Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03600/09
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/15/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
ERRO NA FORMA DE PROCESSO.
CONVOLAÇÃO.
Sumário:1.Do despacho que integra o contribuinte no regime simplificado de tributação não cabe impugnação judicial por não se encontrar em causa qualquer acto que aprecie a legalidade do acto de liquidação;

2. Tendo o contribuinte deduzido recurso hierárquico de tal despacho mas não para o mais elevado autor do acto que decidiu por tal regime, como a lei dispõe, a decisão deste recurso não constitui um acto verticalmente definitivo, dele não cabendo qualquer meio de reacção judicial, mas tão só, de novo, recurso hierárquico;

3. Tendo sido deduzida impugnação judicial contra tal despacho que integrou o contribuinte no regime simplificado ocorre um erro na forma de processo, sem possibilidade de convolação, por inexistir forma de processo judicial adequada, sendo de anular todo o processado e de absolver a Fazenda Pública da instância.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Sociedade ……………………………, Lda, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1) A douta sentença padece de erro em matéria de facto;
2) De facto, como se pode constatar pela declaração de início de actividade que se encontra junta ao processo administrativo (a fls. 4 e 5), a "opção" pelo regime geral de tributação, que está na origem do presente processo, foi feita pelo contribuinte e indicada no quadro 19;
3) E nesse quadro 19 da declaração é dito/explicitado, expressamente, que tal opção apenas pode ser efectuada "reunindo (o contribuinte declarante) os pressupostos de inclusão no regime de tributação previsto nos artigos 28° do CIRS ou 53° do CIRC".
4) Porque esses factos influem necessariamente na apreciação da validade da opção pelo regime geral ora em causa, deveriam ter sido levados ao probatório.
5) E, designadamente, deveria ter sido levado ao probatório que o representante da sociedade ao declarar que optava pelo regime geral de tributação, também estimou auferir, nos onze meses do ano de 2002, um volume de negócios de trinta mil contos.
6) Só assim ficaria completo o facto dado como provado no terceiro parágrafo da matéria de facto, que, como está, se apresenta manifestamente insuficiente.
7) A douta sentença recorrida procedeu, também, a uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos, apresentando-se, designadamente, desconforme com o artigo 53° do Código do IRC, pelo que padece, também, de erro de julgamento em matéria de direito
8) Nos termos dos números 1 e 2 do artigo 53° do CIRC, o sujeito passivo ficou enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável, não por opção, mas por imposição legal, pois que não reunia os pressupostos de inclusão no regime simplificado.
9) E não os reunindo, a "opção” que inscreveu no quadro 19 da declaração de início de actividade não era susceptível de produzir efeito, pois a lei, nesse caso, não confere tal faculdade.
10) Tal era, aliás, o que resultava expressamente esclarecido no próprio texto do quadro 19 da declaração.
11) Ora, nessa situação, também contrariamente ao entendido na sentença recorrida, o nº8 do artigo 53° não é aplicável, pois que só quando há uma opção (válida) pelo regime geral este se mantém válido por um período de três exercícios.
12) Quando o enquadramento no regime geral de determinação do lucro tributável resulta de imposição legal (e não de opção legalmente válida), como é o caso, o enquadramento no exercício seguinte é efectuado tendo em conta o volume de proveitos efectivos obtidos no exercício imediatamente anterior.
13) Entendimento que, diga-se, traduz a tese que tem sido acolhida por esse Venerando Tribunal em diversos acórdãos, como sejam os Acórdãos proferidos pela 2ª secção desse TCA Sul, em 27-11-2007, no processo nº 02012/07, em 11-03-2008, no processo nº 02140/07, ou em 26-6-2007, no processo 01639/07 (todos em www.dgsi.pt).
14) Em consonância foi, como tinha de ser, o volume total anual de proveitos efectivamente obtidos pelo sujeito passivo em 2002, que, nos termos do nº1 do artigo 53° do CIRC, determinou o seu enquadramento automático nesse regime simplificado, a partir de 2003 (por três anos consecutivos, em conformidade com o nº9 do artigo do artigo 53° do CIRC).
15) Isso dado que não veio expressar a sua opção pelo regime geral apresentando a declaração de alterações nos termos e prazo previstos na alínea b) do nº7 do artigo 53° do CIRC. Disposição apenas, então, aplicável.
16) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconforme com os preceitos acima assinalados, não merecendo, por isso, ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Ex.as. deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida como é de Direito e Justiça


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ocorrer a excepção dilatória de conhecimento oficioso de erro na forma do processo já que a recorrida pretende ver anulado o acto que a enquadrou no regime simplificado de tributação, que não de qualquer liquidação, então inexistente, pelo que o meio próprio será a acção administrativa especial, havendo lugar à respectiva convolação por a causa de pedir e o pedido serem adequados para o efeito, devendo os autos baixar à 1.ª Instância para o efeito, ou, caso assim se não entenda, deve a Fazenda Pública ser absolvida da instância.


Notificadas que foram as partes deste parecer, veio a recorrente a opor-se a tal convolação por o pedido e a causa de pedir, originariamente formulados, não serem adequados para o efeito, enquanto a recorrida continua a defender e a pugnar pela utilização e conhecimento desta questão em sede de impugnação judicial, ou, caso assim se não entenda, que a impugnação seja convolada em acção administrativa especial.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se ocorre erro na forma de processo de impugnação judicial utilizada, sem possibilidade de convolação, não sendo de conhecer de quaisquer outras questões por prejudicadas.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz, subordinado-a às seguintes alíneas:
A) A impugnante é uma sociedade por quotas constituída por Manuel …………….. e Maria …………….. tendo como actividade a exploração florestal e comercialização de madeiras e materiais de construção civil, com o CAE 02012.
B) A impugnante iniciou a sua actividade em 02/01/2002 conforme declaração apresentada no Serviço de Finanças.
C) Na referida declaração declarou o representante da sociedade que optava pelo regime geral de tributação no que respeita aos rendimentos desta.
D) Em conformidade com esta declaração procedeu a impugnante à entrega das declarações de rendimentos, através do modelo 22, nos anos de 2003 e 2004, relativas aos anos de 2002 e 2003, por via electrónica.
E) Em ambas as ocasiões as declarações foram aceites.
F) Quando procedeu ao envio, recorrendo ao mesmo processo que nos anos transactos, a impugnante não obteve aceitação da sua declaração de rendimentos.
G) No ano de 2004 o cadastro foi alterado pelos Serviços com datas retroactivas a 01/01/2003 sem notificação da impugnante.
H) Em 12/07/2005 a impugnante apresentou reclamação graciosa que lhe foi indeferida por decisão de 22/11/2006, notificada a 24/11/2006.
I) Em 11/12/2006 apresentou a impugnante petição inicial para impugnar aquele acto, a qual lhe veio a ser rejeitada liminarmente por omissão do valor. Requerida a aclaração de tal despacho foi o mesmo mantido. No entanto, em 24/05/2007 a impugnante apresentou nova petição inicial, desta feita com o valor indicado que veio a dar origem aos presentes autos.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, juntos pelas partes no processo principal e ainda os constantes do processo administrativo.

FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem. As demais asserções constituem antes meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou direito.


4. Na sentença recorrida, a M. Juiz do Tribunal “a quo”, considerou correcta a forma de processo utilizada de impugnação judicial, e que tendo a AT aceite as declarações de rendimentos apresentadas pela ora recorrida relativas a dois exercícios, no regime de tributação que esta escolhera, também teria de ter aceite a declaração relativa ao terceiro deles, por força do disposto no art.º 53.º do CICRC, devendo considerar-se que os contribuintes mesmo que reunam as condições para ficar abrangidos pelo regime simplificado podem optar pelo regime geral de tributação, no início da tributação e que neste caso se tem de manter por três anos, desta forma tendo julgado procedente a impugnação judicial deduzida.

Para a recorrente Fazenda Pública, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra este entendimento e decisão que se vem insurgir, pugnando que o contribuinte não pode escolher livremente o seu regime de tributação, apenas podendo ser enquadrado no regime geral de tributação se para tanto reunir os respectivos requisitos, o que no caso se não verificava, pelo que a sua opção por este regime não poderia surtir o pretendido efeito, para além de vir colocar em causa o julgamento da matéria de facto tal como consta no probatório fixado na sentença recorrida, pretendendo que ao mesmo sejam aditados os factos que enumera.

Vejamos então.
Importa começar por conhecer da invocada excepção dilatória de erro na forma de processo invocada pelo Exmo RMP, junto deste Tribunal, questão que também sempre seria de conhecimento oficioso por parte deste Tribunal, nos termos do disposto no art.º 495.º do Código de Processo Civil (CPC), já que a mesma, a existir, importará a absolvição da instância da parte contrária, caso não seja possível a sua convolação para a forma de processo adequada – cfr. art.ºs 493.º, n.º2, 288.º do CPC e 97.º, n.º3 da LGT e 98.º n.º4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

A LGT, no seu art.º 101.º, prevê as diversas formas de processo possíveis no âmbito tributário, reservando a impugnação judicial para os casos em que esteja em causa a apreciação duma liquidação efectuada, enquanto que os então chamados recursos contenciosos estão reservados para os actos denegadores de isenções ou benefícios fiscais ou de outros actos relativos a questões tributários que não impliquem a apreciação do acto de liquidação – sua alínea j) – com correspondência processual na norma do art.º 97.º do CPPT, em que igualmente reserva a impugnação judicial para os casos da liquidação dos tributos ou da fixação da matéria tributável – suas alíneas a) e b) – enquanto que o então recurso contencioso constitui o meio processual próprio para impugnar quaisquer outros actos administrativos respeitantes a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação – sua alínea p) – sendo que os meios processuais não podem ser utilizados indiscriminadamente, sendo que a cada direito corresponde o meio processual adequado para o fazer em juízo (1), como dispõe a norma do art.º 97.º n.º2 da LGT.

E aquele então recurso contencioso mais não é do que a actual acção administrativa especial, aplicável no domínio tributário por força do disposto no n.º2 do mesmo art.º 97.º, cuja norma do art.º 191.º do CPTA, mandou remeter para esta, todas as remissões feitas para aquele recurso contencioso, e que entrou em vigor em 1.1.2004, como é sabido.

No caso, o único vício que a ora recorrida imputa a tal liquidação, foi o relativo ao despacho do Chefe do Serviço de Finanças de 22.11.2006, proferido no recurso hierárquico interposto e que teve por objecto o despacho que a sujeitou ao regime simplificado de tributação, não apontando qualquer erro ou vício que a mesma pudesse padecer, autónomos, susceptíveis de a inquinar na sua legalidade, afirmando em suma e donde faz radicar tal ilegalidade, que a AT, não pode, como o fez, tributar a impugnante pelo regime simplificado no exercício de 2004 – cfr. matéria do art.º 27.º da sua petição de impugnação – ou seja, a anulação dessa liquidação a não faz a mesma radicar em qualquer outro vício que não seja, na sua perspectiva, a ilegal tributação pelo regime simplificado de tributação, pelo que da decorrência dessa ilegalidade decorreria, também, a anulação dessa liquidação, mas já como um seu efeito mediato ou indirecto, que não directo e imediato.

É certo que, a final, a ora recorrida veio pedir a anulação da consequente liquidação, quando, face à causa de pedir invocada, antes deveria ser o de anulação de tal despacho da ordem jurídica, por ser o acto imediato que padecia daquela ilegalidade, bem podendo a liquidação, em si, não padecer de nenhum vício dela própria, ainda que, contudo, da sua procedência, como acto consequencial, também implicasse que a mesma liquidação se não manteria, mas não por qualquer vício que a mesma pudesse conter, mas sim por simples decorrência ou vício consequencial do acto administrativo respeitante a esse acto tributário, que ilegalmente a submetera ao regime simplificado de tributação, sem se cuidar de apreciar qualquer concreta ilegalidade que também não fora acometida ao próprio acto de liquidação, pelo que o meio processual próprio não é a impugnação judicial como foi utilizado, mas será a acção administrativa especial (2), quando tal acto se tornar verticalmente definitivo, como adiante se verá, já que a apreciação do acto de liquidação, em si, não se encontra em causa, desta forma procedendo a invocada excepção de erro na forma de processo invocada pelo Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer.

Por outro lado, não procede a invocação da recorrida de que tal meio processual de impugnação poderia ter lugar ao abrigo do disposto no art.º 97.º, n.º1, alínea c) do CPPT, na sequência da reclamação graciosa deduzida e que fora indeferida, porque desde logo nenhuma reclamação graciosa a mesma deduziu, mas sim, como invoca no seu preâmbulo, vai ao abrigo do Art.º 66.º do CPPT, recorrer do Enquadramento no Regime Simplificado de Tributação em IRC, ou seja, quer pela norma indicada relativa aos recursos hierárquicos quer pelo objecto desse requerimento onde não coloca em causa a liquidação de IRC, em si – cfr. art.º 70.º, n.º1 do CPPT - o mesmo não se pode qualificar de reclamação graciosa, que pelo seu indeferimento pudesse abrir as portas da impugnação judicial, sabido que esta tem por objecto, tal como a impugnação judicial, um acto de liquidação ou equiparado, sendo indevida e errada a menção que em tal despacho (3)de indeferimento se faz que dessa decisão cabia, também, impugnação judicial, pelo que a única forma de ora recorrida ver apreciada tal questão, é através do recurso hierárquico, com aproveitamento do prazo de trinta dias, ao abrigo do disposto no art.º 37.º, n.º4 do CPPT, por errada comunicação da forma de processo utilizada.

É que este despacho proferido neste recurso hierárquico não foi proferido pelo mais elevado superior hierárquico do autor do acto, como exige a norma do art.º 66.º, n.º2 do CPPT, mas sim pelo Chefe do Serviço de Finanças, e tinha sido dirigido ao Director dos Serviços do IRC, como do mesmo se pode ver, desta forma não constituindo a última palavra da AT, ou seja, não se encontra em causa um acto verticalmente definitivo, que dele caiba acção administrativa especial nos termos do disposto nos art.ºs 101.º, alínea j) da LGT, 97.º, n.º1, alínea p) e 167.º do CPA(4), pelo que o recurso hierárquico é o único meio de reacção contra o mesmo, a fim de o obter, com possibilidade então, se desfavorável, lançar mão da via contenciosa, pelo que a questão da convolação da petição de impugnação em acção administrativa especial nem se coloca no caso, por inexistir neste momento, outro meio de reacção judicial e que seja o adequado para reagir contra tal despacho.


A sentença recorrida que em contrário decidiu não se pode manter, por mor da procedência da excepção dilatória de erro na forma de processo e de inexistência de meio judicial de reacção, com a anulação de todo o processado, sem possibilidade de convolação, sendo de absolver a Fazenda Pública da instância.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso por fundamentação distinta da invocada pela recorrente, e em anular todo o processado, absolvendo a Fazenda Pública da instância.


Custas pela recorrida em ambas as instâncias.


Lisboa,15 de Setembro de 2010
Eugénio Sequeira
Rogério Martins
Pereira Gameiro

(1) Cfr. no  mesmo sentido, o acórdão do STA de 30.9.2009, recurso n.º 626/09.
(2)Cfr. em caso paralelo o acórdão deste TCAS de 26/06/2007, recurso n.º 1639/07
(3) Aliás, tal despacho antes deveria ter sido de rejeição do recurso por dirigido a órgão incompetente para o decidir, já que não era o mais elevado superior hierárquico do auto, como exige a norma do n.º2 do art.º 66.º do CPPT, ao abrigo do disposto no art.º 173.º do CPA.
(4) Cfr. no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, 2000, Vislis, pág. 341, nota 14.