Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:24/18.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/28/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC;
PROVISÃO PARA CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA.
Sumário:i) Não sendo posta em causa a existência dos créditos em mora e a necessidade do seu pagamento, o risco de incobrabilidade do crédito pode ser comprovado, quer pela pendência de processo falimentar, quer através da reclamação judicial dos créditos, quer ainda através de diligências encetadas pelo credor com vista ao seu recebimento.
ii) O contribuinte pode utilizar todos os meios de prova que o ordenamento jurídico lhe faculta, nomeadamente a prova testemunhal, no que se refere à prova dos requisitos legais de constituição das provisões para créditos de cobrança duvidosa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
“S......., SA”, veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 1992.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença datada de 22 de Janeiro de 2016, julgou procedente a impugnação.
Nas alegações de recurso, a recorrente, Fazenda Pública, formulou as conclusões seguintes:
«I - Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvando-se sempre melhor entendimento e, com o devido respeito, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal "ad quo" julgou procedente o pedido da impugnante escusando-se de analisar melhor prova do que a constante dos autos, lavrando em erro no que concerne à apreciação da matéria de facto e ao exame crítico dos documentos constantes dos autos.
II - Todavia, face às declarações disponíveis, inclusivamente as respeitantes ao procedimento de inspeção e, se devidamente analisadas as provas reunidas, prevaleceria uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal, pois, pese embora determinados factos tenham sido dados como provados, os mesmos foram objeto de uma análise crítica deficiente.
III - No presente caso foi entendido que a questão em consideração nos autos consiste em saber se a Impugnante efetuou, de forma adequada, as provisões constituídas para créditos de cobrança duvidosa.
IV - Nessa senda, os autos demonstram que não. De facto, a prova aí constante indica que as correções levadas a cabo pela inspeção se devem manter por serem legais e formalmente adequadas.
V - Neste conspecto, a questão passa por saber se "os valores corrigidos" foram ou não adequadamente provisionados face aos pressupostos da lei no que concerne à incobrabilidade dos mesmos. Refere a propósito a sentença recorrida:
"No presente caso, decorre do probatório que a impugnante tentou, através das missivas datadas de 16.04.1990, 11.06.1990 e 18.07.1990, enviadas à empresa "S......." com quem manteve, até determinada altura relações comerciais, fazer-se pagar dos créditos que detinha sobre esta empresa, nomeadamente, através da aceitação de letras e cheques que se iam substituindo, na medida em que os prazos se iam vencendo por falta do respetivo pagamento."
E,
"Que em relação à empresa "T.......", devido à falência desta, efetuou a correspondente reclamação dos seus créditos em 06.01.1987, cujo saldo provisionado em 31.12.1992 era de 2.820.347$00"
VI - No entanto há que previamente delimitar a situação fática especificando quais são as provisões para créditos de cobrança duvidosa em apreço, constituídas pela S.......:
Cliente T....... - Const. C. Industriais, saldo de Dezembro de 89, o montante de 2.820.347$00. Ciente S....... saldo de Dezembro de 90, o montante de 1.715.264$00.
Ou seja, está em causa o montante total de 4.535.610$00, cujo aprovisionamento não deve ser aceite.
VII - Note-se até que, quanto às correções efetuadas pela AT, em relação às provisões para créditos de cobrança duvidosa, as mesmas tiveram por base o esclarecimento prestado pelo sujeito passivo: de acordo com a certidão a fls. 27 do PAT, a S....... reclamou em 6/1/87, o crédito de 10.035.414$80, referente ao cliente T....... em insolvência; contudo, constata-se não respeitar o referido pedido (reclamação) ao mesmo crédito corrigido pela AT, uma vez que a correção reclamada teve por base a quantia de 2.820.346$00 que, se venceu em Janeiro de 1990 ou seja, a vencer posteriormente à data em que fora feita a reclamação. Assim sendo, tal reclamação nunca poderia englobar um crédito vincendo.
Já quanto ao cliente S....... a correção efetuada de 1.715.264$00, cuja antiguidade se reporta a Dezembro de 1990, não está relacionada com as importâncias constantes dos documentos de fls. 28 a 32 que, a reclamante juntou à reclamação. De facto as importâncias não coincidem com as diligências promovidas pela impugnante em Junho e Julho de 1990: na verdade a correção levada a cabo pela AT visou o saldo à data de (Dezembro/90), pelo que se conclui não se tratar do mesmo crédito (sublinhado nosso) (cfr. fls. 34).
VIII - Contrariamente aos procedimentos adotados pela impugnante, uma vez que a correção efetuada de 1.715.263$00 tem data Dezembro de 1990, terá que se concluir que não foi reclamada nos documentos probatórios apresentados pela impugnante com data anterior e, daí a correção em causa.
Por outro lado, fazendo a análise da conta de clientes, em 18.07.1990 a impugnante apresentou à S......., um saldo em dívida no montante de 3 454 788$20, sendo que a última fatura em dívida que faz parte desse saldo datada de 02-07-90. Ora a correção efetuada, sendo posterior, ocorreu já no mês de dezembro de 1990 e, ascende a 1.715.263$00, data em que o saldo em dívida apresentava já um valor global de 5.354.995$00, o que significa que a diferença não estornada foi desconsiderada por falta de documentos comprovativos, face a ter vencido posteriormente a Julho (cfr. fls. 20 a 24 volume 1).
