Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:94/17.0BCLSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/04/2017
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
DECISÃO DISCIPLINAR
ÂMBITO DO RECURSO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:I – A Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro criou o Tribunal Arbitral do Desporto, atribuindo-lhe competência específica para “administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto” (cfr. artigo 1º nº 1), aprovando a respetiva lei (Lei do Tribunal Arbitral do Desporto), nos termos da qual o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é uma “entidade jurisdicional independente, nomeadamente dos órgãos da administração pública do desporto e dos organismos que integram o sistema desportivo, dispondo de autonomia administrativa e financeira” (artigo 1º nº 1), o qual tendo a sua sede no Comité Olímpico de Portugal exerce a sua jurisdição em todo o território nacional (cfr. artigo 2º) e gozando no julgamento dos recursos e impugnações de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito (cfr. artigo 3º).

II - Resulta da nova redação conferida à Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), pela Lei nº 33/2014, de 16 de junho, na sequência da decisão de inconstitucionalidade proferida no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 781/2013, de 16 de Dezembro (Proc. nº 916/13) em sede de apreciação sucessiva da constitucionalidade, que o Tribunal Arbitral pode ser convocado em sede de arbitragem necessária, para as situações previstas nos seus artigos 4º e 5º, ou em sede de arbitragem voluntária, fora daquelas situações, por força do disposto no seu artigo 6º, nos termos do qual podem ser submetidos à arbitragem do TAD “…todos os litígios, não abrangidos pelos artigos 4.º e 5.º, relacionados direta ou indiretamente com a prática do desporto, que, segundo a lei da arbitragem voluntária (LAV), sejam suscetíveis de decisão arbitral” (nº 1), submissão que pode operar-se “…mediante convenção de arbitragem ou, relativamente a litígios decorrentes da correspondente relação associativa, mediante cláusula estatutária de uma federação ou outro organismo desportivo” (nº 2).

III - Em conformidade com o disposto no artigo 61º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, são de aplicação subsidiária nos processos do TAD, com as necessárias adaptações, as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos nos processos de jurisdição arbitral necessária, e a Lei da Arbitragem Voluntária (atualmente, a Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro) nos processos de jurisdição arbitral voluntária.

IV – Tendo a intervenção do Tribunal Arbitral do Desporto ocorrido no âmbito de jurisdição arbitral necessária, tendo aquele Tribunal Arbitral sido chamado a apreciar e decidir o recurso interposto de deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) que aplicou uma sanção disciplinar a clube desportivo, estamos perante um verdadeiro recurso de decisão do tribunal arbitral perante o tribunal estadual, permitindo assim a invocação e aferição de erros decisórios (erro de julgamento) conducentes à revogação da sentença arbitral e não de mera impugnação para anulação da sentença arbitral a que alude o artigo 46º nº 1 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro).

V – Nos termos do disposto no artigo 61º da Lei do TAD, são de aplicação subsidiária nos processos de jurisdição arbitral necessária, as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com as necessárias adaptações.

VI – De acordo com o artigo 95º do CPTA “…a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar -se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras” (nº 1), sendo que “…nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório” (nº 3).

VII - A norma do nº 3 do artigo 95º do CPTA não deixa de ser uma concretização do princípio (geral) do contraditório, princípio estruturante do processo, e que decorre expressamente do disposto no artigo 3º nº 3 do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA, e deve ser aplicada, subsidiariamente, nos processos impugnatórios da jurisdição arbitral necessária, ex vi do artigo 61º da Lei do TAD.

VIII – Tendo o tribunal arbitral identificado causas de invalidade distintas das concretamente invocadas no processo, só poderia delas conhecer e decidir após as ter suscitando e notificado as partes para quanto a elas se pronunciarem, nos termos previsto no artigo 95º nº 3 do CPTA ex vi do artigo 61º da Lei do TAD.

IX - Se o colégio de árbitros se pronuncia, em acórdão arbitral proferido em processo impugnatório da sua competência, sobre causas de invalidade distintas das que foram concretamente assacadas pelo autor à decisão disciplinar punitiva, objeto do recurso arbitral, conhecendo-as oficiosamente, sem que tenha ouvida as partes quanto a elas, máxime o requerido, e com base nelas julga procedente o pedido impugnatório, anulando a decisão recorrida, mostra-se inobservado o princípio do contraditório.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (devidamente identificada nos autos) interpõe o presente recurso do acórdão proferido em 12-05-2017 pelo Tribunal Arbitral do Desporto (Proc. nº 2/2017) que julgando procedente a impugnação ali dirigida pelo V………… ………………………… SAD (igualmente devidamente identificada nos autos) da decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 06-12-2016 que lhe aplicou a pena de multa no montante de 7.650,00€, anulou a mesma.
Formula o recorrente as seguintes conclusões do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:
1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido em 12 de maio de 2017, designadamente a decisão do Colégio Arbitral em revogar o acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina e, consequentemente, não condenar o V…………. ……………. pela prática da infração p. e p. no artigo 186.º-2, do Regulamento Disciplinar da FPF de 2016 em multa de 7.650,00€ e ainda o segmento decisório que versa sobre a rejeição do pedido de isenção de custas apresentado pela ora Recorrente;

2. O acórdão recorrido padece desde logo de nulidade, porquanto não logra demonstrar porque razão entende o Tribunal Arbitral do Desporto, que não se encontram preenchidos três elementos objetivos do tipo de infração do artigo 186.º do RDLPFP, tanto mais que ficou supra demonstrado que existiu arremesso de um objeto (isqueiro), pois atendendo a critérios de razoabilidade e senso comum, a presença de um isqueiro junto ao 4º árbitro, terá de fazer deduzir que tal foi arremessado (primeiro elemento) e que o foi por adeptos da bancada mais próxima do 4º árbitro, onde se encontravam adeptos do Vitória Sport Clube (segundo elemento);

3. Relativamente ao terceiro elemento objetivo do tipo de infração que o acórdão recorrido entende não estar preenchido, trata-se da suscetibilidade de o referido objeto provocar lesão de especial gravidade, nos termos do artigo 4 .º-1, 1) do RDLPFP, sendo que, o Tribunal a quo não valorou nem examinou a prova produzida pela Recorrente que, com recurso a imagens televisivas, demonstrou de forma cara que um isqueiro pode causar lesão de especial gravidade, bastando para tal que atinja uma pessoa na vista ou na zona da têmpora, devendo a referida prova ser examinada e relevada, por se tratar de prova essencial para a descoberta da verdade material, sendo que, não o tendo sido, deverá o acórdão ser revogado, por preterição de formalidade essencial, consubstanciada na não apreciação da prova produzida;

4. O presente recurso versa ainda sobre outras matérias, que apesar de não terem sido objeto de discussão nos autos, o acórdão de que ora se recorre decide aflorar, como sendo o elemento preponderante subjacente aos artigos 186.º e 187.º do RDLPFP, tendo ficado demonstrado que a diferença é o arremesso para o terreno de jogo e para fora do terreno de jogo, respetivamente e não a perigosidade e o resultado de determinada conduta, respetivamente, como conclui o acórdão recorrido sem demonstrar como chega a tal posição, concluindo assim com base em erro notório que influencia toda a decisão e deve concorrer para a revogação da mesma;

5. Andou mal o Tribunal Arbitral do Desporto ao pronunciar-se sobre a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade dos artigos 186.º e 187.º do RDLPFP, porquanto idêntica norma já foi algo de análise do Tribunal Constitucional, havendo que concluir-se pela não inconstitucionalidade das normas supra mencionadas, de acordo com Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 730/95, não se verificando assim qualquer violação do princípio da culpa como plasmado no acórdão recorrido e que levou a uma decisão errónea que assim deve ser revogada;

6. O Tribunal Arbitral do Desporto excedeu clara e largamente os seus poderes de pronúncia, tendo entrado em campo reservado por lei à Administração (no caso, à Recorrente), tendo valorado a opção tomada pela Recorrente no seu Regulamento Disciplinar no âmbito da sua margem de livre decisão administrativa ao invés de se cingir a apreciar a legalidade de tal opção;

