Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2256/11.4BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 04/29/2021 |
Relator: | MÁRIO REBELO |
Descritores: | AUDIÇÃO PRÉVIA. FALTA INJUSTIFICADA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS. AUTO LIQUIDAÇÃO. |
Sumário: | 1.O exercício do direito de audição prévia não se basta com a mera oportunidade, formal, de pronúncia dada ao sujeito. Apenas se completa numa decisão que resulte, nomeadamente, da análise da prova carreada pelo interessado e pondere as questões por ele mobilizadas em defesa da sua posição. 2.Embora o órgão de execução fiscal não tenha procedido à inquirição das testemunhas arroladas, sem qualquer justificação, o tribunal "a quo" fê-lo e fixou todos os factos provados relevantes, incluindo os respeitantes ao exercício de facto da gerência e da culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária, concluindo pela sua verificação. 3.Decorre do princípio de aproveitamento dos atos administrativos, que a anulação de um ato viciado não será pronunciada quando seja seguro que o novo ato a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o ato impugnado. 4.A caducidade do direito à liquidação pressupõe o dever de efetuar a sua notificação ao contribuinte (art. 45º/1 LGT). Tratando-se de uma auto liquidação, a AT está desobrigada de notificar o sujeito passivo do montante que o próprio liquidou. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: Autoridade Tributária RECORRIDO: M..... OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TT de Lisboa que julgou procedente a Oposição Judicial deduzida por M....., na qualidade de responsável subsidiária, no processo de execução fiscal n.° ........ e apensos, em que é executada originária a sociedade “ P......., LDA.”, para cobrança coerciva de dívidas, no montante de € 485.446,04 e acrescido.
I) Com a ressalva da devida vénia e também por melhor entendimento, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto, considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito; errando o douto Tribunal a quo quanto à aplicação do disposto nos art.°s 60° e nos art.°s 23° e 24, todos da LGT; 163.°, n.° 5 do CPA, bem como quanto ao disposto no art.° 204° do CPPT. II) Ao contrário do entendimento firmado pelo Tribunal a quo, a Administração Tributária ponderou a argumentação exposta pela Oponente aquando do exercício do direito de audição, como, aliás, o Tribunal reconhece e assentou nos pontos 20 e 21 do probatório. III) Assim como ponderou a não audição das testemunhas arroladas, posto que se entendesse como necessária a respetiva audição, tê-lo-ia feito. IV) Encontrando-se, deste modo, o despacho de reversão devidamente fundamentado, devendo, por tal fato, manter-se na ordem jurídica. Não obstante e sem conceder, V) As testemunhas arroladas pela Oponente na petição de oposição foram ouvidas pelo douto Tribunal a quo em audiência de inquirição de testemunhas, tendo o Tribunal asseverado que aquelas não lhe deram convencimento relativamente à tese da Oponente quanto à sua alegada ilegitimidade e falta de culpa, relativamente à insuficiência do património da executada originária para o pagamento das dívidas exequendas. VI) Assim, se perante o Tribunal a Oponente não conseguiu provar a sua ilegitimidade traduzida no não exercício da gerência efetiva e na falta de culpa relativamente à insuficiência do património da executada originária para o pagamento dos seus débitos, logo, caso fosse repetida a formalidade de audição prévia, agora com a audição das testemunhas arroladas, o órgão de execução fiscal não poderia apreciar e valorar de forma diferente os mesmos meios de prova, pois isso atentaria contra o caso julgado que se formou com a sentença recorrida. - Neste sentido, cfr. o ante citado Acórdão do STA de 20.06.2012, processo n° 01013/11. VII) Deste modo, resta concluir que, tendo o Tribunal a quo confirmado a verificação dos pressupostos da reversão, ficando definido na Sentença que o Tribunal não ficou convencido quanto à alegada ilegitimidade e falta de culpa da Oponente pela falta de pagamento dos tributos, esta é responsável subsidiária pelas dívidas tributárias, pelo que se impunha aproveitar o ato alegadamente inquinado pelo vício da falta de inquirição de testemunhas em sede de audição prévia e, desta forma, determinar pela prossecução da execução contra a Oponente. VIII) Ao decidir em sentido contrário, a douta Sentença a quo violou as normas preditas, pelo que não se pode manter na ordem jurídica. Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta Decisão recorrida com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»
CONTRA ALEGAÇÕES/RECURSO SUBORDINADO. a) A omissão da prática de actos de produção de prova sem estar justificada e motivada tal omissão, fere o direito de audição previa e, inerentemente, os princípios constitucionais que lhe estão subjacentes, do contraditório e da participação dos particulares nas decisões da administração; b) Estando tal situação prevista no art. 104° do Cod. Proc. Administrativo, no caso concreto a falta de inquirição de testemunhas indicadas quando do exercício do direito de audição não foi recuperada em qualquer fase do processo; c) Quando assim se não entenda, sempre será de atentar, em sede de recurso subordinado, que caducidade do direito à liquidação constitui fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea e) do n.° 1 do art. 204.° do CPPT, gerando uma nulidade por omissão de pronuncia na parte em que a sentença recorrida se absteve de conhecer de tal questão. Termos em que deve o recurso interposto pela Fazenda Publica ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida ou, quando assim se não entenda, ser conhecido o recurso subordinado suscitado nas presentes alegações e o mesmo julgado procedente, sempre com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!»
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. II QUESTÕES A APRECIAR. O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a oposição por preterição do direito de audição e se ocorreu a caducidade do direito à liquidação. III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação: 1. A sociedade “P......., Lda.”, constituída por registo de 15.07.1964, tinha como objeto social o “Comércio de papelaria, armazenista, revendedora, de importação e exportação” - cfr. certidão permanente a fls. 59 a 62 dos autos; 2. Na data da constituição da sociedade, referida em 1), foram designados gerentes M....., ora Oponente e G......., obrigando-se a sociedade com a assinatura de qualquer um dos gerentes - cfr. certidão permanente a fls. 59 a 62 dos autos 3. Em 14.01.2001, ocorreu o óbito do sócio e gerente G......., marido da ora Oponente - cfr. fls. 278 do PEF apenso aos autos; 4. A Oponente, na qualidade de sócia gerente da sociedade devedora originária, assinou uma declaração, datada de 10.04.2001, autorizando J....... a levantar o novo cartão de contribuinte da sociedade - cfr. fls. 30 dos autos; 5. Em 30.04.2005, foram instaurados, no Serviço de Finanças de Lisboa 12, contra a sociedade referida em 1), os seguintes processos de execução fiscal, para cobrança de Imposto sobre o Valor acrescentado (IVA), do exercício de 2005, conforme certidões de dívida identificadas:
«imagem no original»
- cfr. fls. 300 do PEF apenso aos autos; 6. A Oponente, na qualidade de sócia gerente da sociedade devedora originária, assinou um requerimento, datado de 23.03.2006, dirigido ao Serviço de Finanças de Lisboa 12, no qual requer a regularização dos valores em dívida através de pagamentos por conta - cfr. fls. 273 e 274 do PEF apenso aos autos; 7. A Oponente, na qualidade de sócia gerente da sociedade devedora originária, assinou um requerimento, datado de 02.11.2006, dirigido ao Diretor Geral da Direção Geral dos Impostos, referente à regularização de valores em dívida - cfr fls. 140 a 143 do PEF apenso aos autos; 8. A Oponente, na qualidade de sócia gerente da sociedade devedora originária, assinou um requerimento, datado de 24.11.2006, dirigido ao Serviço de Finanças de Lisboa 12, referente a regularização de valores em dívida - cfr. fls. 108 a 110 do PEF apenso aos autos; 9. A Oponente, na qualidade de sócia gerente assinou um documento, datado de 07.12.2006, dirigido ao Serviço de Finanças de Lisboa 12, referente ao Inventário Físico do imobilizado corpóreo, realizado no mês de Novembro de 2006 - cfr. fls. 118 do PEF apenso aos autos; 10. A Oponente, na qualidade de sócia gerente da sociedade devedora originária, assinou um requerimento, datado de 11.12.2006, dirigido ao Serviço de Finanças de Lisboa 12, no qual requer a transferência do crédito de imposto do IVA - cfr. fls. 119 do PEF apenso aos autos; 11. A Oponente, na qualidade de sócia Gerente da sociedade devedora originária, assinou dois requerimentos, datados de 14.12.2006 e 28.03.2007, dirigidos ao Serviço de Finanças de Lisboa 12, referente à inclusão da referida sociedade na lista de devedores tributários - cfr. fls. 197 a 200 do PEF apenso aos autos; 12. Em 08.06.2007, foi registada a dissolução da sociedade devedora originária - cfr. certidão permanente a fls. 59 a 62 dos autos; 13. Em 11.06.2007, foi registado o encerramento da liquidação da sociedade devedora originária - cfr. certidão permanente a fls. 59 a 62 dos autos; 14. A Oponente, na qualidade de fiel depositária dos bens penhorados à ordem de processo executivo, assinou um requerimento, datado de 04.06.2009, no qual requer a venda dos bens penhorados - cfr. fls. 225 e 226 do PEF apenso aos autos; 15. Em 27.09.2011, foi lavrada informação, pelo órgão de execução fiscal, resultando da mesma que a sociedade devedora originária se encontra cessada em IRC desde 16.10.2009 e em IVA desde 08.06.2007, não existindo bens suscetíveis de penhora - cfr. fls. 259 do PEF apenso aos autos; 16. Por despacho lavrado em 27.09.2011, pelo Chefe do Serviço de Finanças, foi determinada a preparação do processo para efeitos de reversão, contra a Oponente - cfr. fls. 260 do PEF apenso aos autos; 17. Na mesma data, foi emitida “Notificação”, conferindo à Oponente, na qualidade de responsável subsidiária, prazo para o exercício do direito de audição prévia, constando da mesma, designadamente, o seguinte: «imagem no original»
- cfr. fls. 263 e 264 do PEF apenso aos autos; 18. Em 24.10.2011, a Oponente apresentou requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, exercendo o direito de audição prévia, requerendo a inquirição de duas testemunhas - cfr. fls. 280 a 293 do PEF apenso aos autos; 19. Em 26.10.2011, pelo Chefe do Serviço de Finanças, foi proferido despacho de que determinou a prossecução da reversão contra a Oponente, com fundamento em informação com seguinte teor:
«imagem no original» - cfr. fls. 296 do PEF apenso aos autos; 20. Com data de 26.10.2011, foi emitido o ofício n.° 009936, dirigido à Oponente, com o seguinte teor: “ Foi em 2011.10.24 rececionado o direito de audição prévia por parte do SP M....., NIF ....... revertida da devedora originária P....... Lda., NIPC ........ Analisados os argumentos constantes do mesmo, não se vislumbra que obste à prossecução da tramitação do projeto de reversão. Neste sentido foi por despacho da Chefe de Finanças em exercício, datado de 2011.20.26, indeferida a audição e determinada a citação em reversão.” 21. Do despacho (reversão), contra a ora Oponente, consta o seguinte: “ Face às diligências de fls. ... e estando concretizado a audição do(s) responsável(eis) subsidiário(s) prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra M..... (...) , na qualidade de responsável subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s)por reversão, nos termos do art.° 160.°do CPPTpara pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas ( n°5 do art° 23.° da LGT). FUNDAMENTOS DA REVERSÃO Dos administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art° 24°/n°1/b) da LGT]. (...)” - cfr. fls. 299 do PEF apenso aos autos; 22. Em 15.11.2011, a petição de oposição, que deu origem aos presentes autos, foi apresentada no Serviço de Finanças de Lisboa 5 - cfr. fls. 5 dos autos; 23. Até 2001, ano em que faleceu G......., ambos os gerentes tomavam decisões de gestão na sociedade devedora originária - prova testemunhal; 24. A Oponente, em 2005, deslocava-se com regularidade às instalações da sociedade devedora originária - prova testemunhal; 25. Em 2005, a Oponente dava instruções aos funcionários, autorizava a emissão de cheques e de transferências bancárias - prova testemunhal; 26. Pela Oponente, foi emitida procuração em nome de I....... e de outro funcionário - prova testemunhal; 27. I....... assinava cheques, de acordo com as instruções que recebia da Oponente e de acordo com mapas de pagamentos a fornecedores e outros devedores - prova testemunhal; * Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa. * A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e das informações oficiais constantes do processo de execução fiscal apenso, conforme indicado em cada um dos pontos supra. O facto provado, constante do ponto 23, fundou-se no depoimento de ambas as testemunhas inquiridas, que se revelou, quanto a este facto, convergente. A primeira testemunha F......., empregada de escritório, na sociedade devedora originária desde 1981 até 2002 e amiga da Oponente, afirmou, de forma convicta que, antes do falecimento do marido da Oponente, G......., a gerência era exercida por ambos. Por ter deixado de exercer funções na sociedade em causa em 2001, o conhecimento que demonstrou ter, dos factos ocorridos após essa data, resulta, conforme afirmou, do que antigos colegas lhe contaram ou do que foi transmitido pela própria Oponente, não se mostrando, de igual modo, o depoimento espontâneo e isento. No que respeita aos factos n.°s 24, 25, 26 e 27, a convicção do tribunal fundou-se no depoimento da testemunha, I....... (então I.......), que, tendo exercido funções na área administrativa e da contabilidade da sociedade “P....... Lda.”, de 1994/1995 a 2006, revelou ter conhecimento do funcionamento da mesma. A referida testemunha depôs de forma espontânea, objetiva e isenta, convencendo o Tribunal. Do depoimento da testemunha, resulta que a Oponente outorgou procuração em seu nome e em nome de outro funcionário, A......., conferindo-lhes poderes para, em conjunto, assinar cheques na sua ausência. Mais referiu que os cheques apenas eram assinados por indicação e com a autorização da Oponente. Afirmou, também, que a Oponente era a única gerente da sociedade desde 2001, dando ordens, instruções e tomando as decisões de gestão. IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. V DECISÃO. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição. Custas pela Recorrida.
Lisboa, 29 de abril de 2021.
[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]
(Mário Rebelo)
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