Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1112/17.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA ANULATÓRIA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
IDENTIFICAÇÃO DO TITULAR DO CARGO
Sumário:I - Decorre do n.º 6 do art.º 169.º do CPTA, na redacção do DL. 214-G/2015, de 02/10, que não há lugar a audição do titular do órgão condenado no processo em que é proferida a decisão condenatória.
II - A defesa e contraditório do titular do órgão condenado é feita na oposição a exercer no âmbito da liquidação das importâncias a que foi condenado.
III - Não identificando a sentença o titular do órgão condenado, elemento que se impõe atento o carácter pessoal da condenação e o preceituado no nº1 do art.º 169º do CPTA, a decisão condenatória enferma de erro de julgamento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A Exma. Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida em 20/02/2022 que, em execução de julgado, condenou a titular do órgão no pagamento de sanção pecuniária compulsória “fixada no valor de 5% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor, a iniciar após o termo do prazo de 30 dias e a terminar quando se mostre realizada a execução integral da sentença”, alegando para tanto o seguinte:
«
I. Na douta sentença recorrida, decidiu-se condenar a titular do órgão incumbido da execução, Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante diário de 5% do salário mínimo nacional mais elevado, a iniciar após o termo do prazo de 30 dias e a terminar quando se mostre ter sido realizada a execução integral da sentença.

II. Porém, e salvo o devido respeito que é muito, decidiu mal a douta sentença de condenação na sanção pecuniária compulsória, datada de 20.02.2022, pois que padece de vícios vários, e, não pode, por isso, manter-se na ordem jurídica.

III. E, isso porque não é de acolher a forma como aí se interpretou e se aplicou à situação sub judice o instituto da sanção pecuniária compulsória, nos termos do disposto no artigo 169º do CPTA.

IV. Da leitura do artigo 169º do CPTA, infere-se que a sanção pecuniária compulsória: i. Só pode ser aplicada quando haja um primeiro incumprimento da Executada sem justificação aceitável, não podendo ser aplicada sem uma prévia averiguação, destinada a determinar se o incumprimento é ou não desculpável; ii. É intuitu personae, devendo, assim, a sentença especificar, identificando, obrigatoriamente, qual o titular do órgão que está obrigado a executar o julgado e bem assim qual o conteúdo a que este está concretamente obrigado; iii. Tem o seu termo inicial apenas a partir da notificação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução da aplicação de tal sanção, pois, ao incidir sobre o património das pessoas individuais, tem subjacente a ideia de culpa — juízo de censura - no não cumprimento da decisão; iv. Cessa quando o cumprimento do julgado já não esteja ao alcance das pessoas físicas sobre que recaiu a dita sanção, por terem cessado o exercício das suas funções, não sendo as mesmas transmissíveis aos novos titulares, ficando dependentes de novo pedido.

V. Em primeiro lugar, da análise aos presentes autos, conclui-se que a Directora Geral da
Autoridade Tributária não foi notificada, a título pessoal, previamente à sentença que a
condenou em sanção pecuniária compulsória, isso em ordem a determinar se o atraso na
concretização do julgado era ou não desculpável.

VI. Atenta a natureza sancionatória da figura jurídica da sanção pecuniária, é evidente que o titular do órgão visado tem que obrigatoriamente ser, antes da decretação da sentença, chamado ao processo jurisdicional, a fim de lhe ser dada a palavra para, querendo, exercer o respectivo direito de audição.

VII. Isso porque, e não sendo – até ao momento em que é condenado em sanção – o titular do órgão quem surge verdadeiramente na relação material controvertida (isto é, nunca tendo intervindo no processo jurisdicional nem como parte, nem como contra-interessado, nem através do instituto processual da intervenção), tem que lhe ser obrigatoriamente dada voz para que, a título pessoal, possa justificar o atraso na execução do julgado.

VIII. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 169.º, n.º 1 do CPTA, do disposto no artigo 3.º do CPC (princípio do contraditório), e, bem assim, do disposto no artigo 20.º da CRP (princípio da tutela jurisdicional efectiva), resulta que não podem então ser tomadas quaisquer medidas sancionatórias contra uma pessoa sem que ela seja ouvida, sem que se lhe dê oportunidade de aduzir factos ou motivos que surjam como factores de exclusão de culpa; consubstanciando essa oportunidade um basilar princípio de direito substantivo e processual.

IX. Conforme ensinado por Vieira de Andrade, a propósito da audição prévia do condenado, «Embora isso não resulte com clareza da lei, como se trata de sanções pecuniárias aplicáveis a titulares de órgãos, deverá haver um mínimo de procedimentalização, com audiência prévia ou possibilidade de oposição ao interessado à liquidação (…) apropriadas a um acto que representa, a final de contas, uma sanção individualizada.»