7. Os poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina no âmbito da modalidade para que detém estatuto de utilidade pública são prerrogativas públicas exclusivas da Recorrente, o que decorre da lei e do referido estatuto, pelo que apenas por si podem ser exercidos, no território nacional, o que abarca designadamente a definição das normas disciplinares aplicáveis à modalidade;

8. O Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 30.09.2009 entendeu que não é possível a desaplicação de normas regulamentares com fundamento na violação de princípios ordenadores da atividade administrativa, tal como o princípio da proporcionalidade, pelo que o Acórdão recorrido não podia ter decidido como fez;

9. No Acórdão recorrido o Colégio de Árbitros não se limita a aferir a legalidade da norma regulamentar, mas também a exprimir uma valoração sobre a opção tomada pela Administração, o que é notório pelas expressões usadas e pela total ausência de justificação que permita demonstrar que a norma que prevê a sanção de multa é desnecessária, desadequada ou excessiva;

10. O Tribunal recorrido não solicitou nem tinha em seu poder nenhum dado objetivo que permitisse chegar à conclusão a que chegou, pelo que simplesmente decidiu substituir-se à Federação Desportiva que rege esta modalidade e determinar que a sanção devia ser outra;

11. Apenas à entidade com poderes regulamentares exclusivos cabe fazer a ponderação entre o interesse público e os interesses dos administrados pois tem em seu poder os elementos de facto para decidir. Caímos, portanto, na análise do mérito da decisão, a qual se encontra dentro da margem de livre decisão da administração e não é sindicável perante os tribunais, sejam eles arbitrais ou não;

12. Claramente, no Acórdão recorrido, o que o Colégio Arbitral fez foi entrar no campo reservado, pela Constituição e por Lei, à Federação Portuguesa de Futebol e determinar a desaplicação de uma norma por razões de mérito, conveniência ou oportunidade e não por razões de legalidade;

13. O Colégio Arbitral acabou por formular o seu juízo de valoração quanto à solução adotada no Regulamento Disciplinar, o que, a abrir-se este precedente, em particular no que toca a Regulamentos Desportivos e em sede arbitral, pode trazer consequências bastante graves;

14. Ao formular valorações próprias da função administrativa, o Acórdão Arbitral violou o princípio da separação de poderes, ínsito nas normas constitucionais do artigo 2.º e 202.º, n.º1 da CRP, pelo que deve ser revogado;

15. Andou mal o Colégio Arbitral, porque se excedeu nos seus poderes de pronúncia, ao optar por se pronunciar sobre normas do RDLPFP, no lugar de aplicá-las, o que viola igualmente o princípio da separação de poderes, ínsito nas normas constitucionais do artigo 2.º e 202.º, n.º 1 da CRP;

16. Para além do exposto, sempre se dirá que esta é uma decisão-surpresa, porquanto não foi uma questão trazida ao conhecimento da ora Recorrente durante a pendência do processo arbitral, não foi arguida pela Recorrida e a Recorrente não teve sobre ela a hipótese de se pronunciar;

17. Também com este fundamento, o Acórdão arbitral é nulo por violação do princípio do contraditório, previsto no artigo 34.º, al. c) da Lei do TAD, 95.º, n.º 1, 2 e 3 do CPTA, aplicável por via do artigo 61.º da Lei do TAD e 3.º, n.º 3 do CPC aplicável por via do artigo 1.º do CPTA;

18. O Acórdão recorrido decide ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pelo que também neste segmento decidiram mal os Exmos. Árbitros que compuseram o Colégio Arbitral;

19. A negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designada mente o artigo 13.º e 20.º, n.º 1 e 2 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a situação da FPF face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória;

20. Ao rejeitar o pedido de isenção da taxa de arbitragem apresentada pela ora Recorrente, o Colégio de Árbitros aplicou, assim, uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo;

21. Isto significa que se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13.º e 20.º, n .º 1 e 2 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.


Contra-alegou o recorrido, pugnando pela improcedência do presente recurso jurisdicional, com manutenção do acórdão arbitral recorrido.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, neste notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer no sentido de dever ser rejeitado o recurso.

Sendo que dele notificadas as partes apresentou-se a responder a recorrente, pugnando nada obstar ao conhecimento do recurso, por, em suma, o processo arbitral ser necessário e não voluntário, não havendo lugar à aplicação da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV) mas sim das normas relativas a recursos que constam da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, ex vi do artigo 8º nº 2 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro, na redação dada pela Lei nº 33/2014, de 16 de Junho.

*
II. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O acórdão arbitral recorrido considerou, no seu ponto V, sob o epíteto «enquadramento», a seguinte factualidade, nos seguintes termos, expressis verbis:
«V. – Enquadramento:

9. No dia 6.12.2016, o Conselho de Disciplina da FPF, em reunião restrita, condenou a recorrente, pela prática da infração p. e p. no artigo 186, n.º 2 do RD2016, na pena de multa do montante de €7.650,00, com base nos seguintes factos:

1.º - No dia 4.12.2016, no Estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães, realizou-se o jogo entre o Vitória ……………….Futebol SAD e o Grupo ……………. de ……………..SAD, a contar para a liga NOS;

2.º - No Relatório de Ocorrências do Jogo subscrito pelos Delegados da Liga ao jogo fez-se constar o seguinte:

Aos 47 minutos da segunda parte foi arremessado um isqueiro em direção do 4 º árbitro. Este objecto não atingiu o 4 º árbitro”.

10. Inconformada, a ora Recorrente recorreu da decisão para o Pleno do Conselho de Disciplina da FPF (Secção Profissional), requerendo a sua revogação.

11. Apreciando o referido recurso, veio o Pleno do Conselho de Disciplina (Secção Profissional), da Federação Portuguesa de Futebol, a decidir negar provimento ao recurso.

Para tanto: –

- considerou provados os dois factos acima referidos com base no "Relatório de Jogo", convocando, para o efeito, o disposto no artigo 13.º do RD2016 que confere a este relatório uma presunção de veracidade e o estatuído no artigo 127.º do Código de Processo Penal, que confere ao julgador o poder de apreciar livremente a prova de acordo com a sua convicção.

- considerou preenchidos os elementos típicos da infração: - “O clube cujos sócios ou simpatizantes arremessem para dentro do terreno de jogo objetos, líquidos ou quaisquer outros materiais que pela sua própria natureza sejam idóneos a provocar lesão de especial gravidade”, porquanto: -“(...) um isqueiro, arremessado da bancada em direção ao 4.º árbitro (que naturalmente se encontrava no terreno de jogo junto à linha lateral do espaço onde se desenrola a competição - alínea h. do nº 1 do artº 4º do RD2016, desarmado, pois, face ao arremesso contra si desse mesmo objecto) pode revelar-se de alta contundência, constituindo, desse modo um instrumento dotado da potencialidade de poder desencadear um perigo para a integridade do agente desportivo visado, de consequências que, abstratamente, se podem revestir de especial gravidade em função da parte do corpo atingida (v.g., uma vista).”



