Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:70/17.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
IMPUGNAÇÃO
NULIDADE
ANULABILIDADE
Sumário:
I. A impugnação judicial pode ser deduzida a todo o tempo se o fundamento for a nulidade.

II. A circunstância de ser formulado, na petição inicial, pedido de nulidade do ato impugnado não é, per se, suficiente para se concluir pela possibilidade de impugnação a todo o tempo, cumprindo aferir se os vícios imputados ao ato são de molde a ter como consequência a mencionada invalidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

I….., S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 21.09.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a exceção de caducidade do direito de ação na impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), do mês de dezembro de 2012.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais, após aperfeiçoamento, concluiu nos seguintes termos:

“a. A RECORRENTE tem como objecto social a representação, distribuição e comercialização de jogos, programas e material informático diverso, e no âmbito da sua actividade, a RECORRENTE celebrou negócio com a B….., S.A., com o NIPC …..e sede na ….., que se dedica essencialmente à actividade de produção de software de entretimento, arte, tecnologia e serviços associados,

b. Aos 15 de Outubro de 2010, a RECORRENTE e a referida Empresa celebraram um Acordo de Cessão de Direitos de Exploração Comercial do Videojogo, denominado “T…..”. Nos termos do Contrato alcançado, a Sociedade B….. ficou encarregue da criação e produção de um jogo e a RECORRENTE adquiriu os direitos exclusivos para a sua exploração e distribuição. O Videojogo em causa, seria produzido e compatível apenas com duas plataformas, através de Computador e Wii. Fixaram o preço em €825.000,00, acrescido do respectivo I.V.A.

c. Conforme consta da Cláusula Quatro do presente Contrato e conforme documento junto com o n.º 1 à Impugnação: “1. Pelos direitos exclusivos de exploração, negócio, distribuição e venda comercial do videojogo “T…..” para as plataformas PC e Wii, a I….. pagará à B….. o preço de €825.000,00 (oitocentos e vinte e cinco mil euros) acrescido do respectivo I.V.A., à taxa legal em vigor. 2. Ao valor estipulado no n.º 1, a I….. compromete-se ainda a pagar à B….. 10% de royalties que vier a receber da distribuição e venda comercial do referido videojogo no número 1, depois de deduzido o valor estipulado no n.º 1 desta cláusula.” No que diz respeito à sua duração e caducidade ficou determinado que o contrato vigoraria durante cinco anos e renovar-se-ia por igual período de tempo na ausência da sua denúncia eficaz.

d. No seguimento deste Contrato foi emitida, à Impugnante I….. pela B….., a Factura n.º3 aos 28/10/2010. No valor total de € 998.250,00, que incluía o preço de €850.000,00 e €173.250,00 a título de IVA. A qual foi sendo paga pela ora RECORRENTE em prestações mensais mas de valor não definido.

e. Em Abril de 2011, as Partes procederam a um Aditamento ao Contrato, sem o reduzir a escrito, para expanção do jogo para outro tipo de plataformas. A expansão das plataformas importou um encargo adicional para a B….. sendo e de modo a refleti-las na sua contabilidade, esta emitiu várias Facturas:1. Factura n.º 2011001, aos 26/04/2011, no valor total de €430.500,00, que incluía o preço da Licença para Publicação e distribuição mundial exclusiva do Videojogo “T…..”, para a Plataforma Playstation 3 durante 5 anos, no montante de €350.000,00 e €80.500,00 a título de IVA. 2. Factura n.º 2011002, aos 30/05/2011, no valor total de €492.000,00, que incluía o preço da Licença para Publicação e distribuição mundial exclusiva do Videojogo “T…..”, para a Plataforma Xbox360, iOS e Android durante 5 anos, no montante de €400.000,00 e €92.000,00 a título de IVA. 3. Factura n.º 2011003, aos 01/06/2011, no valor total de €528.900,00, que incluía o preço da Licença para Publicação e distribuição mundial exclusiva do Videojogo “T…..”, para a Plataforma Wii-U e DS, durante 5 anos, no montante de €430.000,00 e €98.900,00 a título de IVA.

f. Sucede que a B…..não concluiu a produção dos produtos, pondo em causa o vínculo contratual que as unia. Na tentativa de dar a melhor solução a essa situação, ambas as Sociedades declararam a perda de interesse na manutenção do contrato, à data ainda em vigor. Por conseguinte, foi celebrado novo Acordo, designado por “Acordo de Ajustamento do Contrato de Cessão dos Direitos de Exploração Comercial do Videojogo, “T…..” para as plataformas PC e Wii, aos 14 de Dezembro de 2012.

