Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12281/15
Secção: CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/12/2015
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:PRESCRIÇÃO – ARTIGO 498º, DO CÓDIGO CIVIL – NOVOS DANOS
Sumário:
I - Como decorre do art. 498º n.º 1, do Código Civil, o prazo de prescrição de 3 anos começa a correr mesmo com desconhecimento da extensão integral dos danos.

II - O recorrente não tem razão quando defende que os sofrimentos por si suportados não se prolongam ininterruptamente no tempo, cessando num determinado momento, maxime quando adormece, dando posteriormente lugar a novos estados de sofrimento, o que levaria ao surgimento de novo prazo de prescrição, pois estão em causa danos que não têm autonomia, dado que têm idêntica natureza, isto é, trata-se de um só dano que se vai prolongando e manifestando no tempo – eventualmente com agravamento –, apenas se ignorando a sua extensão e evolução, e não de novos danos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
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I - RELATÓRIO
Jorge ……………………………………… intentou no TAC de Lisboa acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Estado Português, na qual peticionou a condenação deste a pagar-lhe a importância de € 24 848,35 (correspondente ao prejuízo no valor de € 8 964,42 e aos respectivos juros vencidos que, em 20.4.2013, ascendem a € 15 883,93), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos, desde 20.4.2013, e vincendos, até integral pagamento, à taxa legal supletiva, e a quantia de € 20 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Por decisão de 14 de Maio de 2014 do referido tribunal foi considerada verificada a excepção de prescrição e, em consequência, foi o réu absolvido do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:


1.ª
A d. Sentença recorrida enferma de violação da norma do n.º l do art. 498.º do Código Civil, equiparando, indiscriminadamente, os conceitos de «dano» e de «extensão integral dos danos» emergentes do facto/omissão ilícito(a), conceitos estes que são perfeitamente distintos entre si, reportando-se o conceito de dano ao mal, ao prejuízo, à ofensa moral ou material causada por alguém aos bens ou interesses legalmente protegidos de outrem, ao passo que o conceito de extensão integral dos danos diz respeito à concreta medida, à concreta dimensão daquele mal.
Consequentemente,

2.ª

Se o decurso do prazo de prescrição previsto no n.º 1 do art. 498.º do Código Civil pode prescindir da determinação da extensão integral dos danos causados pelo lesante ao lesado, v.g. da sua integral quantificação pecuniária, já não pode prescindir da determinação qualitativa e quantitativa de cada um dos danos emergentes do facto ilícito, uma vez que, tendo a responsabilidade civil por função e por objectivo a reparação das ofensas infligidas pelo lesante aos bens ou aos interesses do lesado tutelados pela ordem jurídica, há lugar à contagem de um prazo prescricional relativamente à responsabilidade civil emergente de cada um dos danos autónomos sofridos pelo lesado.

3.ª

A violação, pela 7.ª Vara Cível de Lisboa e pelo Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, dos seus deveres de notificação do Recorrente causou a este danos patrimoniais e também danos não patrimoniais, v.g. angústias, estados de ansiedade, cefaleias e insónias que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1 do Código Civil), danos não patrimoniais estes que consistem em vários e distintos sofrimentos suportados pelo Recorrente em consequência da privação dos benefícios económicos que decorreriam da procedência do processo n.º 15G/1998.

4.ª

Embora não se esgotando num único momento e prolongando-se por um determinado período de tempo, cada um dos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente não se prolongam ininterruptamente no tempo, cessando num determinado momento (v.g. nos períodos em que o Recorrente, em estado de exaustão total, adormece e, mesmo sem conseguir manter um sono profundo e constante durante algumas horas, perde momentaneamente a consciência da causa dos seus sofrimentos), dando posteriormente lugar a novos estados de angústia e sofrimento.

5.ª

A violação, pela 7.ª Vara Cível de Lisboa e pelo Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, dos seus deveres de notificação do Recorrente são para este uma fonte de danos que, embora não se prolongando ininterruptamente no tempo, continuamente se renovam em distintos e autónomos estados de angústia, ansiedade, cefaleias e insónias, pelo que a correcta decisão sobre a procedência da invocada excepção de prescrição não pode prescindir do apuramento, por um lado, dos sofrimentos sobre cuja cessação já decorreu o prazo prescricional, e, por outro lado, os sofrimentos sobre cuja cessação ainda não decorreu o mesmo prazo prescricional, apuramento esse que apenas poderá ser efectuado mediante a realização de audiência de julgamento e com base na prova aí produzida.