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B – De direito

1. Do enquadramento legal do recurso/das questões de que cumpre conhecer
1.1 Do enquadramento legal do recurso
1.1.1 A Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro criou o Tribunal Arbitral do Desporto, atribuindo-lhe competência específica para “administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto” (cfr. artigo 1º nº 1), aprovando a respetiva lei (Lei do Tribunal Arbitral do Desporto), nos termos da qual o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é uma “entidade jurisdicional independente, nomeadamente dos órgãos da administração pública do desporto e dos organismos que integram o sistema desportivo, dispondo de autonomia administrativa e financeira” (artigo 1º nº 1), o qual tendo a sua sede no Comité Olímpico de Portugal exerce a sua jurisdição em todo o território nacional (cfr. artigo 2º) e gozando no julgamento dos recursos e impugnações de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito (cfr. artigo 3º).
1.1.2 Na sua redação original a Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), dispunha o seguinte nos seus artigos 4º, 5º e 8º:
“Artigo 4º
Arbitragem necessária
1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações e outras entidades desportivas e ligas profissionais, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso das decisões dos órgãos jurisdicionais das federações desportivas ou das decisões finais de outras entidades desportivas referidas no n.º 1, não dispensando a necessidade de fazer uso dos meios internos de impugnação, recurso ou sancionamento dos atos ou omissões referidos no n.º 1 e previstos nos termos da lei ou de norma estatutária ou regulamentar.
4 - Cessa o disposto no número anterior sempre que a decisão do órgão jurisdicional federativo ou a decisão final de outra entidade desportiva referida no n.º 1 não haja sido proferida no prazo de 30 dias úteis, sobre a autuação do correspondente processo, caso em que o prazo para a apresentação do requerimento inicial junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final daquele prazo.
5 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
“Artigo 5º
Arbitragem necessária
Compete ao TAD conhecer dos recursos das deliberações tomadas por órgãos disciplinares das federações desportivas ou pela Autoridade Antidopagem de Portugal em matéria de violação das normas antidopagem, nos termos da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, que aprova a lei antidopagem no desporto.”
Artigo 8º
Recurso das decisões arbitrais
São passíveis de recurso, para a câmara de recurso, as decisões dos colégios arbitrais que:
a) Sancionem infrações disciplinares previstas pela lei ou pelos regulamentos disciplinares aplicáveis;
b) Estejam em contradição com outra, já transitada em julgado, proferida por um colégio arbitral ou pela câmara de recurso, no domínio da mesma legislação ou regulamentação, sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se conformes com decisão subsequente entretanto já tomada sobre tal questão pela câmara de recurso.
2 - Das decisões proferidas pela câmara de recurso, pode haver recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto ao recurso de revista.
3 - No caso de arbitragem voluntária, a submissão do litígio ao TAD implica a renúncia aos recursos referidos nos números anteriores.
4 - Fica salvaguardada, em todos os casos, a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e de impugnação da decisão com os fundamentos e nos termos previstos na LAV.
5 - São competentes para conhecer da impugnação referida no número anterior o Tribunal Central Administrativo do lugar do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral necessária, ou o Tribunal da Relação do lugar do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral voluntária, previstas nesta lei.
6 - O recurso para o Tribunal Constitucional, o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, bem como a ação de impugnação da decisão arbitral, não afetam os efeitos desportivos validamente produzidos pela mesma decisão.”

1.1.3 Esta Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) e aprovou a Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, foi aprovada na sequência da reapreciação pela Assembleia da República do Decreto n.º 128/XII, o qual lhe fora devolvido pelo Presidente da República depois de o ter vetado, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 279.º da CRP, por o Tribunal Constitucional se ter pronunciado, no Acórdão n.º 230/2013, pela inconstitucionalidade da norma constante da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 8.º, conjugada com as normas dos artigos 4.º e 5.º, todos do Anexo ao Decreto n.º 128/XII, na medida em que delas resulte a irrecorribilidade para os tribunais do Estado das decisões do Tribunal Arbitral do Desporto proferidas no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária.
Mas em sede de apreciação sucessiva da constitucionalidade, requerida pelo Presidente da República ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão nº 781/2013, de 16 de Dezembro (Proc. nº 916/13), constatou, na comparação da redação dos artigos do Anexo do Decreto n.º 128/XII, submetido à apreciação preventiva do Tribunal Constitucional, com os da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que não haviam sido alteradas as normas dos artigos 4.º e 5.º, cuja conjugação com a norma constante da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 8.º que havia sido tida em conta na decisão de inconstitucionalidade desta, tendo então declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do n.º 1 e do n.º 2 deste artigo 8º, conjugadas com as normas dos seus artigos 4º e 5º, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (aprovada pela Lei n.º 74/2013), nos seguintes termos: «o Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º, em articulação com o princípio da proporcionalidade, e por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, das normas constantes do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 8.º, conjugadas com as normas dos artigos 4.º e 5.º, todas da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro» - (Acórdão n.º 781/2013, publicado no DR, 1ª Série, nº 243, de 16-12-2013).
1.1.4 Nessa sequência foi, então, aprovada a Lei nº 33/2014, de 16 de junho, que procedeu à primeira alteração à Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), passando os seus artigos 4.º e 8.º a ter a seguinte redação:
“Artigo 4º
Arbitragem necessária
1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de:
a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina;
b) Decisões finais de órgãos de ligas profissionais e de outras entidades desportivas.
4 - Com exceção dos processos disciplinares a que se refere o artigo 59.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no n.º 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.
5 - Nos casos previstos no número anterior, o prazo para a apresentação pela parte interessada do requerimento de avocação de competência junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final do prazo referido no número anterior, devendo este requerimento obedecer à forma prevista para o requerimento inicial.
6 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
“Artigo 8º
Recurso das decisões arbitrais
1 - As decisões dos colégios arbitrais são passíveis de recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo se as partes acordarem recorrer para a câmara de recurso, renunciando expressamente ao recurso da decisão que vier a ser proferida.
2 - Ao recurso para o Tribunal Central Administrativo mencionado no número anterior é aplicável o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto aos processos urgentes, tendo o mesmo efeito meramente devolutivo e devendo ser decidido no prazo de 45 dias.
3 - No caso de arbitragem voluntária, a submissão do litígio ao TAD implica a renúncia aos recursos referidos nos números anteriores.
4 - Fica salvaguardada, em todos os casos, a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e de impugnação da decisão com os fundamentos e nos termos previstos na LAV.
5 - São competentes para conhecer do recurso e impugnação referidos nos n.ºs 1 e 4 o Tribunal Central Administrativo Sul, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral necessária, ou o Tribunal da Relação do lugar do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral voluntária, previstas nesta lei.
6 - A impugnação da decisão arbitral por força de qualquer dos meios previstos nos n.ºs 1 e 4 não afeta os efeitos desportivos determinados por tal decisão e executados pelos órgãos competentes das federações desportivas, ligas profissionais e quaisquer outras entidades desportivas.
7 - A decisão da câmara de recurso referida no n.º 1 é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação ou regulamentação, com acórdão proferido por Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
8 - Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o respetivo prazo a partir da notificação da decisão arbitral e devendo o mesmo ser acompanhado de cópia do processo arbitral.”

