Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:709/12.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/09/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
DETERMINAÇÃO LEGAL DO ÓNUS DA PROVA.
OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ARTº.204, Nº.1, AL.A), DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
ISENÇÃO DE TRIBUTAÇÃO CONSAGRADA NO ARTº.23, Nº.1, DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS.
FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO ENQUADRÁVEL NO ARTº.204, Nº.1, AL.A), DO C.P.P.T.
ARTº.8, Nº.2, DA C.R.P.
NORMAS DE CONVENÇÃO INTERNACIONAL PREVALECEM SOBRE O DIREITO INTERNO INFRACONSTITUCIONAL.
IMUNIDADE QUE SE CONSUBSTANCIA NA ISENÇÃO DE TODOS OS IMPOSTOS E TAXAS INCIDENTES SOBRE OS LOCAIS DA MISSÃO. ESTADO ACREDITANTE E CHEFE DA MISSÃO.
EXTENSIVA AO PESSOAL ADMINISTRATIVO E TÉCNICO DA MISSÃO.
ARTº.37, Nº.2, DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. A determinação legal do ónus da prova, com uma feição marcadamente objectiva, orienta as partes sobre os factos que devem provar e indica ao decisor qual o sujeito processual que deve ser afectado pela inexistência ou insuficiência da prova. O ónus da prova apenas releva nos casos em que exista uma situação de “non liquet”, de desconhecimento quanto a determinado facto com interesse para a decisão, assim devendo decidir contra a parte onerada com a prova do mesmo (cfr.artº.8, nº.1, do C.Civil; artº.74, da L.G.T.).
4. No artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, primeira parte da norma, é enquadrável qualquer ilegalidade substantiva agravada (absoluta ou abstracta) como é a eventual ilegalidade do diploma criador do tributo que constitui a dívida exequenda. Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, a qual se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação concretamente levada a efeito. Isto é, na ilegalidade abstracta a ilicitude não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação material a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. Por outras palavras, o vício não se refere ao concreto acto de liquidação, mas antes se reportando à ilegalidade da norma em que o mesmo acto tributário se baseia. Por último, sempre se dirá que a inexistência de imposto a que faz menção a norma sob exegese se refere à inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos, a qual, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a aplicação ao caso concreto.
5. Já a segunda parte da alínea a), do nº.1, deste artº.204, se refere à falta de autorização de cobrança na data em que ocorreu a liquidação, visando concretizar as normas constitucionais que fazem depender a possibilidade de cobrança de receitas de prévia inscrição no Orçamento do Estado (que inclui o orçamento da segurança social) da discriminação das receitas que, anualmente, o Estado está autorizado a cobrar (cfr.artº. 105, da C.R.P.). Assim, a falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição constitui um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo nas leis em vigor, consagrados na primeira parte da mesma norma.
6. A isenção de tributação consagrada no artº.23, nº.1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, porque não é uma isenção segundo o conceito tradicional, mas um privilégio de direito internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, enquadra-se no fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T.
7. Nos termos do artº.8, nº.2, da C.R.P., as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo o que seja conflituante com este, motivo por que os Tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado.
8. Nos termos do artº.23, nº.1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, tanto o Estado acreditante, como o Chefe da Missão estão isentos de todos os impostos e taxas, nacionais, regionais ou municipais, sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, exceptuados os que representem o pagamento de serviços específicos que lhes sejam prestados, portanto os impostos indirectos.