g. Acordaram então em ajustar o valor do contrato para o valor já efectivamente adiantado pela I….., que ambas reconheceram ser o montante de €674.949,70 (incluindo €117.140,03 a título de IVA), correspondente à totalidade do preço de aquisição dos direitos do Videojogo nas Plataformas PC, Wii, iOS e Android. Foi estipulada a devolução dos Cheques melhor identificados na Cláusula Seis do referido Acordo de Ajustamento. Ficando ainda acordado que as Partes declaram de “forma recíproca que nada mais lhes é devido, a qualquer título ou origem, em virtude das relações comerciais passadas para além das tituladas no acordo que agora ajustam”, Cláusula Oito.

h. Sucede que a B….. à revelia da I….., S.A. alegou, no âmbito de uma resposta à Divisão da Inspeção Tributaria, da Direcção de Finanças do Porto, que por falta de cumprimento dos pagamentos acordados no âmbito do Contrato Inicial e do Aditamento não redigido a escrito, cancelou unilateralmente as alterações acordadas, emitiu uma nota de crédito e anulou as Facturas n.º 2011001, 2011002 e 20111003.

i. Nota de Crédito essa, emitida aos 30/06/2011, no valor total de €1.451.400,00, que incluía €1.180.000,00 respeitantes à anulação das facturas n.º 2011001, 2011002 e 20111003 e €271.4000,00 a título de IVA. O que não corresponde à verdade.

j. De igual modo, a B….., voltou a emitir uma Nota de Crédito aos 19/12/2012, desta feita, com o argumento de ser referente ao “Acerto do valor da Factura nr. 3 de 2/10/2010 conforme acordo assinado nesta data, para regularização de contas.”.

k. Nota de Crédito essa no valor total de €323.300,32, no qual incluía e €267.190.35 referente aps acertos e €56.109,97 a título de IVA.

l. Neste caso a ora RECORRENTE tendo conhecimento desta nota de Crédito, recusou-se a recebê-la e aceitá-la.

m. No âmbito destes Autos foram Penhorados e dados em garanti no âmbito desta execução vários Bens Móveis, aos quais foi atribuído o valor global de €461.493,89.

n. Foi dado como provado no Relatório da Inspecção Tributária que a ora RECORRENTE procedeu à dedução dos seguintes valores, a título de IVA, conforme se cita: “Deduziu a “I…..” o IVA referente a estas faturas da seguinte forma: Declaração periódica do período 2011 04 – campo 20 – 80.500,00; Declaração periódica do período 2011 05 – campo 20 – 92.000,00; Declaração periódica do período 2011 06 – campo 20 – 98.900,00.”

o. Direito esse que assistia à ora RECORRENTE. No que diz respeito à Factura n.º 3 aos 28/10/2010.

p. Na mesma senda, “No imposto do IVA, tanto a possibilidade de cobrança do imposto, como a possibilidade de dedução do imposto apurado, está intimamente conexionada com a existência de uma concreta transacção comercial, transmissão de bens ou prestação de serviços, relativamente à qual se possa fazer o cálculo concreto do imposto exacto que deve incidir sobre essa mesma transacção.”3 [3 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 0879/14, Data do Acordão 22-04-2015, 2 SECÇÃO, Relator ARAGÃO SEIA]

q. Por outro lado, ficou dado como provado, no Relatório da Inspecção Tributária, que a SOCIEDADE B….. “liquidou na referida fatura (€173.250,00) na declaração periódica do 4º trimestre do ano de 2010, por estar enquadrada no regime normal do IVA periocidade trimestral.”

r. Sucede que no âmbito do “Acordo de Ajustamento do Contrato de Cessão dos Direitos de Exploração Comercial do Videojogo” outorgado ao 14 de Dezembro de 2012, efectuou-se uma redução do preço.

s. Acordaram então em ajustar o valor do contrato para o valor já efectivamente adiantado pela I….., que ambas reconheceram ser o montante de €674.949,70 (incluindo €117.140,03 a título de IVA).

t. Ficando assim a ora RECORRENTE alegadamente obrigada a devolver €56.109,97 a título de IVA, uma vez que a Factura Inicial contemplava €173.250,00, aos quais foram apenas efectivamente pagos pela Sociedade B….. €117.140,03 (€173.250,00 - 117.140,03 = €56.109,97).