IX - Ou seja, "De acordo com a certidão de 14/08/95 (anexo 2), a S....... reclamou, em 06/01/87, o crédito de 10.035.414$00, relativamente ao cliente T........ Ora como podemos verificar não se tratará do mesmo crédito, uma vez que a correção efetuada teve por base o montante de 2.820.346$00, que se venceu em Dezembro de 89.
De igual modo a correção efetuada, relativamente ao cliente S......., no montante de 1.715.264$00, cuja antiguidade se reporta a Dezembro de 90, nada terá a ver com as importâncias constantes dos anexos 3 a 6, que o sujeito passivo junta à presente reclamação, pois para além dos montantes não coincidirem, as diligências foram efetuadas em Junho e Julho de 1990, portanto muito anteriores à antiguidade do saldo (Dezembro/90), pelo que em nosso entender não se tratará do mesmo crédito."
X - Ora o Tribunal ad quo, ao entender que a impugnante se fazia pagar dos créditos que detinha, nomeadamente através da aceitação de letras e cheques que se iam substituindo, na medida em que os prazos se iam vencendo por falta do respetivo pagamento, também não teve em consideração a data do(s) documento(s) em causa, posterior às referidas missivas.
Por outro lado não se debruçou sobre o nexo causal revelando assim uma deficiente base instrutória.
Ainda, contraditoriamente, se a impugnante aceitava letras como forma de pagamento com vencimento a certo termo e, as substituía até por outras, não poderia constituir provisões de cobrança duvidosa uma vez que essa aceitação pressupunha a concordância do protelamento do prazo de pagamento, afastando a mora.
XI - Tal juízo ocorreu em prejuízo da prova constante dos autos e em prejuízo da relação subjacente ou fundamental - com um regime próprio.
Isto porque, do mesmo modo que o direito cartular é autónomo do direito subjacente, e por isso não permite que sejam opostos ao portador do título, em princípio, meios de defesa (excepções) emergentes da relação fundamental (art. 17º in fine Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças), a constituição de provisões terá que ser analisada em função dos documentos subjacentes, os únicos capazes de levar ao reconhecimento de uma obrigação vencida e em mora.
XII - Pelo que, com o muito e devido respeito, o douto Tribunal "ad quo'', não esteou a sua fundamentação de facto de acordo com a prova constante nos autos, violando ainda o princípio do inquisitório, devendo, nessa medida, a decisão ser afastada da ordem jurídica.
*
A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.
X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal ofereceu aos autos o seu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A) A impugnante foi notificada através do ofício n.º 1125 de 10.11.1994, para efectuar os esclarecimentos requeridos, no âmbito da acção de fiscalização tributária interna à contabilidade da empresa, referente ao ano 1992;
(cfr. doc. 2 junto com a PI)
B) Em 21.11.1994 a impugnante deu entrada, na Direção de Finanças de Lisboa, da resposta ao pedido de esclarecimentos, cujo teor se dá por reproduzido;
(cfr. doc. 3 junto com a PI)
C) No quadro 20 do documento de correção DC- 22, a inspeção tributária elenca as correções efetuadas, tendo efetuado a correção na linha 7 do quadro 18 - no montante de 4.535 .610$00, referente a provisões para créditos de cobrança duvidosa, com o fundamento de que «para as quais o sujeito passivo não enviou provas justificativas das diligências efetuadas para o recebimento dos créditos, contrariando o estipulado na al. c) do n.º1 do art.º 34 do CIRC));
(cfr. fls. (...) do PA junto aos autos)
D) Em 22.06.1995, foi efetuada a liquidação de IRC do ano 1992, n.º 8….., no montante de 3.100.223$00, com data limite de pagamento de 13.09.1995;
(cfr. doc. 1 junto com a PI)
E) Em 16.04.1990, a ora impugnante remeteu à firma "S......., Lda." uma carta com o seguinte teor:
«( ..) Junto devolvemos os v/ cheques da C..... que nos foram enviados para reforma de letras, os quias não tinham cobertura, mas que já foram substituídos, e que são os seguintes (...)»
(cfr. doc. 8 junto com a PI)
F) Em 11.06.1990 a ora impugnante remeteu à firma "S......., Lda." uma carta com o seguinte teor:
«( ..) Vimos com a presente chamar a v/ atenção para a necessidade de procederem com a maior brevidade a regularização da v/ conta que apresenta a seguinte descriminação: (...)
Informamos ainda que não aceitaremos reforma de letras V/ aceites sem que venham acompanhadas da respectiva amortização.
Assim, as letras que se vencem a 15 do corrente já terão de cumprir esta condição.
Aguardamos as v/ breves notícias e subscrevemo-nos com consideração e estima. (...)»
(cfr. fls. 49 dos autos)
G) Em 15.06.19 90 a empresa "S......., Lda." comunicou à impugnante dos lançamentos contabilísticos de reforma e aceites de letras, conforme documentos de suporte dos mapas de conta corrente, junto aos autos, como documento n.º6;
H) Em 18.07.1990 a ora impugnante remeteu à firma "S......., Lda" uma carta com o seguinte teor:
«( ..) No seguimento da nossa carta, ref.ª 2178, de 11 de Junho p.p., e após as conversações havidas, vimos mais uma vez reiterar a urgente necessidade de procederem à regularização do V/ saldo devedor.
A Vossa conta-corrente acusa o seguinte saldo em dívida:

Amortização em falta

- aceites de 15.06.90............................................... 348 522$00

Encargos Bancários.................................................. 51 577$20

3.454.788$20 »

(cfr. doc. 11 junto com a PI)

I) Em 20.12.1990 o Banco B…… informou a impugnante que uma letra emitida sobre a empresa "S.......", no montante de 243.702$00, não tinha sido paga no prazo do seu vencimento, em 15.12.1990;
(cfr. doc. 12 junto com a PI)
J) Do documento n.º13 junto com a petição inicial, retira-se que a dívida da empresa "S......." à impugnante em 31.12 .1990 era de 5.345.995$00 e, em 21.12.1992, era de 1.715.263$00 ;
K) Em 3.2.1992 a empresa "S......." efetuou um pagamento à impugnante, no montante de 2 .900.000$00, através do cheque n.º 2……do Banco E……. de Lisboa;
(cfr. doc. 15 j unto com a PI)
L) Em 14.08.1995, o 16.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa certificou nos autos com o n.º 4703 / A foi requerida a falência da empresa "T....... – C….., Lda.", cujo processo tem apenso uns autos de reclamação de créditos, datados de 17.06.1986, nos quais o credor, "S....... – s……, Lda.", com sede em Lisboa, reclamou em 06.01.198 7 o crédito, na quantia de 10.035.414$00;
(cfr. doc. 16 junto com a PI)
M) Do teor do documento n.º 17, junto com a petição inicial, retira-se que o saldo de crédito sobre a empresa T......., Lda., era de objeto de provisão, no montante de 2.820.647$00;
N) Em 14.12.1995, deu entrada na Repartição de Finanças do 3.º Bairro Fiscal de Lisboa de Reclamação Graciosa da Liquidação, cujo teor se dá por reproduzido;
(cfr. fls. (...) do processo de reclamação graciosa junto aos autos)
O) Por Despacho do Director de Finanças de Lisboa de 31.12.1996, foi indeferida a reclamação graciosa com os fundamentos seguintes:
«(...) em relação as provisões para créditos de cobrança duvidosa, tendo como base o esclarecimento prestado pelo sujeito passivo e de acordo com a certidão a fls. 28, a S....... reclamou em 6/1/87, o crédito de 10.035.414$80 referente ao cliente T.......; contudo, constata-se não ser o referido, o mesmo crédito, uma vez que a correcção reclamada teve por base a quantia de 2.820.346$00 que se venceu em Dezembro de 1989: quanto ao cliente S......., a correcção efectuada de 1.715.264$00, cuja antiguidade se reporta a Dezembro de 1990, nada terá a ver com as importâncias constantes nos documentos de fls. 29 a 32 que a reclamante juntou à reclamação. Não só por as importâncias não coincidirem, como as diligências terem sido promovidas em Junho e Julho de 1990, muito anteriores à antiguidade do saldo (Dezembro/ 90), concluindo não se tratar do mesmo crédito;
(...)»
(cfr. fls. (...) do processo de reclamação graciosa junto aos autos)
III.1 - Factos não Provados
Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão.
MOTIVAÇÃO
A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.»