9. Esta imunidade que se consubstancia na dita isenção de todos os impostos e taxas incidentes sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, igualmente é extensiva ao pessoal administrativo e técnico da missão, nos termos do artº.37, nº.2, da citada Convenção.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.108 a 121 do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pela entidade recorrida, Embaixada ..., visando a execução fiscal nº...., a qual corre seus termos no 8º. Serviço de Finanças de ..., contra a entidade recorrida, sendo instaurada para a cobrança de dívidas de I.M.I., relativas ao ano de 2010 e no montante de € 4.702,89.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.136 a 146 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A sentença recorrida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto, apenas tomou posição quanto à matéria de excepção suscitada pela Fazenda Pública, ou seja, por entender que o alegado não reconhecimento da isenção questionada ser causa de ilegalidade concreta e não abstracta da liquidação da dívida e só a última ser admitida como fundamento de oposição a execução, mas já não quanto à matéria constante de informações oficiais e que está na génese da não aceitação da isenção para efeitos de IMI dos imóveis supra identificados;
2-Pois na informação Iavrada pela Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, a fls. 41 a 44 dos autos, vai dito que “cabe então averiguar se as fracções do prédio urbano em questão podem ser consideradas “Iocais da missão” do Estado acreditante para efeitos do mesmo diploma. A Convenção de Viena adopta o critério da funcionalidade na definição de “locais de missão”, considerando-os no art°1° al.i) como os edifícios ou parte dos edifícios e terrenos anexos, seja quem for o proprietário, utilizados para a finalidade da missão, inclusive a residência do chefe de missão. Também nenhuma disposição nos permite concluir que a residência do pessoal da missão seja utilizada para as finalidades tal como são definidas no art°3 da Convenção. Ora, as finalidades do pessoal adstrito a funções de carácter administrativo não se ajustam ao conjunto das que se encontram enunciadas no art°.3. Nessa medida não beneficiam da isenção outorgada pela Convenção.”;
3-Ora, resulta claro e cristalino que o respeitoso Tribunal “a quo”, não tomou posição sobre tal argumentação, resultando em nulidade por omissão de pronúncia, que expressamente se invoca para todos os legais efeitos;
4-E ainda por erro do julgamento porquanto, a oposição é uma contra-acção e àquele que invoca um direito cumpre fazer prova do mesmo pelo que o ónus da prova impende sobre a oponente;
5-Importa dizer, a este propósito, que o documento e a declaração que incorpora consubstanciam realidades distintas, pois um documento é uma coisa e a decIaração nele contida é outra sendo o primeiro um papel onde se exaram certos dizeres e o segundo a declaração é um acto;
6-Sendo que, não basta que o documento tenha sido exarado com a observância das formalidades legais e dentro da competência das autoridades púbIicas, mas também que tenha sido exarado por quem tenha competência em razão do lugar e da matéria;
7-Neste pendor o exarado nos anteditos documentos, máxime “pelo que deverá ser concedida isenção à Embaixada do ... em ... respeitante aos imóveis de que a ... é proprietária sitos (...)“, (que não transcrevemos individualmente as moradas, por consubstanciar exercício enfadonho), não pode ser considerado, por extravasar o seu círculo de competências, pois que quem tem competência para decidir sobre a isenção de IMI é o Ministério das Finanças, e neste caso concreto, a AT;
8-Acresce que, por um lado, a decIaração nada prova quanto ao destino dado aos imóveis e por outro não é o órgão competente para reconhecer a isenção, pelo que, nos termos do artigo 363° n°2 do Código Civil, “autênticos são os documentos exarados, com as formalidades Iegais pelas autoridades públicas nos Iimites da sua competência, ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuIdo (...).” E ainda o artigo 269°, n°1 do Código Civil “o documento só é autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente, em razão do matéria e do Iugar, e não estiver Iegalmente impedido de o Iavrar.”, não tendo competência material, não tem relevância probatória, pelo menos não pode ser considerado documento autêntico;
9-A este respeito veja-se o que diz J. M. Gonçalves Sampaio, in A Prova Por Documentos Particulares, em que cita VAZ SERRA, “Provas”, BMJ, n° 111, n° 62, era um documento autêntico nos termos do artigo 363° n° 2 o atestado de residência ou de pobreza passado por uma Junta de Freguesia mas já o não era o atestado em que a Junta declarasse que tinha pago certa dívida por não ter sido exarado dentro do círculo de actividade;
10-Assim, parece-nos que de forma cabal não faz a oponente quaisquer alegações de factos que logrem provar o direito que se arroga;
11-Na verdade, a AT não aceita que os imóveis que estão subjacentes à liquidação de IMI em causa estejam, efectivamente, isentos, por não preencherem todos os legais pressupostos, recaindo sobre a oponente a prova de que tais legais pressupostos preenchidos se encontram;
12-É mister referir que a AT não aquiesceu ao pretendido, pela oponente, pelo facto das fracções em causa, que subjazem à liquidação de IMI, não prosseguirem as finalidades da missão, tal como definidas no art° 3° da Convenção, e por consequência não são locais da missão;
13-Pelo que, sendo a oposição uma contra-acção e aquele que invoca um direito cumpre fazer prova do mesmo, pelo que o ónus da prova impende sobre a oponente, porquanto não o fazendo a sua pretensão deveria naufragar in totum;
14-Assim, ao decidir como decidiu, o respeitoso Tribunal “a quo”, não considerou as regras do ónus da prova, incorrendo em intolerável inversão das mesmas;
15-Outrossim, decidindo como decidiu o Tribunal a quo fez uma errada aplicação das normas legais supra vazadas;
16-Por conseguinte salvo o devido respeito que muito é, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito, nos termos supra explanados;
17-TERMOS EM QUE, deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue improcedente a oposição à execução fiscal, com todas as consequências legais.