X. Também assim foi decidido no Acórdão do TCA Sul, processo n.º 11622/14, de 29-01-2015:
«Estamos, pois, assentes quanto à natureza sancionatória de carácter preventivo geral e especial sujeita a reserva de juiz, somente susceptível de ser aplicadas pelos Tribunais. O que significa que tem como pilares estruturais quer o exercício do contraditório na medida em que (…) não pode ser adoptada sem prévia audição da entidade demandada e das pessoas sobre as quais recaia a cominação (art. 3.º, n.º 3 CPC).»

XI. Assim também tendo sido decidido no Acórdão do TCA Sul, processo n.º 09172/15, onde se decidiu que: «a inobservância da realização da audiência da realização da audição prévia a título pessoal do titular do órgão condenado - que era imprescindível – surge como violação de formalidade essencial que enferma a sentença recorrida de vício de violação de lei. A decisão de aplicação da sanção pecuniária compulsória é por isso ilegal por falta de contraditório do titular do órgão incumbido da execução do julgado, o Director-geral da Autoridade Tributária».

XII. Tendo também assim decidido no Acórdão do TCA Sul, processo n.º 10836/14, de 12-02-2015, ou no Acórdão do TCA Norte, de 14-12-2012, processo n.º 0608-A/99, onde se defendia a obrigação garantística de abertura de contraditório ao condenado em sanção pecuniária, antes da dita condenação.

XIII. A inobservância da realização de audição prévia a titulo pessoal do titular do órgão condenado – que, frise-se, era imprescindível – surge como violação de formalidade essencial que enferma a sentença recorrida de vício de violação de lei.

XIV. A decisão de aplicação de sanção pecuniária compulsória é por isso ilegal, por falta de contraditório do titular do órgão incumbido da execução do julgado.

XV. Acresce que a sanção pecuniária compulsória, de acordo com o teor do artigo 169.º, n.º 1 do CPTA, tem natureza intuitu personae, na medida em que tem por destinatário o suporte do órgão administrativo, isto é, a pessoa física concreta que exerce a competência administrativa adstrita ao cumprimento do dever que foi jurisdicionalmente imposto, O que, como se bem compreende, implicava (e implica) na sentença reclamada a identificação individualizada do titular do órgão competente.

XVI. Isso, porque - e tendo em conta que o titular do órgão incumbido de execução é uma pessoa jurídica distinta da pessoa colectiva em que se encontra inserido o órgão do qual é titular -, não é sobre a pessoa colectiva que vai recair a sanção pecuniária compulsória, mas sim, precisamente, sobre o titular do dito órgão;

XVII. E também porque o património a responder por eventual incumprimento do pagamento da sanção pecuniária compulsória é o do próprio titular do órgão e não o património do órgão incumbido de concretizar o julgado.

XVIII. Como refere Vieira de Andrade «Numa óptica subjectiva, as sanções compulsórias apresentam, no mundo administrativo, uma especificidade, que se manifesta na circunstância de ela não recair sobre o estado ou os entes públicos, mas sobre os titulares dos órgãos incumbidos da execução – é dizer, de não recair sobre o património do “devedor”, mas sobre o património do indivíduo que “representa” o devedor ou lhe administra os bens e interesses. Isso implica uma identificação individual dos responsáveis pelo cumprimento das sentenças, o que nem sempre é inequívoco ou fácil para o tribunal.»

XIX. Também Bruno Carrilho Tabaio escreve que o titular do órgão incumbido de execução é uma pessoa jurídica distinta da pessoa colectiva em que se encontra inserido o órgão do qual é titular, e, como tal, para efeitos jurídicos de aplicação de medidas coercitivas ou sancionatórias, deve ser individualmente considerado, não podendo as suas esferas jurídicas ser confundidas. (...) o número 1 do artigo 169º do CPTA consagra a possibilidade de o Tribunal aplicar urna sanção pecuniária compulsória a uma esfera jurídica (a do titular) sendo que a situação factual que levou á sua aplicação (a relação jurídica controvertida) não encontra qualquer relação com a sua esfera jurídica caso se tenha em consideração a construção jurídica da representação orgânica. (...) no contencioso administrativo aquele a que, com pouco rigor, poderemos denominar de "devedor" é o órgão incumbido da execução e que não a cumpriu no prazo judicialmente estipulado, ou melhor, é a pessoa colectiva onde se encontra inserida esse órgão; mas não é sobre essa pessoa colectiva que vai recair a sanção, mas sim sobre o titular do seu órgão, fazendo lembrar o gangster que aponta a pistola á mulher e filhos do homem para que ele pague o que deve.»

XX. Bem se compreende a necessidade de individualização em concreto do titular do órgão, porquanto, poder-se-á dar o caso de, durante o período de aplicação da sanção pecuniária compulsória, serem várias as pessoas que, consecutivamente, assumem aquele cargo.