6.ª

O entendimento sufragado na d. Sentença recorrida, conduzindo à admissão da prescrição da responsabilidade civil relativamente a danos que, sendo emergentes de omissões ocorridas há mais de 3 anos, todavia ainda não se consumaram, incorre também em violação da norma do n.º 1 do art. 483.º do Código Civil, já que, de acordo com a correcta interpretação daquela mesma norma, a finalidade e a função da responsabilidade civil consiste na reparação dos danos causados ao lesado, os quais, sendo um dos pressupostos daquela mesma responsabilidade, têm de se encontrar já consumados (ainda que não seja conhecida a integralidade da sua extensão), para que o lesado possa instaurar a competente acção judicial indemnizatória.

Termos em que, por estar em tempo e ter legitimidade, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, proferindo-se douto Acórdão que, revogando a d. Sentença recorrida, declare a improcedência da excepção de prescrição, determinando-se, consequentemente, o prosseguimento dos autos para julgamento”.


II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos (que vão por nós numerados):
1) Em 10.1.1997, o ora Autor interpôs contra ………… SA acção de condenação, que correu termos na 1ª secção da 7ª Vara Cível de Lisboa;
2) No Processo de Falência n° 15/98, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, foi declarada a falência de ………… SA e proferido despacho a determinar a apensação aos autos do processo supra identificado;
3) O Autor não foi pessoalmente notificado de despacho de apensação supra e da remessa dos autos para o Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António;
4) O Autor não foi pessoalmente notificado das duas datas designadas para audiência de julgamento no processo 15G/98;
5) O Mandatário do ora Autor, notificado dos despachos referidos, faltou às audiências agendadas;
6) Por sentença proferida em 26.9.2007, o Tribunal de Círculo Judicial de Faro julgou improcedente o pedido deduzido pelo ora Autor contra a ………….;
7) Por carta datada de 7.2.2008, o ora Autor foi notificado para efectuar o pagamento da conta de custas da sua responsabilidade;
8) Em 26.4.2013, o Autor interpôs a presente acção contra o Réu Estado.
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Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.


Na contestação o Estado Português invocou a excepção de prescrição, a qual foi julgada procedente na decisão recorrida – que, em consequência, absolveu o ora recorrido do pedido -, com base no seguinte raciocínio:
Nos termos do art 498º nº 1 do C Civ, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.

In casu, o Autor reclama do Réu o pagamento de indemnização pelos danos causados com a omissão da notificação pessoal do Autor de diversos actos processuais em acção por si intentada na 7ª Vara Cível de Lisboa, posteriormente apensada ao processo de falência nº 15/98, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, que determinaram a improcedência da acção condenatória por si interposta e ter perdido a possibilidade de obter o reconhecimento judicial do direito nela deduzido, causando-lhe grande ansiedade.

(…)

Resulta, por conseguinte, inequívoco da factualidade assente que o Autor tinha conhecimento da omissão das notificações dos despachos enunciados na sua pessoa (facto alegadamente determinante da ausência de produção de prova e da subsequente improcedência da acção, gerador dos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados), pelo menos desde Fevereiro de 2008, aquando da notificação pessoal do Autor para proceder ao pagamento da conta do processo n° 15G/98, a correr termos no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António.

Donde, não tendo sido invocada nem demonstrada qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição, impõe-se concluir que a presente acção entrada em juízo em 26.4.2013 foi interposta após o decurso do prazo fixado no art art 498 nº 1 do C Civ, atenta a data em que o Autor tomou conhecimento do direito que lhe competia em Fevereiro de 2008, ainda que com eventual desconhecimento da extensão integral dos danos, alguns dos quais alegadamente ainda perduram.

A tese sufragada pelo Autor de que o início do prazo para interposição da acção apenas se inicia com a consumação integral do dano é claramente improcedente, desde logo, por contender com a letra do art 498 n°1 in fine do C Civ, no qual se define explicitamente que a contagem do prazo se inicia a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos.

Consequentemente, tudo visto e ponderado, impõe-se concluir pela procedência da excepção invocada de prescrição do direito indemnizatório reclamado.”.

O recorrente defende que ainda não decorreu o prazo de prescrição previsto no art. 498º n.º 1, do Código Civil, relativamente a parte dos danos não patrimoniais – sofrimentos, concretamente angústias, estados de ansiedade, cefaleias e insónias -, já que tais danos não se prolongam ininterruptamente no tempo, pois cessam num determinado momento, maxime quando adormece, dando posteriormente lugar a novos estados de sofrimento (angústia, ansiedade, cefaleias e insónias).

Conclui, assim, que a correcta decisão sobre a procedência da invocada excepção de prescrição não pode prescindir do apuramento, por um lado, dos sofrimentos sobre cuja cessação já decorreu o prazo prescricional, e, por outro lado, dos sofrimentos sobre cuja cessação ainda não decorreu o mesmo prazo prescricional, apuramento esse que apenas poderá ser efectuado mediante a realização de audiência de julgamento e com base na prova aí produzida.

Apreciando.

Não existe discussão relativamente ao prazo de prescrição aplicável ao caso em apreciação (o mesmo é de 3 anos, encontrando-se previsto no art. 498º n.º 1, do Código Civil), nem de que tal prazo de prescrição já transcorreu relativamente aos danos patrimoniais e a parte dos danos não patrimoniais alegados – pois localiza-se em Fevereiro de 2008 o termo inicial da contagem do prazo de prescrição -, estando apenas em discussão neste recurso jurisdicional saber se tal prazo já decorreu quanto à integralidade dos danos não patrimoniais alegados.

Determina o art. 498º n.º 1, do Código Civil, o seguinte:
O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.

Este normativo legal encerra dois prazos de prescrição do direito de indemnização: o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309º, do Código Civil, e que se começa “a contar do facto danoso”, e um prazo especial mais curto de 3 anos que começa a contar-se desde que o lesado tenha conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil.

Efectivamente, importa reter que a prescrição é uma forma de extinção de um direito pelo seu não exercício por um dado lapso de tempo fixado na lei, ou seja, assenta na necessidade de pôr termo à incerteza dos direitos e na presunção de abandono do titular. O seu objectivo é dar por extinto um direito que, ao não ser exercido no prazo fixado, se presume ter sido abandonado pelo titular, relevando a negligência real ou presumida do mesmo.

Como decorre também do referido normativo legal (art. 498º n.º 1), o prazo de prescrição de 3 anos começa a correr mesmo com desconhecimento da extensão integral dos danos, ou seja, o lesado não tem que conhecer a extensão integral dos danos para que o prazo da prescrição comece a correr.

Tal solução legal tem como objectivo possibilitar que a propositura das acções deste género se aproxime o mais possível da data da prática do facto lesivo, pois “os elementos da responsabilidade civil, e, sobretudo, o dano, têm, em regra, de ser provados com testemunhas e, passado longo tempo sobre o facto ilícito, pode ser muito mais difícil apurar devidamente os factos” (cfr. Vaz Serra, Exposição de Motivos, Boletim do Ministério da Justiça, nº 87).