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A entidade recorrida estruturou contra-alegações (cfr.fls.150 a 166 dos autos), as quais remata com o seguinte quadro Conclusivo:
1-A sentença sob recurso não merece qualquer censura;
2-A recorrente fundamenta o seu recurso na nulidade da sentença por omissão de pronúncia e no erro de julgamento por errada aplicação do direito aos factos. Não Ihe assiste razão;
3-Ao contrário do que a Fazenda Pública alega, não existe nulidade da sentença por omissão de pronúncia. A recorrente, em parte alguma da sua contestação alegou a matéria de facto e de direito que agora pretende tivesse sido decidida. O Tribunal a quo não tinha que “tomar posição” sobre matéria constante de informações oficiais elaboradas pela Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários quando esta matéria não foi alegada na contestação, nem directa, nem indirectamente. A omissão de pronúncia constitui causa de nulidade de sentença nos termos do artigo 125.°, n.° 1 do CPPT, e ocorre somente quando a sentença deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes. O que não sucedeu no caso em apreço;
4-Sob a epígrafe de erro de julgamento por errada aplicação do direito aos factos, pretende a recorrente, na verdade, impugnar a matéria de facto, num recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo que se cinge, exclusivamente, a matéria de direito. Na realidade, a recorrente não alega um erro na aplicação do direito aos factos, mas sim um erro de julgamento da matéria de facto;
5-Mesmo quanto a este último, também não Ihe assiste razão, pois o Tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento;
6-Primeiro: o Tribunal a quo não violou as regras relativas ao ónus da prova. A recorrida alegou, em oposição a execução, que os imóveis objecto de tributação em sede de IMI estavam afectos a missão diplomática, o que, sendo um facto público e notório, foi ademais confirmado pelas Declarações emitidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Tanto os factos alegados pela recorrida como os documentos por esta juntos não foram objecto de impugnação pela recorrente, que os aceitou;
7-Segundo: as declarações juntas a fls. 76 a 89 não foram exaradas por entidade incompetente. A isenção que o artigo 32.° da Convenço de Viena sobre Relações Diplomáticas encerra é uma norma de Direito Internacional Público (que rege as relações entre os Estados). O Direito Fiscal rege as relações jurídicas tributárias. Cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (e não ao Ministério das Finanças) representar o Estado Português nas relações com outros Estados, nomeadamente a ...;
8-A Embaixada ... em Portugal é uma representação, em Portugal, .... O interlocutor com a Embaixada, por Protocolo do Estado, é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, não o Ministério das Finanças, nem a AT e muito menos o 8º. Serviço de Finanças ... que tem instaurado, repetidamente, e sem sucesso, estes processos de execução fiscal, e que, perdendo na primeira instância, protela, numa evidente ma fé incompatível com a actuação da administração pública, o trânsito em julgado da decisão com recursos inúteis para a última instância;
9-O Ministério dos Negócios Estrangeiros é a entidade competente para conhecer da verificação de uma “isenção” prevista em normas de Direito internacional Público (ademais assente no principio da reciprocidade, que é o princípio basilar das relações entre Estados), e da afectação ou não de determinado imóvel a missão diplomática de um outro Estado. Razão pela qual não merece qualquer censura o julgamento do Tribunal a quo sobre a prova documental oferecida pela recorrida, nomeadamente no que diz respeito a utilização e destino dos imóveis objecto da tributaçãoo - que o Ministério dos Negócios Estrangeiros atesta serem, todos eles, “para uso habitacional dos membros da Missão Diplomática Angolana”;
10-A AT é incompetente para conhecer da “isenção do artigo 23° da Convenço de Viena que, erradamente, apelida de isenção de IMI ou isenção fiscal. Esta não é uma isenção fiscal, mas sim uma subtracção, por norma de direito internacional público (de valor supra legal), ao poder tributário do Estado português. A isenção que o artigo 23.° n.° 1 prevê, não é uma isenção tributária, no sentido que Ihe é dado na lei fiscal, e que a AT conhece;