1.1.5 Da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013) resulta que o Tribunal Arbitral pode ser convocado em sede de arbitragem necessária, para as situações previstas nos seus artigos 4º e 5º, ou em sede de arbitragem voluntária, fora daquelas situações, por força do disposto no seu artigo 6º, nos termos do qual podem ser submetidos à arbitragem do TAD “…todos os litígios, não abrangidos pelos artigos 4.º e 5.º, relacionados direta ou indiretamente com a prática do desporto, que, segundo a lei da arbitragem voluntária (LAV), sejam suscetíveis de decisão arbitral” (nº 1), submissão que pode operar-se “…mediante convenção de arbitragem ou, relativamente a litígios decorrentes da correspondente relação associativa, mediante cláusula estatutária de uma federação ou outro organismo desportivo” (nº 2).
Sendo que, em conformidade com o disposto no artigo 61º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), são de aplicação subsidiária nos processos do TAD, com as necessárias adaptações, as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos nos processos de jurisdição arbitral necessária, e a Lei da Arbitragem Voluntária (atualmente, a Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro) nos processos de jurisdição arbitral voluntária.
1.1.6 Na presente situação a intervenção do TAD ocorreu no âmbito de jurisdição arbitral necessária, tendo aquele Tribunal Arbitral sido chamado a apreciar e decidir o recurso interposto pelo aqui recorrido, VITÓRIA SPORT CLUBE FUTEBOL SAD, da decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 06-12-2016 que lhe aplicou a pena de multa no montante de 7.650,00€, cuja anulação peticionou.
Por acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 12-05-2017 foi aquele recurso (Proc. nº 2/2017) julgado procedente, tendo sido anulada a decisão nele impugnada.
E é inconformado com a decisão proferida por aquele acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto que dele a recorrente FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL interpõe o presente recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul, o que faz ao abrigo do artigo 8º nºs 1, 2 e 5 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, como, aliás, expressamente desde logo refere no cabeçalho do seu requerimento de recurso.
1.1.7 Estamos, assim, perante um verdadeiro recurso de decisão do tribunal arbitral perante o tribunal estadual, permitindo assim a invocação e aferição de erros decisórios (erro de julgamento) conducentes à revogação da sentença arbitral e não de mera impugnação para anulação da sentença arbitral a que alude o artigo 46º nº 1 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro) – vide, a este respeito, António Menezes Cordeiro, in “Tratado da Arbitragem – Comentário à Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro”, Almedina, 2015, págs. 378 ss. e 434 ss., em anotação aos artigos 39º nº 4 e 46º nº 1 da LAV e “Lei da Arbitragem Voluntária – Comentada”, Coordenação de Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2014, págs. 473 ss. e págs. 546 ss. em anotação aos mesmos dispositivos.
Note-se que, como é referido nesta última obra, no caso de «recurso» de sentença arbitral “é o próprio mérito da sentença arbitral, o seu sentido ou efeito, que é posto em causa, por os árbitros terem cometido um «error in iudicando», um erro de julgamento (de facto ou de direito), independentemente de ele respeitar ao fundo da causa, às leis substantivas aí (des)aplicadas ou, antes, aos respetivos pressupostos processuais (leis adjetivas)”, enquanto no caso da impugnação da sentença arbitral, por ser visada a sua anulação, o que é discutido são os vícios da decisão conducentes à sua eliminação da ordem jurídica (cfr. artigo 46º nº 3 da LAV), de modo que “não se procederá à substituição da sentença arbitral por outra diferente, mas apenas à sua anulação” (vide, Lei da Arbitragem Voluntária – Comentada”, Coordenação de Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2014, págs. 546-547), caso em que ao tribunal estadual está vedado conhecer do mérito da questão ou questões decididas pela sentença arbitral (cfr. artigo 46º nº 9 da LAV).
1.1.8 Isto mesmo já se entendeu no Acórdão deste TCA Sul de 05-07-2017, Proc. nº 56/17.7BCLSB, de que fomos relatores.
E, porque assim é, nada obsta ao conhecimento do presente recurso, designadamente o referido no Parecer emitido no âmbito do presente recurso jurisdicional pela Digna Magistrada do MINISTÉRIO PÚBLICO.
Havendo, concomitantemente, o presente recurso da sentença arbitral de seguir as normas do recurso de apelação previstas no CPTA, e supletivamente no CPC, com as especificidades constantes da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, como decorre das disposições conjugadas do artigo 8º nº 2 da Lei do TAD e dos artigos 140º nº 1 e 3 do CPTA.
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1.2 Das questões de que cumpre conhecer
Feito este enquadramento, e sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo), as questões essenciais a decidir são as seguintes:
- saber se o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto padece das nulidades que lhe são apontadas – (conclusões 2ª e 5ª a 17ª das alegações de recurso);
- saber se o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, incorreu em erro de julgamento, de direito, no que tange ao entendimento, que fez, de que não se encontrava verificada, no caso, a suscetibilidade de o objeto em causa (um isqueiro) provocar lesão de especial gravidade, nos termos do artigo 4.º-1, 1) do RDLPFP, com errada interpretação e aplicação dos artigos 186.º e 187.º do RDLPFP – (conclusões 3ª e 4ª das alegações de recurso);
- saber se ao considerar que a Federação Portuguesa de Futebol não estava isenta de taxa de arbitragem, o Tribunal Arbitral do Desporto errou, com aplicação de norma inconstitucional e violação do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, e dos artigos 13.º e 20.º, n .º 1 e 2 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa – (conclusões 18ª a 21ª das alegações de recurso);.
Questões de que assim se passará a apreciar.

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2. Do mérito do recurso
2.1 Do acórdão recorrido
2.1.1 Por deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 06-12-2016, foi aplicada ao ………………………. CLUBE FUTEBOL SAD a pena de multa no montante de 7.650,00€, pela prática da infração disciplinar prevista e punida no artigo 186º nº 2 («arremesso perigoso de objetos») do R……………….(Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol aprovado na Assembleia Geral Extraordinária da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 27 de Junho 2011, com as alterações aprovadas pelas Assembleias Extraordinárias de 14 de Dezembro de 2011, de 21 de Maio de 2012, de 6 e 28 de Junho de 2012, de 27 de Junho de 2013, de 19 e 29 de Junho de 2016 e ratificado pela Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol (Comunicado Oficial nº 6 de 4 de Julho de 2016). Decisão que foi mantida por acórdão do Conselho de Disciplina de 03-01-2017, em sede de recurso hierárquico impróprio.
Inconformado, o …………………….. CLUBE FUTEBOL SAD dela interpôs recurso (ação arbitral) para o Tribunal Arbitral do Desporto (Proc. nº 2/2017), peticionando a sua anulação, pelos fundamentos que ali expôs.
Por acórdão de 12-05-2017 o Tribunal Arbitral do Desporto julgou procedente o recurso arbitral, sendo o seguinte o seu respetivo dispositivo:
«Pelo que antecede, e em suma, é concedido provimento ao recurso interposto pela Recorrente, anulando-se a decisão recorrida e absolvendo-se a Recorrente.»