X

2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada sentença proferida, datada de 22 de Janeiro de 2016, a qual julgou procedente a impugnação deduzida por “S......., SA”, contra a liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 1992.
2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte.

«…alega a impugnante que as relações comerciais das empresas são de índole dinâmica. Entre outras consequências, este dinamismo traduz-se no facto de as relações de trocas comerciais se manterem, independentemente da falta de pagamento pontual de uma factura desde que a empresa devedora dê garantias à empresa credora que irá satisfazer o seu crédito.
Como se pode verificar pelo documento "Análise de Conta Corrente de Clientes" foi este tipo de situação que se veio a desenvolver entre a S......., ora impugnante e a empresa "S.......".
Assim, embora os créditos da S....... sobre a S....... se vencessem, a S....... permitia à S......., ir pagando parte do montante em débito, através de cheques e a parte não paga ficava titulada por uma letra, vindo esta "substituir" a factura correspondente.
Estes factos patrimoniais ocorridos, bem como todos os outros com estes conexos, (notas de débito emitidas, notas de crédito, etc) entre as duas empresas eram registados pela S....... na respectiva conta corrente de clientes.
Pelo seu lado, a S....... enviava à S....... avisos de lançamento onde eram mostrados os lançamentos inversos que aquela empresa fazia na sua contabilidade, relativos à conta corrente desta.
Em determinada altura, dado que a S....... tinha enviado letras de montante inferior ao seu débito sem virem acompanhadas do respectivo cheque correspondente a esta diferença - (em linguagem comercial letras reformadas e não amortizadas) - em carta datada de 11/ 6/ 96, a S....... informa a S....... que o seu saldo favorável era de 1.964.448$00, chamando a atenção para a necessidade de proceder com a maior brevidade à regularização do mesmo, carta esta que obteve resposta da S........
Em carta, datada de 18/ 7/ 90 a S....... informa a S....... que o valor do seu débito tinha "saltado" para 3.545.788$00.
Em 20/ 12/ 90 o Banco B….. informa a S....... que uma letra de valor de 243.702$00, cujo o vencimento se dava a 15/ 12 / 90 não tinha sido paga.
A partir desta altura, e já no exercício do ano de 1990 a S......., entrando definitivamente em mora, pois cessaram o envio das letras e cheques concernentes ao processo dinâmico de relacionamento, deixou de garantir à S....... o pagamento dos créditos que tinha sobre aquela empresa.
Em 31 / 12 / 92 apurado o valor em débito da S....... à S....... verificou-se que este era de 1.715.263500.
Estando os créditos, em questão, em mora desde o exercício de 1990, cujo montante de 1.715.263$00 por eles abrangidos, correspondia ao seu valor efectivo em 1992, o provisionamento do mesmo fez-se rigorosamente de acordo com o artigo nº 34º do CIRC, pelo que as correcções efectuadas à matéria tributável pela Administração Fiscal são incorrectas, implicando que o acto tributário esteja erroneamente quantificado, sendo este facto fundamento de impugnação. (artigo 120º al. a) do CPT).
O valor de 2.820.346$00, provisionado pela S......., no exercício de 1992 era a grandeza efectiva do crédito que esta empresa detinha sobre a "T......." neste exercício, advindo de créditos anteriores e definitivamente em mora em exercícios passados de montante superior ao referido e, cuja expressão foi diminuindo através de prestações realizadas, tendo por isso a provisão sido efectuada rigorosamente de acordo o artigo 34.º do CIRC.
(…)
No presente caso, decorre do probatório que a impugnante tentou, através das missivas datadas de 16.04.1990, 11.06.1990 e 18.07.1990, enviadas à empresa "S......." com quem manteve, até determinada altura relações comerciais, fazer-se pagar dos créditos que detinha sobre esta empresa, nomeadamente através da aceitação de letras e cheques que se iam substituindo, há medida que os prazos se iam vencendo por falta do respetivo pagamento.
Que em relação à empresa "T.......", devido à falência desta, efetuou a correspondente reclamação dos seus créditos em 6.01.1987, cujo saldo provisionado em 31.12.1992 era de 2.820.347$00».