11-O artigo 23 n° 1 da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, vigora na ordem interna (Decreto-Lei nº. 48295), vincula internacionalmente o Estado Português (artigo 8°, n.°2 da Constituição) e prevalece sobre o direito ordinário interno, nomeadamente sobre o Código do IMI ou o artigo 44 do EBF;
12-O que significa que a Embaixada ... em Portugal não é sujeito passivo do imposto que a AT coercivamente exigiu e que cuja inexigibilidade, por ilegalidade se alegou nos presentes autos. Vigorando a mencionada Convenção na ordem jurídica portuguesa, não existe, sequer, norma de incidência tributária. Noutras palavras, a “isenção” prevista no artigo 23, n° 1 da Convenço “isenta” a ... do pagamento do IMI antes mesmo de sobre esta incidir qualquer norma tributária de direito ordinário. Em termos tais que poderia falar-se, em vez de isencão numa subtração ao poder tributário (e, logo, numa expressão que é querida a Fazenda Pública, “ao círculo de competências da AT”);
13-O ordenamento jurídico português é um. Não existe um ordenamento jurídico fiscal, outro Constitucional e um terceiro que é o que decorre dos Tratados Internacionais;
14-Considerando que a Convenção de Viena para Relações Diplomáticas vigora no ordenamento jurídico português (com força supra legal e infra constitucional), a isenção prevista no artigo 23.°, n°1 da Convenção é independente de qualquer reconhecimento pela Administração Fiscal, tratando-se de benefícios não sujeitos a qualquer condicionante e automáticos;
15-Face ao Direito Internacional Convencional não poderá existir norma de incidência tributária tendo por sujeito passivo a ... (ou a sua Embaixada em Portugal) e por objecto os imóveis sua propriedade que sejam locais de missão. A ... não é sujeito passivo de imposto em Portugal!
16-Pelo artigo 8.°, n°2 da Constituição, a vigência do Direito Internacional Convencional na ordem interna está dependente da verificação de duas condições; a publicação no jornal oficial e a regularidade do processo da sua conclusão por Portugal;
17-Da vigência na ordem jurídica portuguesa da Convenção de Viena, da sua adesão pela ..., do valor supra legal (e infra Constitucional) que o Direito Internacional Convencional ocupa na hierarquia das fontes do direito português, deduz-se que qualquer lei ordinária, anterior ou posterior, que contrarie o disposto naquela Convenção é ineficaz. Ineficácia que se traduz na inaplicabilidade, ou seja, na recusa da sua aplicação pelos Tribunais, enquanto a Convenção em causa vincular Portugal;
18-O conceito de isenção consagrado no artigo 23.°, n.°1 da Convenção é o de um privilégio de direito internacional, decorrente da imunidade diplomática. Como tal, impede que se estabeleça uma relação tributária em tudo o que diga respeito às missões diplomáticas. Ou seja, impede a aplicação a estas entidades da lei nacional em matéria de definição e fixação da tributação. A norma contida no artigo 23° n.°1 da Convenção afasta a norma tributária que seria aplicável. Consequentemente, o Estado acreditante não pode ser contribuinte do Estado Português;
19-O que encontra a sua justificação no facto de pagamento de impostos ser um acto de sujeição incompatível com a soberania dos Estados. Tal como é incompatível, quer com o privilégio estabelecido na Convenção, quer com a soberania dos Estados, reconduzir o imperativo convencional a um benefício fiscal, nomeadamente para efeitos do artigo 44°, n°1 alínea a) do EBF. Razão pela qual é também inconstitucional qualquer interpretação do artigo 44 do EBF sempre que o mesmo condicione a plena aplicação do artigo 23°, n°1 da Convenção reconduzindo-o a um benefício fiscal, dependente de um despacho emitido pelo poder tributário do Estado Acreditador e afastando a sua natureza de privilégio de direito internacional;
20-Termos em que deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, confirmando-se a sentença recorrida.
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O S.T.A.-2ª.Secção julgou-se incompetente hierarquicamente para o conhecimento do presente recurso, mais declarando este T.C.A.-Sul competente para o efeito (cfr.acórdão exarado a fls.184 a 198 dos presentes autos).