u. Nesse mesmo ano, em 2012, a Sociedade B….. procedeu à alteração dos valores do IVA pagos referentes à Factura n.º 3 aos 28/10/2010, para o valor supra referido. Momento no qual emite uma Nota de Crédito e envia à ora RECORRENTE. Nota essa que a RECORRENTE não aceitou.

v. Já que assentou na redução do Preço em singelo, sem os respectivos impostos associados. Ou seja, IVA que não foi facturado, e por conseguinte, nunca podia ser objecto de Nota de Crédito. Concluindo-se que a mesma não é valida, por falta de preenchimento dos requisitos obrigatórios, nomeadamente da pela falta de aceitação. Aplicando-se de igual forma ao caso o que em seguida se expõe. As facturas já emitidas podem ser objecto de rectificações. Nos que respeitam e as menções desta que são objeto de alterações”. Por outro lado, e nos termos do disposto no Ofício Circulado N.º: 30141/2013 de 04/01/2013. “As notas de crédito e as notas de débito são documentos retificativos de fatura, podendo ser emitidos pelos sujeitos passivos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços, desde que observados os seguintes requisitos: — resultem de acordo entre os sujeitos passivos intervenientes, fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e adquirente ou destinatário dos mesmos; — sejam processados em cumprimento do disposto no n.º 7 do artigo 29.º, ou seja, quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão; — contenham os elementos a que se refere o n.º 6 do artigo 36.º, dos quais se realça a referência à fatura a que respeitam.” O que não se verificou.

w. A segunda Nota de Crédito, apesar de enviada e devidamente notificada, não produziu os seus efeitos uma vez que não foi aceite pela ora Impugnante.

x. Já no que diz respeito à Primeira Nota de Crédito, a Sociedade B….. nunca fez chegar a Nota de Crédito à RECORRENTE. Pelo que a RECORRENTE não teve conhecimento da referida Nota de Crédito.

y. Não podia nem lhe era exigível que tivesse conhecimento, já que cabia à B….. a sua comunicação. Não podendo ser a agora RECORRENTE a suportar com as consequências da má-fé da Sociedade B…... A RECORRENTE não procedeu à rectificação da dedução do imposto porque não teve conhecimento das alterações do facto contributivo que lhe deu origem. Neste sentido a jurisprudência pronunciou-se que: “I - Nos termos do artigo 71, nº5 do CIVA quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução. II - Sem esta prova, na posse do sujeito passivo, a regularização é indevida. III – A exigência de o sujeito passivo ter na “sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto” remete-nos para a prova documental.” Pelo que, concluindo-se pela falta de validade da Nota de Crédito, ficam as consequências que dela derivam, igualmente inquinadas. A conduta da Sociedade B….. constitui o crime de Infidelidade, previsto e punido nos termos do disposto no Artigo 224.º do CP.

z. A referida Sociedade quis deliberadamente, prejudicar a RECORRENTE através da emissão da Nota de Crédito, sem que para isso lhe tivesse dado o devido conhecimento. Sabia que, com a anulação das Facturas e com a emissão das respectivas Notas de Crédito, seria a RECORRENTE obrigada a devolver o montante deduzido em excesso. Prejudicando a RECORRENTE em tais valores. Pelo que, deve a Sociedade B….. ser a única e exclusiva responsável pela dedução dos valores em causa. Uma vez que foi esta a responsável pela disparidade de valores. E os documentos justificativos da sua conduta não são formalmente aceites e aptos a produzir o efeito pretendido.

aa. A ora IMPUGNANTE não procedeu a rectificação da dedução do imposto [IVA] porque não teve conhecimento das alterações do facto contributivo que lhe dera origem. Neste sentido a jurisprudência pronunciou-se que: "I - Nos termos do artigo 71, n°5 do CIVA quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução. II - Sem esta prova, na posse do sujeito passivo, a regularização e indevida. III - A exigência de o sujeito passivo ter na "sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto" Remete-nos para a prova documental.Pelo que, concluindo-se pela falta de validade da Nota de Crédito, ficam as consequências que dela derivam, igualmente inquinadas.A conduta da Sociedade B….. constitui o crime de Infidelidade, previsto e punido nos termos do disposto no Artigo 224° do CP.

bb. Não podendo ser a RECORRENTE responsabilizada por quaisquer acções unilaterais realizadas pela Sociedade B….., uma vez que aquela não teve conhecimento da alteração de valores apresentados pelo sujeito passivo emitente junto da Autoridade Tributária. “Sob pena de caducidade do direito à acção, a impugnação judicial tem de ser deduzida dentro dos prazos que a lei prevê actualmente na norma do art.º 102.º do CPPT; 2. Porém, se o impugnante invocar fundamento subsumível à nulidade ou à declaração de inexistência do acto de liquidação, pode a impugnação ser deduzida a todo o tempo;” In Ac. TCAS de 10-11-2009

cc. Nos termos do disposto no art.º 102.º do actual Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a impugnação judicial não pode ser deduzida a todo o tempo mas sim, em regra, no prazo de 90 dias a contar de algum dos eventos a que a lei atribui o efeito desencadeador do início desse prazo, termo inicial ou dies a quo ou dies ex quo, a contar do termo do prazo para pagamento voluntário do tributo em causa, como nem a ora recorrente dissente desta parte da fundamentação da sentença recorrida. Contudo se na decisão recorrida tiverem sido invocados fundamentos subsumíveis à nulidade do tributo em causa como seja a nulidade de diversos passos do procedimento de liquidação, sua deficiente notificação, falta de audiência prévia e caducidade do direito à liquidação, o que se invoca, admite-se que a impugnação possa ser deduzida a todo o tempo, por aplicação da norma do mesmo art.º 102.º, no seu n.º3, que expressamente prevê que, em caso de nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo, bem como quando se pretender obter a declaração de inexistência jurídica do acto de liquidação, nos termos do disposto nos art.ºs 133.º e 134.º n.º2 do CPA (1) , entendimento este já vigente no âmbito de aplicação do art.º 123.º do anterior Código de Processo Tributário, ainda que sem norma expressa neste sentido. A Impugnação apresentada visava precisamente obter a declaração de inexistência jurídica do acto de liquidação nos termos do disposto no artigo 102.º, n.º 3 do CPC. A petição inicial de impugnação fundamenta-se precisamente contra a notificação contra os actos de liquidação entendendo, tratar-se de vícios praticados no âmbito dessa mesma liquidação adicional, como seja a ilegal notificação quer do acto de fixação da matéria tributável, quer da consequente liquidação adicional, quer por a liquidação ter sido efectuada sem respeitar o prazo para deduzir o pedido de revisão, durante o qual se suspende o prazo para a mesma ter lugar, quer o vício de caducidade do direito à liquidação do imposto em causa, tudo vícios que, no seu entender, uma vez verificados, reconduzem à nulidade desses diversos passos do procedimento de liquidação, quer à própria liquidação adicional subsequente, que não só à sua anulação, vícios estes que mantém no presente recurso jurisdicional.

dd. Tendo por efeito a nulidade, verifica-se que a Impugnação poderia ser apresentada a todo o tempo, inexistindo qualquer caducidade no direito de acção da RECORRENTE.

Assim se fazendo a costumada

Justiça!”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:
a) Verifica-se erro de julgamento, porquanto a impugnação é tempestiva, nos termos do art.º 102.º, n.º 3, do CPPT?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva externa em resultado da qual foram apuradas correcções ariméticas à matéria tributável, com regularizações a favor do Estado em sede de IVA, do exercício de 2012, no valor de € 327.509,97 (cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 260 e ss., numeração sitaf);

B. Na sequência da acção inspectiva referida na alínea antecedente, em 20.10.2015, foi emitida a liquidação adicional de IVA, n.º ….., referente ao período de Dezembro de 2012, no valor de € 327.509,98, com prazo limite de pagamento voluntário a 21.12.2015 (cfr. nota de liquidação, a fls. 327 a 393, com registo 314603, numeração sitaf);

C. A 17.11.2015, a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IVA referida na alínea antecedente através da via CTT (cfr. fls. 327 a 393, com registo 314603, numeração sitaf);

D. Na sequência da citação no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1503201501664751, em 02.05.2015, a Impugnante deu entrada, via-email, no Serviço de Finanças de Cascais – 1 de impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional referida na alínea B. supra, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 773/16.9BESNT, pedindo, a final, que fosse ordenado o arquivamento dos autos [de execução fiscal] e o levantamento da penhora sobre os bens móveis (cfr. fls. 327 a 393, com registo 314603, numeração sitaf e fls. 74 dos autos);

E. Em 21.09.2016, foi rejeitada liminarmente a impugnação judicial referida na alínea antecedente, por verificação da excepção dilatória insuprível de erro na forma de processo, em virtude de os pedidos corresponderem a formas processuais distintas [oposição à execução e reclamação de actos do órgão de execução fiscal] e não ser “possível cindir a petição inicial em duas, de modo a prosseguir as diferentes formas de processo anteriormente apontadas (…).”, “(…)em conformidade com o disposto no art. 110.º, n.º 1 do CPPT e do art. 590.º, n.º 1 do CPC, ex vi art. 2.º, 2) do CPPT, sem prejuízo do benefício concedido ao autor, previsto no art. 560.º do CPC, ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT” (cfr. decisão, a fls. 74 a 77 dos autos, que se dá por reproduzida);

F. Através de ofício de 25.10.2016, a Impugnante foi notificada da decisão referida na alínea antecedente (cfr. ofício, a fls. 73 dos autos);

G. A presente impugnação judicial deu entrada em juízo, por correio registado a 08.11.2016 (cfr. fls. 45 dos autos)”.

II.B. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos, que constam dos autos e do PAT, disponível na plataforma sitaf, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório”.

II.C. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, e considerando o disposto no art.º 249.º do Código Civil, corrigem­‑se os lapsos constantes do facto D) supratranscrito, que passará a ter a seguinte redação:

D. Na sequência da citação no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1503201501664751, em 02.05.2016, a Impugnante deu entrada, via-email, no Serviço de Finanças de Cascais – 1 de impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional referida na alínea B. supra, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 773/16.9BESNT, pedindo, a final, que fosse ordenado o arquivamento dos autos [de execução fiscal] e o levantamento da penhora sobre os bens móveis (cfr. fls. 327 a 393, com registo 314603, numeração sitaf e fls. 74 dos autos).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, estando em causa vício de nulidade e inexistência de ato, a impugnação é passível de ser apresentada a todo o tempo.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 102.º do CPPT:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

2 - (Revogado.)

3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.

4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias”.

Por seu turno, atento o disposto no art.º 20.º, n.º 1, do CPPT, “[o]s prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º, do Código Civil”.

Nos termos do art.º 279.º do Código Civil, aplicável ex vi art.º 20.º, n.º 1, do CPPT:

“À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:

(…)

b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;

c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;

(…)

e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.”.

O prazo em causa é um prazo substantivo, e não um prazo processual, sendo, pois, um prazo contínuo.

A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.01.2014 (Processo: 01534/13 e ampla jurisprudência no mesmo citado), onde se sumaria que “[o] prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo de caducidade, de natureza substantiva e, conforme se estabelece no n.º 1 do art. 20.º do CPPT, conta-se de acordo com o disposto no art. 279.º do CC…”.

Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.05.2013 (Processo: 0405/13), no qual se sumariou que “[o] prazo da impugnação judicial é de natureza substantiva e não um prazo judicial contando-se nos termos do art. 279º do CC, como expressamente se refere no nº 1 do art. 20º do CPPT, correndo continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão”.

In casu, a liquidação impugnada tinha como termo final para pagamento voluntário o dia 21.12.2015, pelo que, à data da apresentação do processo mencionado em D. do probatório, ou seja, 02.05.2016 (a considerar, atento o disposto no art.º 560.º, ex vi n.º 1 do art.º 590.º, ambos do CPC), já tinham decorrido os 3 meses previstos no art.º 102.º, n.º 1, do CPPT.

Insurge-se, no entanto, a Recorrente contra o decidido, porquanto, na sua perspetiva, é de aplicar o disposto no n.º 3 do mencionado art.º 102.º do CPPT.

Para aferir a pretensão da Recorrente, cumpre, então, analisar a petição inicial apresentada.

Desde logo, quanto ao pedido, é certo que a Impugnante peticiona a declaração de nulidade do ato impugnado, por erro na qualificação e quantificação e por falta de fundamentação.

No entanto, a circunstância de ser pedida a nulidade não é, per se, suficiente para se concluir pela tempestividade dos autos. É necessário, nesse seguimento, aferir se os vícios imputados ao ato são de molde a ter como consequência a sua nulidade (ou a declaração da sua inexistência).

Vejamos então.

Um determinado ato tributário, enquanto ato administrativo que é, pode padecer de vícios que refletem a respetiva ilegalidade. Os vícios que um ato reveste podem ser orgânicos, formais ou materiais (cfr. a este respeito Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 382 a 403).

Atentando nos vícios de forma, os mesmos relacionam-se com a preterição de formalidades ou carência de forma legal. São exemplos de vícios de forma a preterição do direito de audição ou a falta de fundamentação (na sua vertente de externalização).

Já quanto aos vícios materiais, concretamente quanto ao vício de violação de lei, nos mesmos é relevante a substância do próprio ato e a desconformidade desta perante a lei.

Freitas do Amaral (ob. cit., pp. 392 e 393) densifica as seguintes modalidades de vício de violação de lei:
a) A falta de base legal;
b) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato ou do objeto do ato;
c) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato;
d) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato;
e) Qualquer outra ilegalidade não reconduzível a outro vício.

Portanto, o vício de erro sobre os pressupostos enquadra-se no vício material do ato de violação de lei.

Em termos de formas de invalidade dos atos tributários, as mesmas podem revestir a nulidade e a anulabilidade.

Começando pela nulidade, considerando o disposto no art.º 134.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) então em vigor:

“1 - O ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.

2 - A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.

3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito”.

Portanto, retém-se deste regime que a nulidade é a forma mais grave da invalidade, motivo pelo qual pode ser invocável ou declarada a todo o tempo.

A nulidade tem, no entanto, caráter excecional. Daí que sejam circunscritas as situações em que um vício é cominado com esta forma de invalidade.

Assim, nos termos do então art.º 133.º do CPA:

“1 - São nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

2 - São, designadamente, atos nulos:

a) Os atos viciados de usurpação de poder;

b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º em que o seu autor se integre;

c) Os atos cujo objeto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;

d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;

e) Os atos praticados sob coação;

f) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;

g) As deliberações de órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos;

h) Os atos que ofendam os casos julgados;

i) Os atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do ato consequente”.

Já quanto à anulabilidade, a mesma é a invalidade de caráter geral, como se extrai do à época art.º 135.º do CPA, nos termos do qual “[s]ão anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”.

Ao contrário da nulidade, a anulabilidade é sanável pelo decurso do tempo, pelo que a sua não invocação tempestiva, nos termos das leis procedimentais e processuais, determina que o vício de que padeça o ato deixe de poder ser invocado, convertendo-se o ato em ato válido.

Paralelamente, é ainda possível falar nas situações atinentes a atos inexistentes (cfr. os art.ºs 137.º, n.º 1, e 139.º, n.º 1, do CPA), que abrangem as situações em que “não existe sequer qualquer suporte ontológico da aparência de acto administrativo (…) [ou em que] existe efectivamente um acto, que todavia não reúne os requisitos mínimos necessáriospara a sua imputação a uma pessoa colectiva administrativa” (Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.ª Ed., D. Quixote, Lisboa, 2009, p. 149).

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Analisando a petição inicial apresentada, depois de explanada a situação fática subjacente (à semelhança do verificado no presente recurso), na mesma é invocado, em termos de vícios:
a) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
b) Falta de fundamentação da citação.

Ora, ao contrário do defendido pela Recorrente, nenhum destes vícios tem como cominação a nulidade do ato que dele padeça. Ademais, nada é alegado no sentido de se estar perante ato inexistente.

Começando pelo erro nos pressupostos de facto e de direito, como já deixamos explanado supra, trata-se de uma invalidade material do ato. No entanto, considerando a situação concreta e atento o disposto no art.º 133.º do CPA, a mesma não é cominada com a nulidade ou com a declaração da sua inexistência.

Como referem Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias (Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 278), no caso de falta de pressuposto concreto “tanto poderá acontecer que a situação concreta pura e simplesmente não exista (estaremos então perante um erro de facto) ou, existindo, não seja subsumível na hipótese legal (caso que que haverá um erro de qualificação dos factos ou um erro de direito quanto aos factos). // Em qualquer dos casos a consequência destes vícios é, em princípio, a mera anulabilidade”.

No caso dos autos, o que a Recorrente alega, no fundo, é que lhe assiste direito à dedução do IVA, uma vez que, segundo afirma, a nota de crédito emitida pela sociedade B….., S.A., nunca lhe terá sido notificada.

Ora, esta invalidade não se enquadra no âmbito do n.º 1 do art.º 133.º, quer por não estar legalmente prevista esta cominação, quer por não respeitar à falta de um elemento essencial, que abrange os casos de atos que “… não têm autor, objecto, conteúdo, forma ou fim público” (cfr. a este respeito Diogo Freitas do Amaral, ob. cit., p. 411).

De igual forma, a mesma não se enquadra em nenhuma das alíneas do n.º 2 do mesmo art.º 133.º do CPA.

Como tal, é aqui aplicável a regra geral consagrada no art.º 135.º do CPA, sendo o vício cominado com a anulabilidade.

Já quanto à falta de fundamentação, este vício pode configurar-se como um vício formal ou um vício substancial.

Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”[1], para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Do ponto de vista estritamente formal, a falta de fundamentação configura-se como um vício de forma e não de substância.

No entanto, a par do dever de fundamentação formal, pode ainda falar-se em dever de fundamentação substancial, tendo este a ver com a questão da verificação dos pressupostos de facto e/ou de direito.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.02.2019 (Processo: 0775/02.2BTVIS):

“[U]ma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.).

Na verdade, as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)”.

Portanto, quando se fala em fundamentação do ato, há que atentar na dicotomia existente entre a sua vertente formal e a sua vertente substancial.

Como referido por Vieira de Andrade[2], “[a] diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está, então, em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”.

In casu, a vertente que foi alegada pela Recorrente foi a vertente formal (já que a substancial se encontra consubstanciada no vício de erro sobre os pressupostos a que já nos referimos).

Em regra, o vício de falta de fundamentação implica a anulabilidade do ato que padece de tal vício, e não a sua nulidade.

Chama-se, a este propósito, à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06.04.2016 (Processo:08/16):

“[P]or regra os vícios dos actos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (arts. 133.º e 135.º do CPA, a que actualmente correspondem os arts. 161.º e 163.º) (…).

É certo que do art. 133.º (actualmente, art. 161.º), n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPA, resulta que são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. Porém, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, esses actos hão-de ser aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como sucede no caso dos autos.

(…) [P]or via de regra, quer a falta de fundamentação quer a falta de audiência dos interessados antes da decisão final do procedimento constituem vícios geradores de mera anulabilidade dessa decisão (art. 135.º CPA, actual art. 163.º). Vejamos:

Em relação à fundamentação do acto, admitindo-se embora que nalgumas situações especiais a falta de fundamentação gere a nulidade do acto, essas serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do acto, acabando por cair debaixo do critério do n.º 1 do art. 133.º (actualmente, art. 161.º) do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA].

Tal «acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo acto fundamentando» ou «quando se trate de actos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma protecção efectiva do direito liberdade e garantia” ( JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 1991, pág. 293.).

No caso, como decorre do que vem sendo exposto, não estamos, nem perante uma situação em que haja ofensa do conteúdo essencial de direito fundamental, nem em face de qualquer das duas situações especiais acima referidas, como resulta da leitura da petição inicial” [v. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.05.2011 (Processo: 091/11)].

Retornando ao caso dos autos, para além de o vício ter sido configurado em termos comináveis com a anulabilidade do ato, refira-se que, rigorosamente, o alegado não atinge o ato impugnado.

Concretizando, estamos perante uma impugnação judicial, meio processual onde é, por via de regra, atacada a legalidade de uma liquidação.

Ora, atentando na petição inicial, em bom rigor, a alegada falta de fundamentação não é imputada ao ato tributário de liquidação. É sim imputada à citação efetuada em sede de execução fiscal, sendo que vícios da citação não são causa de pedir própria da impugnação judicial, devendo ser invocados e analisados em sede de contencioso associado à execução fiscal. Portanto, também por esta via, nunca assistiria razão à Recorrente.

Refira-se ainda que, das suas alegações, parece resultar que a Recorrente entende que o Tribunal a quo deveria, ex officio, ter conhecido da deficiente notificação da liquidação, da falta de audiência prévia e da caducidade do direito à liquidação, que, em seu entender, são cominados com a nulidade. Refere ainda que “[a] petição inicial de impugnação fundamenta-se precisamente contra a notificação contra os actos de liquidação entendendo, tratar-se de vícios praticados no âmbito dessa mesma liquidação adicional, como seja a ilegal notificação quer do acto de fixação da matéria tributável, quer da consequente liquidação adicional, quer por a liquidação ter sido efectuada sem respeitar o prazo para deduzir o pedido de revisão, durante o qual se suspende o prazo para a mesma ter lugar, quer o vício de caducidade do direito à liquidação do imposto em causa, tudo vícios que, no seu entender, uma vez verificados, reconduzem à nulidade desses diversos passos do procedimento de liquidação, quer à própria liquidação adicional subsequente, que não só à sua anulação, vícios estes que mantém no presente recurso jurisdicional”.

Analisemos por partes.

Desde logo, nenhum destes vícios foi alegado na petição inicial, ao contrário do que parece decorrer das conclusões formuladas.

Ainda assim, e uma vez que, se efetivamente algum deles fosse cominado com a nulidade, podia ser oficiosamente conhecido, cumpre referir que nenhuma das situações elencadas pela Recorrente se configura como nulidade do ato.