XXI. Impunha-se igualmente que a sentença recorrida tivesse formulado um juízo de censura acerca da conduta alegadamente injustificável do titular do órgão, isto é, da Directora-geral, e bem assim estabelecido um nexo de causalidade entre a culposa actuação daquele titular e o manifesto atraso na concretização do julgado.

XXII. Somente a imputação daquele nexo de culpa à conduta do agente torna possível ao poder judicial a intromissão na esfera jurídica patrimonial do indivíduo, que, no limite, se traduz na execução do seu património pessoal, em ordem a assegurar o pagamento da sanção pecuniária compulsória e, por consequência, à concretização da sentença.

XXIII. Observada a sentença condenatória, infere-se que em nenhum momento se estabelece um nexo de causalidade entre a actuação da Directora-geral da AT e o atraso na execução do julgado, também não tendo sido aduzido factos culposos que evidenciem a vontade e a consciência por parte do condenado em praticar aquilo a que Cavaleiro Ferreira designa de «mal do crime», isto é, em ter permitido ou mesmo promovido a demora na execução do julgado.

XXIV. A este respeito, refere Vieira de Andrade «Parece-nos que, tendo em consideração a incidência da sanção na esfera patrimonial de pessoas individuais, deve exigir-se a culpa, que relevará, seja para imposição, seja para fixação do montante. Neste contexto, o tribunal há-de ter em conta o modo de funcionamento das Administrações públicas, não devendo ignorar as dificuldades, as limitações e as resistências burocráticas, quer as normais, quer as que decorram de um funcionamento anormal do serviço – condições que variam conforme os sectores, os entes e os serviços.»

XXV. Também sobre este assunto, Bruno Carrilho Tabaio sustenta que «E é ainda necessário formular um juízo de censura sobre a actuação do titular, só assim se encontrando plenamente justificada a intromissão na sua esfera jurídica (v.g. no seu património). É necessário um nexo de imputação psicológica do acto ao titular, pois só assim se conseguirá, quer uma construção jurídica que permita explicar a desconsideração da doutrina da representação orgânica, quer uma justificação da afectação do património titular. Deve assim ser chamada à colação a culpa do titular, o que não se deve estranhar (…)»

XXVI. A sentença recorrida não se encontra minimamente fundamentada no segmento que se prende com a condenação/imposição duma sanção pecuniária compulsória, porquanto é totalmente omissa quanto ao apuramento de um comportamento culposo no atraso da execução do julgado.

XXVII. Quanto à consideração da culpa, nos termos do Acórdão do TCA Sul, de 03/10/2013, processo nº 06608/13 «A este propósito, suscita-se a questão de saber se, tratando-se de uma sanção, ainda que compulsória, deve relevar a culpa. Parece-nos que, tendo em consideração a incidência da sanção na esfera patrimonial de pessoas individuais, se deve exigir um nexo de culpa, o qual relevará, tanto para a imposição, como para a fixação do montante pecuniário concreto (cfr.Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.1095 e seg.; José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Lições, 11ª. Edição, Almedina, 2011, pág.380 e seg.). Mais se dirá que a sanção pecuniária compulsória só é aplicável quando tal se justifique, pressupondo este critério de justificação um juízo de valor sobre o eventual incumprimento da decisão, juízo de ponderação esse assente em factos concretos que permitam concluir se o eventual incumprimento é, ou não, desculpável, o que se alcançará através de um juízo de censura à conduta processual e extraprocessual desenvolvida pela parte não cumpridora, juízo esse sempre fundado em razões objectivas, isto é, comprovadas nos autos (cfr.ac.T.C.A.Sul-1ª.Secção, 31/1/2008, proc.3362/07)».

Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo, em consequência, ser revogada a douta sentença impugnada e substituída por outra que absolva o titular do órgão aqui condenado».

Foram apresentadas contra-alegações, que culminam com as seguintes e doutas conclusões:
«
a) Vão decorridos 32 anos e quase 4 meses sobre a entrada da PI em juízo e 5 anos e 7 meses sobre a prolação da douta sentença exequenda;

b) Apesar disso, não se descortina nas alegações da FP qualquer justificação para incumprimento,

c) Nem se vislumbra qualquer indício de que há vontade efectiva de cumprir a douta sentença.

d) Pelo contrário, o que se verifica é a repetição de promessas já gastas de tanto uso de não cumprir;

e) A Recorrida ignora se a Exma. Sra. Diretora Geral da AT está a par do incumprimento e de que lhe foi aplicada uma sanção.

f) Sanção que é moderada e que, a não produzir efeitos, terá de dar lugar a procedimento criminal, medida indesejável, mas provavelmente necessária.