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.214 e 215 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.111 e 112 dos autos - numeração nossa):
1-Em 23 de Outubro de 2011, o 8º. Serviço de Finanças de ... instaurou, contra a entidade ora oponente, Embaixada ..., o processo de execução fiscal nº...., para cobrança coerciva de dívida proveniente de IMI relativa à 2ª. prestação do ano de 2010, incidente sobre as fracções autónomas “C” a “Q” do artigo matricial nº. 110618-U 1371, da freguesia do ..., correspondente ao prédio sito na Rua ..., nº. 6, em ..., no montante de € 4.702,89 e acrescido (cfr.documentos juntos a fls.1 e 2 do processo de execução fiscal apenso; documentos juntos a fls.36 a 38 dos presentes autos);
2-A entidade ora oponente foi citada da instauração da execução fiscal em 10 de Novembro de 2011 (cfr.documento junto a fls.36 dos presentes autos; informação exarada a fls.54 e 55 dos presentes autos);
3-Em 9 de Dezembro de 2011 foi apresentada, no 8º. Serviço de Finanças de ..., a presente oposição a execução fiscal (cfr.data de entrada aposta a fls.4 dos presentes autos);
4-Por escritura pública lavrada, em 16 de Dezembro de 1988, no 21º. Cartório Notarial de ..., a ... declarou comprar, livres de ónus e encargos, a E... e esposa e a F... e esposa, que declararam vender, 16 fracções autónomas identificadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P” e “Q”, correspondentes ao rés-do-chão, 1º., e 2º. a 8º. andares direitos e esquerdos, perfazendo a totalidade do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., nº.6, freguesia do ..., em ..., referido no nº.1 que antecede, tendo ainda sido declarado que as fracçöes “A” e “B” se destinavam a serviços culturais e administrativos e as demais a habitação de pessoal diplomático (cfr.cópia de escritura de compra e venda junta a fls.15 a 26 dos presentes autos);
5-Em 24 de Setembro de 2013 foram emitidas, pelo Chefe do Protocolo do Estado Português, da Secretaria Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, declarações no sentido da existência de reciprocidade de tratamento, para efeitos do artº.23, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, no que respeita a isenção de IMI sobre imóveis para uso habitacional dos membros da missão diplomática angolana, incidentes sobre as fracções “C” a “Q” (correspondentes à fracção esquerda e à fracção direita sitas do segundo ao oitavo andar) do imóvel identificado no nº.1 que antecede (cfr.documentos juntos a fls.76 a 89 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto assenta na análise dos elementos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, não impugnados, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da ilegalidade abstracta da dívida exequenda, em consequência do que declarou extinta a execução fiscal instaurada contra a entidade opoente.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante aduz, em primeiro lugar, que a sentença recorrida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto, apenas tomou posição quanto à matéria de excepção suscitada pela Fazenda Pública, mais concretamente, o alegado não reconhecimento da isenção questionada ser causa de ilegalidade concreta e não abstracta da liquidação da dívida e só a última ser admitida como fundamento de oposição a execução. Pelo contrário, não examinou a matéria constante de informações oficiais e que está na génese da não aceitação da isenção, para efeitos de I.M.I., dos imóveis que originaram as liquidações que constituem a dívida exequenda, informações estas Iavradas pela Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários a fls.41 a 44 dos autos. Que o Tribunal “a quo” não tomou posição sobre tal argumentação (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Ainda, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da decisão do Tribunal “a quo”, principalmente do seu enquadramento jurídico (cfr.fls.112 a 121 dos autos), deve concluir-se que foram analisadas e decididas as causas de pedir (questões) estruturadas pela entidade recorrida na p.i. do presente processo (cfr.articulado junto a fls.4 a 14 dos autos), tal como a questão relativa ao concreto fundamento da oposição enquadrável no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T., chamada à colação pela ora recorrente na contestação junta a fls.70 e 71 do processo. Por outro lado, a matéria constante da informação junta a fls. fls.41 a 44 dos autos, não foi alegada na contestação (peça somente com quatro artigos), nem directa, nem indirectamente, assim não fazendo parte do objecto do processo, mais não tendo o Tribunal “a quo” obrigação de se pronunciar sobre a mesma, visto não se poder visualizar com uma verdadeira questão.
Atento o acabado de mencionar, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
O recorrente alega, igualmente e em síntese, que os imóveis que subjazem às liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda não prosseguem as finalidades da missão, tal como definidas no artº.3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e, por consequência, não são locais da missão. Que a entidade oponente não logrou produzir prova do direito que se arroga, concretamente, do destino dado aos imóveis. Que o Tribunal “a quo” não considerou as regras do ónus da prova e lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito (cfr.conclusões 4 a 16 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
Defende, antes de mais, o recorrente que o Tribunal “a quo” não considerou as regras do ónus da prova aplicáveis ao caso dos autos.
