, os documentos juntos em cada ponto.


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III.3 - Factos não provados:

A) Que a executada, ora oponente, tivesse sido notificada da liquidação dos tributos”.


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Ao abrigo do disposto no artigo 662, nº 1, do CPC, entendemos que é de alterar o probatório que foi fixado na 1ª instância, eliminando o ponto A dos factos não provados, e aditando matéria de facto relevante para a discussão da causa, a qual resulta provada por documentos juntos aos autos.

- A eliminação da alínea A) da matéria de facto não provada (com a seguinte redacção: Factos não provados: Que a executada, ora oponente, tivesse sido notificada da liquidação dos tributos), justifica-se pela razão de que o que ali ficou plasmado não constitui qualquer facto mas não mais do que uma conclusão, que pressupõe já, obviamente, a aplicação de disposições legais a factos. Note-

-se, de resto, que a própria sentença recorrida indica como questão decidenda precisamente a de “saber se a oponente foi notificada da liquidação dos tributos”.

O aditamento ao probatório consiste no seguinte:

G) De acordo com a informação prestada pelo Serviço de Finanças de Sesimbra, o domicílio fiscal do sujeito passivo A, ... , sofreu as seguintes alterações (cfr. informação de fls. 34 dos autos):

- Em 01/01/12: Rua ... , 42 Arroteias, 2860-175 Alhos Vedros;

- Em 22/02/2012: Rua ... Lote 276-B, 2975-268, Quinta do Conde;

- Em 30/05/12: Rua ... , Bairro José Ferro, nº 42, Arroteias, 2860-175 Alhos Vedros;

- Em 25/06/12: Rua Praceta ... , nº1, 1º Dtº, 2835-032, Baixa da Banheira.

H) A dívida exequenda, no montante total de € 17.844,32, corresponde à soma dos valores apurados nas liquidações nºs 281250008490 e 2012109480, relativas a imposto e juros compensatórios, nos montantes de € 17.424,24 e € 420,08, respectivamente – cfr. fls. 11 e 12 dos autos e fls. 1 da certidão do PEF apensa.

2.2. De direito

Como já deixámos expresso, a questão que aqui se coloca é a de saber se a quantia exequenda, relativa ao IRS do ano de 2010, é, ou não, exigível à ora Recorrida, por falta de legal notificação da liquidação subjacente à dívida em cobrança no processo de execução fiscal nº 2240201201025279.

Na p.i de oposição, a Oponente, Rute Isabel, sustentou, em síntese, que nunca a mesma foi notificada, pela Administração Tributária, da liquidação de IRS a que corresponde a dívida exequenda, pelo que “a liquidação em causa não produziu efeitos em relação à (…) Oponente (…)”.

A Mma. juiz a quo sufragou o entendimento da Oponente, considerando que a AT não comprovou que, em data anterior à citação da Oponente para os termos da execução fiscal, a havia interpelado para efectuar o pagamento da liquidação no respectivo prazo de pagamento voluntário, pelo que concluiu que a dívida era inexigível à data da instauração da execução fiscal em causa.

Do assim decidido discorda a Recorrente que advoga posição contrária, no sentido da não verificação da inexigibilidade da dívida, nos termos que melhor resultam das conclusões da alegação do recurso.

O Tribunal a quo, para decidir nos termos em que o fez, ancorou-se no entendimento constante do seguinte discurso jurídico, que, aqui, se reproduz parcialmente:

“Conforme alínea D) do probatório, a oponente (sujeito passivo B), tem domicílio fiscal diferente do seu marido (sujeito passivo A), sendo que a sua morada é a mesma desde 21-02-2011 até à data actual: Praceta ... , nº 1 - 1 ° Dto., 2835-032 Baixa da Banheira.

Acresce que estamos perante dois sujeitos passivos com moradas diferentes e uma notificação para uma só morada, pelo que temos que concluir que a oponente (sujeito passivo B) não foi notificada da liquidação.

Tanto assim é, que a Administração Tributária não conseguiu fazer prova dessa notificação.

Essa conclusão sai reforçada pela informação de fls. 34 onde foram juntos vários documentos mas não foi junta a cópia do ofício de notificação da liquidação à oponente, pelo print de fls. 35 onde só consta o nome do sujeito passivo A, e pela pesquisa de objectos dos CTT, a fls. 36 e 37, onde consta “Moita” como sendo o local da entrega conseguida.

(…)

A dívida exequenda torna-se exigível com a interpelação do devedor para efectuar o pagamento voluntário e com o decurso do respectivo prazo de pagamento, isto é, com o seu vencimento.