Tendo, no segmento relativo às custas, fixado o seguinte:
«Custas pela Recorrida, no valor total de € 5.970,00 (Cinco mil, novecentos e setenta euros), a que acresce o IVA, à taxa de 23%, tendo em consideração que é atribuído valor indeterminável à presente causa, sendo o mesmo, nos termos do n2 do artigo 34.º do CPTA, de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), e que, ao abrigo da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, e da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro, as custas do processo englobam a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral.
Finalmente, salienta-se que, ao contrário do defendido pela Recorrida, é entendimento do TAD, já por diversas vezes afirmado à mesma em diversos acórdãos proferidos pelo TAD e aqui sufragado que, nos processos que correm junto do TAD, não há lugar a isenção do pagamento de custas, aderindo-se ao entendimento expresso no despacho do Senhor Presidente do TAD no processo n.º 2/2015-TAD e aqui dado por integralmente reproduzido.»
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2.2 Dos fundamentos do recurso
2.2.1 Das apontadas nulidades ao acórdão recorrido – (conclusões 2ª e 5ª a 17ª das alegações de recurso)
2.2.1.1 Invoca o recorrente, nos termos que expõe nas suas alegações de recurso, e reconduz às respetivas conclusões 2ª e 5ª a 17ª, que o acórdão recorrido padece desde logo de nulidade, por não lograr demonstrar porque razão entende o Tribunal Arbitral do Desporto, que não se encontram preenchidos três elementos objetivos do tipo de infração do artigo 186.º do RDLPFP, tanto mais que ficou supra demonstrado que existiu arremesso de um objeto (isqueiro), pois atendendo a critérios de razoabilidade e senso comum, a presença de um isqueiro junto ao 4º árbitro, terá de fazer deduzir que tal foi arremessado (primeiro elemento) e que o foi por adeptos da bancada mais próxima do 4º árbitro, onde se encontravam adeptos do ……………………… Clube (segundo elemento); que mal andou o Tribunal Arbitral do Desporto ao pronunciar-se sobre a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade dos artigos 186.º e 187.º do RDLPFP, porquanto idêntica norma já foi algo de análise do Tribunal Constitucional, havendo que concluir-se pela não inconstitucionalidade das normas supra mencionadas, de acordo com Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 730/95, não se verificando assim qualquer violação do princípio da culpa como plasmado no acórdão recorrido e que levou a uma decisão errónea que assim deve ser revogada; o Tribunal Arbitral do Desporto excedeu clara e largamente os seus poderes de pronúncia, tendo entrado em campo reservado por lei à Administração (no caso, à Recorrente), tendo valorado a opção tomada pela Recorrente no seu Regulamento Disciplinar no âmbito da sua margem de livre decisão administrativa ao invés de se cingir a apreciar a legalidade de tal opção; que os poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina no âmbito da modalidade para que detém estatuto de utilidade pública são prerrogativas públicas exclusivas da Recorrente, o que decorre da lei e do referido estatuto, pelo que apenas por si podem ser exercidos, no território nacional, o que abarca designadamente a definição das normas disciplinares aplicáveis à modalidade; que o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 30.09.2009 entendeu que não é possível a desaplicação de normas regulamentares com fundamento na violação de princípios ordenadores da atividade administrativa, tal como o princípio da proporcionalidade, pelo que o Acórdão recorrido não podia ter decidido como fez; que no Acórdão recorrido o Colégio de Árbitros não se limita a aferir a legalidade da norma regulamentar, mas também a exprimir uma valoração sobre a opção tomada pela Administração, o que é notório pelas expressões usadas e pela total ausência de justificação que permita demonstrar que a norma que prevê a sanção de multa é desnecessária, desadequada ou excessiva; que o Tribunal recorrido não solicitou nem tinha em seu poder nenhum dado objetivo que permitisse chegar à conclusão a que chegou, pelo que simplesmente decidiu substituir-se à Federação Desportiva que rege esta modalidade e determinar que a sanção devia ser outra; que apenas à entidade com poderes regulamentares exclusivos cabe fazer a ponderação entre o interesse público e os interesses dos administrados pois tem em seu poder os elementos de facto para decidir; que caímos, portanto, na análise do mérito da decisão, a qual se encontra dentro da margem de livre decisão da administração e não é sindicável perante os tribunais, sejam eles arbitrais ou não; que claramente, no Acórdão recorrido, o que o Colégio Arbitral fez foi entrar no campo reservado, pela Constituição e por Lei, à Federação Portuguesa de Futebol e determinar a desaplicação de uma norma por razões de mérito, conveniência ou oportunidade e não por razões de legalidade; que o Colégio Arbitral acabou por formular o seu juízo de valoração quanto à solução adotada no Regulamento Disciplinar, o que, a abrir-se este precedente, em particular no que toca a Regulamentos Desportivos e em sede arbitral, pode trazer consequências bastante graves; que ao formular valorações próprias da função administrativa, o Acórdão Arbitral violou o princípio da separação de poderes, ínsito nas normas constitucionais do artigo 2.º e 202.º, n.º1 da CRP, devendo ser revogado; que andou mal o Colégio Arbitral, porque se excedeu nos seus poderes de pronúncia, ao optar por se pronunciar sobre normas do RDLPFP, no lugar de aplicá-las, o que viola igualmente o princípio da separação de poderes, ínsito nas normas constitucionais do artigo 2.º e 202.º, n.º 1 da CRP; que além do mais esta é uma decisão-surpresa, porquanto não foi uma questão trazida ao conhecimento da ora Recorrente durante a pendência do processo arbitral, não foi arguida pela Recorrida e a Recorrente não teve sobre ela a hipótese de se pronunciar e que, também com este fundamento, o Acórdão arbitral é nulo por violação do princípio do contraditório, previsto no artigo 34.º, al. c) da Lei do TAD, 95.º, n.º 1, 2 e 3 do CPTA, aplicável por via do artigo 61.º da Lei do TAD e 3.º, n.º 3 do CPC aplicável por via do artigo 1.º do CPTA.
Vejamos.
2.2.1.2 O Tribunal Arbitral do Desporto começou por explicitar, no acórdão recorrido, que «…atento a petição de recurso, a questão a decidir é apenas uma, a de saber se um isqueiro é um objeto suscetível de causar uma lesão de especial gravidade cujo arremesso para o terreno de jogo por sócios ou simpatizantes do clube permite subsumir o caso no disposto no artigo 186.º do RD», evidenciando que «…essa é a única questão levantada pelo Recorrente» (vide ponto 15., pág. 5, do acórdão arbitral recorrido).
E com efeito, lida a petição inicial do recurso dirigido pelo …………………... CLUBE FUTEBOL SAD ao Tribunal Arbitral do Desporto (constante de fls. 3 ss. do Processo de Arbitragem – Proc. nº 2/2017), constata-se que o pedido de anulação da decisão disciplinar punitiva se funda numa única causa de invalidade: não se encontrar preenchido o pressuposto de o objeto arremessado – um isqueiro – ser “pela sua própria natureza idóneo a provocar lesão de especial gravidade”, a que alude o artigo 186º nº 1 do RDLPFP2016, e que assim, a decisão punitiva incorreu em errada interpretação e aplicação daquele normativo (vide artigos 12º a 36º da petição inicial do recurso arbitral).
Temos, assim, que o pedido anulatório da decisão disciplinar punitiva se fundou naquela apontada causa de invalidade, a qual delimitava, desde modo, o objeto do litígio.
2.2.1.3 Não obstante assim ter começado por considerar, o colégio de juízes arbitrais avançou, dizendo o seguinte:
«Todavia, tendo em conta o disposto no artigo 3.º da Lei do TAD e o acolhimento da tese sufragada na decisão recorrida de que: "o facto das normas processuais penais pela sua natureza e íntima ligação à aplicação de sanções impostas pela prática de crimes (e, por isso, atentatórias daquele mínimo ético sem o qual uma vivência em sociedade não é possível, com a eventualidade de aplicação de sanções privativas da liberdade, são as que se revestem de um maior cunho garantístico dos direitos de defesa dos arguidos. Por isso o processo penal (substantivo e adjetivo) deve representar, no geral a matriz de todo o direito sancionatório público (criminal, contraordenacional e disciplinar). Tudo, pois, razões para que deva emergir a ponderação por onde começamos - natureza sancionatória do ramo de direito em que nos movemos e, assim, devendo o direito penal ser subsidiariamente aplicável no que não esteja especialmente previsto na legislação disciplinar, impõe-se que o Tribunal considere tudo quanto foi apurado no decurso do processo e que verifique, à luz das regras de prova próprias do direito sancionatório, entre as quais não pode deixar de se incluir a do in dubio pro reu, se os factos provados permitem o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo sancionatório do artigo 186.º do RD2016.
16.Assim, desde logo, cumpre identificar os elementos objetivos do tipo de infração do artigo 186.º, que são os seguintes:
- Arremesso de um objeto;
- Por sócio ou simpatizante do clube;
- Para dentro do terreno de jogo;
- Que o objeto arremessado seja suscetível de provocar lesão de especial gravidade.»
(vide págs. 5 e 6 do acórdão arbitral recorrido).

Após o que passou à respetiva análise, nos seguintes termos:

«Ora, os únicos elementos de prova existentes nos autos suscetíveis de serem considerados pelo tribunal, para prova dos factos típicos do ilícito, são, por um lado, o documento junto e intitulado "Relatório de Jogo" e, por outro, o depoimento da testemunha inquirida em audiência de discussão e julgamento, Paulo Barradas que exerceu as funções de 4.º árbitro no jogo em causa nos autos.
Do "Relatório de Jogo" consta que: -"Aos 47 minutos da segunda parte foi arremessado um isqueiro em direção do 4 º árbitro. Este objecto não atingiu o 4 º árbitro".
Por seu turno, no seu depoimento o referido 4.º árbitro, Paulo Barradas, afirmou:
– (i) que tinha apanhado um isqueiro do chão e o tinha entregue ao árbitro, (ii) que se tratava de um isqueiro tipo BIC de tamanho pequeno, (iii) que não tinha visto o objeto em causa no ar, (iv) que o tinha apenas avistado no chão fora do retângulo de jogo (entre a linha lateral e as bancadas), (v) que não sabia se o referido objeto tinha sido arremessado, (vi) que, naturalmente, o referido objeto não o atingiu e que (vii) mesmo que o tivesse atingido não lhe teria feito grande mossa atenta a sua dimensão e peso.
Não obstante no RD2016 se estatuir na alínea f) do artigo 13.º a ''presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa, afigura-se claro não estarmos perante uma prova subtraída à livre apreciação do julgador, desde logo, porque na referida disposição se consagra uma presunção ilidível - enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa -, o que não pode deixar de significar apenas que, por um lado, o "Relatório de Jogo" constitui base suficiente para a abertura do procedimento disciplinar e, por outro, que o julgador deve ser particularmente exigente na apreciação das provas que se mostrem em contradição com o que consta daquele documento.
Assim sendo, está este tribunal obrigado a avaliar o depoimento testemunhal prestado em audiência e a confrontá-lo com o que consta do documento e a explicar, no caso de contradição entre as duas provas, porque é que se afasta, se for o caso, da prova documental, revestida que está de um valor reforçado.
Ora, no caso vertente, cremos que o facto de estarem em causa factos que, manifestamente, foram vivenciados, exclusivamente, pela testemunha confere ao seu depoimento um inquestionável valor superior ao que foi pelo árbitro registado de acordo com o que lhe foi comunicado pela testemunha.
E não pode o tribunal deixar de valorizar particularmente o facto de a testemunha ter prestado o seu depoimento de forma absolutamente convincente quanto à veracidade do que afirmou.
Acresce que, o depoimento da testemunha é perfeitamente compatível com o que terá relatado ao árbitro e o que este registou, se tivermos em conta que este assumiu no seu registo uma presunção decorrente do comportamento daquele. Ou seja, tendo o 4.º árbitro entregue ao árbitro um isqueiro que tinha recolhido do chão e não lhe tendo referido ter sido atingido pelo mesmo, o árbitro presumiu que o mesmo tinha sido arremessado (pensamento idêntico, aliás, terá tido o 4.º árbitro) e que não tinha atingido o 4.º árbitro, e foi isso que registou.
Temos, pois, que, por um lado, não se afigura que tenha existido qualquer intenção de falta à verdade por qualquer dos intervenientes que registaram no "Relatório de Jogo" exatamente a perceção que tiveram do ocorrido, e, por outro, que compaginando o teor do documento com o do depoimento, este assume maior detalhe, ponderação e exatidão quanto aos factos, pelo que se impõe conferir-lhe total credibilidade.
Desta forma, outra conclusão não é possível que não seja a de, de imediato, dar como não provado que tenha existido o arremesso de um objeto. Com efeito, embora o arremesso constitua uma explicação possível para o facto de o isqueiro de encontrar no local onde foi recolhido pelo 4.º árbitro, outras poderão existir, desde logo a de o referido objeto já se encontrar naquele local antes do jogo e não ter sido detetado em momento anterior. A verdade é que o ato de arremessar implica que o objeto seja lançado e percorra um determinado espaço no ar e dos autos não resulta qualquer prova desse facto.
Por outro lado, o facto de que o arremesso teria sido efetuado por "sócio ou simpatizante do clube" também não colhe nos autos qualquer tipo de prova direta.
Com efeito, tal facto foi dado como provado, exclusivamente, segundo se alcança, através da presunção de que o objeto seria proveniente da bancada que se situava atrás do 4.º árbitro, por ser esta a mais próxima, sendo esta destinada aos sócios e simpatizantes do clube da casa. Ora, tendo em conta que não existe nenhuma prova de o objeto ter sido arremessado, fica imediatamente em causa a referida presunção, que não pode subsistir.
Acresce que, não só o arremesso (a ter existido) poderia ter sido feito de outra zona do Estádio (embora com menor probabilidade), como a prova da qualidade de "sócio ou simpatizante" é, também ela, feita através da presunção retirada do facto de o agente se encontrar numa determinada bancada do Estádio, o que, com o devido respeito, não encontra na letra das disposições regulamentares apoio para tanto. Com efeito, o regulamento não pune, e podia ter punido, o arremesso (...) proveniente das bancadas x e y, mas o arremesso (...) feito por sócios ou simpatizantes do clube, pelo que, presumir que possuem a categoria de sócios ou de simpatizantes aqueles que se encontram nas bancadas destinadas aos mesmos, sem qualquer outro apoio é, para efeitos do direito sancionatório, um passo sem a indispensável sustentação.
Falece, portanto, o preenchimento de dois imprescindíveis elementos objetivos do tipo de infração, razão suficiente para que não se possa dar por verificada a infração imputada ao recorrente e se tenha que conceder provimento ao seu recurso(sublinhados nossos)
(vide págs. 6 a 9 do acórdão arbitral recorrido).

Daqui se extrai que o acórdão arbitral considerou que a decisão disciplinar punitiva deveria ser anulada, com tais fundamentos.
2.2.1.4 Ainda assim, e não obstante o que ali entendeu, o acórdão arbitral prosseguiu, nos seguintes termos:
«No entanto, o tribunal não se eximirá a pronunciar-se sobre o preenchimento dos restantes elementos objetivos do tipo, no intuito, por um lado, de responder concretamente à questão levantada pelo recorrente e, por outro, de contribuir para a formação de uma jurisprudência do tribunal que permita servir de orientação aos órgãos disciplinares e aos agentes desportivos.
Assim, no que concerne a saber se o objeto se encontrava no "terreno de jogo", afigura-se que, tendo em conta o local onde o 4.º árbitro declarou ter recolhido o mesmo e a definição constante da alínea h) do n.º 1, do artigo 4.º do RD2016: -"«terreno de jogo» a superfície onde se desenrola a competição, incluindo as zonas de proteção definidas de acordo com os regulamentos internacionais do futebol” o mesmo estaria na zona de proteção e, por isso, ainda no "terreno de jogo'', embora não no "retângulo de jogo" , de acordo com a definição resultante da alínea i) do n.º 1, do artigo 4.º do RD2016: -"«retângulo de jogo;) a parcela do terreno de jogo onde, nos termos das Leis do Jogo, se disputa o jogo de futebol.”
Finalmente, no que respeita a saber se o objeto em causa era suscetível de provocar lesão de especial gravidade, o tribunal não pode deixar de, em primeiro lugar, afirmar, perante a posição das partes e a tese acolhida na decisão recorrida, o seguinte:
i. Estamos perante uma situação de perigo abstrato, em que a infração se comete com o simples arremesso do objeto, independentemente de qualquer resultado decorrente desse arremesso;
ii. Pelo que o traço distintivo entre a infração do artigo 186.º e a do artigo 187.º reside na perigosidade intrínseca do objeto arremessado que constituiu o elemento típico fundamental do artigo 186.º, enquanto que no artigo 187.º o elemento típico relevante reside na realização de danos patrimoniais ou perturbação ou ameaça de perturbação da ordem e da disciplina;
Na infração do artigo 186.º o elemento preponderante é a perigosidade do objeto, a sua particular aptidão para provocar lesão de especial gravidade, enquanto que no artigo 187.º o elemento valorizado é o resultado de uma determinada conduta;
Assim, para que seja suscetível convocar a aplicação do artigo 186.º do RD, e preciso proceder à caracterização do objeto arremessado, em si próprio, e aferir se o mesmo é suscetível de causar uma lesão de especial gravidade, ou seja, tendo em conta a definição constante da alínea 1) do n.º 1, do artigo 4.º do RD2016, se o objeto arremessado, por si próprio, apto a ofender a integridade física de determinada pessoa de forma a: i. privá-la de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-la grave e permanentemente; ii. tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais ou de procriação, ou, também de maneira grave, a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem, temporária ou permanentemente; iii. provocar­lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável ; ou, iv. Provocar-lhe perigo para a vida;
Naturalmente, terá que tratar-se de um objeto que possua em si mesmo uma periculosidade maior do que a do comum dos demais objetos, não se levando em conta a intenção e condições em que o mesmo ser usado ou o modo como o mesmo é arremessado (ao contrário do sustentado pela recorrida), tendo por base o pressuposto (ficcionado) de o mesmo atingir o agente desportivo que se encontra no terreno de jogo, ou seja, o racícionio subjacente, a ratio da norma, não pode deixar de ser a da considerável probabilidade, em função das características do objeto, de caso o mesmo atingisse o agente desportivo que se encontra no terreno de jogo provocar-lhe lesões com a amplitude das descritas na alínea 1) do n.º 1, do artigo 4.0 do RD2016;
vi. São, pois, de rejeitar as considerações feitas na decisão recorrida e na contestação da recorrida, de acordo com as quais qualquer objeto arremessado para o terreno de jogo seria apto a preencher o elemento típico do artigo 186.º, porque não se nos afigura ser essa a intenção do autor do regulamento, porque tal interpretação não colhe sustento na letra do artigo 186.º (violando o principio da tipicidade), porque tal interpretação esvaziaria de sentido o disposto no artigo 187.º ou admitiria situações de concurso real de infrações que a letra do próprio artigo 187.º rejeita;
vii. Em face do exposto, fácil se torna concluir que um isqueiro, para mais com as características descritas pela testemunha Paulo Barradas (que foi quem o encontrou) não é, por si mesmo, um objeto suscetível de causar uma lesão de especial gravidade na aceção da alínea 1) do n.º 1, do artigo 4.º do RD2016.
Pelo exposto, não poderia, em qualquer caso, o recurso deixar de proceder, porque não se encontram preenchidos os elementos objetivos típicos do artigo 186.º e, tão pouco, os do artigo 187.º, dada a inexistência de qualquer prova quanto a qualquer resultado decorrente do alegado arremesso.»
(vide págs. 9 a 11 do acórdão arbitral recorrido).