Ora, a determinação legal do ónus da prova, com uma feição marcadamente objectiva, orienta as partes sobre os factos que devem provar e indica ao decisor qual o sujeito processual que deve ser afectado pela inexistência ou insuficiência da prova. O ónus da prova apenas releva nos casos em que exista uma situação de “non liquet”, de desconhecimento quanto a determinado facto com interesse para a decisão, assim devendo decidir contra a parte onerada com a prova do mesmo (cfr.artº.8, nº.1, do C. Civil; artº.74, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.8415/15; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.445 e seg.).
No caso “sub judice” a entidade opoente pretendeu fazer prova de factualidade enquadrável no fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T., como lhe competia (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.), assim defendendo a ilegalidade abstracta ou absoluta das liquidações que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº...., a qual corre termos no 8º. Serviço de Finanças de ... e de que a presente oposição constitui apenso.
O Tribunal “a quo” deferiu o pedido formulado pela entidade opoente, o que pressupõe que a mesma tenha produzido prova nesse sentido, assim cumprindo o ónus probatório que a onerava.
Em conclusão, não vislumbra este Tribunal qualquer violação, produzida pela decisão recorrida, às identificadas regras do ónus da prova.
Igualmente defende o recorrente que os imóveis que subjazem às liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda não prosseguem as finalidades da missão, tal como definidas no artº.3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e, por consequência, não são locais da missão, sendo que o Tribunal “a quo” lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito.
Em sede de exame do presente vector da apelação deve começar este Tribunal por relembrar que a decisão recorrida enquadrou o fundamento da presente oposição no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T., mais concluindo pela ilegalidade abstracta da dívida exequenda, tudo conforme já aludido supra.
O citado preceito tem a seguinte redacção:

ARTIGO 204.º
(Fundamentos da oposição à execução)

1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;
b) (…)


No artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, primeira parte da norma, é enquadrável qualquer ilegalidade substantiva agravada (absoluta ou abstracta) como é a eventual ilegalidade do diploma criador do tributo que constitui a dívida exequenda. Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, a qual se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação concretamente levada a efeito. Isto é, na ilegalidade abstracta a ilicitude não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação material a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. Por outras palavras, o vício não se refere ao concreto acto de liquidação, mas antes se reportando à ilegalidade da norma em que o mesmo acto tributário se baseia (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.590 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.787; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.67 e seg.).
Concluindo, deve considerar-se que cabem no citado conceito de ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal, tal como normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares (cfr.ac.S.T.A.-Plenário, 7/4/2005, rec.1108/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/4/2012, proc.4796/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.6195/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.443 e seg.).
Por último, sempre se dirá que a inexistência de imposto a que faz menção a norma sob exegese se refere à inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos, a qual, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a aplicação ao caso concreto (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/7/2007, rec.129/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc. 6195/12).
Já a segunda parte da alínea a), do nº.1, deste artº.204, se refere à falta de autorização de cobrança na data em que ocorreu a liquidação, visando concretizar as normas constitucionais que fazem depender a possibilidade de cobrança de receitas de prévia inscrição no Orçamento do Estado (que inclui o orçamento da segurança social) da discriminação das receitas que, anualmente, o Estado está autorizado a cobrar (cfr.artº. 105, da C.R.P.). Assim, a falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição constitui um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo nas leis em vigor, consagrados na primeira parte da mesma norma (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.6195/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.451).
Revertendo ao caso “sub judice”, a isenção de tributação consagrada no artº.23, nº.1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas(1), porque não é uma isenção segundo o conceito tradicional, mas um privilégio de direito internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, enquadra-se no fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T. E recorde-se que nos termos do artº.8, nº.2, da C.R.P., as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo o que seja conflituante com este, motivo por que os Tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/6/2015, rec.187/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/6/2015, rec.464/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7445/14; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.255 e seg.). Nesta vertente deve, portanto, confirmar-se a decisão do Tribunal “a quo”, a qual igualmente enquadrou o fundamento da oposição deduzida pela entidade recorrida no examinado artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T.