No caso da falta de notificação do ato de liquidação ou ilegalidade na notificação, a mesma não constitui, isoladamente, fundamento de impugnação judicial. Com efeito, a falta de notificação do ato contende não com a sua legalidade, mas com a sua exigibilidade (art.º 77.º, n.º 6, da LGT), pelo que, ainda que se verificasse, a mesma não atingiria a validade do ato impugnado, sendo que em sede de impugnação é apenas aferível esta última.

Aliás, em sede de impugnação judicial, a eficácia invalidante da notificação só é relevante quando esteja em causa a apreciação da caducidade do direito à liquidação[3], questão que não é do conhecimento oficioso, como veremos de seguida.

Assim, e no tocante à caducidade do direito à liquidação, a mesma também não implica a nulidade do ato praticado, mas sim a sua anulabilidade, não sendo de conhecimento oficioso.

A este propósito, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.11.2009 (Processo: 0761/09), onde se refere:

“[A] caducidade aqui em causa não é a adjectiva, do direito à propositura de acção, mas a substantiva, do direito à liquidação, e que consiste no decurso do prazo que o Estado tem para exercer o direito à liquidação de tributos. O decurso desse prazo impede o Estado de proceder à liquidação, pelo que é cometida uma ilegalidade quando o acto de liquidação é efectuado depois de consumada a caducidade, isto é, quando é liquidado um tributo após o decurso do prazo que o Estado detinha para exercitar esse direito.

Deste modo, a liquidação feita depois de esgotado o prazo de caducidade é ilegal, na medida em que consubstancia a prática de acto tributário ferido de vício de violação de lei. Como se reconheceu no acórdão de 7 de Julho de 2004 do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal «a liquidação depois de decorrido o prazo de caducidade, é igualmente uma ilegalidade idêntica a todas as outras que se englobam no citado art. 99.° do CPPT, e que não merece pois tratamento diverso».

(…) Nesta conformidade, e em consonância, aliás, com o entendimento há muito dominante nesta Secção de Contencioso Tributário do STA Cfr. os seguintes acórdãos do Pleno da Secção: de 18 de Junho de 2003, no recurso n.º 503/03; de 7 de Julho de 2004, no recurso n.º 546/02; de 18 de Maio de 2005, no recurso n.º 1178/04. E os seguintes acórdãos da Secção: de 2 de Novembro de 2005, no recurso n.º 361/05; de 18 de Janeiro de 2006, no recurso n.º 680/05; de 29 de Outubro de 2008, no recurso n.º 458/08; de 13 de Maio de 2009, no recurso n.º 264/09., a caducidade do direito à liquidação, tanto do imposto como dos juros compensatórios, constitui um vício gerador de ilegalidade do acto, não existindo razão justificativa para que se submeta o seu conhecimento a um regime diferente do geral, pois que se trata de vício que não importa mais à ordem pública do que os outros de que pode enfermar a liquidação.

(…) [E]ra necessário que o Impugnante tivesse invocado, logo na petição, a violação pela Administração Tributária do disposto no art.º 45.º da LGT, isto é, os factos integradores do vício da caducidade do direito à liquidação. O que, nitidamente não fez.

Pelo que a ulterior invocação do vício, na resposta à contestação da Fazenda Pública, só poderia ser aceite caso se encontrasse preenchido o condicionalismos previsto no art.º 273.º do CPC (ampliação da causa de pedir) ou no art.º 506.º do Código de Processo Civil (articulados supervenientes), face à aplicação subsidiária deste diploma legal (alínea e) do art. 2.º do CPPT)”.

Mais recentemente, a título exemplificativo, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.02.2020 (Processo: 0227/18.9BEFUN), no qual se reitera o entendimento no sentido de a caducidade do direito à liquidação não ser de conhecimento oficioso.

Quanto aos demais vícios alegados apenas em sede de recurso (falta de audiência prévia, ilegalidades no procedimento), não obstante a sua invocação lacónica e não consubstanciada, podemos afirmar que os mesmos não são igualmente cominados com a nulidade, por não se reunirem os pressupostos constantes do art.º 133.º do CPA, nos termos já assinalados.

Assim, ao contrário do referido pela Recorrente, nada foi alegado que possa dar origem à declaração de nulidade do ato, não se verificando, pois, a subsunção no n.º 3 do art.º 102.º do CPPT.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

Vencida a Recorrente é a mesma responsável pelas custas (art.º 527.º do CPC).

Cumpre, no entanto, atento o valor dos autos, considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, considerando quer a conduta das partes, que se revelou sem mácula, quer a complexidade das questões, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 13 de maio de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


___________________
[1] Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
[2] O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, Coimbra, 2003, p. 231.
[3] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 488 e 489.