Termos em que se requer a rejeição do recurso por ser manifestamente improcedente.
Para evitar males e delongas maiores, requer-se que os autos sejam presentes ao Ministério Público, de forma a que seja possível apurar se a Exma. Sra. Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira está a par da conduta dos Serviços que dirige.».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso merece provimento.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), as questões que importa resolver reconduzem-se essencialmente a duas: (i) saber se ocorre nulidade processual secundária resultante da falta de chamamento ao processo do titular do órgão condenado em sanção pecuniária compulsória; (ii) saber se a sentença está inquinada de erro de julgamento por falta de fundamentação material da decisão condenatória.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Compulsados os autos e analisada a prova produzida, com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
1) A Exequente é uma sociedade resultante da fusão de sociedades refinadoras de açúcar, entre as quais a S… - Sociedade de R…, S.A., e a A… - Refinarias A…, S.A. (cf. certidão a págs. 3 a 11 do ficheiro a fls. 118 a 128 do SITAF);
2) Em 08-02-1989 foi emitido em nome da Exequente e relativo ao Bilhete Despacho n.º 38198/85 a liquidação de fazendas demoradas no valor de 39.629.601$00 (cf. liquidação a págs. 4 do ficheiro a fls. 285 a 290 do SITAF);
3) Em 04-06-2002 a Executada emitiu um ofício em nome da Exequente do qual se retira, por extrato, o seguinte:
«Notifico V. Exª. que [...] deverá no [...] proceder de acordo com o mapa anexo, ao pagamento da quantia de 881.065,99 Euros [...]
A dívida em causa é cobrada com base nos seguintes fundamentos:
Por Acórdão de 14/12/01 do Tribunal Constitucional, já transitado em julgado, foi negado provimento ao recurso, pelo que após trânsito em julgado do mesmo deveriam V. Exas. ter procedido ao respetivo pagamento [...]
[...]»
(cf. ofício a págs. 23 a 25 do ficheiro a fls. 141 a 166 do SITAF);
4) Em 03-07-2002 foi efetuado pela Exequente o pagamento da liquidação de Fazendas Demoradas no valor de € 197.671,62, constando como número e data de aceitação 38198 de 07-06-85 e como movimento de caixa (mcx) o n.º 68182 (cf. liquidação a fls. 173 e 174 do SITAF);
5) Em 31-05-2016 foi proferida sentença no processo n.º 112/02 (n.º 533/02.4BTLRS do SITAF) que correu termos neste Tribunal com as mesmas partes, constando da mesma, além do mais, o seguinte:
«[...] B) Durante o ano de 1985, a sociedade S…- Sociedade de R…, S.A. importou vários graneis de açúcar de cana em rama, a coberto dos bilhetes de despacho n.ºs 11553, de 02.02.1985, 28192, de 26.04.1985, 28193, de 26.04.1985, 33200, de 17.05.1985, 36945, de 03.06.1985 e 38198, de 07.07.1985, todos da Delegação Aduaneira do Jardim do Tabaco [...]
S) Em 17.01.1992, no âmbito do processo de cobrança n.º 823/91, foi apurada pela Alfândega de Lisboa, por referência ao bilhete de despacho n.º 38198/85, dívida aduaneira “proveniente de cobrança da taxa respeitante a Fazendas Abandonadas”, no valor de € 197.671,62 [...]
T) Por acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 01.03.2000, foi negado provimento ao recurso identificado em M), com fundamento na sua intempestividade [...]
V) Tendo a Impugnante apresentado recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão referido em U), por decisão sumária deste Tribunal, datada de 02.10.2001, foi decidido “não tomar conhecimento do objecto do recurso” [...]
Alega a Fazenda Pública que o acto impugnado foi praticado em 1989, o qual foi notificado à Impugnante, sendo a notificação que lhe foi feita em 2002 confirmativa da anterior [...]
Do que resulta dos autos, a notificação à impugnante dos actos de liquidação objecto da presente impugnação só ocorreu através do oficio datado de 04.06.2002 e recepcionado por aquela sociedade em 06.06.2002, pelo qual se notificou a Impugnante para proceder ao pagamento da quantia de € 881.065,99 [...]
Afirma a Impugnante que só em 1991 as autoridades aduaneiras organizaram os processos de cobrança (n.ºs 821/91 a 826/91) do tributo sindicado nos autos, quando já estava precludido o prazo de 3 anos consagrado para o efeito [...]
Considerando a regra do artigo 297.º do CC, o prazo de caducidade de cinco anos previsto no artigo 33. º do CPT deve ter o seu termo inicial na data da entrada em vigor do CPT, ou seja, em 01.07.1991.
Logo, e na ausência de causas de suspensão do prazo de caducidade, tal prazo teve o seu terminus em 01.07.1996 (cfr. artigo 279.º, alínea c), do CC).
Ora, como se deixou assente na alínea X) do probatório, a notificação à Impugnante dos actos de liquidação impugnados ocorreu somente em 06.06.2002, muito para além, portanto, do termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação.
IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se procedente a presente impugnação, anulando-se os actos de liquidação impugnados. [...]»
(cf. sentença no processo n.º 533/02.4BTLRS do SITAF, que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
6) Em 24-11-2016 foi proferida sentença no processo n.º 53/99.2º.2ª - (178/07) que correu termos neste Tribunal com as mesmas partes e deu origem à presente execução, constando da mesma, além do mais, o seguinte:
«[...] Com efeito, como do recenseado resulta, a Impugnante propôs a presente impugnação, originalmente embora sob outra forma processual, também relativamente à liquidação por fazendas demoradas que lhe foi elaborada pela Administração Aduaneira, registada em 8 de fevereiro de 1989 pelo impresso de liquidação com o registo n°3008, para pagamento da importância de 39.629.601$00.
Todavia, simultaneamente com a apresentação da petição na origem dos presentes autos, a Impugnante paralelamente interpôs, quanto a tal matéria, um recurso contencioso e um incidente de suspensão, com os n.ºs 10560/89 e 10560-A/89, perante o Supremo Tribunal Administrativo, visando atos do Ex.mo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. [...]
E, embora não houvesse uma repetição de ações nesse âmbito, [...] aqui, quanto à liquidação, a de saber da subsistência ou não de um abandono das mercadorias importadas relevante da aplicação do disposto nos arts.638°-639° da Reforma Aduaneira [...] a verdade é que, não obstante isso, a Impugnante veio esclarecer [...] que o recurso
em relação a ela apenas ficara a dever-se à precipitação da Administração Aduaneira, que não aguardara a decisão relativa aos pedidos então pendentes em relação à questão de fundo que a seu propósito se colocava. Conclui daí que, então, ultrapassada essa interpolação de atos, a impugnação não mais tinha objeto nessa parte [...]
Assim [...] porque na parte em que era visada a citada liquidação por fazendas demoradas houve contencioso autónomo sobre ela, ocorre inutilidade da presente lide, nessa parte, o que é causa de extinção da instância, nesse mesmo âmbito. [...]
1. Em 1985 a Impugnante, S… -Sociedade de R…, S. A. [...] hoje denominada A… Refinarias –A…, S. A. [...] comprou e importou para Portugal 11.400.000kg [...] de ramas de açúcar [...]
2. Chegada a carga ao Porto de Lisboa [...] emitiu-lhe a Delegação Aduaneira do Jardim do Tabaco bilhete de despacho a 9 de junho de 1985, sobre a declaração de importação com o n°38198/85 [...]
4. Sucedeu porém que a Impugnante importou, em 1985, outras cargas análogas àquela [...]
5. Assim, a Impugnante requereu mais do que uma vez [...] autorização para introdução no consumo de quatro partidas das ramas de açúcar importadas em 1985 [...]
7. Nesse conspecto, a Administração Aduaneira elaborou à Impugnante a liquidação dos direitos niveladores reduzidos, que ascendiam a 381.938.264$00 e dela a notificou.
8. Após, notificou-a para proceder ao pagamento da quantia de 34.493.794$00 – os direitos devidos em 1985 - e para caucionar o mais liquidado.
9. Como meio de pagamento daquela importância a Impugnante emitiu no dia 22 de abril de 1988 o cheque n°3104618628 [...]
10. Contudo, o dinheiro creditado na referida conta bancária pelo saque e pagamento entre bancos do cheque, por razões desconhecidas, e alheias à e desconhecidas da Impugnante, foi pela Alfândega imputado na satisfação [...] de uma pluralidade de outros atos de liquidação entre cujos destinatários importadores se não contava, em nenhum dos casos, a Impugnante.
11. Não tendo os serviços detetado aquele erro na imputação do dinheiro [...] a 8 de fevereiro de 1989 a Administração Aduaneira procedeu como que ex novo à liquidação da tributação sobre aquela mesma importação, ao abrigo do bilhete de despacho já acima mencionado, a qual submeteu a registo nessa data, elaborando quatro impressos de liquidação:
a. impresso de liquidação com o registo n°3007, para pagamento da importância correspondente ao direito nivelador reduzido [na importância de 381.938263$00];
b. impresso de liquidação de juros de mora [na importância de 15.277.530$00];
c. impresso de liquidação com o registo n°3008, para pagamento da importância correspondente a fazendas demoradas (39.629.601$00];
d. impresso de liquidação para pagamento da importância correspondente a Imposto sobre o Valor Acrescentado [na importância de 66.347.383$00]; e,
e. impresso para garantia dos emolumentos do art. 10º da Tabela II da Reforma Aduaneira [na importância de 3.566.664$00],
com prazos de pagamento terminando a 20 de fevereiro de 1989
12. A Impugnante satisfez os direitos niveladores e os respetivos juros de mora, referidos no ponto anterior, sob as alíneas a. e b., em 31 de março de 1989.
13. Porém, igualmente pediu em Juízo a suspensão da eficácia do ato de liquidação dos direitos niveladores, a.-b., e apresentou recurso relativamente ao ato de liquidação de fazendas demoradas, c. [...]
Em suma, os atos impugnados foram elaborados sobre um erro quanto aos pressupostos de facto que foram tidos como determinantes da sua elaboração - a putativa omissão de pagamento das imposições vigentes em 1985 -, mas por isso mesmo enfermam de ilegalidade [...]
Pelo exposto, determinamos, consequentemente e sem necessidade de mais alongadas considerações, a anulação das liquidações impugnadas:
a. da liquidação inscrita com o registo nº3007, para pagamento da importância correspondente ao direito nivelador reduzido [na importância de 381.938.263$00];
b. da liquidação dos conexos juros de mora [na importância de 15277.530$00];
e. da liquidação inscrita para pagamento da importância correspondente a Imposto sobre o Valor Acrescentado [na importância de 66.347.383$00); e
d. da liquidação inscrita para pagamento dos emolumentos do art.10º da Tabela II da Reforma Aduaneira [na importância de 3.566.664$00] [...]
Destarte, com suporte no todo exposto, julgamos esta impugnação [...]