Por último, deve este Tribunal examinar se os imóveis que subjazem às liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda não prosseguem as finalidades da missão, tal como definidas no artº.3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e, por consequência, não são locais da missão, conforme defende o recorrente, tudo levando em consideração a factualidade provada.
A citada Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18 de Abril de 1961 e que entrou em vigor a 24 de Abril de 1964, nos termos do seu artº.51, é um tratado internacional que regula os direitos e deveres dos Estados na condução das relações diplomáticas entre si e o regime das missões diplomáticas, tendo sido aprovada pelo Estado Português através do dec.lei 48295, de 27/03/1968, e pela ... através da resolução nº.3/91 da Assembleia ... (actual Assembleia Nacional ...), de 16/3/1991.
A expressão missão diplomática designa o conjunto de pessoas nomeadas por um Estado (Estado acreditante) para exercer, sob a autoridade de um chefe de missão, funções de caráter diplomático no território de um Estado estrangeiro (Estado acreditado ou receptor), mas na prática significa o local onde as pessoas designadas pelo Estado acreditante trabalham. De harmonia com o artº.3, da Convenção, as funções de uma missão diplomática consistem, entre outras, em representar o Estado acreditante perante o Estado acreditado ou receptor. Por sua vez, nos termos do artº.1, al.i), da Convenção, os "locais da missão" são “os edifícios, ou parte dos edifícios, e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão inclusive a residência do Chefe da Missão” (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7445/14).
O fundamento dos privilégios e imunidades das representações diplomáticas em determinado Estado receptor estão relacionados com um duplo aspecto, por um lado a representação diplomática, isto é, a imunidade soberana (imunidade “ratione materiae”) ligada aos actos oficiais dos Estados estrangeiros e, por outro, com os elementos mais vastos e sobrejacentes, todavia mais condicionantes, dos privilégios e imunidades “funcionais” do pessoal diplomático e das instalações (cfr.Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.369 e seg.).
A Convenção consagra, além do mais, privilégios e imunidades. Importa precisar os conceitos de privilégio e imunidade. A imunidade diplomática traduz o conjunto de prerrogativas reconhecidas pelo Direito Internacional costumeiro e pela cortesia internacional (“comitas gentium”), concedidas aos agentes diplomáticos, na base da reciprocidade e no interesse mútuo dos Estados, que permitem o exercício completo e cabal das suas missões. Já o privilégio significa atribuir aos diplomatas e aos locais de missão um regime jurídico de excepção, isentando-os da aplicabilidade de normas ou regimes jurídicos ou concedendo-lhes vantagens que, por regra, não são concedidos aos nacionais.
Quer as imunidades, quer os privilégios, subtraem os diplomatas e os locais de missão à autoridade e à competência jurisdicional do Estado acreditado. Por isso nem sempre é fácil estabelecer a linha de fronteira entre uns e outros, considerando-se, regra geral, que a imunidade impede a sujeição a uma norma de direito interno, enquanto o privilégio determina a substituição da lei geral por uma regra especial de direito interno.
Tanto o Estado acreditante, como o Chefe da Missão estão isentos de todos os impostos e taxas, nacionais, regionais ou municipais, sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, exceptuados os que representem o pagamento de serviços específicos que lhes sejam prestados, portanto os impostos indirectos (cfr.artº.23, nº.1, da Convenção; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7445/14; Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.380).
Esta imunidade que se consubstancia na isenção de todos os impostos e taxas incidentes sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, igualmente é extensiva ao pessoal administrativo e técnico da missão, nos termos do artº.37, nº.2, da Convenção (cfr.Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.381).
“In casu”, do exame da factualidade provada, decorre o supra citado entendimento de que a isenção/imunidade previstas nos citados artºs.23 e 37, da Convenção, consubstancia a aplicação de norma convencional internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, nos termos do artº.8, nº.2, da C.R.P. Aliás, este entendimento encontra-se vertido em declarações emitidas pelo Estado Português, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros e com base no princípio da reciprocidade de tratamento, incidentes sobre os imóveis para uso habitacional dos membros da missão diplomática ... (cfr.nº.5 do probatório).
Concluindo, está demonstrada a ilegalidade absoluta ou abstracta das liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº...., fundamento de oposição enquadrável no examinado artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 9 de Março de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)


(1) Celebrada em 18/04/1961, em vigor desde 24 de Abril de 1964, nos termos do seu artº.51, e aprovada para adesão por Portugal pelo dec.lei 48295, de 27/03/1968).