Como se explica no Ac. do STJ de 22.9.2009, proc. n.º 180/2002.S2:
(…) como a própria lei consagra, o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, mas é necessário que tenha conhecimento do dano e, apesar disso, não tenha agido judicialmente, reclamando o reconhecimento e efectivação da indemnização. Se e enquanto não tiver conhecimento do dano o prazo de prescrição é o ordinário, só se iniciando o prazo trienal a partir do momento desse conhecimento.
(…)
Daí decorre que, a partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado dispõe do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respectiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento no triénio anterior.
(…)
Convergentemente, como se fez notar no acórdão impugnado, se a lei tornou o início do prazo independente do conhecimento da extensão integral dos danos, tendo em consideração a possibilidade de o lesado formular um pedido genérico de indemnização, tal pressuporá a verificação dos inerentes pressupostos, vale dizer, que não podendo ainda as consequências – dano e sua extensão total - do facto ilícito danoso ser determinadas de modo definitivo, há-de estar-se perante uma situação em que se perfilem danos futuros previsíveis (arts. 471º-1-b), 564º-2, 565º e 569º C. Civil).
Haverá, na verdade, que distinguir entre o agravamento previsível, a estabilização da extensão de um dano verificado e a ulterior verificação de novos danos previsíveis, por um lado, e os danos novos não previsíveis, por outro lado:
Na primeira hipótese estar-se á perante um caso de formulação de pedido genérico, a concretizar por meio de liquidação, em que é conhecido o dano, apenas se ignorando a sua extensão e evolução, justificando-se a prescrição de caso curto que tem como ratio a intenção do legislador “de aproximar, quanto possível, a data da apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos se verificara” (A. Varela, ob. cit., 650); Na segunda, porém, ocorrem novos factos constitutivos ou modificativos do direito a alegar e provar pelo autor, que escapam ao âmbito da liquidação (salvo havendo acção pendente e possibilidade de oferecimento de articulado superveniente – art. 506º CPC), incidente que pressupõe que os danos tenham ocorrido, embora não estejam, concretamente determinados (art. 661º-2).
Acolá, na primeira hipótese colocada, estaremos perante um único dano que se vai prolongando e manifestando no tempo, eventualmente com agravamento, cuja extensão, apesar de desconhecida, “pode ser prevista com razoáveis probabilidades, podendo, por isso, o tribunal fixar uma indemnização que abranja, também com razoáveis probabilidades, também o dano futuro”; o prazo prescricional curto inicia-se e corre, mesmo que o dano se não tenha “ainda consumado por completo”, pois que o lesado pode determinar, com probabilidade razoável, o dano total.” (sublinhados e sombreados nossos).

E no Ac. do STA de 4.12.2012, proc. n.º 1203/02:
6 – Referem os Autores, por último, que não ocorreu a prescrição em relação aos danos ocorridos nos anos mais recentes.
Como refere o Prof. ANTUNES VARELA, reportando-se ao art. 498.º, do Código Civil, «a solução estabelecida não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária não se tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores» (Das Obrigações em Geral, volume I, 6.ª edição, página 598.).
Esta possibilidade justifica-se por, relativamente a esses danos, só posteriormente o lesado conhecer a sua existência, pelo que só então ficará em condições de exercer o direito de indemnização correspondente. (Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 19-3-1998, proferido no recurso n.º 41682, publicado em Apêndice ao Diário da República de 17-12-2001, página 2188.)
No entanto, se os danos são uma mera consequência ou desenvolvimento normal dos danos iniciais, eles podem ser invocados desde início, pois o n.º 1 do art. 498.º permite o exercício do direito independentemente do conhecimento da extensão integral dos danos.
Por isso, «os danos têm de apresentar novidade no sentido de não serem a consequência ou o desenvolvimento normal e objectivamente previsível da lesão inicial. Tem de ser uma outra consequência do acto lesivo não conhecida nem cognoscível para o homem médio suposto pela ordem jurídica (segundo um critério de razoabilidade), não a simples extensão das consequências lesivas já conhecidas inerente à sua natureza duradoura», pois, «a lei tornou o início do prazo de prescrição independente do conhecimento da extensão integral dos danos, equilibrando a situação do lesado com a possibilidade de formulação de pedidos genéricos». (Acórdão citado.)” (sublinhados nossos).

Do exposto resulta que o termo inicial da contagem do prazo de prescrição coincide com a constatação por parte do lesado da ocorrência de um dano que proveio da prática de um facto ilícito e culposo e o legislador, ao referir que tal conhecimento é independente da extensão integral dos danos, impede que o momento inicial de contagem do prazo prescricional fique acorrentado à ocorrência de danos sucessivos ou duradouros.