Não tendo sido comprovada tal interpelação em data anterior à citação para os termos da execução, tal dívida era inexigível à data da instauração da execução, o que constitui fundamento de oposição à execução fiscal (…)”


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Adiantemos, desde já, que este Tribunal não acompanha tal entendimento, o qual, a sufragar-se, traria implícito o efeito perverso de, em caso de sociedades conjugais, em que os seus componentes fossem titulares de domicílios conjugais diferentes, a liquidação de IRS, decorrente da apresentação conjunta, como casados, da declaração de rendimentos, ter de ser efectivada em duas vias e notificada a ambos e a cada um deles, como decorre da tese defendida na sentença recorrida.

Explicitemos, então, as razões da nossa discordância, tendo presente que: a declaração de rendimentos respeitante ao IRS de 2010 foi entregue por ambos os cônjuges, na situação de casados, com dois dependentes menores e, bem assim, que a consequente liquidação foi emitida, expedida e entregue, em Janeiro de 2012, tendo tal expedição, por via postal registada, sido endereçada para a Rua ... , 42, Arroteias, 2860-175 Alhos Vedros, morada correspondente, naquele período, ao domicílio fiscal do sujeito passivo A, ... .

Vejamos.

Em sede de IRS, e com vista à determinação do rendimento colectável, os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior, sendo que, no caso de contribuintes casados, em regra, deve ser apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges – cfr. artigos 57º e 59º do CIRS. Dizemos em regra porque a lei ressalva a possibilidade de, em caso de separação de facto, cada um dos cônjuges poder apresentar uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo.

Portanto, existindo agregado familiar – que a lei fiscal considera constituído, desde logo, pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes (cfr. artigo 13º, nº3 do CIRS) - deve ser, repete-se, apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges, sendo certo que, nos termos da lei, e exceptuadas situações aqui não aplicáveis, as pessoas que constituem um agregado familiar não podem fazer parte de outro agregado familiar nem, integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos – cfr. artigo 13º, nº6 do CIRS.

Em matéria de incidência pessoal do IRS, o artigo 13º, nº 2 do CIRS, determina que o mesmo é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, considerando-se como sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção.

Ora, apresentada a declaração de rendimentos de 2010 nos termos que constam do probatório, e fazendo apelo às disposições legais referidas nos parágrafos precedentes, logo temos que o IRS, foi liquidado por referência ao conjunto dos rendimentos do agregado familiar, considerando a sociedade conjugal existente, sendo que, tratando-se de sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, as taxas aplicáveis são as correspondentes ao rendimento colectável dividido por 2 – cfr. artigo 69º, nº1 do CIRS.

Temos, pois, nestas circunstâncias, a estruturação de uma única liquidação para o conjunto dos rendimentos.

Feita a liquidação, como no caso aconteceu, há que observar o que a lei dispõe sobre a sua notificação. E aqui, quanto ao IRS, e no que para o caso importa, dispõe o artigo 149º, nºs 1, 3 e 5 do respectivo código, que as notificações por via postal devem ser feitas no domicílio fiscal do notificando e que, ressalvadas as notificações a que se reporta o artigo 66º do CIRS (de actos de fixação ou alteração previstos no artigo 65º), as restantes serão efectuadas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil, aplicando-se, em tudo o mais, as regras estabelecidas no CPPT.

No caso, tal como decorre do probatório (cfr. ponto C), a liquidação de IRS foi expedida por via postal, através de carta registada simples, o que corresponde ao meio correcto de notificação, atento o disposto no citado artigo 149º do CIRS e, bem assim, no artigo 38º, nº3 do CPPT - As notificações (…) relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes (…), são efectuadas por carta registada.

Assume, no caso, especial relevo a consideração do domicílio fiscal, já que é para este que devem ser feitas as notificações por via postal.

A este propósito, interessa ter presente, desde logo, o artigo 43º do CPPT, que regula os efeitos decorrentes da obrigação de participação, com actualidade, do domicílio fiscal dos contribuintes à Administração Tributária, cominando com a inoponibilidade a esta o não recebimento de qualquer aviso ou comunicação, quando tal resulte da falta de participação da alteração do dito domicílio. O artigo 19º, nº3 da LGT estabelece a obrigatoriedade, nos termos da lei, da comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

A delimitação do conceito de domicílio fiscal é fornecida pelo nº 1 do art.º 19.º da LGT, o qual, naquilo que para o caso importa, em função dos sujeitos passivos em causa, corresponde ao local da residência habitual. Com efeito, nos termos daquele nº1, o domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares, o local da residência habitual.

Ora, no caso, tratando-se de pessoas singulares e de contribuintes casados, para efeitos de IRS a lei determina, como vimos, que o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos do agregado familiar, composto, ao que aqui nos importa, pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e pelos respectivos dependentes.

Sendo assim, e como se escreveu no acórdão deste TCA, de 18/12/08 (processo nº 02479) “atentos o princípio da coerência que deve enformar o sistema jurídico, permitindo uma articulação harmoniosa dos diferentes ramos do direito que o integram, quando da utilização do mesmo tipo de conceitos, sempre que, deles, não seja, especificamente, dada uma noção diversa, temos de entender que a noção de “agregado familiar”, acima referida, ainda que mais extensa, comporta em si a noção que de “família”, do ponto de vista restrito e enquanto resultante do casamento, é dada pela lei civil.

- Ora, se é certo que o Código Civil, após a reforma operada pelo Dec.-Lei nº. 496/77NOV25, e no acatamento do imperativo constitucional, viu revogado o seu artigo 86º, o qual dispunha sobre o domicílio legal da mulher casada (que era, até então e por princípio, o do marido) atento o princípio da igualdade de direitos entre os cônjuges contemplada na constituição, a verdade é que não deixou de continuar a vincular, qualquer dos cônjuges, entre outros e ao que aqui releva, ao dever de coabitação o que vale por dizer que, por princípio e salvo casos de excepção, que, por isso mesmo terão de ser demonstrados por quem aproveite, os cônjuges estão obrigados, como refere Abel P. Delgado (1), com relevância actual, «[...] a viver em comum, a viverem juntos, sob o mesmo tecto, enfim a viverem na residência da família», sob pena de darem causa a divórcio litigioso».

- E nesta linha de entendimento surge o artº. 1673º do C.Civil, nos termos do qual se definem as regras por que, por princípio, se devem regular os cônjuges na salvaguarda da unidade familiar, para o que deverão adoptar a residência de família, a escolher, em primeira linha, de comum acordo.

- Ora, se assim é, o que se impõe presumir, como princípio, é que o agregado familiar composto pelos cônjuges, tem uma residência de família adoptada de comum acordo”.

Retomando o caso concreto que aqui nos ocupa, temos que a executada é casada com Francisco Gregório e que foi nessa condição que, em conjunto, ambos os cônjuges entregaram a declaração de rendimentos de IRS do ano de 2010. A liquidação de IRS correspondente à dívida exequenda, decorrente de tal declaração, emitida em 16/01/12, foi expedida e entregue, em Janeiro de 2012, tendo tal expedição, por via postal registada, sido endereçada para a Rua ... , 42, Arroteias, 2860-175 Alhos Vedros, morada esta que, entre 01/01/12 e 22/02/12, e de acordo com os registos da AT, correspondia ao domicílio fiscal do sujeito passivo A/marido, ... .

Sendo assim, porque é de presumir que a residência habitual do agregado familiar composto por ambos os cônjuges (os executados Francisco José e Rute Isabel, ora Recorrida) é a mesma, tal significa que, a dita morada (Rua ... , 42, Arroteias, 2860-175 Alhos Vedros) era ou, pelo menos, também era - porque de uma sociedade conjugal se trata - aquela para onde veio a ser remetido o expediente postal destinado à notificação da liquidação em que foi apurado o valor correspondente à dívida exequenda.

Efectivamente, mesmo que a recorrida pudesse ter outra residência no local a que corresponde o domicílio fiscal coincidente com a Praceta ... , nº 1 - 1 ° Dto., 2835-032 Baixa da Banheira, tal como consta dos registos da AT, o que tal implica é que se presuma legalmente que tinha uma domiciliação plural, nos termos previstos no 82º, nº 1 do CC – “A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente, em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles” - residindo alternadamente em qualquer daqueles locais. A não ser assim, e uma vez que estamos perante uma presunção legal, impunha-se à executada, ora Recorrida, a demonstração do contrário (cfr. artigo 350.º, 2 do CC) – neste sentido, vide o acórdão deste TCA, de 18/12/08, já citado.

Independentemente daquilo que ficou dito, a verdade é que a p.i de oposição não permite sequer que se veja nela qualquer tentativa de demonstrar o que quer que seja, limitando-se a Oponente a afirmar, nos artigos 1º a 3º, que: “nunca foi notificada da liquidação nº 28125000008490, de 2012-01-16, a que se refere a execução aqui em causa”, “nem pessoalmente, nem por carta registada, com aviso de recepção, nem por qualquer outra forma”, e que “apenas agora, em 19/04/12, tomou conhecimento da execução fiscal, relativa à cobrança da dívida emergente da liquidação anteriormente referida”.