2.2.3. Contra o veredicto que fez vencimento na instância, a recorrente considera que a sentença incorreu em erro de julgamento, dado que os pressupostos relativos à constituição de provisões, seja em relação ao cliente da impugnante “T.......”, seja em relação ao cliente “S.......”, previstos no artigo 34.º do CIRC, não se mostram comprovados nos autos.
Apreciando.
Estão em causa correcções à contabilidade da impugnante do exercício de 1992. As razões das correcções são as constantes da alínea O), do probatório.
Estatuía o artigo 33.º/1/a), do CIRC (versão vigente), que «[p]odem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões: // a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade».
«[S]ão créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos: // a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência; // b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente; // c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existirem provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento»(1).
A este propósito constitui jurisprudência firme a seguinte:
i) «São fiscalmente dedutíveis as provisões que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade»(2).
ii) «Os créditos de cobrança duvidosa são aqueles em que o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado»; «(…) podem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões «que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade»(3).
iii) «Quanto às provas de terem sido efectuadas diligências para o recebimento dos créditos, tem-se considerado bastante a apresentação de cópias de cartas enviadas aos devedores (ou mesmo outro tipo de prova, incluindo a testemunhal)»(4).
iv) «Quanto à condição estabelecida, para efeitos de reconhecimento fiscal da mesma provisão de os créditos serem evidenciados na contabilidade como de cobrança duvidosa, não é obrigatório o registo de tais créditos em contas separadas, concretamente na conta 218, sendo aceitável outro tipo de evidenciação, inclusive na nota 23 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados»(5).
v) «No regime do C.I.R.C., a constituição de provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável, não ao exercício de constituição dos créditos, mas sim ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade. Ou seja, não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade, data esta que deve estar devidamente justificada, sob pena de violação do … princípio da especialização dos exercícios»(6).
vi) «O contribuinte pode utilizar todos os meios de prova que o ordenamento jurídico lhe faculta, nomeadamente a prova testemunhal, no que se refere à prova dos requisitos legais de constituição das provisões para créditos de cobrança duvidosa, designadamente, a demonstração da factualidade atinente ao momento em que se verificou o risco de incobrabilidade»(7).
No caso, a recorrente não contesta a existência dos créditos, nem a situação de mora dos mesmos. A sua discordância centra-se sobre a falta de prova das diligências efectuadas pela credora/impugnante com vista à obtenção do pagamento dos créditos, junto da sociedade devedora.
Mas se assim é, as dúvidas da recorrente não têm amparo. É que em ambas as situações foi reconhecida a existência de dívidas em mora e a necessidade do seu pagamento, através de reclamação junto do devedor ou de quem o representa. Em relação aos créditos sobre a cliente da impugnante “T.......”, verifica-se que existe prova da reclamação do crédito(8), bem como do risco de incobrabilidade do mesmo, dado que a devedora foi objecto de processo falimentar (artigo 34.º/1/a), do CIRC)(9). No que respeita aos créditos sobre a cliente “S.......”, verifica-se que no âmbito da conta corrente e das reformas de letras existentes entre ambas as empresas, a impugnante diligenciou pelo cumprimento dos créditos em causa(10). Mas, neste caso, se a posição da AT é a de que «o prazo de contagem da mora se inicia sempre após a última data que o credor conceda ao devedor para regularizar a dívida»(11), como pode a mesma invocar que as missivas expedidas não respeitam aos créditos em causa ou não são temporalmente coincidentes com o vencimento de tais créditos? Ou seja, o risco de incobrabilidade dos créditos em presença mostra-se comprovado, o mesmo se deve dizer em relação às diligências encetadas pela impugnante com vista ao seu cumprimento por parte dos devedores.
Pelo que não têm sustento as correcções em exame. A liquidação deve ser anulada.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece reparo, devendo ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo da dispensa de custas de que usufrui a Fazenda Pública (processo instaurado em 1997).
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)
(2º. Adjunto)


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(1). Artigo 34.º do CIRC (versão vigente).
(2).Acórdão do STA, de 18.10.2006, P. 0668/06.
(3).Acórdão do TCAS, de 05.06.2019, P. 133/17.4BCLSB.
(4).José Alberto Pinheiro Pinto, Fiscalidade, Areal Editores, 5.ª Edição, p. 228.
(5)Despacho do Director Geral dos Impostos, de 31.07.1996.
(6).Acórdão do TCAS, de 19.05.2016, P. 07245/13.
(7).Acórdão do TCAS, de 19.05.2016, P. 07245/13.
(8)Alíneas M) e O).
(9).Alínea L).
(10).Alíneas E) a K).
(11).José Alberto Pinheiro Pinto, Fiscalidade, Areal Editores, 5.ª Edição, p. 228.