Acresce que a conduta lesiva, mesmo sendo de natureza continuada, não é susceptível de afectar o momento inicial de contagem do prazo de prescrição - seja de modo a deferir o seu início para o momento de cessação da conduta danosa, seja de modo a gerar o contínuo surgir de novos prazos de prescrição relativos a cada dano instantâneo -, desde que o dano, que também se prolonga no tempo, se traduza num mero agravamento quantitativo ou qualitativo de danos iniciais, pois isso tem apenas a ver com a “extensão integral dos danos”, cujo desconhecimento não interfere no decurso do prazo prescricional – neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 24.4.2002, proc. n.º 47368, 4.12.2002, proc. n.º 1203/02, 6.7.2004, proc. n.º 597/04, 1.6.2006, proc. n.º 257/06, 8.1.2009, proc. n.º 604/08, e 9.6.2011, proc. n.º 410/11, Ac. do TCA Sul de 7.3.2013, proc. n.º 9449/12, e Acs. do TCA Norte de 25.10.2007, proc. n.º 834/06.2 BEPNF, 20.1.2012, proc. n.º 699/08 BEPNF, 3.5.2013, proc. n.º 905/12.6 BEPRT, e 19.6.2015, proc. n.º 436/09.1 BEMDL.

De todo o modo, cumpre salientar que a lei equilibra a situação do lesado com a possibilidade de formulação de pedidos genéricos e a sua posterior determinação por meio de incidente de liquidação (cfr. art. 556º n.ºs 1, al. b), e 2, do CPC de 2013), ou seja, ainda que o lesado desconheça, no momento da propositura da acção, a integralidade dos danos sofridos, tal não diminui a possibilidade de vir a ser ressarcido por todos eles.

Retomando o caso vertente, verifica-se que na petição inicial e na réplica o recorrente alegou que a omissão de notificação na sua pessoa de diversos despachos determinou a ausência de produção de prova dos factos constitutivos e a subsequente improcedência da acção (15G/98), o que lhe causa profunda e constante ansiedade, angústia e preocupações, bem como insónias, que necessariamente se agravarão.

Ora, nestes danos não patrimoniais temos danos iniciais (ansiedade, angústia, preocupações e insónias) - de que o recorrente tem conhecimento desde Fevereiro de 2008 -, os quais se prolongam no tempo (pois é invocado que tais danos são constantes) e que de modo algum se configuram como danos novos, pois têm idêntica natureza, isto é, são o desenvolvimento normal dos danos iniciais. Assim, esses danos iniciais eram aptos a gerar o conhecimento do direito à indemnização, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos.

Defende o recorrente em sede recursiva que os sofrimentos (angústias, estados de ansiedade, cefaleias e insónias) por si suportados não se prolongam ininterruptamente no tempo, pois cessam num determinado momento, maxime quando adormece, dando posteriormente lugar a novos estados de sofrimento, o que leva ao surgimento de novo prazo de prescrição, mas sem razão.


Com efeito, tratam-se de danos que não têm autonomia, pois têm idêntica natureza, isto é, trata-se de um só dano que se vai prolongando e manifestando no tempo – eventualmente com agravamento –, apenas se ignorando a sua extensão e evolução, e não de novos danos.

E esses danos avolumar-se-ão com o decorrer do tempo, mas isso tem apenas a ver com a extensão integral dos danos, cujo desconhecimento não interfere no decurso do prazo prescricional, isto é, não dá início a novo prazo prescricional de 3 anos, dado que o legislador não exige para efeitos do início do curso do prazo de prescrição que o lesado conheça a extensão dos danos (cfr. art. 498º n.º 1, do Código Civil).

Assim, o prazo de prescrição do direito de indemnização, de 3 anos, não pode neste caso concreto deixar de ser um só, tendo como início de contagem Fevereiro de 2008, pelo que a sentença recorrida ao julgar procedente a excepção de prescrição do direito de indemnização do recorrente, quanto a todos os danos não patrimoniais, aplicou de forma correcta e pertinente o direito aos factos.

Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não enferma de erro de julgamento – não violando os arts. 483º n.º 1 e 498º n.º 1, ambos do Código Civil -, razão pela qual deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.

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Uma vez que o recorrente ficou vencido, deverá suportar as custas (art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido, na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul o seguinte:

I – Negar total provimento ao presente recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

II – Condenar o recorrente nas custas relativas ao presente recurso jurisdicional, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

III – Registe e notifique.

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Lisboa, 12 de Novembro de 2015

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(Catarina Jarmela - relatora)

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(Conceição Silvestre)

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(Cristina dos Santos)