Ou seja, a oponente não pôs em causa a entrega da declaração de rendimentos de 2010 nos termos em que decorre dos autos, por ambos os executados, na situação de casados, nem a existência de um agregado familiar composto por si, pelo Francisco José e respectivos dependentes, nem a residência conjunta de ambos. Já posteriormente ao articulado inicial e, após ter sido notificada da contestação da Fazenda pública, veio a oponente afirmar, tão-só, que “tem e sempre teve o seu domicílio fiscal na Praceta ... , nº1, 1º Dtº, 2835-032 Baixa da Banheira”.

Sem colocar em causa, tal como decorre dos registos da AT, que, desde 21/02/11, o domicílio fiscal da Recorrida deles constante corresponde à Praceta ... , nº1, 1º Dtº, 2835-032 Baixa da Banheira, a verdade é que, atento o que ficou dito antes, concretamente quanto à tributação da sociedade conjugal e à residência habitual do agregado familiar, aquela invocação é, aqui, perfeitamente inócua.

Na verdade, constando da matéria de facto provada (e nem tal veio posto em causa), a recepção da liquidação (correspondente à dívida exequenda) na morada indicada como domicílio fiscal do Francisco José, no período compreendido entre 01/01/12 e 22/02/12, e sendo certo que o Francisco José é marido da oponente e que os dois entregaram, conjuntamente, a declaração de rendimentos que deu origem a tal liquidação, tem que daqui retirar-se que a notificação da liquidação subjacente à dívida exequenda foi efectivamente recepcionada na morada coincidente com o domicílio fiscal correspondente à residência de família.

Se quem recebeu a notificação, concretamente se o seu marido, lhe não entregou ou deu a conhecer o expediente postal relativo à notificação da liquidação é ponto que não é oponível à AT.

Pelas razões já expostas, a notificação da liquidação para a morada indicada/ actualizada pelo marido, é eficaz relativamente à Recorrida, não se exigindo à AT, nestas concretas circunstâncias, que emitisse dois actos de liquidação (ou melhor dizendo, duas vias da mesma liquidação), com igual conteúdo, e que as notificasse para duas moradas diferentes. Pelo contrário, entendemos que, in casu, a AT fez o que lhe competia nos termos da lei: emitiu uma liquidação de IRS (decorrente de apresentação de uma única declaração de rendimentos de contribuintes casados), e procedeu à sua notificação para a morada que, nesse momento, era a última indicada por um elemento da sociedade conjugal, no caso o sujeito passivo marido.

Diga-se, ainda e com relevância no caso, que a LGT, no seu artigo 16º, nºs5 e 6, estabelece que “qualquer dos cônjuges pode praticar todos os actos relativos à situação tributária do agregado familiar e ainda os relativos aos bens ou interesses de outro cônjuge, desde que este os conheça e não se lhes tenha expressamente oposto”, e que “o conhecimento e a ausência de oposição expressa referidas no número anterior presumem-se, até prova em contrário”, o que nos direcciona para a relevância a atribuir à alteração do domicílio fiscal levada a cabo pelo cônjuge, marido.

A finalizar, há que dizer que, se por hipótese (o que nunca foi aventado nos autos pela oponente, ora Recorrida), o casal, composto pela Rute Isabel e pelo Francisco José, apesar de casados, estivessem separados de facto, podia, nos termos previstos no artigo 59º, nº2 do CIRS, cada um dos cônjuges ter apresentado uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo, sendo que, neste caso, tais declarações originariam, necessariamente, liquidações autónomas, respeitantes a cada um dos cônjuges separados de facto. Não foi, porém, com respeito ao ano de 2010, esta a opção dos declarantes, executados no processo de execução fiscal nº 2240201201025279.

Termos em que, face a tudo o que vem dito, há que concluir que não se verifica a inexigibilidade da dívida exequenda relativamente à oponente, pelo que a sentença recorrida, que assim não decidiu, não se pode manter na ordem jurídica, impondo-se a sua revogação e, em substituição do decidido, julgar a oposição, deduzida por ... , improcedente.


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3 - DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar, pelos fundamentos expostos, improcedente a oposição à execução fiscal nº 2240201201025279, deduzida por ... .

Custas pela Recorrida, apenas em 1ª instância.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2014.



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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Benjamim Barbosa)

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(Anabela Russo)