Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:938/17.6BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:03/21/2019
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:INCOMPETÊNCIA MATERIAL DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
OPORTUNIDADE DO SEU CONHECIMENTO ALÉM DO SANEADOR
DECISÃO SUPRESA
CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS AVOGADOS E SOLICITADORES
Sumário:I– O presente litígio é relativo a uma “questão fiscal”, na tese ampliativa defendida pela jurisprudência, segunda a qual questões fiscais são as que exigem a interpretação e aplicação de quaisquer normas de Direito Fiscal substantivo ou adjectivo para a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública.

II- Envolvendo a presente acção directamente a interpretação e aplicação de disposições de direito parafiscal, ou que se situem no campo da actividade tributária, a acção tem por objecto um ato tributário ou o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria fiscal.

III- Donde que estamos perante uma decorrência de relação jurídica fiscal visto estar em discussão a legalidade da interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situa no campo da actividade tributária, impondo-se neste âmbito a revogação do julgado aqui sindicado que declarou serem competentes os tribunais administrativos.

IV- Sendo a competência material do tribunal tributário e sendo aplicável o disposto no art. 149.° do CPTA, revogada a decisão, o uso deste poder processual, pelo TCA, previsto no n.° 2 do art. 149.°, n°2 do CPTA.

V- É que, sendo o recurso decidido no que à questão da competência material se refere, com base nos factos alegados e provados, factos esses de que as partes tiveram conhecimento e contra os quais poderiam esgrimir os argumentos que entendessem convenientes, na altura própria, a decisão tomada no acórdão em nada afectará quer a pretensão deduzida, quer a defesa, estando a audição das partes será dispensada nos termos do artigo 3º nº. 3 pois é um caso de manifesta desnecessidade e em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências, o que sucedeu precisamente no caso concreto.

VI- Limitando-se o Mmº Juiz “a quo” a fazer uma declaração genérica sobre as questões prévias ou excepções (tabelar) sem efectuar uma apreciação concreta, o despacho saneador, não constitui nessa parte caso julgado formal, nada obstando à sua apreciação em momento subsequente, ou seja, não está precludida a possibilidade de apreciar tais questões.

VII- No âmbito da acção administrativa especial em que nos encontramos, o nº 2 do artº 87º (correspondente ao actual 88º) do CPTA impõe a concentração na fase do despacho saneador da apreciação de quaisquer questões que obstem ao conhecimento do processo, não só proibindo que sejam suscitadas e decididas em momento posterior do processo quaisquer outras questões ou excepções dilatórias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, como impedindo que as questões já decididas nesse despacho venham a ser reapreciadas com base em novos elementos. Não obstante, a segunda parte do nº 2 consagra a solução que constava do artigo 510.°, n°3, do CPC (nesse sentido, aponta agora o nº 2 do artº 97º do CPC a contrario), que confere ao despacho saneador a força de caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.

VIII- Esta solução processual insere-se num princípio de promoção do acesso à justiça, visando evitar que o tribunal relegue para final a apreciação das questões prévias para só então pôr termo ao processo com uma decisão de mera forma e, por outro lado, que o processado seja utilizado a todo o tempo para suscitar questões formais, com consequências negativas no plano da economia e celeridade processual.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 - RELATÓRIO

Ana .................................., Autora melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença que julgou parcialmente procedente a presente acção administrativa especial que intentou contra a Direcção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), visando impugnar a Deliberação da de 15 de Setembro de 2017, que indeferiu o pedido de reconhecimento da isenção da obrigação de contribuir para a CPAS, vêm interpor recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:

“1 - O novo RCPAS não prevê normas de isenção temporária do pagamento de contribuições nas situações em que os beneficiários não obtenham rendimentos, designadamente por se encontrarem impossibilitados de exercer a sua actividade, ou obtenham baixos rendimentos.
2 - Tal situação configura uma lacuna daquele Regulamento.
3 – Por ser uma cidadã Portuguesa, como todos os outros cidadãos nacionais, a Recorrente goza dos direitos e garantias individuais constantes na Constituição da República Portuguesa.
4 – A Recorrente goza ainda dos direitos constantes da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
5 - A Recorrente é igual aos demais cidadãos perante a Lei, tem a mesma dignidade social e não pode ser prejudicada ou privada de qualquer direito constitucionalmente consagrado em virtude da profissão que exerce.
6 - Enquanto cidadã portuguesa a Recorrente goza do direito à Segurança social e solidariedade previsto no art. 63º da Constituição da República Portuguesa.
7 – A Recorrente tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade, direito este previsto no art. 25º, Nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
8 – A Recorrente é Advogada e encontra-se obrigatoriamente inscrita na CPAS por força do disposto no art. 29º, Nº 1 do Regulamento da CPAS.
9 - Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, de acordo com o preceituado no art. 18º, Nº 1 da Constituição da República.
10 - A CPAS uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa, e que visa fins de previdência e de proteção social dos advogados e dos associados da Câmara dos Solicitadores, pelo que é sobre esta instituição que recai o dever de assegurar à aqui Recorrente o gozo do direito à Segurança social e solidariedade previsto no art. 63º da CRP e no art. 25º, Nº 1 da DUDH.
11 - O Regulamento da CPAS é omisso quanto à matéria da isenção temporária do pagamento de contribuições nas situações em que os beneficiários não obtenham rendimentos, designadamente por se encontrarem impossibilitados de exercer a sua actividade, ou obtenham baixos rendimentos, pelo que há que aplicar subsidiariamente o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS.
12 - O Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social é aplicável subsidiariamente aos advogados e solicitadores, quer por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS que remete os casos omissos para o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, quer por força do disposto no art. 2º do próprio Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social.
13 - O artigo 139.º do Código Contributivo exclui do âmbito pessoal do regime dos trabalhadores independentes, os advogados, mas tal apenas significa que estes não são obrigados a inscreverem-se no regime geral da segurança social, tratando-se apenas de uma exclusão subjetiva, que não exclui a aplicação de normas deste Código à relação jurídica tida para com a CPAS, designadamente quando a questão se mostre lacunar na regulamentação especifica da CPAS e desde que possa ser aplicável com as necessárias adaptações.
14 - O diploma preambular que aprova o Código Contributivo, prevê no seu artigo 2.º (Lei n.º 110/2009) que o disposto no Código é aplicável, com as necessárias adaptações, às instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 549/77, de 31 de Dezembro.
15 - Sendo a CPAS uma instituição de previdência criada antes do DL nº 549/77, de 31/12, nos termos do disposto no artº 106º, da Lei de Bases da Segurança Social (LBSS), a mesma mantém-se autónoma, com o seu regime jurídico e forma de gestão próprios, só ficando sujeita à referida Lei de Bases e legislação dela decorrente, como é o caso do Código Contributivo, com as devidas adaptações, se o regime jurídico da CPAS tiver lacunas, já que aquele tem aplicação meramente subsidiária.
16 - A Recorrente direito a que lhe sejam aplicadas subsidiariamente as normas constantes no art. 159º, Nº 1 al d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social e art. 157º, Nº 1, al. d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social.
17 - A recorrente direito a que lhe seja reconhecida a inexistência da obrigação contributiva para com a CPAS nos períodos em que teve Incapacidade Absoluta para o Trabalho, bem como tem direito a que lhe seja reconhecida a isenção da obrigação de contribuir quando se tenha verificado a obrigação do pagamento de contribuições pelo período de um ano resultante de rendimento relevante igual ou inferior a seis vezes o valor do IAS.
18 - A mui douta sentença da qual se recorre é violadora dos artigos 12º, 13º, 18º e 63º da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 1º, 2º, 22º e 25º da Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10-12-1948, do artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS, do art. 2º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, do art. 159º, Nº 1 al d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, do art. 157º, Nº 1, al. d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social bem como viola o constante no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 08/05/2015, no âmbito do Processo Nº 00045/13.0BEPRT.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs deve o presente Recurso ser considerado procedente e em consequência deve ser revogada a decisão da qual se recorre e substituída por outra que condene a Recorrida a reconhecer à Recorrente a inexistência da obrigação contributiva para com a CPAS nos períodos em que teve Incapacidade Absoluta para o Trabalho, bem como reconheça a isenção da obrigação de contribuir por parte da Recorrente para com a CPAS quando se tenha verificado a obrigação do pagamento de contribuições pelo período de um ano resultante de rendimento relevante igual ou inferior a seis vezes o valor do IAS, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!”
Foram apresentadas contra-alegações que terminam com a formulação das seguintes conclusões:

“1.ª No caso “sub judice”, o RCPAS não tem qualquer lacuna que necessite de ser integrada com recurso às normas do Código Contributivo invocadas pela Recorrente;
2ª De facto, se a Recorrente esteve impossibilitada de trabalhar por longos períodos, por lhe ter sido atribuída Incapacidade Absoluta para o Trabalho, deveria ter suspendido ou cancelado a sua inscrição na Ordem dos Advogados ficando, dessa forma, automaticamente “isenta” de pagar as contribuições para a CPAS (cfr art.º 32.º, 34.º do RCPAS).
3ª Pois, suspendendo ou cancelando a sua inscrição na Ordem dos Advogados, ficaria com a inscrição na CPAS igualmente suspensa ou cancelada (art.º 33.º e 34.º do RCPAS).
4ª Não se verifica, assim, qualquer lacuna no RCPAS que seja necessário integrar, uma vez que o RCPAS contém todas as normas aplicáveis ao caso dos autos e, por isso, não há que aplicar subsidiariamente o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social.
5ª Mas, além disso, o regime previsto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, nomeadamente o regime dos trabalhadores independentes, está expressamente excluído da situação dos advogados que «em função do exercício da sua actividade profissional, estejam integrados obrigatoriamente no âmbito pessoal da sua Caixa de Previdência…» (cfr. art.º 139.º, n.º 1, al. a) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social).
6ª E isto mesmo foi confirmado pelo Acórdão do STA de 28 de Janeiro de 2016 (Rec. N.º 906/15 - 1.ª Secção, Acórdão que revogou o proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte invocado pela Recorrente nas suas Alegações de recurso (Proc. n.º 00045/13.0BEPRTdo TCA Norte).
7ª Mas, além disso, é de salientar que o próprio Regulamento da CPAS em causa no recurso do TCA Norte invocado pela Recorrente (Proc. n.º 00045/13.0BEPRT), nas suas Alegações de recurso, não é o mesmo que vigora actualmente.
8ª De facto, o RCPAS em causa no âmbito do processo n.º 00045/2013.0BEPRT era o Regulamento aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27/04 e alterado pelas Portarias n.º 623/88, de 8/09 e n.º 884/94, de 1/10, enquanto o Regulamento em causa na presente acção é o RCPAS aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 29/06, que entrou em vigor a 1 de Julho de 2015.
9ª Ora o actual RCPAS, no que respeita à matéria em discussão nos presentes autos é exaustivo e, por isso, não sofre da lacuna apontada pela Recorrente.
10ª Razão pela qual não se torna necessário recorrer às normas constantes dos art.ºs 157.º, n.º 1 al. d) e art.º 159.º, n.º 1 al. d) do Código Contributivo.
11ª Assim, a sentença recorrida, não tendo violado qualquer das normas apontadas pela Recorrente, deve ser confirmada.
Nestes termos, deve o recurso interpostos pela Recorrente ser julgado improcedente, por não provado, e a sentença recorrida ser confirmada.
Em consequência, deve a presente acção administrativa ser julgada improcedente e a deliberação da Direcção da CPAS, de 15 de Setembro de 2017, constante da Acta n.º …/2017, impugnada na presente acção, ser confirmada por não enfermar de qualquer vício.”

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, silenciou.

Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.

*
2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1. - Dos Factos:

Na sentença recorrida e com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos aos autos, identificados nas alíneas infra, que deu por integralmente reproduzidos, julgaram-se provados os seguintes factos:
A) A Autora é advogada e encontra-se inscrita na Ordem dos Advogados desde 15 de Dezembro de 1997 (documento de fls. 2, do Processo Individual da Autora - cópia certificada remetida com Contestação - fls. 292, e seguintes - data de registo: 27-03- 2018 ..:..:..).
B) Em 16 de Agosto de 2017, a Autora apresentou junto dos serviços da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), requerimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual invoca a prescrição relativamente às contribuições de Abril de 2011 a Julho de 2012, e respectivos juros de mora, no valor global de €5.003,45 (€3.957,60, de contribuições, e 1.045,85, de juros de mora), e solicita que lhe seja concedida isenção de pagamento de contribuições para a CPAS nos seguintes termos:
“2 - DA INEXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO DE CONTRIBUIR PARA A CPAS:
(…)
16º
O art. 159º, Nº 1 al d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS prevê que não existe obrigação contributiva do trabalhador independente quando: d) Se verifique situação de incapacidade temporária para o trabalho, independentemente de haver, ou não, direito ao subsídio de doença, nos termos estabelecidos no número seguinte.
17º
…a requerente teve os seguintes períodos de Incapacidade Temporária para o Trabalho:
- De 08/04/2011 a 23/02/2013;
- De 01/03/2013 a 24/01/2014;
- De 15/03/2014 a 22/08/2014;
- De 23/09/2014 a 17/04/2017;
18º
Deste modo, e de acordo com o citado art. 159º, Nº 1 al d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS, não existe obrigação contributiva da aqui requerente nos períodos indicados no art. 17º, por se encontrar a mesma impedida de exercer a sua profissão, por se encontrar com incapacidade absoluta para o trabalho.
19º
Ora, não existindo obrigação contributiva da aqui requerente para os períodos em que se encontrou de incapacidade absoluta para o trabalho, forçosamente há que concluir pela inexistência da dívida de contribuições não pagas relativas aos períodos de Incapacidade Absoluta para o Trabalho, ao abrigo do citado art. 159º, Nº 1 aI d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS,
20º
Assim, e relativamente aos períodos que a seguir se indicam, não tem a aqui requerente qualquer dívida de contribuições não pagas, porque as mesmas não eram devidas:
- De 08/04/2011 a 23/02/2013;
- De 01/03/2013 a 24/01/2014;
- De 15/03/2014 a 22/08/2014;
- De 23/09/2014 a 17/04/2017;
21°
Não tendo ainda em dívida quaisquer juros moratórios legais.
22º
Não é pois a aqui requerente devedora à CPAS da quantia de 22.562,63 Euros (vinte e dois mil quinhentos e sessenta e dois euros e sessenta e três cêntimos) respeitante a contribuições em atraso desde Abril de 2012 até Julho de 2017.
23º
Pelo que deve a dívida da aqui requerente ser declarada inexistente, o que desde já se REQUER.
(…)
3 - DA ISENÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE CONTRIBUIR PARA A CPAS:
26º
O art. 157º, Nº 1, al. d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS prevê que os trabalhadores independentes estão isentos da obrigação de contribuir quando se tenha verificado a obrigação do pagamento de contribuições pelo período de um ano resultante de rendimento relevante igual ou inferior a seis vezes o valor do IAS.
27º
O Indexante dos Apoios Sociais (IAS) definido pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro, veio substituir a Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG) enquanto referencial determinante da fixação, cálculo e actualização das contribuições, das pensões e outras prestações atribuídas pelo sistema de segurança social. O IAS aplica-se desde janeiro de 2007.
28º
O valor do IAS para os anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 foi de 419,22 Euros (quatrocentos e dezanove euros e vinte e dois cêntimos)
29º
O valor do IAS para o ano de 2017 é de 421,32 Euros (quatrocentos e vinte e um euros e trinta e dois cêntimos).
30º
Assim, nos anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 teria a aqui requerente de ter auferido remunerações provenientes do seu trabalho de valor superior a 2.515,32 Euros (dois mil quinhentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos).
31º
No ano de 2017 teria a aqui requerente de ter auferido remunerações provenientes do seu trabalho de valor superior a 2.527,92 Euros (dois mil quinhentos e vinte e sete euros e noventa e dois cêntimos).
32º
Tem pois a aqui requerente direito que lhe seja concedida isenção de contribuir para a CPAS, ao abrigo do disposto no art. 157º, Nº 1, al. d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS, uma vez que se verificou a obrigação do pagamento de contribuições nos anos de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 resultante de rendimentos relevantes inferiores a seis vezes o valor do IAS.
33º
Pelo que vem a aqui requerente REQUERER que lhe seja concedida a isenção pagar contribuições para a CPAS, com efeitos a partir do início do ano de 2012 até à presente data, ao abrigo do disposto no art. 157º, Nº 1, aI. d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS.”
(cf. documento n.º 1, junto com a Petição Inicial /documento de fls. 82, e seguintes, do Processo Individual da Autora, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
C) Por deliberação de 15 de Setembro de 2017, a Direcção da CPAS indeferiu o pedido de reconhecimento da isenção da obrigação de contribuir formulado pela Autora, pelo requerimento mencionado na Alínea anterior, colhendo “Proposta de Indeferimento”, datada de 14 de Setembro de 2017, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se extrai o seguinte:
«ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE CONTRIBUIÇÕES
BENEF.º N.º ..................
PROPOSTA DE INDEFERIMENTO
DR.ª ANA ............................
1. A beneficiária veio, por carta recepcionada em 16.08.2017, requerer que lhe seja concedida a isenção do pagamento de contribuições à CPAS, com efeitos desde o início do ano de 2012 até à presente data.
2. Como fundamento do seu pedido o requerente alegou factos e argumentos para que ora se remetem na Integra.
3. Em face do exposto importa analisar o seguinte:
4. Ao abrigo e nos termos do artigo 29.º n.º 1 do RCPAS, são inscritos obrigatoriamente como beneficiários ordinários todos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados.
5.Decorrendo do artigo 29.º n.º 2 do mesmo RCPAS, que a inscrição na Caixa se conta a partir do mês seguinte ao da inscrição no respectivo organismo de representação profissional.
6. Nos termos do artigo 79.º n.º 1 do RCPAS, os beneficiários pagam até ao último dia de cada mês contribuições, sendo que, a partir do dia um do mês seguinte ao do vencimento das mesmas, ao montante destas acrescem juros de mora [artigo 81.º n.º 2 do RCPAS].
7. Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 81.º, a taxa de juro de mora, por cada mês de calendário ou fracção, é igual à prevista para as dívidas de impostos ao Estado.
8. Nos termos do artigo 1.º n.º 2 do RCPAS, a Caixa rege-se pelo seu Regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações.
9. A beneficiária encontra-se inscrita na Ordem dos Advogados desde 15.12.1997, e em consequência, inscrita na CPAS desde 01.01.1998 até à presente data.
10. Decorre, assim, do referido regime não só o princípio da obrigatoriedade da inscrição na CPAS como a relativa obrigação contributiva da beneficiária, inexistindo enquadramento legal para deferir o pedido.
Nestes termos e com os fundamentos atrás constantes, proponho o indeferimento do pedido.”
(cf. documento n.º 2, junto com a Petição Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
D) Por deliberação adoptada na mesma data, a Direcção da CPAS declarou extinta a dívida de contribuições relativamente ao período compreendido entre Abril de 2011 e Julho de 2012, inclusive, no valor de 3 957,60€, por motivo de prescrição (cf. documento n.º 2, junto com a Petição Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
E) Por ofícios de 20 de Setembro de 2017, a CPAS comunicou à Autora as Deliberações mencionadas nas Alíneas C) e D), supra (cf. documento n.º 2, junto com a Petição Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
F) Por ofício de 09 de Novembro de 2017, a Autora foi interpelada para pagar à CPAS a quantia de €17.030,34, relativa a contribuições em atraso, desde Agosto de 2012 até Novembro de 2017, e juros moratórios, calculados até 30-11-2017, no valor de 2.246,60 (cf. documento n.º 3, junto com a Petição Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
G) Foram atribuídos à Autora os seguintes períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho: 08-04-2011 a 23-02-2013; 01-03-2013 a 24-01-2014; 15-03-2014 a 22-08-2014; 23-09-2014 a 17-04-2017; 22-09-2017 a 11-12- 2017 (cf. documentos n.ºs 4 a 123, juntos com a Petição Inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
H) Nos anos de 2012 a 2017, a Autora declarou, para efeitos fiscais, os seguintes rendimentos: ano de 2012: €1.249,50 (mil duzentos e quarenta e nove euros e cinquenta cêntimos); ano de 2013: €140,25 (cento e quarenta euros e vinte e cinco cêntimos); ano de 2014: €892,50 (oitocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos); ano de 2015 - €0,00 (zero euros); ano de 2016 - €264,00 (duzentos e sessenta e quatro euros); ano de 2017 - €0,00 (zero euros) - documentos n.ºs 124 a 128, juntos com a Petição Inicial, e documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o requerimento de fls. 102, do Processo Cautelar que correu por apenso aos presentes autos - data de registo: 18-06-2018 ..:..:.. -, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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2.2. Do Direito

Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas) - v.g. artigos 635º e 639 do NCPC, «ex vi» do artigo 1º do CPTA.
Assim, atentas as conclusões de recurso, a questão decidenda passava, por determinar se a sentença afronta os artigos 12º, 13º, 18º e 63º da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 1º, 2º, 22º e 25º da Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10-12-1948, do artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS, do art. 2º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, do art. 159º, Nº 1 al d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, do art. 157º, Nº 1, al. d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social.
Todavia, o conhecimento dessa questão não é viável porque ocorre uma questão prévia que podia e devia ter sido oficiosamente conhecida pelo tribunal a quo, qual seja, a incompetência do tribunal administrativo em razão da matéria nos termos e pelos fundamentos que passam a suscitar-se.
Como da própria sentença emerge, a matéria em discussão é de direito e diz respeito a saber se o novo RCPAS não prevê normas de isenção temporária do pagamento de contribuições nas situações em que os beneficiários não obtenham rendimentos, designadamente por se encontrarem impossibilitados de exercer a sua actividade, ou obtenham baixos rendimentos, estabelecendo a obrigatoriedade de pagamento de contribuições por parte de todos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados, como é o caso da Autora, independentemente de exercerem a profissão e de obterem rendimentos da sua actividade profissional.
Como também consta da Sentença recorrida e faz notar a própria recorrente, “Resulta, pois, ao contrário do defendido pela Autora, que não existe qualquer lacuna legislativa, encontrando-se a obrigação contributiva dos advogados inscritos na Ordem dos Advogados (e consequentemente, na CPAS), expressamente regulada no RCPAS, pelo que não há lugar à aplicação subsidiária de normas, por via do n.º 2, do artigo 1.º, do novo RCPAS.”
Mais consta da Sentença sob escrutínio que “Depois, a alínea a), do n.º 1, do artigo 139.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, exclui expressamente do âmbito pessoal do regime dos trabalhadores independentes nele previsto - invocado pela Requerente -, os advogados que, em função do exercício da sua actividade profissional, estejam integrados obrigatoriamente no âmbito pessoal da respectiva caixa de previdência.”
Mais decorre da Sentença da qual se recorre e como bem denota a recorrente, que “Concluímos, assim, que a Autora está sujeita à obrigação de contribuir para a CPAS, nos períodos em questão, por se encontrar inscrita na Ordem dos Advogados, nos termos regulados no RCPAS, que não prevê a isenção temporária do pagamento de contribuições nas situações em que os beneficiários não obtenham rendimentos ou obtenham rendimentos abaixo de determinado montante.”
Assim, como na própria sentença se enuncia, a matéria em discussão é de natureza fiscal
Perante aquela factualidade, determinemos então, pois é essa a questão fundamental a decidir, se ocorre ou não a incompetência material do Tribunal «a quo» para conhecer da acção, o que passa necessariamente pela qualificação prévia dos actos impugnados como envolvendo, ou não, “questões de natureza fiscal”.
Preliminarmente, diga-se que, em geral, o conceito de competência é definido como o complexo de poderes funcionais conferidos por lei a cada órgão ou cargo para o desempenho das atribuições da pessoa colectiva em que esteja integrado.
O artº 20º, nº 1 da Constituição determina que «a todos é assegurado o acesso ao direito aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos».
Consagra este preceito, além do mais, o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional que implica naturalmente a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva.
Tendo isso presente, o certo é que, a política conformadora do Estado social levou a Administração a invadir os campos mais insuspeitados da actividade individual, tornando os cidadãos cada vez mais dependentes das suas prestações.
Falida a concepção liberal em que se defendia a abstenção do Estado como forma de protecção do cidadão, hoje, adversamente, reclama-se a sua intervenção na vida económica, social e cultural, de forma a criar as condições indispen­sáveis à realização do homem.
O Estado social implica, pois, a existência de uma Administração «constitutiva» ou «conformadora» em ordem à realização de uma ideia de justiça social, extirpando os resquícios de uma Administração eminentemente absten­cionista e «agressiva» típica do Estado anterior, o que acarreta, incontornavelmente, a omnipresença da Administração na vida social e a proliferação de situações em que esta pode colidir com os direitos e interesses do cidadão, com o consequente aumento da conflitualidade.
No reverso, cresce um sentimento generalizado da necessidade de reforço das garantias dos administrados e, na esfera do político, nota-se uma pulverização e democratização do poder com alterações na estrutura organizativa da Administração Pública.
Assim se justificam os movimentos de descentralização e desconcentração das competências administrativas, com a inevitável multiplicação dos órgãos capazes de praticarem actos definiti­vos os quais deixaram, assim, de ser atributo dos poucos órgãos supremos que mereciam um maior crédito quanto à responsabilidade e ao cuidado na obser­vância da legalidade nas suas decisões.
Todavia, se é certo que a fragmentação do poder implicou que a Administração deixasse de ter o monopólio da titularidade e gestão dos interesses gerais, dando origem a que dentro do próprio Estado surgissem novos entes públicos que configu­ram outros tantos centros autónomos de decisão e de poder que concorrem para a realização do interesse público, também o é que no exterior do aparelho estadual se assiste à gestão de interesses colectivos por entes que não fazem parte do complexo orgânico da Administração.
Daí que a Administração e os entes, que não fazem parte do complexo orgânico da Administração mas procedem à gestão de interesses colectivos, esteja agora mais vinculada ao direito, já que não só tem de cumprir as condições e os limi­tes expressamente fixados na lei, mas também tem de respeitar princípios jurídicos fundamentais, nomeadamente os princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, ou seja, a Administração, no seu todo, está submetida ao princípio da juridicidade, concepção que traduz com mais rigor a sua vinculação ao direito do que o tradicional princípio da legalidade.
Ora, no Estado social e democrático, os textos constitucionais, reagindo contra uma concepção puramente retórica dos direi­tos fundamentais, consagraram direitos liberdades e garantias eficazes por si mes­mos e vinculativos para todos os poderes públicos e privados e privados.
Todavia, a efectividade do seu reconhecimento exige uma protecção jurisdicional imediata sem a qual as declarações constitucionais não passam de figuras retóricas, de tex­tos declamatórios que formulam ideários, mas não atribuem nem protegem direitos.
Nesse sentido, há que reconhecer e impor mudanças nas relações entre a Administração e os administrados de modo a que se reduza a superioridade da Administração perante o cidadão que deixa de ser mero destinatário da acção administrativa, transmutando-se em sujeito de direitos que a Administração, como qualquer outro poder do Estado, ou privado actuando no âmbito do interesse público, tem de respeitar.
A Administração apresenta-se, segundo esta visão, como um poder autónomo, mas em paridade institucional com os outros poderes, direccionado à realização em concreto do interesse público mediante a prática de actos dotados de poder de imperium, de força de autoridade em que, todavia, as exigências de celeridade e eficiência da sua actuação perdem a natureza de valor absoluto, para, casuisticamente, serem conciliadas com os limites postos pelos direitos fundamentais do cidadão e os prin­cípios constitucionais.
Em vista do caso concreto, entre os direitos fundamentais recolhidos na lei fundamental, há a destacar a consagração do direito à tutela judicial efectiva que visa alcançar um controlo integral e pleno da actividade administrativa como o principal instrumento de defesa dos par­ticulares face à Administração.
Mas isso não era compatível com um contencioso de tipo puramente impugnatório face à multiplicação e complexificação de modos de conduta da Administração que atrás já se assinalaram, quando é certo que tradicionalmente o processo contencioso foi perspectivado e estruturado à luz da configuração bilateral da relação jurídico - administrativa, e a complexidade das tarefas do estado social atestam um aumento crescente das relações jurídicas poligonais.
Este estado de coisas impôs o aperfeiçoamento e adaptação dos meios processuais do Con­tencioso no sentido de uma plena juris­dição e abertura para as mais variadas formas de acção administrativa com a inevitável desvalorização do acto administrativo como figura nuclear do contencioso administrativo e a relativização da importância que esse acto desempe­nha na dogmática clássica do direito administrativo, quer no plano do direito adjectivo, quer no do direito substantivo.
Respiga-se, a tal propósito, gomes canotilho, cfr. «Procedi­mento Administrativo e defesa do ambiente», RLJ, 123 (1990/91), p. 136 ss: «é tempo de se perguntar se o 'eixo' do direito administrativo deve continuar a ser o acto administrativo ou se é metódica e cientificamente mais frutuoso deslocar esse 'eixo' para as relações jurídico - administrativas e para a fenomenologia procedimental do desenvolvimento da acção administrativa».
Tendo em conta os precedentes considerandos diga-se que, no âmbito da pessoa colectiva Estado e no quadro da clássica divisão de poderes ou funções - legislativas, administrativas e jurisdicional -, a questão da competência em apreço recorta-se, entre nós, na área jurisdicional, isto é, face às diversas ordens de tribunais.
A questão da competência jurisdicional para o efeito de saber se a relação do recorrente e recorrida tem uma natureza originariamente na totalidade, e parcialmente na actualidade, de direito público coloca-se perante o ramo da alternativa de uma de duas ordens de tribunais - judiciais e administrativos.
Aos referidos tribunais - órgãos de soberania - compete administrar justiça em nome do povo (artigo 205°, n° 1, da CRP).
Os conceitos de jurisdição e de competência traduzem realidades conexas mas distintas, significando o primeiro o poder de julgar genericamente atribuído, na organização do Estado, ao conjunto de tribunais, e o último a medida de jurisdição legalmente atribuída a cada um deles.
A medida de jurisdição de cada um dos tribunais, ou seja, a sua competência é susceptível de variar em razão da matéria, do valor, da hierarquia e do território (artigo 13°, n°1, da Lei n° 38/87, de 23 de Dezembro - LOTJ).
No caso em apreço só releva a divisão interna do poder jurisdicional pelas diferentes categorias de tribunais segundo o critério da natureza da matéria dos litígios, isto é, a vertente da competência material.
A competência em razão da matéria fragmenta-se pelas diversas categorias de tribunais à luz do chamado princípio da especialização inspirado na ideia de vantagem de atribuir a determinados órgãos jurisdicionais o conhecimento de questões reguladas por específicas áreas de direito em razão da sua vastidão ou especificidade.
Compete-lhes, segundo a referida matriz constitucional, o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenha por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 214°, n° 3, d CRP).
Em desenvolvimento do estatuído nos artigos 211°, n° 1, alínea b), e 214°, n° 3, da CRP foram publicados o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pelo Decreto-Lei n° 129/84, de 27 de Abril, e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - LPTA -, aprovada pelo Decreto-Lei n° 267/85, de 16 de Julho e, depois, o CPTA.
A jurisdição administrativa e fiscal é exercida por tribunais administrativos e fiscais, com o estatuto de órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo (artigo 1° do ETAF).
Incumbe-lhes, em sede de administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (artigo 3° do ETAF).
A expressão "contencioso administrativo "é utilizada pelas leis em pelo menos cinco sentidos distintos - orgânico, funcional, material, instrumental e normativo - a maioria deles sem grande rigor.
No presente caso releva o sentido material da expressão contencioso administrativo isto é, "o conjunto de litígios entre a Administração Pública e os particulares, que hajam de ser solucionados pelos tribunais administrativos com aplicação do Direito Administrativo”.
No quadro da competência material dos tribunais administrativos distingue-se entre o contencioso por natureza ou essencial e o contencioso por atribuição ou acidental, abrangendo o primeiro os actos e regulamentos administrativos e o último os contratos administrativos, a responsabilidade da administração, os direitos e interesses legítimos e as questões eleitorais (artigos 51°, alíneas a) a d), e) f), g) e h), do ETAF).
O contencioso administrativo por natureza ou essencial constitui a garantia dos particulares contra o exercício ilegal por via unilateral do poder administrativo.
Na senda do Acórdão deste TCAS de 18.01.2005, no Recurso nº 108/04, os tribunais comuns não dispõem de competência em razão da matéria para conhecerem dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativa e fiscais, a qual se radica na ordem de tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
É que, sempre na senda do citado aresto, por força de norma constitucional, a competência para julgar as acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, radica-se nos tribunais administrativos e fiscais – art.º 212.º n.º3 da CRP – que não nos tribunais comuns, exercendo estes a sua jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais – art.º 211.º n.º1 da mesma CRP.
Na respectiva pirâmide legislativa, no degrau imediatamente inferior, as leis orgânicas das respectivas ordens de tribunais, vêm secundar aquelas normas constitucionais, desenvolvendo-as, no sentido programado por aquelas.
Assim, a competência em razão da matéria dos tribunais comuns ou judiciais é para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional – art.º 18.º da LOTJ na redacção introduzida pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro – enquanto que aos tribunais administrativos e fiscais é atribuída a competência para dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – art.º 1.º do ETAF, na redacção da Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro.
A jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é genericamente definida pelo n.º 3 do art. 212.º da C.R.P., em que se estabelece que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais», norma esta que adoptou, no essencial, a regra que já constava do art. 3.º do ETAF e está actualmente contida na parte final do artigo 1º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Sendo a jurisdição dos tribunais judiciais constitucionalmente definida por exclusão, conforme preceitua o art. 211.º, n.º 1, da CRP (disposição esta que é reproduzida, na sua essência, no art. 18.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei 3/99, de 13 de Janeiro, doravante LOFTJ).
De acordo como o art. 18° da LOFTJ e 64.° CPC, as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais.
Por seu turno, a alínea d) do n.3 do artigo 4º do ETAF estipula que fica excluída da jurisdição administrativa e fiscal “a apreciação dos litígios emergentes dos contratos individuais de trabalho, que não conferem a qualidade de agente administrativo, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público” (sublinhado nosso).
E, pela voz da doutrina, não se olvida o pensamento de MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 91, que nos ensina ser a competência dos tribunais aferida em função dos termos em que a acção é proposta, «seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina REDENTI – “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”, é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes.»
«A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão» (Obra e local citados).
Este entendimento está, aliás, em sintonia com o direito que a todos os cidadãos é garantido de acederem aos tribunais com o escopo de verem apreciados os direitos de que se arrogam (n.º1 do artigo 20º da Lex Fundamentalis) e tem vindo a ser aceite, no essencial, pelo STJ , STA e Tribunal de Conflitos (veja-se, entre outros, os Acs. do T. Conflitos, de 31.01.91, AD 361 e de 6-7-93 (Conflito nº 253); do STJ, de 03.02.87, in BM 364º-591, de 202-90. BMJ 394º-453, de 12.01.94 e do STA, de 09.03.89,Rec. 25084, de 13.05.93, Rec. 31478, de 27.01.94, Rec. 32278, de 28.05.96, Rec. 39911, de 26.09.96, Rec. 267, de 27.11.96,Rec. 39544, de 19.02.97, Rec. 39589, de 24.11.98, Rec. 43737 de 03.03.99, Rec. 40222, de 23.03.99, Rec. 43973, de 26.05.99, Rec. 40648, de 13.10.99, Rec. 44068, de 26.09.00, Rec. 46024, de 06.07.00. Rec. 46161, de 03.10.00, Rec. 356 e de 11.07.00, Rec. 318).
Temos, assim, que a competência do tribunal se afere face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao «quid disputatum» e não ao «quid decisum», isto é, dito por outras palavras, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do seu mérito.
É consabido que aos tribunais administrativos incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas, sendo certo que lhes é retirada competência para conhecimento de acções que tenham por objecto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público.
É, pois à luz da doutrina e jurisprudência citada, bem como das referidas normas delimitadoras da competência da jurisdição administrativa e da dos tribunais judiciais, que cumpre decidir se o conhecimento da presente acção incumbe aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais, in casu o do trabalho.
Vejamos então.
Acolhendo o ensinamento sufragado pela doutrina e jurisprudência, acima mencionada, segundo a qual o tribunal materialmente competente para conhecer a pretensão do A., deve aferir-se em face “ do teor desta pretensão e dos fundamentos em que se estriba”, irrelevando qualquer indagação acerca do seu mérito, e “ sendo igualmente certo que o tribunal não está vinculado às qualificações jurídicas efectuadas pelo requerente ou autor”, entende-se que esta secção carece de competência para conhecer do recurso.
Com efeito, sendo, conceptualmente, a competência dos tribunais são os limites dentro dos quais a cada tribunal cabe exercer a função jurisdicional, é a medida de jurisdição dos diversos tribunais, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais, sob esse prisma, o que o EPGA suscita é, não a falta de poder de o Tribunal Central Administrativo Sul julgar o recurso porque o mesmo não cabe dentro da esfera de jurisdição genérica ou abstracta daquele Tribunal mas, sim, que a Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal o possa fazer.
À denominada “jurisdição administrativa e fiscal”, na qual se integram quer o actual TCA, quer o TT 1ª Instância, incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações administrativas e fiscais (cf. artºs 1º e 4° do ETAF, aprovado pelo D.L. nº129/84 de 27-04 e artº 212 nº 3 da CRP de 1997, anterior artº 214 nº 3).
Mas a “jurisdição fiscal” é distinta da “jurisdição administrativa” por constituir uma especialização dentro desta na qual cabem todas as questões administrativas que não tenham natureza fiscal e cujo conhecimento não seja atribuído a outro Tribunal (cf. artºs 4°, 38º e 49º do ETAF); no âmbito da “jurisdição fiscal», caberão assim todas as questões administrativas de natureza fiscal que são não só as resultantes de resoluções autoritárias que imponham aos cidadãos o pagamento de quaisquer prestações pecuniárias, com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como as que os dispensem isentem delas, como ainda, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal (cfr., entre muitos, os Acs. da 1ª Secção do STA de 22/02/90, rec. 26 147, de 29/09/93, rec. 14 739 e de 02/12/93, rec. 32 307).
Nesse sentido, é inquestionável que o acto recorrido foi praticado por entidades administrativas, no exercício das suas funções e no uso dos seus poderes de autoridade e versa sobre questão fiscal.
Resulta daí e do complexo fáctico atrás fixado que:
A) A Autora é advogada e encontra-se inscrita na Ordem dos Advogados desde 15 de Dezembro de 1997 (documento de fls. 2, do Processo Individual da Autora - cópia certificada remetida com Contestação - fls. 292, e seguintes - data de registo: 27-03- 2018 ..:..:..).
B) Em 16 de Agosto de 2017, a Autora apresentou junto dos serviços da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), requerimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual invoca a prescrição relativamente às contribuições de Abril de 2011 a Julho de 2012, e respectivos juros de mora, no valor global de €5.003,45 (€3.957,60, de contribuições, e 1.045,85, de juros de mora), e solicita que lhe seja concedida isenção de pagamento de contribuições para a CPAS nos seguintes termos:
“2 - DA INEXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO DE CONTRIBUIR PARA A CPAS:
(…)
16º
O art. 159º, Nº 1 al d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS prevê que não existe obrigação contributiva do trabalhador independente quando: d) Se verifique situação de incapacidade temporária para o trabalho, independentemente de haver, ou não, direito ao subsídio de doença, nos termos estabelecidos no número seguinte.
17º
…a requerente teve os seguintes períodos de Incapacidade Temporária para o Trabalho:
- De 08/04/2011 a 23/02/2013;
- De 01/03/2013 a 24/01/2014;
- De 15/03/2014 a 22/08/2014;
- De 23/09/2014 a 17/04/2017;
18º
Deste modo, e de acordo com o citado art. 159º, Nº 1 al d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS, não existe obrigação contributiva da aqui requerente nos períodos indicados no art. 17º, por se encontrar a mesma impedida de exercer a sua profissão, por se encontrar com incapacidade absoluta para o trabalho.
19º
Ora, não existindo obrigação contributiva da aqui requerente para os períodos em que se encontrou de incapacidade absoluta para o trabalho, forçosamente há que concluir pela inexistência da dívida de contribuições não pagas relativas aos períodos de Incapacidade Absoluta para o Trabalho, ao abrigo do citado art. 159º, Nº 1 aI d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS,
20º
Assim, e relativamente aos períodos que a seguir se indicam, não tem a aqui requerente qualquer dívida de contribuições não pagas, porque as mesmas não eram devidas:
- De 08/04/2011 a 23/02/2013;
- De 01/03/2013 a 24/01/2014;
- De 15/03/2014 a 22/08/2014;
- De 23/09/2014 a 17/04/2017;
21°
Não tendo ainda em dívida quaisquer juros moratórios legais.
22º
Não é pois a aqui requerente devedora à CPAS da quantia de 22.562,63 Euros (vinte e dois mil quinhentos e sessenta e dois euros e sessenta e três cêntimos) respeitante a contribuições em atraso desde Abril de 2012 até Julho de 2017.
23º
Pelo que deve a dívida da aqui requerente ser declarada inexistente, o que desde já se REQUER.
(…)
3 - DA ISENÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE CONTRIBUIR PARA A CPAS:
26º
O art. 157º, Nº 1, al. d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS prevê que os trabalhadores independentes estão isentos da obrigação de contribuir quando se tenha verificado a obrigação do pagamento de contribuições pelo período de um ano resultante de rendimento relevante igual ou inferior a seis vezes o valor do IAS.
27º
O Indexante dos Apoios Sociais (IAS) definido pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro, veio substituir a Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG) enquanto referencial determinante da fixação, cálculo e actualização das contribuições, das pensões e outras prestações atribuídas pelo sistema de segurança social. O IAS aplica-se desde janeiro de 2007.
28º
O valor do IAS para os anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 foi de 419,22 Euros (quatrocentos e dezanove euros e vinte e dois cêntimos)
29º
O valor do IAS para o ano de 2017 é de 421,32 Euros (quatrocentos e vinte e um euros e trinta e dois cêntimos).
30º
Assim, nos anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 teria a aqui requerente de ter auferido remunerações provenientes do seu trabalho de valor superior a 2.515,32 Euros (dois mil quinhentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos).
31º
No ano de 2017 teria a aqui requerente de ter auferido remunerações provenientes do seu trabalho de valor superior a 2.527,92 Euros (dois mil quinhentos e vinte e sete euros e noventa e dois cêntimos).
32º
Tem pois a aqui requerente direito que lhe seja concedida isenção de contribuir para a CPAS, ao abrigo do disposto no art. 157º, Nº 1, al. d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS, uma vez que se verificou a obrigação do pagamento de contribuições nos anos de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 resultante de rendimentos relevantes inferiores a seis vezes o valor do IAS.
33º
Pelo que vem a aqui requerente REQUERER que lhe seja concedida a isenção pagar contribuições para a CPAS, com efeitos a partir do início do ano de 2012 até à presente data, ao abrigo do disposto no art. 157º, Nº 1, aI. d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aplicável subsidiariamente à CPAS por força do disposto no artigo 1º nº 2 do novo regulamento da CPAS.”
(cf. documento n.º 1, junto com a Petição Inicial /documento de fls. 82, e seguintes, do Processo Individual da Autora, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
C) Por deliberação de 15 de Setembro de 2017, a Direcção da CPAS indeferiu o pedido de reconhecimento da isenção da obrigação de contribuir formulado pela Autora, pelo requerimento mencionado na Alínea anterior, colhendo “Proposta de Indeferimento”, datada de 14 de Setembro de 2017, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se extrai o seguinte:
«ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE CONTRIBUIÇÕES
BENEF.º N.º ..................
PROPOSTA DE INDEFERIMENTO
DR.ª ANA ............................
1. A beneficiária veio, por carta recepcionada em 16.08.2017, requerer que lhe seja concedida a isenção do pagamento de contribuições à CPAS, com efeitos desde o início do ano de 2012 até à presente data.
2. Como fundamento do seu pedido o requerente alegou factos e argumentos para que ora se remetem na Integra.
3. Em face do exposto importa analisar o seguinte:
4. Ao abrigo e nos termos do artigo 29.º n.º 1 do RCPAS, são inscritos obrigatoriamente como beneficiários ordinários todos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados.
5.Decorrendo do artigo 29.º n.º 2 do mesmo RCPAS, que a inscrição na Caixa se conta a partir do mês seguinte ao da inscrição no respectivo organismo de representação profissional.
6. Nos termos do artigo 79.º n.º 1 do RCPAS, os beneficiários pagam até ao último dia de cada mês contribuições, sendo que, a partir do dia um do mês seguinte ao do vencimento das mesmas, ao montante destas acrescem juros de mora [artigo 81.º n.º 2 do RCPAS].
7. Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 81.º, a taxa de juro de mora, por cada mês de calendário ou fracção, é igual à prevista para as dívidas de impostos ao Estado.
8. Nos termos do artigo 1.º n.º 2 do RCPAS, a Caixa rege-se pelo seu Regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações.
9. A beneficiária encontra-se inscrita na Ordem dos Advogados desde 15.12.1997, e em consequência, inscrita na CPAS desde 01.01.1998 até à presente data.
10. Decorre, assim, do referido regime não só o princípio da obrigatoriedade da inscrição na CPAS como a relativa obrigação contributiva da beneficiária, inexistindo enquadramento legal para deferir o pedido.
Nestes termos e com os fundamentos atrás constantes, proponho o indeferimento do pedido.”
(cf. documento n.º 2, junto com a Petição Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
D) Por deliberação adoptada na mesma data, a Direcção da CPAS declarou extinta a dívida de contribuições relativamente ao período compreendido entre Abril de 2011 e Julho de 2012, inclusive, no valor de 3 957,60€, por motivo de prescrição (cf. documento n.º 2, junto com a Petição Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
E) Por ofícios de 20 de Setembro de 2017, a CPAS comunicou à Autora as Deliberações mencionadas nas Alíneas C) e D), supra (cf. documento n.º 2, junto com a Petição Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
F) Por ofício de 09 de Novembro de 2017, a Autora foi interpelada para pagar à CPAS a quantia de €17.030,34, relativa a contribuições em atraso, desde Agosto de 2012 até Novembro de 2017, e juros moratórios, calculados até 30-11-2017, no valor de 2.246,60 (cf. documento n.º 3, junto com a Petição Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
G) Foram atribuídos à Autora os seguintes períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho: 08-04-2011 a 23-02-2013; 01-03-2013 a 24-01-2014; 15-03-2014 a 22-08-2014; 23-09-2014 a 17-04-2017; 22-09-2017 a 11-12- 2017 (cf. documentos n.ºs 4 a 123, juntos com a Petição Inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
H) Nos anos de 2012 a 2017, a Autora declarou, para efeitos fiscais, os seguintes rendimentos: ano de 2012: €1.249,50 (mil duzentos e quarenta e nove euros e cinquenta cêntimos); ano de 2013: €140,25 (cento e quarenta euros e vinte e cinco cêntimos); ano de 2014: €892,50 (oitocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos); ano de 2015 - €0,00 (zero euros); ano de 2016 - €264,00 (duzentos e sessenta e quatro euros); ano de 2017 - €0,00 (zero euros) - documentos n.ºs 124 a 128, juntos com a Petição Inicial, e documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o requerimento de fls. 102, do Processo Cautelar que correu por apenso aos presentes autos - data de registo: 18-06-2018 ..:..:.. -, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.”
Ora, sob a epígrafe “Natureza e regime aplicável”, estabelece o artigo 1.º do Dec. Lei nº 119/2015, de 29-06, que:
1 - A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, adiante designada por Caixa, é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa, e visa fins de previdência e de proteção social dos advogados e dos associados da Câmara dos Solicitadores.
2 - A Caixa rege-se pelo presente Regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações.
Por seu turno, no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social determina o seu artigo 3.º versando o “Direito subsidiário” que “São subsidiariamente aplicáveis:
a) Quanto à relação jurídica contributiva, a Lei Geral Tributária;
b) Quanto à responsabilidade civil, o Código Civil;
c) Quanto à matéria procedimental, o Código do Procedimento Administrativo; d) Quanto à matéria substantiva contraordenacional, o Regime Geral das Infrações Tributárias.”
Nos termos do artigo 13º do CPTA “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.
E nos termos do artigo 97º nº 1 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), ex vi do artigo 1º do CPTA a incompetência absoluta “deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.”
O artigo 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, define o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal em função dos litígios emergentes das “relações jurídicas administrativas e fiscais” à luz do disposto no nº 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa que determina que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
À luz daqueles normativos o critério de determinação da jurisdição competente é o critério material da relação jurídica subjacente ao litígio.
Para além dos demais tribunais superiores, são órgãos da jurisdição administrativa e fiscal os Tribunais Administrativos de Círculo e os Tribunais Tributários, os quais podem funcionar agregados, adoptando, nesse caso, a designação de Tribunal Administrativo e Fiscal, conforme resulta do disposto no artigo 9º do ETAF.
Consoante o disposto no nº 1 do artigo 44º do ETAF é da competência dos Tribunais Administrativos de Círculo conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa (com excepção daqueles cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores).
E em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 49º do ETAF é da competência dos Tribunais Tributários conhecer, entre o demais:
“a) Das ações de impugnação:
i) Dos atos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses atos;
ii) Dos atos de fixação dos valores patrimoniais e dos actos de determinação de matéria tributável suscetíveis de impugnação judicial autónoma;
iii) Dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal;
iv) Dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais;
b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;
c) Das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;
d) Dos incidentes, embargos de terceiro, verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal;
e) Dos seguintes pedidos:
i) De declaração da ilegalidade de normas administrativas de âmbito regional ou local, emitidas em matéria fiscal;
ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário;
iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais;
iv) De providências cautelares relativas aos atos administrativos impugnados ou impugnáveis e às normas referidas na subalínea i) desta alínea;
v) De execução das suas decisões;
vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações;
f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei.”
Nos termos do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, que define a sede, a organização e a área de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, concretizando o respectivo Estatuto, o Tribunal Administrativo de Círculo e o Tribunal Tributário de Almada funcionam de forma agregada com a designação de Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, mantendo-se a separação da competência para a apreciação dos litígios em função da matéria em causa de cada um daqueles tribunais.
A tal respeito, deve entender-se por “questão fiscal”, aquela que, de qualquer forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. Sendo assim “questão fiscal” aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respetivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in, “Direito Fiscal”, 2.ª edição, pág. 366). Ou, por outras palavras, está-se perante “questão fiscal” “quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objetivamente conexas ou teleologicamente subordinadas” (vide, Acórdão do TCA Norte de 25/11/2011, Proc. 02750/10.4BEPRT, in www.dgsi.pt/jtcan).
O litígio é relativo a uma “questão fiscal”, na tese ampliativa perfilhada pela jurisprudência, segundo a qual questões fiscais são “as que exigem a interpretação e aplicação de quaisquer normas de Direito Fiscal substantivo ou adjetivo para a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública” (cfr. Ac. do Pleno do STA de 12.11.2009, proc. n.º 0366/09). Ora, a acção envolve directamente a interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situam no campo da actividade tributária.
Marcello Caetano, ensinava que “o preço pago pelas prestações fornecidas pelos serviços públicos geridos diretamente por pessoas coletivas de direito público tem a natureza jurídica de taxa e nessa qualidade está sujeito ao regime de cobrança das receitas fiscais” (cfr. Manual de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 1061 - sobre a distinção entre taxa e preço, cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito fiscal, 1974, pág. 53 e ss.; Sousa Franco, Manual de Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, Lisboa, 1974, pág. 760, Teixeira Ribeiro, Finanças Públicas, pág. 262).
Ora, a discussão da questão em presença, até pelos fundamentos aduzidos em sede de pretensão e articulado de oposição, passa pela aferição da legalidade e bondade de interpretação e aplicação de normas de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração.
Sendo pacífico tudo o que vem de ser exposto, também o é que no despacho-saneador o Tribunal a quo considerou o tribunal administrativo materialmente competente para conhecer e decidir a causa.
Não pode todavia manter-se tal decisão, pelos fundamentos já esgrimidos pois tem que concluir-se, por se tratar de questão fiscal, é um litígio a dirimir pelos tribunais tributários.
Assim, por o litígio respeitar a questão fiscal, emergindo de relação jurídica tributária, deveria o Tribunal a quo ter considerado o tribunal administrativo materialmente incompetente para a apreciar e decidir, declarando competentes para o efeito os tribunais tributários. Não pode, pois, manter-se o decidido.
Importando, porque em tempo, referir que a circunstância de o réu, aqui recorrente, não ter suscitado a questão da incompetência em razão da matéria na sua contestação, não obstava à apreciação de tal questão em sede de despacho-saneador, em face da natureza de ordem pública da questão da competência dos tribunais, que impõe o seu conhecimento oficioso enquanto não houver sentença transitada em julgado sobre o fundo da causa, nos termos do disposto nos artigos 13º do CPTA e 97º nº 1 do CPC novo.
Daí que o presente litígio surja no âmbito de relações de natureza tributária, i. é., de uma imposição pecuniária (taxa, imposto, contribuição especial ou outra) de natureza pública e coactiva que nos diz estarmos perante um tributo.
Aqui há “questões fiscais”, pois estas são não só aquelas que têm como pressuposto a aplicação de normas relacionadas com a imposição de toda e qualquer prestação pecuniária, com o fim de obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos da pessoa colectiva impositora, como as que emergem de uma resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entes públicos, como, ainda, as relações jurídicas que surjam em virtude do exercício da função de imposição de tais prestações ou que com elas estão objectivamente conexas ou tecnologicamente subordinadas.
Assim sendo, como é, tendo a questão controvertida sido apreciada pelo Tribunal de Contencioso Administrativo de 1ª instância por ter reconhecido que a matéria controvertida era conexa com acto administrativo, praticado por uma autoridade administrativa, no âmbito dos seus poderes e dentro das competências prosseguidas pela AT, o tribunal administrativo de 1ª instância e a 1ª Secção deste Tribunal Central carecem de competência para conhecer do objecto do presente recurso jurisdicional em atenção ao disposto no artº.38º do ETAF, estando a competência para conhecer do presente recurso jurisdicional atribuída aos tribunais tributários de 1ª e de 2ª instâncias, nos termos do art. 49º do ETAF.
Destarte, a competência, em razão da matéria, para dirimir o conflito não pertence à jurisdição administrativa fiscal mas à jurisdição tributária propriamente dita nos termos ex abundantis expostos. Logo, os Tribunaais administrativos são incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do presente litígio.
E, nos termos do disposto no artº 97º do CPPT, a infracção das regras da competência em razão da hierarquia e da matéria, determina a incompetência absoluta do Tribunal, a qual é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final.

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Porém, antes de ser decretada a incompetência com as legais consequências, impõe-se demonstrar o pode fazer sem mais.
Após a reforma processual de 1995/96, ao artigo 510º, n.º3 do CPC foi imprimida uma redacção de acordo com a qual a decisão proferida no saneador que conheça de excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que o Juiz oficiosamente deve apreciar, passam a constituir caso julgado quanto “às questões concretamente apreciadas”, logo que o despacho transite em julgado pelo que, a referência expressa à apreciação concreta das excepções dilatórias, passa a ser uma exigência para a aquisição do “estatuto de caso julgado”, não se bastando este, com um despacho meramente tabelar.
Assim, limitando-se o Mmº Juiz “a quo” a fazer uma declaração genérica sobre as questões prévias ou excepções (tabelar) sem efectuar uma apreciação concreta, o despacho saneador, não constitui nessa parte caso julgado formal, nada obstando à sua apreciação em momento subsequente, ou seja, não está precludida a possibilidade de apreciar tais questões.
Mas, no âmbito da acção administrativa especial em que nos encontramos, o nº 2 do artº 87º (correspondente ao actual 88º) do CPTA impõe a concentração na fase do despacho saneador da apreciação de quaisquer questões que obstem ao conhecimento do processo, não só proibindo que sejam suscitadas e decididas em momento posterior do processo quaisquer outras questões ou excepções dilatórias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, como impedindo que as questões já decididas nesse despacho venham a ser reapreciadas com base em novos elementos. Não obstante, a segunda parte do nº 2 consagra a solução que constava do artigo 510.°, n°3, do CPC (nesse sentido, aponta agora o nº 2 do artº 97º do CPC a contrario), que confere ao despacho saneador a força de caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.
Esta solução processual insere-se num princípio de promoção do acesso à justiça, visando evitar que o tribunal relegue para final a apreciação das questões prévias para só então pôr termo ao processo com uma decisão de mera forma e, por outro lado, que o processado seja utilizado a todo o tempo para suscitar questões formais, com consequências negativas no plano da economia e celeridade processual.
Reportando-nos ao caso em apreço, impõe-se apreciar se existe ou não caso julgado formal, no que concerne à questão da competência em razão da matéria dos tribunais administrativos.
Ora, como se demonstrou, essa questão não foi levantada pela Ré em sede de contestação, e no saneador o juiz limitou-se a fazer uma declaração genérica sobre a competência do tribunal administrativo em razão da matéria (tabelar) sem efectuar uma apreciação concreta, pelo que o despacho saneador não constituiu, neste parte, caso julgado formal.
No caso que aqui nos ocupa, o Mmº Juiz “ a quo” no despacho saneador como facilmente se verifica não se pronunciou, em concreto, sobre a competência material do tribunal administrativo, pelo que, quanto a esta excepção, temos por seguro inexistir caso julgado formal, assim sendo, não está precludida a possibilidade de a reapreciar.
Aqui rege, pois e como já se disse, o disposto no artº 97º, nº1 do CPC ex vi do artº 1º do CPTA: a incompetência absoluta (como é a material-cfr. artº 96º alínea a) do CPC) deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa e tem como consequência a remessa do processo ao tribunal tributário competente (cfr. artº 14º, nº1 do CPTA).
Enfatize-se que este entendimento está em linha com a recentíssima jurisprudência plasmada no Acórdão do STA de 17-01-2019, extraído no recurso de revista nº01282/17.4BELRA, numa situação de contornos similares à dos presentes autos pois nele se consagrou a doutrina de que “A 2ª instância não pode recusar o conhecimento de recurso interposto de «uma decisão tabular sobre a legitimidade», proferida no saneador-sentença, com o fundamento de que tal questão não foi apreciada nem decidida pelo tribunal «a quo».”
Essa determinação está suportada na fundamentação que no trecho que ora releva com data venia se transcreve:
“ (…)
Comecemos, e logicamente, pela apreciação e decisão da questão de saber se a 2ª instância devia, face às pertinentes normas legais, conhecer do erro de julgamento sobre a ilegitimidade activa que lhe foi invocado no recurso de apelação.
A 2ª instância recusou esse conhecimento por a matéria da excepção dilatória em causa «não ter sido anteriormente invocada e conhecida», e fê-lo com fundamento «no nº2 do artigo 88º do CPTA» - segundo o qual «As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas». A referida alínea a) do nº1 estipula que o despacho saneador se destina, além do mais «A conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente».
Recorde-se, a propósito, que a ilegitimidade das partes, ou de «alguma delas», constitui «excepção dilatória» [artigo 89º, nº4 alínea e), do CPTA] de «conhecimento oficioso» [artigo 89º, nº2, do CPTA].
E que, no caso previsto na citada alínea a) do artigo 88º do CPTA, «o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal […]» - artigo 88º, nnº4 - 1ª parte, do CPTA].
Efectivamente, desse despacho poderá ser interposto «recurso jurisdicional» nos termos do artigo 142º, nº5, do CPTA, ou seja, pode ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
4. É verdade que, por regra, toda a defesa deve ser vertida nos articulados dos demandados, tal como se pressupõe no acórdão ora recorrido. Mas também o é que estamos perante uma questão de conhecimento oficioso, e que foi decidida pela 1ª instância, embora de uma forma tabular.
E, a partir daqui, deparamo-nos com uma decisão que, não obstante ser tabular, pode obviamente ser «objecto de recurso» perante o tribunal superior. Aliás, o facto de ser decisão tabular, e, como vem sendo entendido pela jurisprudência e pela doutrina [entre outros, AC de 23.09.2010, Rº0456/10; ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume III, páginas 199 e 200; ANTUNES VARELA, RLJ, Ano 102, página 287; CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, volume III, página 164] não determinar a formação de caso julgado, apenas significa que se trata de uma «questão» que pode ser reapreciada pelo tribunal superior.
Assim sendo, carece de razão o TCAS ao fundamentar a «recusa de conhecimento da questão da legitimidade activa» na falta da sua invocação nas contestações, e na falta do seu prévio conhecimento.
5. Pelo que fica dito, impunha-se ao TCAS o conhecimento do recurso interposto da «decisão, proferida no saneador-sentença, sobre a legitimidade activa», sendo certo que carece este tribunal de revista de poder para o fazer «em substituição» [artigo 150º do CPTA, nomeadamente seu nº5 a contrario].”
Mais um sólido argumento para se proceder à cognição da excepcionalidade supra suscitada.


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Antes de tal ser determinado, cumpre explicitar as razões porque não há lugar ao exercício do contraditório.
Havendo a obrigação de conhecer da incompetência material nos termos já perfilados, e não se vislumbrando na decisão recorrida qualquer referência directa ou implícita a tal questão, haverá que conhecer oficiosamente da mesma.
Ora, o artigo 3°, n° 3, do Código de Processo Civil é plenamente aplicável em processo judicial administrativo e tem como finalidade declarada evitar, proibindo-as, as denominadas decisões - surpresa.
Assim, caso não seja dada possibilidade às partes de se pronunciarem sobre a sobredita questão, poderá vir a entender-se que o presente Acórdão incorreria em nulidade, por violação do principio do contraditório e do artigo 3°, do Código de Processo Civil.
Na verdade, o artigo 3º nº. 3 do C. Processo Civil estipula que o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
É certo que o princípio do contraditório, que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões -surpresa.
Todavia, sendo o recurso sido decidido no que à questão da competência material se refere, com base nos factos alegados e provados, factos esses de que as partes tiveram conhecimento e contra os quais poderiam esgrimir os argumentos que entendessem convenientes, na altura própria, a decisão tomada no acórdão em nada afectará quer a pretensão deduzida, quer a defesa.
É que a audição das partes será dispensada nos termos do artigo 3º nº. 3 em casos de manifesta desnecessidade e naqueles em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências, o que sucedeu precisamente no caso concreto.
Nesse sentido, veja-se, entre muitos, o Acórdão do 1º Juízo da Secção do Contencioso Administrativo deste TCAS prolatado em 27/03/2008 no Processo nº 4038/00.
Mas lapidar sobre a temática em apreço é o recentíssimo acórdão da Relação de Guimarães de 31-10-2018, tirado no Processo nº1101/15.6T8PVZ-C.G1, publicado em www.dgsi.pt de cujo sumário dimana a seguinte doutrina confirmativa da posição que vimos assumindo e que infra se transcreve:
“I- O princípio do contraditório, que se reporta aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes, é hoje entendido como um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
II- O exercício e a concretização deste princípio, numa concreta situação, não está dependente ou sujeita a um qualquer e prévio julgamento incidente sobre a solidez ou consistência substancial do eventual direito que, com a sua consagração e em decorrência do seu cumprimento, se pretendeu salvaguardar ou exercer.
III- O princípio do contraditório, envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
IV- Estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela.”
Destarte, nada impede que se decrete desde já a incompetência pelos fundamentos supra expostos.

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3.-Decisão:

Assim, atento todo o exposto, acorda-se em declarar os tribunais administrativos incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do recurso por essa competência estar por lei atribuída aos tribunais tributários, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se, em consequência, a remessa do processo ao tribunal tributário de Almada.

Sem custas.

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Lisboa, 21 de Março de 2019

José Gomes Correia
António Vasconcelos
Catarina Jarmela