a) extinta por sua inutilidade superveniente, quanto à liquidação de fazendas demoradas, com o registo n°3008 [na importância de 39.629.601$00];
b) procedente por provada, quanto às liquidações de juros de mora [na importância de 15.277.530$00], quanto à liquidação com o registo n°3007, para pagamento da importância correspondente ao direito nivelador reduzido [na importância de 381.938.263$00], quanto à liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado [na importância de 66.347.383$00] e quanto à liquidação dos emolumentos do art.10° da Tabela II da Reforma Aduaneira [na importância de 3.566.664$00] [...]»
(cf. sentença a págs. 6 a 26 do ficheiro a fls. 1 a 26 do SITAF);
7) Em 14-12-2016 foi emitido em nome da Exequente um ofício no âmbito do processo descrito em 6) com o seguinte teor:
«Fica notificado, na qualidade de Impugnante, relativamente ao Processo supra identificado, do conteúdo da sentença de que se junta copia.»
(cf. ofício a págs. 5 do ficheiro a fls. 1 a 26 do SITAF);
8) Em 01-06-2017 deram entrada neste Tribunal os presentes autos (cf. registo do SITAF);
9) Em 22-04-2018 deu entrada nos serviços da Executada um requerimento com o seguinte teor:
«[...] Reporto-me ao assunto do reembolso da (ex) A… Refinarias SA, que hoje usa a denominação S…. Como poderá verificar pelo NIPC trata-se da mesma sociedade/ contribuinte.
Seguem em anexo as informações bancárias [...]»
(cf. requerimento a fls. 116 e 117 do SITAF);
10) Em 28-09-2018 foi emitido em nome da Exequente o reembolso no valor total de € 2.178.975,65, correspondendo aos códigos de rúbrica aduaneira 606, no montante de € 76.204,00, 736 no montante de € 197.671,62 e 811 no montante de € 1.905.100,03 (cf. informações a fls. 105 a 108 e 129 a 130 do SITAF);
11) Em 23-10-2019 a Exequente recebeu um reembolso no valor total de € 66.040,68 (cf. ofício a fls. 211 e 211 do SITAF);
12) Em 14-11-2019 foi prolatado Acórdão a negar provimento ao recurso da decisão proferida no processo descrito em 5) (cf. Acórdão a fls. 225 a 244 do SITAF);
13) Em 23-04-2021 a Exequente recebeu um reembolso no valor total de € 1.453.345,48 (cf. ofício a fls. 355 do SITAF).
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Consideram-se não provados os seguintes factos:
a) A Exequente pagou a liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no valor de 66.347.383$00;
b) A Exequente pagou a liquidação de emolumentos no valor de 3.566.664$00;
c) A Exequente não indicou o IBAN quando solicitado;
d) A Exequente não comprovou a legitimidade para a execução do julgado quando solicitado;
e) A Executada esteve impedida de executar o julgado até 30-08-2018.
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Não foram alegados quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como provados ou não provados.
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A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo (PA) apenso a estes, que não foram impugnados e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, assim como nos factos alegados pelas partes, corroborados pelos documentos suprarreferidos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório.
Os factos não provados resultam de não terem sido juntos aos autos elementos suficientes no sentido pugnado.
Efetivamente, quanto aos factos não provados em a) e b), o ónus da prova do pagamento do IVA e dos emolumentos está do lado da Exequente, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que o direito ao reembolso provém da comprovação desse pagamento, o que não foi feito nos autos.
É certo que a Executada não juntou aos autos todos os elementos requeridos pela Exequente, afirmando que aqueles já haviam sido destruídos.
Todavia, essa falta não tem a virtualidade de inverter o ónus da prova contra a Executada, nos termos previstos no n.º 2 do referido artigo 74.º da LGT, porquanto a Exequente não foi capaz de proceder à correta identificação, junto da administração tributária, dos meios de pagamento alegadamente utilizados para fazer face às liquidações do IVA e dos emolumentos.
Bem assim, também não foram juntos pela Exequente aos presentes autos quaisquer elementos que indiciassem esse pagamento, como canhotos de cheques, registos contabilísticos ou qualquer outro documento no sentido propugnado.
Igualmente, não resulta dos autos, nomeadamente da sentença anulatória, assente nos factos em 6), o pagamento de qualquer quantia respeitante àqueles tributos, ao contrário do que expressamente acontece com as liquidações do direito nivelador reduzido e dos juros de mora, atentos os pontos 11. e 12. da mesma, pelo que não se podem dar aqueles factos como provados.
Quanto aos pontos c) e d), os mesmos não se encontram provados porque apenas foi junto aos autos um requerimento da Exequente com a identificação do IBAN, conforme o facto 9).
Todavia este elemento, desacompanhado de qualquer outro, não é suficiente para se provar que a Exequente não indicou atempadamente o IBAN ou que não juntou elementos suficientes a esclarecer a sua legitimidade na execução, ou até que a Executada os solicitou e em que data o fez, nada sendo alegado também quanto à insuficiência daqueles elementos nos registos cadastrais da administração.
Sendo estes os fundamentos pelos quais a Executada justifica que até 30-08-2018 esteve impedida de executar a sentença, e não se encontrando provados nos autos, também se dá por não provado esse alegado impedimento.