E continuou ainda, vertendo o seguinte:

«18. Sem embargo, e pese embora a dispensabilidade para a decisão da causa, não quer o tribunal deixar de salientar que se lhe afigura ser premente uma reflexão séria relativamente a todas as normas do Regulamento Disciplinar que punem disciplinarmente os clubes por condutas dos seus sócios e simpatizantes, para mais, não identificados .
Com efeito, salvo melhor opinião, estamos perante uma responsabilidade objetiva que dificilmente é aceitável no domínio sancionatório.
Salvo melhor entendimento, o direito sancionatório só e entendível como contrapartida da culpa, da prática de um facto ilícito e culposo. Qualquer direito sancionatório visa, só pode visar, única e exclusivamente, a aplicação de uma pena à violação culposa de um dever de conduta que é considerado socialmente relevante (intervenção mínima do direito sancionatório). Para que haja lugar à legitimação da intervenção de um direito sancionatório é preciso, pois, que se verifique a violação pelo sujeito desse procedimento de um qualquer dever que prévia e legalmente lhe foi imposto.
Ora, salvo melhor opinião, não se vislumbra que direito é pelo clube violado caso os seus sócios, adeptos ou simpatizantes arremessem para o terreno de jogo objetos suscetíveis de causar lesão de especial gravidade (artigo 186.º), ou mantenham no decurso do jogo um comportamento socialmente reputado incorreto, designadamente a prática de ameaças ou coação sobre os agentes referidos no número 1 do artigo 174.º, o arremesso de objetos para o terreno de jogo , insultos e ainda outros atos que não revistam especial gravidade ou que pratiquem atos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina (artigo 187.º);
Ainda se poderia admitir, como nos parece ser a leitura correta dos dispositivos em causa (e dos outros de natureza semelhante) que tal responsabilidade ocorra quando estão em causa atos praticados no recinto e complexo desportivo do clube, caso o procedimento seja configurado na base da violação de um dever de vigilância e de cuidado que impenda sobre o clube, de evitar determinadas condutas, o qual pode ser violado, por ação ou omissão, cabendo, portanto, e de acordo com as regras de qualquer direito punitivo à entidade titular do direito punitivo alegar e provar que houve violação desse dever, por ação ou omissão.
Não se alcança, no entanto, que dever possa impender sobre um clube de impedir determinadas condutas no recinto e complexo desportivo de outro clube, sendo certo que as normas punitivas não distinguem entre os comportamentos dos sócios ou simpatizantes do clube visitado ou visitante.
A questão não está, naturalmente , em saber se as pessoas coletivas podem, ou não, ser objeto de responsabilidade disciplinar. A questão está em saber em que medida o podem ser, por que factos podem ser responsabilizadas disciplinarmente.
Ora, salvo melhor entendimento, crê-se que só o podem ser nos mesmos termos em que são penalmente responsabilizadas, ou seja, quando os factos são cometidos em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança ou por quem aja sob a autoridade daquelas pessoas, em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem (artigo 12.º do Código Penal).
Por outro lado, também não pode deixar de se refletir sobre a função desta atuação punitiva. Com efeito, a aplicação de sanções tem em vista fins de prevenção especial (evitar que o agente punido volte a prevaricar) e fins de prevenção geral (evitar que outros, perante a constatação da punição de tais comportamentos, prevariquem) e não quaisquer outros, e, muito menos, podem ser justificadas com o arrecadamento de receitas, mesmo que destinadas a serem aplicadas em ações de sensibilização ou na criação de mecanismos tendentes a evitar os comportamentos punidos, uma vez que tal atividade não pode ser levada a cabo à custa da aplicação de sanções a quem não praticou os factos ilícitos.
Ora, independentemente da discussão anterior (responsabilização objetiva dos clubes por factos praticados pelos seus sócios ou simpatizantes), a sanção de multa estatuída no Regulamento Disciplinar não é apta a cumprir nenhum dos fins das penas (sanções). Não cumpre fins de prevenção especial, uma vez que os efetivos autores dos factos as não sentem (nem, na maior parte dos casos, delas têm conhecimento) e, por isso, não se determinarão na sua atuação em função delas, e não cumpre, igualmente, fins de prevenção geral, porque não é sentida e percecionada pelos sócios e, muito menos, pelos simpatizantes do clube sancionado.
Aliás, sempre se dirá que seria inaceitável a aplicação de uma sanção exclusivamente por razões de prevenção geral, por atentar, flagrantemente contra o princípio da culpa.
Salvo o devido respeito por entendimento diverso, as normas que preveem a aplicação de sanções de multa como forma de punir os clubes por atos dos seus sócios e simpatizantes sem que lhes seja imputado qualquer comportamento próprio, parecem visar apenas a cobrança de receitas, e são de duvidosíssima legalidade e, até, constitucionalidade.
Assim, não carecendo o tribunal de tomar decisão sobre a (i)legalidade das disposições em causa, atenta a manifesta falta de subsunção dos factos nas mesmas, e, por isso, ser patente a inexistência de qualquer infração, não pode deixar de alertar para a necessidade urgente de reflexão sobre a matéria, tendo em conta ser manifesto o aumento do número de processos desta natureza.»
(vide págs. 9 a 11 do acórdão arbitral recorrido).

2.2.1.5 Percorrendo assim o acórdão arbitral recorrido, decorre que ele não padece de qualquer nulidade decisória, máxime as que lhe vêm imputadas no presente recurso jurisdicional.
Na verdade, resulta que as considerações nele tecidas a respeito da eventual ilegalidade ou inconstitucionalidade das indicadas normas do RDLPFP2016, aplicadas pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol na decisão disciplinar punitiva, não consubstanciaram um juízo efetivo sobre a aventada ilegalidade e/ou inconstitucionalidade, traduzindo, apenas, uma reflexão e vertendo uma opinião, sem consequência, todavia.
O tribunal arbitral é chamado a decidir o litígio concreto, que lhe é submetido em julgamento. Não a emitir opiniões ou pareceres sem consequências na resolução do litígio.
Mas do facto de o ter feito, através das considerações que teceu, sem consequências no caso concreto, porque delas não retirou quaisquer efeitos quanto ao juízo de validade ou invalidade da decisão disciplinar punitiva que vinha impugnada, não resulta a nulidade (decisória) do acórdão arbitral recorrido.
É que o julgamento de procedência da pretensão que lhe foi formulada, de anulação da decisão disciplinar punitiva, não assentou, como se viu, naquelas considerações e extrapolações. Na verdade, o tribunal arbitral não emitiu um juízo concreto quanto à aventada ilegalidade e/ou inconstitucionalidade das indicadas normas, mas uma opinião quanto a «…todas as normas do Regulamento Disciplinar que punem disciplinarmente os clubes por condutas dos seus sócios e simpatizantes» (sic), sem que daí tenha retirado qualquer consequência para o processo.
E é por tal razão, por o acórdão arbitral não ter emitido em tal dimensão um juízo concreto, com consequências no julgamento do litígio, que não procede a invocada nulidade decisória, por violação do princípio da separação de poderes, não ocorrendo assim, concomitantemente, nulidade por excesso de pronúncia (cfr. artigo 615º nº 1 alíneas d) e e) do CP, ex vi dos artigos 1º do CPTA e 61º da Lei do TAD).
Improcedem, pois, por tal motivo, as conclusões 5ª a 15ª das alegações de recurso.
2.2.1.6 E ao acórdão arbitral também não falta fundamentação, no que tange ao juízo nele feito de não se encontram preenchidos três elementos objetivos do tipo de infração do artigo 186.º do RDLPFP.
Na verdade, percorrido o mesmo, resulta que nele são expostas as razões, de facto e de direito, pelas quais assim se entendeu. O que é feito nos seus pontos 16. e 17. (a págs. 6 a 11 do acórdão arbitral recorrido), vertidos supra.
Ora, só a falta total (no sentido de ausência) de fundamentação de facto e de direito, é causa de nulidade decisória (cfr. artigos 46º alínea e) da Lei do TAD e artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC e 46º alínea e) da Lei do TAD, ex vi dos artigos 1º do CPTA e 61º da Lei do TAD). E essa não ocorre.
Pelo que não colhe, também, a conclusão 4ª das alegações de recurso.
2.2.1.7 Mas já assiste razão à recorrente quando invoca que no caso se está perante decisão-surpresa, tendo ocorrido violação do princípio do contraditório, previsto no artigo 34º alínea c) da Lei do TAD, no artigo 95º, nºs 1, 2 e 3 do CPTA, e 3º nº 3 do CPC, ex vi do artigo 61º da Lei do TAD.
Ainda que não se esteja perante uma nulidade decisória, mas perante uma nulidade processual (nulidade secundária ou atípica), por ocorrer a omissão de um ato (audição do autor) com influência sobre a decisão da causa, que no caso, foi absorvida pela sentença e a afeta.
Com efeito, muito embora o Tribunal Arbitral do Desporto tenha começado por explicitar, no acórdão recorrido, que «…atento a petição de recurso, a questão a decidir é apenas uma, a de saber se um isqueiro é um objeto suscetível de causar uma lesão de especial gravidade cujo arremesso para o terreno de jogo por sócios ou simpatizantes do clube permite subsumir o caso no disposto no artigo 186.º do RD», evidenciando que «…essa é a única questão levantada pelo Recorrente» (vide ponto 15., pág. 5, do acórdão arbitral recorrido) – tendo aí feito um correto enquadramento, já que lida a petição inicial do recurso dirigido pelo VITÓRIA SPORT CLUBE FUTEBOL SAD ao Tribunal Arbitral do Desporto (constante de fls. 3 ss. do Processo de Arbitragem – Proc. nº 2/2017), se constata que o pedido de anulação da decisão disciplinar punitiva se funda numa única causa de invalidade: não se encontrar preenchido o pressuposto de o objeto arremessado – um isqueiro – ser “pela sua própria natureza idóneo a provocar lesão de especial gravidade”, a que alude o artigo 186º nº 1 do RDLPFP2016, e que assim, a decisão punitiva incorreu em errada interpretação e aplicação daquele normativo (vide artigos 12º a 36º da petição inicial do recurso arbitral) – avançou, conhecendo causas de invalidade distintas da que foi concretamente invocada pelo recorrente na petição inicial, e que assim delimitava o objeto do litígio. E julgando-as verificadas anulou, com tal fundamento, a decisão disciplinar punitiva, impugnada no recurso arbitral. O que fez sem previamente ouvisse as partes.
2.2.1.8 Recorde-se que nos termos do disposto no artigo 61º da Lei do TAD, são de aplicação subsidiária nos processos de jurisdição arbitral necessária, as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com as necessárias adaptações.
Ora, o artigo 95º do CPTA dispõe, sob a epígrafe “objeto e limites da decisão” que “…a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar -se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras” (nº 1), estatuindo que “…nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório” (nº 3).
A norma do nº 3 do artigo 95º do CPTA não deixa de ser uma concretização do princípio (geral) do contraditório, princípio estruturante do processo, e que decorre expressamente do disposto no artigo 3º nº 3 do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA. E deve ser aplicada, subsidiariamente, nos processos impugnatórios da jurisdição arbitral necessária, ex vi do artigo 61º da Lei do TAD.
E o princípio do contraditório enquanto princípio estruturante do processo é, também, diretamente assegurado para os processos arbitrais do TAD, através do disposto no artigo 34º alínea c) da Lei do TAD, que, sob a epígrafe “princípios fundamentais” estatui que “…em todas as fases do processo, é garantida a estrita observância do princípio do contraditório”.
2.2.1.9 Se o colégio de árbitros se pronuncia, em acórdão arbitral proferido em processo impugnatório da sua competência, sobre causas de invalidade distintas das que foram concretamente assacadas pelo autor à decisão disciplinar punitiva, objeto do recurso arbitral, conhecendo-as oficiosamente, sem que tenha ouvida as partes quanto a elas, máxime o requerido, e com base nelas julga procedente o pedido impugnatório, anulando a decisão recorrida (como sucedeu – vide ponto 2.2.1.3 supra), mostra-se inobservado o princípio do contraditório.
Tendo o tribunal arbitral identificado causas de invalidade distintas das concretamente invocadas no processo, só poderia delas conhecer e decidir após as ter suscitando e notificado as partes para quanto a elas se pronunciarem, nos termos previsto no artigo 95º nº 3 do CPTA ex vi do artigo 61º da Lei do TAD.
Não o tendo feito, avançando imediatamente para a decisão, sem que possibilitasse às partes a respetiva discussão, ocorre nulidade processual, com violação do direito de contraditório, que afeta a decisão arbitral, por tal omissão ser suscetível de influir no exame e decisão da causa (cfr. artigo 195º nº 1 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA e do artigo 61º da Lei do TAD).
Razão pela qual deve ser anulado o acórdão arbitral recorrido, pro.
Procedendo, pois, nesta medida, as conclusões 16º e 17º das alegações de recurso.
~
2.2.2 Do invocado erro de julgamento – (conclusões 3ª e 4ª das alegações de recurso)
Em face da supra decidida anulação do acórdão arbitral recorrido, fica prejudicado o conhecimento do apontado erro de julgamento, de direito, de que assim nos abstemos de conhecer.
~
2.2.3 Da invocada isenção de taxa de arbitragem – (conclusões 18ª a 21ª das alegações de recurso)
2.2.3.1 Na contestação que a recorrida FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL apresentou no processo arbitral, esta invocou, desde logo, beneficiar se isenção de taxa de arbitragem, por efeito do disposto no artigo 4º alíneas f) e g) do Regulamento das Custas Processuais, por, em suma, ser uma pessoa coletiva de direito privado titular de estatuto de Utilidade Pública Desportiva, e não ter, simultaneamente, na sua mão, o impulso processual a que alude o artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, por se apresentar com toda a passividade perante o impulso de outrem (vide artigos 41º a 67º daquele seu articulado).
O que não foi acolhido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, que entendeu que nos processos que correm junto do TAD.
Vejamos.
2.2.3.2 A Lei do TAD dedica os seus 76º a 80º às custas processuais na arbitragem necessária, estatuindo, entre o demais, que “as custas do processo arbitral compreendem a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral” (artigo 76º nº 1), que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor da causa, por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e do desporto” (artigo 76º nº 2) sendo “…integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contrainteressados, devendo ser paga por transferência bancária para a conta bancária do TAD, juntamente com a apresentação do requerimento inicial, da contestação e com a pronúncia dos contrainteressados” (artigo 77º nº 3).
E o artigo 80º da Lei do TAD determina, no âmbito dos normativos referentes às custas processuais na arbitragem necessária, serem “…de aplicação subsidiária:
a) As normas relativas a custas processuais constantes do Código de Processo Civil;
b) O Regulamento das Custas Processuais.”
2.2.3.3 A Portaria n.° 301/2015, de 22 de Setembro veio fixar a taxa de arbitragem e os encargos do processo no âmbito da arbitragem necessária, bem como as taxas relativas a atos avulsos, nos termos do artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, estatuindo no seu artigo 2º nº 1 que a taxa de arbitragem necessária “…corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e é “…fixada pelo presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em função do valor da causa, nos termos do anexo I à presente portaria que dela faz parte integrante”.
2.2.3.4 Ora, atendendo a que as normas de isenção de custas, designadamente as contidas no Regulamento das Custas Processuais, consubstanciam normas excecionais, em que cada situação de isenção estará normativamente prevista de modo expresso, e que quer a Lei do TAD, quer a Portaria n.° 301/2015, de 22 de Setembro que o regulamenta no que respeita à taxa de arbitragem e encargos do processo de arbitragem, não contêm qualquer previsão de situação de isenção de custas, tem que concluir-se que a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL não beneficiava de qualquer isenção das custas do processo arbitral (taxa de arbitragem), como propugnou.
Improcedendo, pois, neste aspeto o recurso.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em:
- conceder provimento ao recurso jurisdicional, anulando-se o acórdão arbitral recorrido, devendo os autos ser remetidos ao Tribunal Arbitral do Desporto, nos termos e para os efeitos supra referidos, se a tanto nada mais entretanto obstar;
- negar provimento ao recurso no que respeita à decisão que recaiu sobre a invocada isenção de taxa de arbitragem.
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Custas nesta instância, pelo recorrido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 4º nº 1 alínea a) do RCP.
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Notifique.
D.N.
Lisboa, 4 de Outubro de 2017


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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)





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Maria Cristina Gallego dos Santos




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Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho