Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1269/12.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO,
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:Sendo o exercício efetivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício de funções de administração ou gestão pela Oponente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 3... e apensos, intentada por D..., na qualidade de revertida.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:
I. A douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e de direito, porque não procedeu ao correcto enquadramento da matéria de facto no artigo 24.º, n.º 1, b) da LGT, na medida em que considera não ter a Fazenda Pública feito prova, em sede de reversão, do exercício da gerência de facto pela oponente.
II. Do ponto de vista substantivo ou de mérito, o teor da prova produzida não permite o julgamento da matéria de facto no sentido em que foi efectuado.
III. Como questão prévia, ê de referir que consta do registo comercial para o quadriénio 2009/2012 a forma de obrigar a sociedade: "Exercido por um Conselho de Administração, composto por dois ou três membros", pelo que, no caso concreto, não se verifica o contesto de administrador único, mas, pelo contrário, a necessidade da assinatura de ambos para vincular a sociedade "I...- Investimentos Imobiliários, SA."

IV. N referido art.º 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, preceito legal em que se fundou a reversão da execução contra a aqui oponente, estabelece-se a responsabilidade subsidiária do gerente pelas dívidas cujo prazo legal de pagamento ocorreu no exercício do seu cargo, desde que o mesmo não prove que lhe não é imputável a falta de pagamento.
V. Da gerência de direito resulta a presunção judicial que a oponente agiu na condição de gerente de facto da devedora originária, na condução dos destinos da sociedade, tanto assim que a prova junta aos autos atribuiu à oponente a responsabilidade pela vinculação perante terceiros da sociedade.
VI. Porém, não resulta dos autos qualquer prova que ponha em causa tal presunção judicial.
VII. Tal prova terá de ser feita, todavia, em sede de oposição à execução fiscal, se e após o oponente, tendo sido citado por reversão, contrariando a prova indiciária dos elementos do registo (a gerência de direito), negar a gerência de facto, assim entendendo também a melhor doutrina, como Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 5.ª edição, em nota 6 ao art.º 153.º, e conforme foi decidido pelo Acórdão do TCA Sul, de 2009/09/29, processo n.º 03071/09.
VIII. Existindo nos autos elementos probatórios que permitem concluir pela grande probabilidade do exercício efectivo da gerência por parte da oponente, têm estes de ser valorados e tidos em atenção, não podendo escudar-se a sentença em que a prova não foi feita pela Fazenda Pública, para assim decidir contra esta.
IX. Foi este o sentido da decisão do douto Acórdão do STA, de 2008/12/10, processo n.º 0861/08, onde se lê que " (...)o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
(...) E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte («certeza jurídica») de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razoes para duvidar que ele tenha acontecido”.
X. Decidiu assim o STA que o Tribunal chegará a tal conclusão com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal, ou seja, com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.
XI. Pelo que, entendeu existir um erro de direito ao partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a oponente tinha não se pode presumir a gerência de facto, sendo possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há a tal forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido, como acontece in casu.

XII. Sendo que, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, há que ter em conta o facto de o gerente ter essa qualidade de direito, bem como outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não no processo e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
XIII. Destarte, no entender da Fazenda Pública, e sem embargo de melhor opinião, constata-se que a douta sentença recorrida errou na aplicação do direito, não obstante não ter sido feita prova pela oponente de que, nos períodos em que se venceram as dívidas, não exerceu efectivamente a gerência de facto da sociedade.
XIV. Pelas razões acabadas de explanar e em conclusão, padece a douta sentença de erro de julgamento de facto e de direito, por ter violado o disposto no art.º 24.º, n.º 1, b) da LGT, devendo julgar-se a oponente parte legítima na execução e, em consequência, anular-se a douta sentença do Tribunal a quo.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto o órgão de execução fiscal reuniu provas de que a Oponente exerceu de facto a gerência de facto da sociedade executada originária.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

1. Os autos principais, a execução fiscal n°3…, foram instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa 4, a 26 de maio de 2010 e incidem sobre a sociedade I... - Investimentos Imobiliários, S. A., que figura nos títulos executivos como devedora, sendo atualmente objeto de cobrança coerciva o remanescente de uma dívida proveniente de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2009, no valor de €2.468,28, ora reduzida a €1.109,58, cujo prazo de pagamento voluntário tinha terminado a 30 de abril de 2010.
2. Nos processos que àquele foram apensados visa-se a cobrança coerciva das seguintes dívidas da sociedade:
a) dívida proveniente de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2009, no valor de €1.358,58, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 30 de setembro de 2010- apenso n°3…;
b) dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2009, no valor de €522,94, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 23 de agosto de 2010- apenso n°33…;
c) dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (retenção na fonte) do ano de 2010, no valor de €30, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 20 de outubro de 2010- apenso n°33…;
d) dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (retenção na fonte) do ano de 2010, no valor de €30, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 20 de agosto de 2010- apenso n°33…;
e) dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (retenção na fonte) do ano de 2010, no valor de €30, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 20 de janeiro de 2011- apenso n°33…;
f) dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (retenção na fonte) do ano de 2010, no valor de €32,31, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 20 de novembro de 2010-apenso n°33…;
g) dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado do terceiro trimestre de 2010, no valor de €19.273,59, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 15 de novembro de 2010- apenso n°33…;
h) dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado do primeiro trimestre de 2010, no valor de €5.429,18, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 17 de maio de 2010 - apenso n°33…;
i) dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado do quarto trimestre de 2010, no valor de €2.937,10, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 15 de fevereiro de 2011 - apenso n°33…;
j) dívida proveniente de Imposto Municipal de Sisa e juros compensatórios 2005, no valor de €26.275,80, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 3 de outubro de 2010 - apenso n°33….
3. Citada a sociedade em 16 de agosto de 2010, pelo menos no âmbito do processo eleito principal, não procederia ao pagamento daquela nem das demais dívidas e, no desconhecimento de bens que lhe pertencessem, ainda não penhorados à ordem de outros processos executivos fiscais e com valor passível de execução proficiente para os fins dos autos principais, o Órgão de Execução Fiscal, a partir de 12 de outubro de 2012, iniciou o procedimento tendente à reversão da execução sobre os administradores constantes do pacto social e demais atos registados da sociedade executada.
4. Uma das visadas foi a ora Opoente, D..., vogal do conselho de administração, como tal designada, pelo menos, no quadriénio 2005-2008 e, de novo, por deliberação de 13 de dezembro de 2010.
5. Em 9 de janeiro de 2012 notificada para se pronunciar no âmbito daquele procedimento enxerto, a Opoente nada disse.
6. E, por despacho de 14 de fevereiro de 2012 o Órgão de Execução Fiscal reverteu a execução das elencadas dividas sobre a Opoente, invocando o teor do disposto nos arts.24°n°1 corpo e alínea b) e 23°n°5 da Lei Geral Tributária, mais considerou que a Opoente - vogal da administração, de facto e de direito da executada - não provara não lhe ser imputável a falta de pagamento das dívidas, quando o respetivo prazo legal terminara no período do seu cargo.
7. Citada na pessoa de terceiro a 22 de fevereiro de 2012, a Opoente apresentaria a 28 de março seguinte a petição na origem dos presentes autos.

Da prova reunida não resultaram provados outros factos, com interesse para a decisão da causa e, com esta pertinência, também já não resultou provado que:


1. Entre as dívidas exequendas revertidas houvesse quantias representativas de coimas irrogadas à sociedade executada.
2. Que a Opoente haja exercido as funções de vogal do conselho de administração da sociedade, para que esteve designada, nomeadamente que o haja feito no ano de 2005 e nos de 2009, 2010 e 2011.

3. Que a sociedade principal executada tivesse bens desembaraçados, nomeadamente um no valor de €54.688,41, que pudesse ser objeto de penhora útil para os autos principais, aquando da reversão.

Não há outros factos, não provados, com relevo para a decisão.

A convicção do Tribunal assentou na prova documental consistente no próprio processo executivo, que por extrato certificado consta nestes autos, de fls.23-45, bem como no apenso organizado para o efeito, onde se compreende certidão permanente do Registo Comercial sobre o registo do pacto e demais elementos da sociedade executada, do mesmo modo que consta a sua tramitação, termos, atos, decisões e comunicações, bem como quanto à origem das dívidas exequendas. Essa documentação faz prova plena dos factos neles plasmados como praticados pelos respetivos oficiais públicos, quer daqueles que enunciam como por si atestados, arts.369°, 377° e 371° do Código Civil e 34°n°2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que dúvidas se não enxergam acerca da fidedignidade desses documentos.


Já quanto à matéria de facto julgada não provada o Tribunal fez repousar o juízo negativo sobre ela no facto de nenhuma prova sobre ela ter sido feita.»

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Com base na matéria de facto supra exposta, o Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou a oposição procedente com fundamento na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, entendendo, em síntese que os factos que resultam provados relativamente à gerência nominal não são suficientes para concluir pela gerência de facto.

A recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, invocando que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto o órgão de execução fiscal reuniu provas de que a Oponente exerceu de facto a gerência de facto da sociedade executada originária.

Apreciando.

A responsabilidade membros de corpos sociais e responsáveis técnicos vem prevista no art. 24.º da LGT, que dispõe do seguinte modo:

“1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
2 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas pessoas colectivas em que os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários destas resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização.
3 - A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos técnicos oficiais de contas desde que se demonstre a violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.”

Portanto, resulta daquele preceito legal, desde logo, que um dos requisitos da responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos é o exercício de facto de funções de administração ou gestão.

No que diz respeito às regras do ónus da prova relativamente ao exercício de facto de funções de administração ou gestão, importa ter presente que o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, reiterado posteriormente, pelo acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08, e pelo acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12) considerou, ainda no âmbito do regime do CPT, que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência».

Entendeu-se no que respeita ao exercício das funções de gerência que «sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efetivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal».

Com este acórdão, fica assim sem margens para dúvidas, afastado o entendimento segundo o qual, uma vez verificada a gerência nominal ou de direito, se presume a gerência de facto ou efetiva. Estas regras do ónus da prova aplicam-se, de igual modo, no âmbito do regime do art. 24.º da LGT.

Não obstante, nada impede que o julgador possa valorar criticamente toda a prova que consta do processo de execução fiscal para formar a sua convicção, inclusive a certidão da matrícula da sociedade executada originária e as respetivas inscrições, em particular, aquelas que dizem respeito à existência de um ou mais gerentes ou administradores nomeados, e a forma como se vincula a sociedade, que poderão constituir factos indiciadores da gerência de facto e que podem e devem ser conjugados com outros meios de prova constantes do processo.

O julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efetivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas, mas já não pela “aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” [acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12], e diremos mais, de igual modo, também não poderá o julgador resguardar-se na inexistência de presunção para se eximir do exame crítico da prova (cf. acórdão do TCAS de 11/07/2019, proc. n.º 281/11.4BELRS).

Com efeito, naquele acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12, sumariou-se: “I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” (sublinhado nosso).

Como supra exposto, não existe uma presunção legal segundo a qual o gerente de direito o é, também, de facto, sendo esse um elemento a considerar na decisão de facto.

Em suma, a partir da prova produzida o juiz pode firmar um facto desconhecido, usando as regras da experiência e juízos de probabilidade, através de presunção judicial nos termos do art. 350.º do Código Civil (v. acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08: “(…) IV - No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência”). O que não se poderá é inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal, como resulta da jurisprudência fixada pelo STA.

Desta forma, no procedimento de reversão, a AT deve procurar determinar se os gerentes de direito exercerem de facto essa gerência, e para formar essa convicção, deve juntar ao processo executivo elementos de prova que a corroborem, de modo a satisfazer o seu ónus probatório. Se concluir pelo não exercício de facto da gerência pelos gerentes de direito, deve então apurar quem exerceu a gerência de facto do sujeito passivo, na medida em que tais pessoas são responsáveis subsidiários ainda que a sua atuação seja “somente de facto”, como refere o n.º 1 do art.º 24.º da LGT, pois o preceito legal não se exige a gerência nominal ou de direito, sendo suficiente a mera gerência efetiva ou de facto.

Para podermos apreciar da verificação dos pressupostos do chamamento do responsável subsidiário ao abrigo do art. 24.º, n.º 1 da LGT importa, então, partir da análise concreta da instrução do processo de execução fiscal no qual se funda a prolação do despacho de reversão, valorando criticamente todos os meios de prova que aí constam.

Passemos, então, à análise do caso dos autos, e para tanto, cumpre aditar oficiosamente o seguinte facto com relevo para a decisão, a proferir nos autos, ao abrigo do art. 662.º, n.º 1, do CPC:

8. Foi levado a registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a nomeação dos dois membros do Conselho de Administração da sociedade executada originária para o quadriénio 2009/2012, nomeadamente, A… (Presidente) e a Oponente (vogal), e que a sociedade se obriga pela assinatura do Presidente do Conselho de Administração ou de um administrador delegado (cf. certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa de fls. 42-43 dos autos).

Prosseguindo.

Resulta da matéria de facto dada como provada, e que não foi impugnada pela recorrente Fazenda Pública, o seguinte:

_ a Oponente foi citada na qualidade de executada por reversão nos termos do art. 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT;
_ encontra-se registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa que no quadriénio 2009/2012 encontram-se mandatados para o Conselho de administração da executada originária, a Oponente (vogal) e A… (Presidente);
_ a sociedade executada originária obriga-se com a assinatura do Presidente do Conselho de Administração ou de um administrador delegado.

Ora, tais factos, em que assenta o despacho de reversão, são efetivamente insuficientes para que se possa concluir o efetivo exercício de funções de gestão ou administração pela Oponente.

Efetivamente é preciso considerar que os mandatados para o Conselho de administração da executada originária são dois: a Oponente (vogal) e A… (Presidente). Por outro lado, a sociedade executada originária se obriga com a assinatura do Presidente do Conselho de Administração ou de um administrador delegado, e não por qualquer um dos membros do Conselho de Administração como parece entender a recorrente Fazenda Pública (conclusão III). Nem tão pouco tem razão de ser o argumento invocado nas conclusões V) e VII) porque não existe neste caso qualquer presunção judicial. Ao contrário do que parece entender a recorrente, in casu, não há uma probabilidade forte de exercício da administração de facto da Oponente, porque o órgão de execução fiscal não coligiu qualquer meio de prova, não evidenciou a prática de qualquer ato que pudesse demonstrar, sequer minimamente, quanto mais com probabilidade forte, a efetividade do exercício daquelas funções.

Portanto, considerando que o modo como se vincula a sociedade executada originária, e sem qualquer prova da prática de atos de efetiva gestão ou administração pela Oponente, não se pode concluir que a Oponente exercia efetivamente a gestão ou administração efetiva da executada originária pela Oponente. Na verdade, repare-se que a Oponente é vogal, não se tendo sequer apurado que era administrador delegado, e assim sendo, a sua assinatura nem sequer poderia obrigar ou vincular a sociedade executada originária.

Em suma, sendo o exercício efetivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício de funções de administração ou gestão pela Oponente.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Sendo o exercício efetivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício de funções de administração ou gestão pela Oponente.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 03 de dezembro de 2020.

A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.