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal a quo, em execução de sentença, em que é executada e ora recorrente a Exma. Senhora Directora da Autoridade Tributária e Aduaneira, condenou acessoriamente a titular do órgão no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.

Como se extrai das doutas alegações de recurso, é unicamente impugnado o segmento do julgado relativo à condenação em sanção pecuniária compulsória aplicada acessoriamente à titular do órgão, o que de resto a exequente, ora recorrida, reconhece em requerimento dirigido ao processo em 12/09/2022.

Os restantes efeitos do julgado não podem, por conseguinte, ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo, como decorre do art.º 635/5 do CPC.

A censura que a Recorrente dirige à sentença recorrida prende-se com a circunstância de ter condenado a titular do órgão sem que esta fosse individualmente chamada ao processo para se defender, o que, a seu ver, para além de violar o princípio estruturante do contraditório, se mostra desconforme com princípios de ordem constitucional.

Sobre a questão já se pronunciou a SCT deste tribunal em anteriores arestos – vd. acórdãos de 05/12/2016, proc.º 09172/15; de 03/25/2021, proc.º 460/06.6BEBJA-B – é certo, mas impõe-se revisitar o tema à luz do que, entretanto, passou a dispor o art.º 169.º do Cód. de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redacção introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro, aplicável à execução das sentenças anulatórias ex vi do art.º 179/2 do mesmo Código.

Com efeito, naqueles arestos estava em causa a sindicância de decisões de 1.ª instância de aplicação de sanção pecuniária compulsória anteriores à referida alteração legislativa.

Na redacção actual, introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro, dispõe o art.º 169.º do CPTA:
«Artigo 169.º
Sanção pecuniária compulsória
1 - A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 é fixada segundo critérios de razoabilidade, podendo o seu montante diário oscilar entre 5 /prct. e 10 /prct. do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento.
3 - Se o órgão ou algum dos órgãos obrigados for colegial, não são abrangidos pela sanção pecuniária compulsória os membros do órgão que votem a favor da execução integral e imediata, nos termos judicialmente estabelecidos, e que façam registar em ata esse voto, nem aqueles que, não estando presentes na votação, comuniquem por escrito ao presidente a sua vontade de executar a sentença.
4 - A sanção pecuniária compulsória cessa quando se mostre ter sido realizada a execução integral da sentença, quando o exequente desista do pedido ou quando a execução já não possa ser realizada pelos destinatários da medida, por terem cessado ou sido suspensos do exercício das respetivas funções.
5 - A liquidação das importâncias devidas em consequência da imposição de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos deste artigo, é feita pelo tribunal, a cada período de três meses, e, a final, uma vez cessada a aplicação da medida, podendo o exequente solicitar a liquidação.
6 - No âmbito da liquidação, o titular do órgão pode deduzir oposição com fundamento na existência de causas de justificação ou de desculpação da conduta.
7 - As importâncias que resultem da aplicação de sanção pecuniária compulsória constituem receita consignada à dotação anual, inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a que se refere o n.º 3 do artigo 172.º».

