Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09760/16
Secção:CT
Data do Acordão:02/09/2017
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:MANDATO
CADUCIDADE
PROVA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:I - A falta de inquirição das testemunhas arroladas não consta do rol de nulidades insanáveis do art. 98º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nem constitui uma nulidade processual à luz dos artigos 195.º e seguintes do Código de Processo Civil, na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção.
II – Assim, e porque não há a referida imposição legal, se o juiz dispensa, expressa ou implicitamente, essa produção de prova não pode julgar-se verificada como inobservada uma formalidade legal e, consequentemente, verificada uma nulidade processual, ainda que dessa omissão de diligências de prova possa resultar afectado o julgamento da matéria de facto, a determinar, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório.
III – Não tendo sido realizadas as diligências de prova requeridas e através das quais se pretendia comprovar que o falecimento do Oponente ocorrera entre a constituição de um mandato válido e a instauração da acção (pelas razões que detalhadamente concretiza), e que o mandatário só tivera conhecimento desse falecimento na pendência dos autos, não podia, à partida, o Tribunal, sem realizar essas diligências concluir pela falta de “personalidade judiciária” do Oponente e pela inexistência de fundamento para prosseguimento do incidente de habilitação deduzido nos autos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – Relatório

J... vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que, no âmbito da oposição por si deduzida ao processo de execução fiscal nº..., julgou procedente a excepção da ilegitimidade ou de falta de personalidade jurídica do oponente, arguida pela Fazenda Pública e absolveu esta da instância.

Tendo alegado, aí concluiu nos seguintes termos:

«a) A douta sentença recorrida julgou procedente, por provada, a excepção de falta de personalidade judiciária do oponente.

b) Antes da prolação da referida douta sentença, invocou-se estarmos perante uma das situações em que não ocorre a caducidade do mandado com a morte do mandante prevista pela conjugação dos artigos 1175° do C.C. e 335° n°3 do C.P.C, e requereu-se a produção nos autos da correspondente prova.

c) O Tribunal "a quo" não deferiu ou indeferiu o requerimento em causa, pelo que não se pronunciou, como devia, relativamente à questão suscitada.

d) A douta sentença ficou, assim, ferida de nulidade por omissão de pronúncia, nulidade esta prevista no artigo 615°, n°1, alínea d), do CPC.

e) Além do que o não deferimento da requerida diligência de prova constitui uma violação do princípio do inquisitório previsto no artigo 411° do CPC, o que consubstancia-se na nulidade estatuída no artigo 195°, n°1, in fine, do CPC ao influir na discussão e julgamento da causa.

f) Argúem-se as sobreditas nulidades e delas ora se reclamam para todos os efeitos, tudo com todas as legais consequências.

g) Por fim, importa, ainda, acrescentar que todos os sobreditos artigos do CPC são directamente aplicáveis ao processo tributário por via da remissão prevista pelo artigo 2°, alínea e), do CPPT.

Nestes termos e nos demais de direito que V.as Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogada a douta sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal "a quo" e ser substituída por douto acórdão que ordene o prosseguimento dos autos com a produção da prova requerida a 16.11.2015, pelo que assim decidindo farão V.as Exas. a tão costumada …Justiça»

A Fazenda Pública, Recorrida nos presentes autos, notificada da admissão do recurso jurisdicional, apresentou contra-alegações, aí pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado, concluindo nos seguintes termos:

«25. Face ao exposto, reitera-se o já afirmado noutra sede:

26. Estabelece o artigo 265° n°1 do Código Civil (CC) que “1. A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.", (sublinhado nosso)

27. Dispõe o artigo 1174° alínea a) do CC que "O mandato caduca: a) Por morte ou interdição do mandante ou do mandatário;", (sublinhado nosso)

28. Significa isto que, se essa relação jurídica subjacente à procuração é um mandato, caducando o mandato, por morte do mandante, cessa a relação jurídica subjacente à procuração e extingue-se a procuração.

29. Assim sendo, com a morte de J... a 25/01/2011 ocorreu a extinção da procuração passada a A...,

30. pelo que todos os atos posteriores a esta data pelo procurador praticados em nome do de cujus,

31. nomeadamente a procuração forense por este passada ao advogado J...,

32. e, consequentemente, todos os atos praticados em nome do de cujus pelo advogado J...,

33.nomeadamente o intentar da presente ação judicial,

34. são desprovidos de qualquer validade, por falta de poderes representativos do(s) mandatário(s).

35. Por outro lado, nos termos do artigo 66° n°1 do Código Civil (CC) "1- A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida",

36. sendo que "1- A personalidade cessa com a morte", conforme artigo 68° n° 1 do CC.

37. Estabelece o artigo 11° do Código de Processo Civil (CPC) que: "1 - A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte. 2 - Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária.",

38. Logo, a contrario quem não tem personalidade jurídica não tem igualmente personalidade judiciária.

39. Nestes termos, verifica-se que o autor aqui em juízo, a saber, J..., porque já falecido aquando da apresentação da acão, não tem personalidade judiciária.

40. Assim, uma vez que a existência física e jurídica da entidade demandante é um pressuposto da ação, deverá a Fazenda Pública ser absolvida da instância no presente processo, com as legais consequências.

Nestes termos, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser julgado improcedente o presente recurso e a decisão recorrida ser mantida.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central emitiu douto parecer, no qual se pronunciou, a final, no sentido da improcedência do recurso

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II - Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir (i) se a sentença recorrida é nula por o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre questão que se impunha que tivesse apreciado (ii) se o Tribunal ao não emitir qualquer pronúncia sobre o requerimento de prova apresentado pelo Oponente para prova de factos impeditivos de caducidade do mandato violou o princípio do inquisitório com a consequente verificação de nulidade susceptível de influir na decisão da causa e (iii) se o Tribunal a quo errou ao julgar procedente a excepção suscitada de falta de personalidade jurídica com fundamento em que “a procuração emitida em 2013 não tem validade por ter sido emitida em nome e por conta de quem já não tinha personalidade judiciária”.


III - Fundamentação de Facto

Em 1ª instância foram dados como provados, «para conhecer a excepção», os seguintes factos:

A) Em 26 de Outubro de 2005, no Consulado Geral de Portugal em Joanesburgo J... e sua mulher M..., constituíram seu bastante procurador A..., conforme procuração de fls.23, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;

B) J... faleceu a 25 de Janeiro de 2011;

C) Em 6 de Junho de 2013 A..., em representação de J..., através da procuração de fls.22, conferiu ao Dr. J... poderes gerais e especiais;

D) Em 24 de Janeiro de 2013 deu entrada no Serviço de Finanças - ... a pressente oposição à execução fiscal n°..., assinada por J..., onde é oponente J...;

E) Em 11 de Novembro de 2015 foi junto aos autos requerimento da Fazenda Pública onde informa o decesso do oponente a 25-01-2011;

F) A 26 de Setembro de 2014 foi efectuada a escritura de habilitação junta a 13 de Novembro de 2015.

Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, acorda-se, por documentalmente comprovado e relevante para a decisão da causa, a seguinte factualidade:

G) Notificado da apresentação do requerimento referido em E) e do pedido aí formulado, o mandatário do Oponente apresentou, a 13-11-2015, Incidente de Habilitação e, a 16-11-2015, requerimento de pronúncia relativamente à questão de falta de personalidade suscitada pela Fazenda Pública no requerimento referido em E), aí pedindo, designadamente, que fosse realizada produção de prova testemunhal (cfr. documento de fls. 140 – 141 e 145-148, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.

H) Por despacho de 28-11-2015, foram os autos com “Termo de Vista” ao Magistrado do Ministério Público e, após, foi proferida a sentença recorrida nos presentes autos.

IV – Fundamentação de Direito

A presente Oposição Judicial nasce, como claramente resulta dos autos, do inconformismo processualmente revelado por J... perante o acto de citação que se terá verificado no âmbito do processo de execução fiscal.

Alegou, então, a nulidade da decisão de instauração da execução, violação do seu direito de audição prévia, a falta de notificação da liquidação, inexistência do imposto face às leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação e a caducidade do direito de liquidação.

A Fazenda Pública, notificada para contestar, veio fazê-lo, defendendo a não verificação de qualquer um dos vícios invocados pelo Oponente e, para o que ora releva, após ter por si sido apresentado, posteriormente à contestação, um requerimento informando o Tribunal de que o Oponente tinha falecido em 25 de Novembro de 2011 e, consequentemente, que são “inválidos” todos os actos praticados pelo Mandatário, atento o facto de a procuração por ele junta ao processo lhe ter sido passada por quem, na data da sua emissão, já não tinha poderes de representação, bem como pelo facto de, à data da instauração da acção não deter já o Oponente personalidade jurídica nem, consequentemente, judiciária.

É, pois, neste contexto, que a herança do Oponente vem deduzir Incidente de Habilitação e o Oponente vem apresentar um requerimento insurgindo-se contra a referida excepção de falta de personalidade, requerendo a audição de uma testemunha.

Como se vê da tramitação imprimida aos autos, a Meritíssima Juíza, após ter sido recolhido o parecer do Ministério Público, proferiu sentença julgando procedente a referida excepção de falta de personalidade.

E é contra esta decisão que reage o Oponente neste recurso, peticionando, por um lado, a nulidade da sentença por o Tribunal não se ter pronunciado sobre questão que devia ter apreciado e a anulação do processado por violação do princípio do inquisitório.

Não obstante não lhe assistir razão quanto à nulidade invocada, nem quanto à verificação da nulidade processual igualmente suscitada, é, para nós, evidente, que a sentença proferida não se pode manter na ordem jurídica.

Vejamos porque assim o afirmámos, começando por apreciar a questão da nulidade da sentença, salientando o que é absolutamente pacifico há largos anos na jurisprudência e na doutrina face ao estipulado nos artigos 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 615.º do Código de Processo Civil: só existe omissão de pronúncia se o juiz, devendo pronunciar-se sobre determinada questão [ou porque a mesma lhe foi suscitada pela parte ou oficiosamente se lhe impunha que tivesse conhecido, num caso e noutro por se não mostrar prejudicada pela solução dada a outra (s)], de todo, isto é, em absoluto o não tiver feito, não valendo, para este efeito (omissão de pronúncia), uma apreciação menos ou mal fundamentada ou sustentada e, muito menos, incorrecta, constituindo, naquela primeira circunstância, uma decisão, do ponto de vista jurídico, pouco rigorosa (ou medíocre) e consubstanciando a verificação da segunda eventual erro de julgamento.

Ora, para fundamentar a nulidade suscitada alega o recorrente, como se surpreende claramente das conclusões, que antes da prolação da sentença invocou que estávamos perante uma das situações em que não ocorre a caducidade do mandado com a morte do mandante prevista pela conjugação dos artigos 1175° do C.C. e 335° n°3 do C.P.C e requereu a produção nos autos de prova tendente a demonstrar a factualidade relevante para esse efeito e que o Tribunal "a quo" não deferiu ou indeferiu o requerimento em causa.

Considerando que a sentença versa e só versa sobre a questão suscitada de falta de personalidade – sobre a qual, suscitada pela Fazenda Pública, o recorrente se pronunciou no citado requerimento -, outra conclusão não podemos extrair que não seja a de que a nulidade invocada se reportará, manifestamente, apenas a uma não pronúncia sobre o requerimento de produção de prova.

Acontece porém que, e salvo o devido respeito, os requerimentos de prova não constituem questões para efeitos da nulidade arguida, ainda que o Juiz se deva pronunciar sobre estes, designadamente aferindo e decidindo da sua pertinência.

Como nos ensina a doutrina, advertindo expressamente para a confusão que de forma frequente dá origem a que a omissão de pronúncia seja frequente e indevidamente invocada nos tribunais «Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda» e «não enferma de nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio».(1)


«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» (2) . Daí que «O conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes e só a falta de conhecimento de questões constitui nulidade por omissão de pronúncia, como resulta do texto do art. 125.º do CPPT e da alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC».(3)

Em suma, só a omissão do conhecimento de uma questão, que não o de argumentos, razões ou fundamentos, constitui a nulidade por omissão de pronúncia, sendo que, insiste-se, como se colhe da leitura da sentença, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão suscitada pela Fazenda Pública, sobre a qual ouviu o recorrente, esgotando-se nessa questão, o objecto do julgado. Não se verifica, pois, a nulidade por omissão de pronúncia suscitada, devendo improceder, em conformidade, o recurso jurisdicional que com base neste fundamento foi intentado.

Questões distintas, e também suscitadas pelo recorrente, são as de saber se nos autos se verifica nulidade, nos termos do artigo 195.º do Código de Processo Civil, por o Tribunal ter omitido o dever de pronúncia sobre o requerimento de prova apresentado pelo Oponente para prova de factos impeditivos de caducidade do mandato, atenta a influência dessa omissão na decisão da causa, e se ao julgar procedente a excepção suscitada de falta de personalidade jurídica com fundamento em que “a procuração emitida em 2013 não tem validade por ter sido emitida em nome e por conta de quem já não tinha personalidade judiciária”, errou no julgamento realizado.

Vejamos.
Como vimos, a verificação, in casu, da nulidade processual por força do preceituado no artigo 195.º, nº1 do Código de Processo Civil vem consubstanciada na circunstância de o Tribunal a quo, após ter facultado ao Oponente a possibilidade de se opor à excepção suscitada, nada ter dito sobre o requerimento de prova por si formulado e que visava precisamente por em causa a argumentação de facto e direito invocada pela Fazenda Pública para sustentar a referida caducidade e excepção.

A fim de claramente se compreender a decisão que no caso entendemos caber, importa ter presente que, como resulta dos factos apurados:

- A presente acção foi instaurada pelo Oponente e que, com a petição inicial, foram juntas ao processo duas procurações. Uma, dando poderes a A... para o representar em Portugal nos termos definidos na procuração a que se reporta a alínea A) do probatório, e outra, emitida por este ao Ilustre Advogado do processo, para intentar esta acção;

- Na pendência dos autos foi dado conhecimento ao Tribunal, pela Fazenda Pública, que o Oponente tinha falecido em 25-1-2011 e requerido ao Tribunal que julgasse verificada a excepção de falta de capacidade judiciária do Oponente, com fundamento em que a acção tinha sido intentada após o seu falecimento e tendo por base mandatos nessa data já caducados;

- Na sequência dessa prestação de informação foram apresentados pelos herdeiros dois requerimentos: um, pelos herdeiros, requerendo a sua habilitação; outro, em nome do Oponente, insurgindo-se contra a invocada excepção de invalidade de actos e de falta de personalidade, requerendo, designadamente, que fosse inquirida uma testemunha para prova de que o falecimento do Oponente não era, à data da propositura da acção, do conhecimento do seu procurador A..., nem do mandatário nos autos, explicitando, no mesmo requerimento, de forma muito detalhada as razões de facto por que esse desconhecimento se verificava.

- O Tribunal não se pronunciou sobre o referido requerimento de prova, antes tendo de imediato determinado que os autos fossem conclusos ao Ministério Público com «Termo de Vista» para parecer sobre a referida excepção, após o que proferiu sentença.

Sendo estes os factos relevantes para a apreciação da questão suscitada em recurso, importa que façamos, antes de mais, um breve enquadramento jurídico-processual da mesma.

Nos termos do disposto no artigo 196.º do Código de Processo Civil, uma nulidade secundária que o Tribunal haja porventura praticado (por acção ou por omissão) deve ser arguida, em princípio, mediante reclamação a deduzir no prazo de dez dias (prazo geral estabelecido no artigo 149º do mesmo diploma), sob pena de ficar sanada, o qual, nos termos do preceituado no artigo 199.º, se inicia na data de conhecimento da nulidade pela parte prejudicada ou do momento em que a parte poderia dela conhecer se actuasse com a diligência devida.

No caso, considerando a tramitação processual imprimida aos autos, por nós supra relevada, é forçoso concluirmos que, se o Tribunal tivesse cometido qualquer nulidade, o prazo de arguição de nulidade não se tinha ainda iniciado quando foi proferida a decisão recorrida - por falta de conhecimento, pelo interessado, da irregularidade alegadamente cometida – a qual efectivamente apenas se teria consumado com a pronúncia da decisão judicial. Como há muito se vem firmando na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a nulidade fica “implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação, pelo que tal nulidade processual se tornou também vício formal da sentença que lhe deu cobertura”(4)

, sendo, assim, o recurso da sentença o meio adequado para reagir às nulidades processuais anteriores à prolação da sentença final.

Posto isto, isto é, assente que o tempo e o meio processual porque foi arguida a alegada nulidade processual são os correctos e que o arguente é parte legítima para o efeito, por ser directamente afectado pelo seu eventual cometimento, regressemos ao caso concreto e à ausência de pronúncia sobre o requerimento de prova em causa, para concluirmos, mais uma vez atenta a tramitação processual – imediata remessa dos autos ao Ministério Público para emissão de parecer e prolação de sentença – que a Meritíssima Juíza, implicitamente, entendeu estar em condições para conhecer da excepção suscitada.

O que fez, identificando esta como “falta de personalidade jurídica” e julgando a excepção procedente não acolhendo os factos e as razões de direito invocadas pelo Oponente no seu requerimento.

Acontece porém que, contrariamente ao que vem invocado pelo recorrente, não foi cometida qualquer nulidade processual.

Efectivamente, se até há alguns anos não era pacífico o entendimento dos Tribunais Superiores nesta matéria, isto é, quanto a constituir ou não infracção processual “a omissão de acto de produção de prova”, havendo quem defendesse, como a relatora deste acórdão, que essa omissão, se se mostrasse verificada a sua influência na decisão da causa, constituía uma nulidade processual, quer quando os requerimentos de prova erram apresentados com a petição inicial, quer em articulados autónomos, como é o caso destes autos,(5) e quem entendesse exactamente o contrário (6), foi esta última posição que veio a firmar-se de forma pacifica na jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo como se pode ler no aresto deste de 27-1-2016:

«O que significa, desde logo, que o recorrente não invocou, nem podia invocar, a existência de uma nulidade processual por ter sido cometida uma infracção processual (corporizada na omissão de acto de produção de prova), sabido que constitui posição jurisprudencial há muito firmada que a falta de inquirição das testemunhas arroladas não consta do rol de nulidades insanáveis do artigo 98º do CPPT nem constitui uma nulidade processual à luz do artigo 201º e segs. do CPC, na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade e admissibilidade da sua produção».(7)

Explicitando a falta de fundamento da nulidade, adianta-se nos vários arestos daquele Supremo Tribunal que « não constitui nulidade porque cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, constam do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido. Ou seja, a lei não prescreve que deve haver sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção (Quanto à instrução do processo de acção administrativa especial, como refere Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa (Lições), 5ª edição, pág. 294, vale plenamente o princípio do inquisitório, podendo o relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, bem como indeferir as diligências requeridas que considere claramente desnecessárias (art. 90º nº 1 do CPTA).)».

Tudo, para concluir que, «não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal geradora de nulidade processual.se o juiz recusa, através de despacho, o pedido de produção de prova, não se pode dizer que preteriu uma formalidade legal. O que não obsta, porém, a que a omissão de diligências de prova possa afectar o julgamento da matéria de facto e acarretar, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório.

Ou seja, essa omissão de diligências de prova, embora irrelevante do ponto de vista da nulidade secundária ou processual, pode e deve ser relevada se se traduzir numa afectação do julgamento de facto, isto é, no apuramento dos factos, sendo estes controvertidos e não indiferentes para efeitos de apreciação e decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito.

Verificada essa situação, ao Tribunal de recurso não restará senão concluir que a decisão - expressa ou implícita - do juiz de conhecer imediatamente da pretensão (excepção ou mérito da causa) sem produzir prova está inquinada de erro com a consequente afectação do valor doutrinal da sentença proferida por insuficiência da matéria de facto e/ou erro de julgamento de facto.

É, precisamente o que o nosso recorrente, a coberto de uma invocação se nulidade processual, verdadeiramente invoca, como claramente se vê das alegações e das conclusões e que no fundo traduzem um argumento fulcral na economia do recurso: a decisão está errada porque o mandato não caducou – atento o alegado desconhecimento dos mandatários do falecimento do mandante, cuja prova pretenderam realizar – sendo aquele desconhecimento precisamente uma das situações que a lei expressamente prevê como causa de não caducidade e cuja verificação legitima, ainda, a dedução do incidente de habilitação.

Para o recorrente, já o vimos, aquela omissão é relevante porque se viu impedido de produzir prova de factos que, em seu entender, obstam a que se considere que os actos por si praticados não são válidos, por o terem sido ao abrigo de um regular mandato judicial e que a regularização da instância se dever obter através do incidente de habilitação de herdeiros igualmente deduzido nos autos. Tudo, adianta, factos que não constam do probatório e, como tal, absolutamente desconsiderados na decisão recorrida.

E assim é.

Na verdade, o que verdadeiramente ficou decidido na sentença, a coberto de uma “falta de personalidade jurídica, não foi “a procedência da excepção de falta de personalidade judiciária”, mas, no limite, a falta desta por, no entender do Tribunal a quo, «o Oponente ter falecido antes da propositura da acção e de ter conferido as procurações» - o que implicou a caducidade das mesmas em conformidade com o preceituado nos artigos 1170.º e 1174.º do Código Civil, e porque a «habilitação de herdeiros só tem sentido quando deduzida em caso de falecimento na pendencia da causa, o que no caso não ocorre uma vez que o oponente (autor nesta acção de oposição) faleceu antes da oposição ser instaurada».

Acontece, porém, que o que o recorrente invocou foi precisamente que essa caducidade não operara na situação concreta, por força das disposições conjugadas dos artigos 351.º, n.º 3 e 1175.º do Código de Processo Civil e da interpretação conforme do disposto no artigo 371.º do mesmo diploma legal, desde que se prove que o mandatário ignore esse facto e que, nessas circunstâncias deve ser admitido o incidente de habilitação de herdeiros.

No que respeita à caducidade do mandato, dispõe o artigo 1174.º do Código Civil, convocado como fundamento jurídico da decisão, que este caduca com a morte. Porém, nos termos do artigo 1175.º do mesmo Código, convocado pelo recorrente, essa caducidade – para o que ora releva - só opera a partir do momento em que esse falecimento seja conhecido do mandatário ou se da caducidade não resultem ou não possam resultar para o mandante ou seus herdeiros prejuízos.

Do que vimos expondo resulta, assim, desde logo, a relevância do alegado e da requerida produção de prova e o quanto a prova desses factos pode influir na decisão que venha a ser tomada.

Por outro lado, não é certo – e este foi o segundo fundamento arguido na decisão e que terá estado na base da desconsideração do incidente de habilitação e da produção de prova em causa – que a habilitação só possa ter lugar em caso de morte na pendência da causa já que, nos termos do preceituado no n.º3 do artigo 351º do Código de Processo Civil «Se o autor falecer depois de ter conferido mandato para a proposição da acção e antes de esta ter sido instaurada, pode promover-se a habilitação dos seus sucessores quando se verifique algum dos casos excepcionais em que o mandato é susceptível de ser exercido depois da morte do constituinte.».

Em suma, tendo o recorrente alegado factos que, provados que sejam, são aptos a fundar uma das soluções plausíveis de direito – não caducidade do mandato e regularização da instância através do incidente de habilitação – é forçoso concluirmos que deveria ter sido produzida essa prova atenta a manifesta importância desses factos para uma decisão segundo uma das possíveis soluções de direito.

Como se disse em recente aresto do Supremo Tribunal Administrativo «O juiz deve promover a produção da prova sobre toda a factualidade alegada que se revele pertinente à luz das várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas e não apenas daquela que entende pertinente à solução jurídica por ele projectada.».(8)

Deste modo, impõe-se, por défice instrutório, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância, onde, após a produção da prova requerida e determinadas quaisquer outras diligências que se entendam devidas, deve ser proferida nova sentença em conformidade com a factualidade que venha a ser dada como provada.

V - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário Sul, concedendo provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instancia onde, após ser determinada a produção de prova em conformidade com o exposto no ponto 4.1., deve ser proferida nova sentença.

Sem custas

Registe e notifique.

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Lisboa, 9 de Fevereiro de 2017

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]



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[Ana Pinhol]

(1) FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9.ª edição, pág. 57.

(2)ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V volume, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 143.

(3) JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 10 b) ao artigo 125.º, págs. 363 a 364.

(4) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Abril de 2007,, integralmente disponível em www.dgsi.pt

(5) Vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28-6-2012 (processo n.º 2517/11.2BEPRT) e de 12-1-2012 (processo n.º 746/08.5BEPNF), integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.

(6)Vide, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30-9-2008 (processo n.º 2330/08) e de 19-3-2009 (processo n.º 135/09), também integralmente disponíveis no mesmo site.

(7) A jurisprudência transcrita, que corresponde a parte do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo da data já indicada, proferida no processo n.º 1589/15, constitui, tão só, o corolário do que este Superior Tribunal vem decidindo nesta matéria desde, pelo menos, o ano de 2013, como se constata da leitura dos muitos acórdãos publicados em www.dgsi.pt, designadamente os acórdãos de 27-11-2013 (processo n.º 1159/09) a 17-2-2016 (proferido no processo n.º 81/16).

(8) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28-11-2015, proferido no processo n.º 1091/13, integralmente disponível em www.dgsi.pt