Na redacção anterior da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, o art.º 169.º do CPTA tinha a seguinte redacção:
«Artigo 169.º
Sanção pecuniária compulsória
1 - A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 é fixada segundo critérios de razoabilidade, podendo o seu montante diário oscilar entre 5% e 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento.
3 - Se o órgão ou algum dos órgãos obrigados for colegial, não são abrangidos pela sanção pecuniária compulsória os membros do órgão que votem a favor da execução integral e imediata, nos termos judicialmente estabelecidos, e que façam registar em acta esse voto, nem aqueles que, não estando presentes na votação, comuniquem por escrito ao presidente a sua vontade de executar a sentença.
4 - A sanção pecuniária compulsória cessa quando se mostre ter sido realizada a execução integral da sentença, quando o exequente desista do pedido ou quando a execução já não possa ser realizada pelos destinatários da medida, por terem cessado ou sido suspensos do exercício das respectivas funções.
5 - A liquidação das importâncias devidas em consequência da imposição de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos deste artigo, é feita pelo tribunal, a cada período de três meses, e, a final, uma vez cessada a aplicação da medida, podendo o exequente solicitar a liquidação.
6 - As importâncias devidas ao exequente a título de indemnização e aquelas que resultem da aplicação de sanção pecuniária compulsória são cumuláveis, mas a parte em que o valor das segundas exceda o das primeiras constitui receita consignada à dotação anual, inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a que se refere o n.º 3 do artigo 172.º».

Invoca a recorrente, na linha do que se sustentou nos citados arestos deste Tribunal que sobre o tema da sanção pecuniária compulsória se pronunciaram, que “constitui preterição de formalidade essencial a falta de audição prévia do titular do cargo que foi alvo de condenação em sanção pecuniária compulsória, atenta a sua natureza pessoal”.

Porém, essa linha de jurisprudência, não pode manter-se face à nova redacção do art.º 169.º, cujo n.º 6 dispõe: «No âmbito da liquidação, o titular do órgão pode deduzir oposição com fundamento na existência de causas de justificação ou de desculpação da conduta».

Com efeito, a defesa do titular do órgão condenado concretiza-se agora, nos termos da nova redacção, mediante o exercício do direito de oposição no âmbito da liquidação das importâncias devidas em consequência da imposição de sanções pecuniárias compulsórias e não no próprio processo, no caso, de execução de sentença, em que foi proferida a decisão condenatória.

Como assim, ao abrigo da nova redacção, não pode ocorrer preterição de formalidade essencial no processo de execução de sentença por falta de chamamento ao processo do titular do órgão condenado, como pretende a recorrente e foi sustentado nos dois arestos deste tribunal, pois as eventuais causas de justificação ou de exculpação da conduta constituem fundamentos da oposição a exercer pelo titular do órgão condenado no âmbito da liquidação das importâncias que resultem da aplicação da sanção pecuniária compulsória a que foi condenado.

Numa segunda linha argumentativa, alega a recorrente que a decisão condenatória não procede à identificação pessoal do titular do órgão administrativo condenado e não se encontra materialmente fundamentada no que respeita à conduta culposa do titular do órgão na inexecução do julgado.

Compulsada a sentença recorrida, verifica-se, efectivamente, que não foi identificado o titular do órgão, o que se impunha atento o carácter pessoal da condenação, e de acordo com o preceituado no nº1 do artigo 169º do CPTA, entendimento que é pacífico na jurisprudência deste Tribunal (vd. citados acórdãos deste TCAS de 03/25/2021, tirado no proc.º 460/06.6BEBJA-B e de 05/12/2016, tirado no proc.º 09172/15).


E é também esse o entendimento da doutrina que sobre o tema se debruçou. Segundo Vieira de Andrade, “A justiça Administrativa (lições)”, 2006, pág. 429 a 435, as sanções pecuniárias compulsórias «recaem não sobre o património do “devedor”, mas sobre o património do individuo que “representa” o devedor ou lhe administra os bens e interesses».

Tal como o referido administrativista defende, isto envolve uma identificação individual dos responsáveis pelo cumprimento da sentença, tem carácter intuitu personae, o que aliás se retira do disposto no art.º 169.º/3 CPTA quanto à exclusão da responsabilidade dos membros do órgão colegial que tenham votado pela execução.

A falta de menção do elemento em causa (a identificação individual do titular do órgão condenado), inquina a sentença de erro de julgamento no segmento da decisão condenatória.

O recurso merece provimento por este fundamento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte posta em crise.

Condena-se a Recorrida em custas (art.º 33.º, alínea b) do CPTA ex vi do 2.º, alínea c) do CPPT).

Lisboa, 10 de Novembro de 2022


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha